Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Estadão quinta, 14 de maio de 2020

MILTON NASCIMENTO: RESISTIR

'Para nós, artistas, restou apenas uma única coisa: resistir', diz Milton Nascimento

Cantor lança com Criolo o EP de quatro faixas 'Existe Amor', para arrecadar doações à população em situação de rua na capital paulista; leia entrevistas com os dois artistas

Entrevista com

Milton Nascimento e Criolo

João Ker, O Estado de S. Paulo

14 de maio de 2020 | 05h00

Lançada no último dia 24, a campanha à qual ele e Milton atrelaram o lançamento do EP já arrecadou mais de R$ 125 mil, o suficiente para ajudar três mil pessoas. A meta final do projeto, idealizado em conjunto com a agência AKQA e o Coala.Lab, do Festival Coala, é conseguir R$ 1 milhão.

Milton Nascimento, por sua vez, revela-se um artista incansável – nesta quinta, 14, ele participa do festival The New Gig, live organizada pela Jazz Foundation of America para ajudar músicos de jazz e blues que enfrentam dificuldades financeiras durante a pandemia do novo coronavírus. Além dele, lendas como Elvis Costello, Sheryl Crow, Bootsy Collins, Kim Wilson, Jon Batiste e Hot 8 Brass Band também vão apresentar seus trabalhos.

 

Milton e Criolo

Encontro. Criolo e Milton Nascimento se unem novamente, desta vez para ajudar músicos com problemas financeiros 
Foto: Fred Siewerdt

Criolo e Milton Nascimento se conheceram em 2012, nos bastidores do Grande Prêmio da Música Brasileira, após serem apresentados por Ney Matogrosso. Desde então, já trocaram participações nos shows um do outro e fizeram a turnê conjunta Linha De Frente, em 2014. 

A dupla vem acompanhada pelo pianista recifense Amaro Freitas nas releituras de NãoExiste Amor em SP, lançada originalmente no disco de estreia do rapper, Nó Na Orelha; e Cais, clássico do Clube da Esquina (que ganharam videoclipes filmados apenas dias antes de a quarentena começar). Já o maestro Arthur Verocai é responsável pela produção de O Tambor Dez Anjos, esta última composta por Criolo e Milton a pedido de Gal Costa para Estratosférica, seu álbum de 2015 (ouça as versões no final da reportagem).

“Esse projeto começou há dois anos, quando começamos a pensar duas músicas com músicos maravilhosos e a direção do Daniel Ganjaman”, explica Criolo. 

“Foi um encontro de almas, com certeza, e sem medo nenhum de usar o clichê. Criolo, Amaro e eu temos muitas coisas em comum”, afirma Milton – ou Bituca, como é apelidado.

Criolo (por telefone) e Milton Nascimento (por e-mail) falaram ao Estado sobre o novo projeto – e também sobre os desafios da pandemia. Confira abaixo.

 

Milton Nascimento
Milton Nascimento durante as gravações do projeto "Existe Amor" Foto: Will Etchebehere / Divulgação

Milton Nascimento

  • Como você tem lidado com a pandemia em Juiz de Fora? Alterou sua rotina?

Milton: Claro que sim, aliás, alterou a rotina do mundo inteiro, né? Tínhamos uma agenda de shows com a turnê Clube da Esquina marcada para até o fim de 2020. Muitas famílias dependiam diretamente dessa engrenagem, assim como os artistas de todo Brasil que vivem de cultura, que vivem do palco e, principalmente, que necessitam do contato direto com o público para sobreviver. A arte movimenta milhões de empregos, e agora tudo isso ficou paralisado. Mas, infelizmente, esse é um processo (quarentena) que precisamos respeitar com muito rigor para que o mais cedo possível tudo volte ao normal. 

  • Por sinal, esse período tem lhe inspirado de alguma forma?

Agora é um dia de cada vez. 

  • Sua trajetória sempre foi marcada por grandes encontros musicais. O que sente de especial nesse reencontro com Criolo, agora também com a participação de Amaro de Freitas?

