Nathalia Molina, especial para o Estado
Respirar, a mais essencial das nossas funções. Está aí a pandemia de coronavírus nos provando mais uma vez esse fato, por vezes esquecido no atropelo do dia a dia. Como o mundo parou, se dê a chance de experimentar algo novo. Esse é o convite que o ex-nadador Fernando Scherer faz diariamente aos seus seguidores quando entra ao vivo, às 9 horas, para mais uma meditação no Instagram @xuxanatacao.
“Se eu conseguir introduzir esse hábito na vida das pessoas, fico feliz. Já estou há uns 15 dias fazendo as lives, e o retorno é muito bom. Mães que melhoraram com os filhos, que eles ficaram mais tranquilos. Pessoas que começaram a dormir bem, a resolver problemas com mais calma”, diz o medalhista de bronze nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, e de Sydney, em 2000.
Na semana passada, Xuxa começou a fazer lives específicas para crianças, às 19h30, às segundas, quartas e sextas. “É curtinha, com uns 10 minutos. A minha meditação já é lúdica, mas de manhã eu proponho o exercício de se observar como um terceiro elemento. A criança já é aérea, vou fazer uma coisa usando mais o elemento terra”, explica o ex-nadador.
Xuxa medita toda noite com a filha Brenda – Foto: Fernando Scherer
As duas filhas de Scherer também são iniciadas na prática de meditação. “A Brenda (de 7 anos) faz meditação direto comigo. Ela já chega e senta do meu lado na live da manhã, quando quer, e toda noite a gente faz juntos”, conta o ex-atleta. “A mais velha (Isabella, de 24 anos) já fez curso de meditação. Ela faz no tempo dela. Isso é que nem exercício físico e uma boa alimentação. Tem de ser de dentro para fora, não adianta forçar.”
Professora particular de yoga para crianças, Fernanda Poli entende bem isso. Miguel, de 6 anos, e Maitê, de 2, às vezes se animam quando veem a mãe nas posturas. “Eles praticam, mas não é uma regra. Eu deixo os dois sempre à vontade. Encaram um pouco como prática de exercício, como alongamento”, diz a professora que usa o Instagram @yoga.para.criancas para dar dicas às famílias que querem conhecer a prática e entender como podem aplicá-la em casa. “Eu não acho que a criança que vai fazer yoga hoje vai ficar calma amanhã. Meu objetivo é criar uma sementinha. O que eu quero com isso é que esses gestos virem um hábito prazeroso, que a criança se sinta bem e busque isso porque lá na frente ela vai ser menos ansiosa.”
Fernanda e os filhos, Miguel e Maitê, fazendo a borboletinha – Foto: Fernanda Poli
Sem complicação
Tanto nos posts no Instagram quanto no vídeo de uma aula de 25 minutos que ela publicou em seu canal do YouTube, Fernanda mostra posturas (ou asanas) simples, cujos nomes em português traduzem o movimento executado: borboleta, pinça e cachorro olhando para baixo. “A Hatha Yoga que eu dou não tem nenhuma postura daquelas de capa de revista. É bem tranquila, todos podem fazer”, explica. “Yoga não é para sentir dor, não é competição. Você vai no seu limite. É o momento de fazer uma conexão com a criança. É difícil a gente praticar uma atividade física com os filhos. Na yoga, você pode convidar.”
Postura da pinça, com Fernanda e o filho Miguel – Foto: Fernanda Poli
Para o psicólogo Danilo Lima Tebaldi, que atende crianças e adolescentes no Centro de Saúde-Escola da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, meditação e yoga podem ajudar meninos e meninas durante o isolamento social. “Os pais podem estimular seus filhos a olharem mais para si e a refletirem o que podem aprender com esse período complexo pelo qual estamos passando”, acredita Tebaldi. “Os pais, assim como os filhos, também podem se beneficiar dessas práticas para que possam cuidar de si.”
A pediatra Célia Bocci concorda com a busca por práticas que possam trazer “equilíbrio e paz para este momento caótico para todos”. “A gente não esperava viver isso. Você é testemunha da história, mas conviver com os sentimentos e encarar isso é difícil”, afirma a médica do Hospital Infantil Sabará. Célia indica, além de meditação e ioga, exercícios básicos de respiração, ensinados em aplicativos gratuitos como Insight Timer e Medite-se.
Até um símbolo pop, a Barbie, entrou no clima da meditação. O instagram @barbie já teve lives nesta quarentena com sessões guiadas pela voz feminina do aplicativo Headspace. A versão yogi da boneca consegue dobrar os joelhos para cruzar as pernas na posição de yoga.
Meditação trabalha a criança de forma integral, segundo professora – Foto: Cris Pitanga
“No ato de meditar, a gente está paradinho ali, mas está trabalhando com a criança de uma maneira integral”, explica a pedagoga Cris Pitanga, que ensina yoga e meditação para criança desde 1996. No Instagram @crispitangayogakids e no seu canal do YouTube, ela posta dicas para pais e educadores. Na quarentena, publicou vídeos curtos com conceitos como a postura da montanha (“para se conectar com a força interior”) e o sopro ha (“para se libertar da raiva e do medo”). “Não queria ficar explicando muito. Queria uma prática que os pais possam fazer em casa. As crianças já estão cheias de atividades neste isolamento”, diz a autora dos livros Yoga com Música e Descubra o Iogue que Existe em Você, voltados para crianças e adolescentes.
