01 de janeiro de 2020 | 03h00
Num ambiente bastante polarizado, o Brasil conseguiu rara convergência política para aprovar uma satisfatória reforma da Previdência em 2019. Foi uma façanha e tanto, considerando não apenas o clima de forte ressentimento que contamina partidos, movimentos e até famílias, mas principalmente o fato de que, em qualquer lugar do mundo, modificações no sistema de aposentadorias costumam gerar ruidosos e, frequentemente, violentos protestos.
Aqui no Brasil, houve uma oposição pouco significativa à reforma da Previdência, limitada na prática às corporações que foram diretamente afetadas com o fim de privilégios. A reforma afinal passou sem sobressaltos substanciais, e sua mera aprovação está sendo fundamental para restabelecer a confiança dos agentes econômicos e dos investidores no equilíbrio das contas públicas. Ao que consta, as agências internacionais de classificação de risco já estariam dispostas a elevar o rating brasileiro, rebaixado depois do desastre da recessão e das contas maquiadas nos governos lulopetistas.
O ano de 2019 encerra-se, portanto, sob atmosfera razoavelmente otimista. Contudo, a tarefa de recuperação do País e de criação das condições necessárias para estimular seu crescimento está muito longe de terminar. É preciso dar continuidade às reformas, em especial a tributária e a administrativa, sem falar das mudanças no pacto federativo. Será um grave erro deixar-se inebriar pelo relativo sucesso reformista de 2019 e considerar que há margem para suspender esse trabalho em razão da mobilização política com vista às eleições municipais de 2020.
Ora, o País realiza eleições a cada dois anos, e não é possível que, de dois em dois anos, em nome da satisfação de interesses eleitorais, os parlamentares renunciem à sua tarefa precípua, que é aprovar as leis e as mudanças estruturais de que o País necessita.
Tem sido comum ouvir deputados e senadores argumentarem que “ano eleitoral” é um período em que não se pode discutir e votar temas espinhosos no Congresso, pois isso pode melindrar eleitores em suas bases. Ou seja, a legislatura eleita para trabalhar quatro anos opera, na prática, só na metade desse tempo; na outra metade, dedica-se a fazer campanha eleitoral.
Seria ingênuo esperar que os políticos não se preocupassem com as eleições, pois vivem de votos. Afinal, é a essência da democracia representativa. No caso das eleições municipais deste ano, os parlamentares federais esperam que a eventual vitória de seus aliados em disputas por prefeituras ajude a consolidar suas bases, na tentativa de obter apoio à reeleição em 2022. Tudo isso faz parte do jogo.
No entanto, um político que deixa de fazer seu trabalho por receio de perder votos corre o risco de não ganhar voto nenhum e de perder os que já tem. É mais inteligente o parlamentar que mostra serviço, apoiando as reformas de que o País tanto necessita, e que transforma esse apoio em capital eleitoral, do que o deputado ou senador que se omite diante de temas espinhosos. No primeiro caso, o político demonstra consciência de que é preciso trabalhar pelo bem do País a todo momento, mesmo em “ano eleitoral”, e o eleitor certamente haverá de reconhecer seu valor; já no segundo caso, o que se tem é mero oportunismo, que nada acrescenta ao País e que, ao contrário, colabora decisivamente para o abastardamento da política – com a consequente descrença na atividade parlamentar como meio de expressão genuinamente democrática.
Eleições, portanto, não podem parar o País. Por mais que as campanhas naturalmente mobilizem a atenção de partidos e seus candidatos, é preciso dar continuidade às pautas legislativas de interesse nacional, pois foi para isso que os eleitores escolheram seus representantes.