Foi um encontro de almas, com certeza, e sem medo nenhum de usar o clichê. Criolo, Amaro e eu temos muitas coisas em comum. Não digo isso apenas na parte musical, mas de vida também. Nossas origens são muito parecidas. 

  • Como se deu a escolha de Cais para o repertório do projeto?

Foi direta, quase automática. E aconteceu logo depois de uma homenagem que o Serginho Groisman fez para mim no Altas Horas, quando chamou vários amigos para cantar músicas minhas. Cais foi a música que o Criolo cantou no programa. Depois disso, fiquei tão emocionado com a interpretação, que ele passou a cantar em todos os shows que fizemos juntos. O jeito que ele canta sempre me deixa muito impressionado, então, essa foi uma das primeiras músicas que a gente pensou para o EP. 

  • Para além de projetos como o Existe Amor, como acredita que a arte, especialmente a música, pode ajudar o Brasil nesses tempos de pandemia?

Para nós, artistas, restou apenas uma única coisa: resistir. 

  • O que significa para você cantar Não Existe Amor em SP neste momento, quando a cidade tem o maior número de óbitos pelo coronavírus no Brasil, com maior risco de morte para negros e menos de metade da população respeitando o isolamento social?

Não Existe Amor em SP já se tornou uma espécie de hino dos dias atuais, e a mensagem do Criolo é direta. Tá tudo lá. 

  • Dez Anjos é uma composição sua e de Criolo para o disco Estratosférica, de Gal Costa. Entretanto, essa é a primeira vez que ela é lançada oficialmente por vocês dois. Como acha que a música dialoga com a mensagem do projeto e as outras faixas escolhidas para o EP?

Dez Anjos é o resultado musical desse meu encontro com Criolo. Nossa amizade vai tão além, que a gente nunca precisou sentar para compor e tal, sabe aquele tipo de coisa com hora marcada etc... Foi tudo no tempo certo. Dez Anjos traz – através da música – um pensamento claro do mundo atual. 

 

 

Criolo

  • Como está na quarentena?

Criolo: Só fico pensando em quem não consegue estar em casa como eu estou. Não consigo mensurar o que ficou de ruim para mim ou o que mudou, nem entra na minha conta.

  • Você retoma a parceria com o Milton, mas agora com a presença do Amaro Freitas e de Arthur Verocai. O que o encontro de vocês traz de potência para o projeto?

Em 2018, eu e Milton gravamos duas faixas, mas também era uma coisa muito singela e apenas de registro da nossa amizade. Gravamos Dez Anjos, que era um pedido de texto que ele me fez para entregar a uma amiga, que estava fechando um disco.

  • A amiga, no caso, é a Gal, né?

É. “Só” a Gal, né? Minha nossa mãe do céu. Quando eu e Milton nos reunimos depois, convidamos o Vocai para fazer os arranjos dessas duas faixas. Dois anos mais tarde, gravamos as outras duas faixas, poucos dias antes da quarentena. E aí estourou a pandemia. A gente entendeu a força da canção e a forma como poderíamos somar, né? É um lance que deságua agora, desse jeito. A gente tentou alinhavar esse afeto e carinho que somos capazes de criar para devolver algo de amor a quem já faz alguma coisa o ano todo. 

  • No início de Cais, tem uma fala sua sobre você, Amaro e Milton serem “três rostos de gerações diferentes de uma diáspora viva e pulsante”. O que esses três dizem sobre o Brasil de hoje?

Que somos muito solidários. O povo brasileiro é muito solidário, busca e apresenta soluções sempre. Se você visitar qualquer quebrada, no Brasil todo, vai encontrar ações de pessoas que pensam soluções para o seu bairro, para a sua história. 

  • Você comentou que a pandemia descortina uma disparidade social e que, ao mesmo tempo, há também essa ajuda mútua entre os brasileiros. São Paulo é a cidade mais afetada pela pandemia no País e nem metade da população tem respeitado as regras de isolamento social. Dentro desse contexto, o que significa resgatar hoje a letra de Não Existe Amor em SP?

