14 de setembro de 2019 | 03h00
A dinâmica política que levou a reforma da Previdência para o topo da agenda nacional, tornando-a aceitável e até mesmo desejável para muitos eleitores e parlamentares que nem sequer podiam ouvir falar desse assunto há não muito tempo, é a mesma que parece empurrar outra reforma crucial, a do Estado, para o centro das atenções. Já não era sem tempo.
A questão atingiu dimensão tal que não é mais possível falar apenas em uma reforma administrativa, como as que foram tentadas nos anos 80 e 90. Não se trata somente de pôr cobro a exagerados benefícios do funcionalismo público nem tampouco de remodelar a estrutura burocrática, mas sim de repensar os diversos aspectos da relação entre administração e sociedade. Esse debate deve se dar à luz das cada vez mais evidentes restrições fiscais, que ameaçam inviabilizar o funcionamento do Estado e que reduzem ano a ano os investimentos públicos destinados a melhorar a infraestrutura do País e a estimular a economia.
As vacas magras finalmente começam a obrigar alguns administradores públicos a delimitar as verdadeiras prioridades do País, pois a alternativa é o colapso. Não se pode mais aceitar que haja privilégios a servidores públicos bem remunerados enquanto faltam recursos para oferecer o básico - principalmente saúde, educação, transporte e saneamento básico - à população de baixa renda. Tampouco se pode continuar a admitir ou desejar que o Estado, em nome do desenvolvimento de setores ditos “estratégicos”, drene recursos públicos para se envolver em atividades econômicas que podem perfeitamente ser desempenhadas pela iniciativa privada.
Um Estado eficiente está longe de ser sinônimo de Estado grande. Já está provado que, quanto maior é a estrutura do Estado, maiores são as oportunidades para a corrupção e o desperdício. A burocracia é parte da necessária estrutura para o exercício da regulação estatal, mas deve ser enxuta e inteligente, para cumprir seu papel sem prejudicar aqueles que pretendem empreender e gerar empregos.
Uma reforma nessa seara deve, portanto, reduzir as exigências burocráticas e requalificar o serviço público, premiando a produtividade e tornando mais seletiva a ascensão ao topo das carreiras do funcionalismo. Nesse contexto, faz todo o sentido o debate atual em torno da necessidade de facilitar a demissão de servidores públicos e de reduzir salários iniciais. A reação dos representantes de servidores, é claro, não tardou: uma frente parlamentar “em defesa do serviço público” já está se mobilizando para tentar impedir a reforma - ou o “desmonte do setor público”, como dizem os sindicalistas mais exaltados.
Certamente será nesse clima beligerante que as discussões sobre essa reforma vão se dar, e é por esse motivo que o governo fará bem se deixar de tratar o tema sob o aspecto ideológico, pois isso tende a crispar ainda mais os ânimos. Assim como ocorreu no bem-sucedido debate sobre a reforma da Previdência, o redimensionamento do Estado deve ser apresentado por seu aspecto eminentemente técnico e econômico. Se o governo Bolsonaro, até agora pouco atuante, quiser realmente colaborar para o sucesso dessa empreitada, deve primeiro abandonar a ladainha palanqueira, que só serve para alimentar bate-bocas estéreis.