Sem imposição
A prática de yoga ou meditação não pode ser vista como mais uma obrigação na vida da criança, alerta a psicóloga Beatriz Borges Brambilla, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Tem crianças que vão se adaptar super bem, que vão achar bacana. Para outras que estão fazendo muitas atividades, trazer mais coisas novas pode parecer que estão vindo como tarefas”, ressalta. “A meditação não é boa para todo mundo. Acho muito complicado esse tipo de recomendação se não diz sobre o histórico da família. É importante que os pais possam valorizar práticas que já faziam antes do isolamento.”
O casal de filhos de Marcia Horie Moreira Fortuna já sabia meditar, pois aprendeu na academia de kung fu. “No início, tinha uma turma muito grande de crianças. Era muito agito, então o mestre usava a meditação como uma estratégia para acalmá-los”, lembra a mãe. “Eu comecei a fazer kung fu para ter um tempo para mim. Só que eles acabaram se interessando e fazem também.” Mateus, hoje com 12 anos, e Letícia, de 8, praticam a arte marcial desde 2017.
Os irmãos Mateus e Letícia aprenderam a meditar no kung fu – Foto: Marcia Horie Moreira Fortuna
A mãe conta que os filhos não têm o hábito de meditar. No entanto, quando vão a um lugar bonito, como o templo budista de Foz de Iguaçu, onde estiveram em 2019, sentem vontade de praticar. No dia a dia, a família também usa como um apoio, por exemplo, nas brigas comuns entre irmãos. “Não é do cotidiano deles, mas, quando estão muito agitados, a gente puxa a meditação.”
Durante a quarentena, eles foram para a casa de praia no litoral norte para ter mais espaço. “Aqui a Letícia vira e mexe para e faz, até por ser mais agitada. O Mateus está mais na fase de videogame, jogo eletrônico.” Marcia conta que, para a filha, a meditação funciona como se fosse uma brincadeira. “Ela me disse: ‘mamãe, eu medito na escola com a minha amiga Rafa’. Para ela, meditar é a questão da respiração.”
Aprender a respirar está entre os benefícios da prática para crianças. Como formadora de professores, Cris enumera alguns outros: “Ela vai aprender a relaxar o corpo, a acalmar a mente, a equilibrar as emoções e, no nível mais profundo, a acessar os conteúdos internos de qualidades como paciência, amor e tranquilidade, todas tão necessárias atualmente”. Enquanto o mundo segue parado, faça você também uma pausa. Inspire, expire, tudo vai passar. Namastê.
Namastê: inspire, expire, tudo vai passar – Foto: Cris Pitanga
Passo a passo da meditação guiada para crianças
Como fazer a criança meditar pela primeira vez? Para quem não é iniciado no assunto, a proposta pode parecer um pouco utópica, mas o objetivo é apenas trazer um pouco de tranquilidade à família, sem a cobrança de fazer cada passo perfeitamente. Por isso, a professora Cris Pitanga explica que o importante é ir devagar, começando com uma prática bem simples, focada na respiração. Segundo ela, a ideia é que a meditação funcione como uma viagem lúdica na imaginação das crianças.
Abaixo, Cris propõe um passo a passo para começar. A meditação descrita dura apenas dois minutos – algumas crianças podem chegar a cinco minutos, já que o tempo de pausa para sentir a calma depende de cada criança. “É muito importante o adulto respeitar isso, para que seja um momento de paz em família”, diz.
Segundo ela, não há um momento do dia mais indicado para a prática. “O ideal é que a família perceba, dentro da realidade dela, do movimento da casa, o melhor horário e separe um tempinho. Conheço famílias, por exemplo, que param antes do almoço para respirar”, conta.
Para começar, os pais devem escolher um lugar calmo da casa e pedir para as crianças se sentarem no chão de pernas cruzadas (quem não puder, pode usar uma cadeira, mas sempre mantenha as costas eretas).
Depois, os pais devem falar pausadamente, como se contassem uma história. Assim:
1. Vamos fechar os olhos, puxar o ar pelo nariz e fazer juntos um ventinho com os lábios. Faça um vento bem forte.
2. Agora, puxe um pouco de ar e faça um ventinho bem suave, como se você fosse uma formiguinha respirando.
3. Chegou a hora de se concentrar muito. Então, com os olhos fechados, vá puxando ar pelo nariz e fazendo vários ventinhos bem baixinhos, que ninguém ouve, somente você.
4. Continue com os olhos fechados, e vá fazendo um ventinho bem suave. Sinta a calma te envolver. Aí você relaxa e relaxa…
5. Fique assim de olhos fechados um pouquinho, quietinho, sentindo essa paz.
6. Coloque a mão sobre o seu coração e sinta mais um pouco a calma em volta de você.
7. Agora você pode enviar um pouco da calma para as pessoas que ama e para todo o mundo.
8. Pronto; abra os olhos lentamente.