Muita gente diz que só é cidadão quem tem CPF. Muitas pessoas ficam de fora disso, mas são seres humanos também e precisam usufruir igualmente do que a cidade tem a oferecer. Quem pensa a organização da cidade e deixa a situação chegar aonde chegou não tem coração. Não existe amor nesse lugar. Nosso povo vai se reinventando, criando soluções, caminhos, querendo a abertura de diálogos e lutando para diminuir essas desigualdades. 

  • Dez Anjos, composta por você e Milton, foi gravada inicialmente por Gal Costa. Agora, vocês a lançam pela primeira vez. Como a canção dialoga com o projeto?

Essa canção é muito dura, né? Ela tenta descrever o desperdício que o Estado faz com aquilo que é mais importante: as pessoas. O tanto que as desigualdades sociais desperdiçam vidas (...). Agora, essa pandemia vem e joga uma lente de aumento sobre essa realidade, onde vivemos uma fragilidade social absurda e desigual. Dez Anjos fala muito disso, que não podemos desperdiçar os seres humanos. Seres humanos não são números. 


Estadão quarta, 13 de maio de 2020

MIA COUTO: O ESCRITOR AVALIA A DURA REALIDADE DA QUARENTENA

 

Mia Couto: 'O vírus não pode ser entendido como o vilão da história'

Escritor e biólogo moçambicano avalia a dura realidade criada pela quarentena

 
Ubiratan Brasil, O Estado de S.Paulo

13 de maio de 2020 | 05h00

Mia Couto

O escritor moçambicano Mia Couto Foto: Rafael Arbex/Estadão

A pandemia do novo coronavírus, no entanto, obrigou o escritor Mia a recolher a exuberância de sua prosa para liberar o cientificismo social do biólogo Eugênio (seu verdadeiro nome) e sua visão mais realista. Passando a maior parte do tempo em sua casa, em Maputo, ele acompanha a evolução da doença com um olhar de cientista, como se observam nessas respostas, enviadas por e-mail. 

O isolamento social já foi tratado de diversas formas pela literatura. Em Moby Dick, por exemplo, a aventura de Ishmael revela a fragilidade humana diante do inesperado, do desconhecido. Você acredita que a literatura pode preencher vazios como os que agora surgem?

Na verdade, reli no mês passado A Peste, de Albert Camus. Mas a leitura foi dolorosa demais. O mais que leio agora é literatura científica. Sou biólogo e não me conformo com a ignorância que mantemos sobre os vírus e as bactérias. Essa ignorância está muito ligada a uma visão antropocêntrica que mantemos do mundo e da vida. Sabemos mais sobre o urso panda do que sobre os vírus ou sobre os morcegos que são os hospedeiros da maior parte dos coronavírus. E, no entanto, os morcegos foram capazes de desenvolver mecanismos imunológicos de modo a que não adoeçam mesmo com grande cargas virais. Encapsulam os vírus e não chegam a criar as respostas imunes agressivas que, no caso deste coronavírus, nos acabam por matar por via desse fenômeno chamado a cascata imunológica. 

Como assim?

Os vírus não podem ser entendidos como os maus da história, os vilões que merecem ser estudados apenas por motivos médicos. Há ainda dúvidas na comunidade científica sobre se considerar essas criaturas como seres vivos ou partículas inorgânicas. Seja o que forem, os vírus são os grandes maestros da orquestra da Vida, são os mensageiros e agentes de troca entre o mais diverso patrimônio genético. Eles não estão “fora” nem “longe”, não vivem nos laboratórios. Eles estão onde está a vida, estão dentro de nós. O nosso genoma incorpora elementos virais. Nós somos feitos a partir deles. Os mamíferos não seriam capazes de desenvolver placenta se não tivéssemos incorporado geneticamente esses elementos virais. Falo de tudo isso porque essa pandemia não será a última. Já estávamos avisados que viria algo parecido. E ficamos à espera, embevecidos com o nosso poderio tecnológico e com a ilusão da nossa onisciência. 

Mais de uma vez, um fenômeno real inspirou fortemente sua escrita. Seria o caso novamente, com a covid-19? 

Não creio. Tenho quase pudor por pensar nesses termos com essa tragédia. Aconteceu o mesmo com a guerra. Esse tempo era demasiado cruel, demasiado próximo para que eu pensasse nesse drama em termos literários. Depois, sucedeu. Mas veio por via das histórias, do relato de pessoas. Não era a guerra em si mesma que me interessava, mas o que ela negava em termos da preservação da nossa humanidade. Pode ser que relatos dessa pandemia venham a funcionar como inspiração. Mas agora sou apenas um cidadão que se junta à luta pela prevenção da epidemia. Faço parte da Comissão Técnica e Científica de Assessoria ao governo (de Moçambique) para a covid-19. Trabalho com os meios de comunicação social e com as lideranças comunitárias para difundir mensagens educativas para a contenção da doença. O modo de fazer poesia, agora, é estar na luta pela defesa da vida e da verdade, junto com os demais colegas jornalistas, regressando à condição de jornalista como já fui durante 12 anos. 

Há muita expectativa sobre o que está por vir – do ponto de vista emocional, o que mudará na humanidade depois da pandemia: a solidariedade será maior? Haverá mais transcendentalismo ou materialismo?

Não sou muito otimista em relação a uma mudança total. Não iremos despertar amanhã, no final desse surto epidêmico, com uma mentalidade coletiva nova. Tenho dúvidas das mudanças que se alcançam por via do medo. Gostaria, no entanto, de acreditar que haverá lições importantes: por exemplo, uma percepção mais clara da importância do Estado, dos sistemas públicos de saúde e de educação, do ideal da cooperação solidária em vez da competição e da exclusão. Gostaria que ficasse mais clara a falência das receitas neoliberais que, em países como Moçambique, acabaram destruindo as conquistas sociais dos primeiros anos da Independência. Se for verdade que a vacina da BCG ajuda a proteger contra o coronavírus, os moçambicanos só podem agradecer esse período de poder popular em que a totalidade da população se beneficiava de campanhas de vacinação e de cuidados médicos básicos. Não será por causa da medicina privada, inspirada no capitalismo selvagem, que nos iremos proteger nem nesta pandemia nem em nenhuma outra situação de sofrimento.

Do ponto de vista político, acredita que haverá alguma mudança na forma de condução dos grandes mandatários?

Receio que não. Veja como os seguidores de Trump continuam apoiando a sua liderança, mesmo depois das suas posturas e declarações completamente imbecis e criminosas. Não quero falar do Brasil, mas receio que seja ainda pior. Os mandatários, conforme refere a pergunta, mandam porque há quem lhes obedeça cegamente. No final de tudo, haverá ainda quem celebre o populismo criminoso em troca de uma falsa promessa de salvação. Tenho, apesar de tudo, esperança que a máscara caia para alguns que não usaram máscara quando era um dever cívico e de respeito pela vida. 

Como biólogo, é surpreendente acompanhar pesquisadores de várias partes do mundo trocando informações em busca da vacina, algo até então inimaginável em um setor tão competitivo?

Num caso extremo como esse, não vejo um conflito insuperável entre pessoas e empresas, entre interesses públicos e privados. Acredito que, quando se encontrar a vacina, ela será distribuída de forma bastante acessível. Os lucros virão depois, porque este vírus veio para ficar e vai ser preciso vacinar durante anos. E muito provavelmente as vacinas terão que ser ajustadas em função das mutações e das estirpes novas dos vírus. Nessa fase, sim, a descoberta cumprirá a sua vocação de fazer lucro. O mundo não vai mudar a ponto de deixar de ser conduzido pelas razões de mercado. Devia acontecer agora um momento de ruptura, com a imposição dos valores sociais e dos sistemas nacionais de saúde sobrepondo-se à medicina como um meio de negócio privado. Há uma criatura tão invisível como o coronavírus que vai teimar em ficar. Chama-se mercado. 

Você mantém alguma rotina de escrita ou a reclusão forçada não oferece a mesma comodidade intelectual do habitual?

Não creio que este seja o melhor ambiente para a criação. Primeiro, porque é forçada. Depois, porque não posso esquecer que, apesar de tudo, vivo uma quarentena de luxo. Não é possível pensar que, para a maioria dos moçambicanos, esse confinamento tem implicações de sobrevivência muito graves. O sofrimento dessa gente não pode ficar fora das nossas casas por muito que nos fechemos dentro de quatro paredes. 


Estadão terça, 12 de maio de 2020

SÉRIE MODERNISTAS, DA CULTURA, DESTACA OBRA DE ARTISTAS BRASILEIROS

 

Série ‘Modernistas’ destaca obra de artistas brasileiros

Dirigida pelo cineasta Ricardo Elias, produção mostra trajetória de Tarsila do Amaral, Oswald e Mário de Andrade e Brecheret

Eliana Silva de Souza, O Estado de S.Paulo

09 de maio de 2020 | 05h00

Em tempo de pandemia e de se manter isolado socialmente para combater o coronavírus, a cultura é uma tábua de salvação, que serve, em suas várias modalidades, para acalmar os ânimos e minimizar os efeitos dessa quarentena. Os vários setores da área buscam, assim, formas para chegar a seu público. Amantes da arte podem, então, comemorar, pois, a TV Cultura anuncia que vai estrear uma série inédita no dia 13. Dirigido pelo cineasta Ricardo Elias, Modernistas, que vai ao ar às 22h45 na emissora paulista, tem tudo para cativar o espectador, com histórias sobre nomes importantes desse movimento que tem relação direta com a Semana de Arte Moderna

Tarsila
Tarsila. Pintora é tema de episódio, que é conduzido por sua sobrinha-neta Tarsilinha.
Foto: Obra de Tarsila do Amaral/ Reprodução

Ao todo serão quatro episódios, cada um deles dedicado a um modernista, começando pela pintora Tarsila do Amaral, e seguindo com Oswald de AndradeMário de Andrade e Victor Brecheret. De acordo com o diretor, o público verá uma versão mais pessoal e humanista dos modernistas, com histórias trazidas por pessoas próximas e também por especialistas.

 “O documentário se constrói a partir de depoimentos de parentes”, afirma Ricardo, enfatizando que o lado cultural e artístico é ressaltado. “Como diz um dos entrevistados sobre Oswald de Andrade, mas que vale para todos os episódios, ‘biografia e obra se misturam’.” E destaca que a série documental propõe uma atualização dessas figuras, destacando também os desdobramentos dos modernistas e sua influência em movimentos como a Tropicália e a poesia concreta. “O documentário procura uma conexão com o público jovem num registro mais emotivo e dinâmico”, acredita Elias.
 
Mario de Andrade
Mário de Andrade. Artista exerceu várias atividade. Foto: Obra de Tarsila do Amaral/ Reprodução

Como são nomes que estão ligados a um mesmo movimento, nada mais justo que sejam retratados em sequência. E é isso que o diretor ressalta quando informa que os quatro episódios dialogam entre si. “Os quatro personagens aparecem constantemente como coadjuvantes do outro episódio”, diz. Essa forma de colocar um artista na trajetória do outro mostra com foram influenciados e como influenciaram a arte e demais colegas. E não é somente isso, o diretor revela a importância de registros audiovisuais dos personagens. “No documentário da Tarsila temos um dos únicos registros dela, feito em 1972 para um programa da TV Cultura”, conta o diretor. 

Para ele, a série surge para destacar a importância dos modernistas, principalmente esses quatro retratados, e vai além da qualidade artística de suas obras, “que claro é gigantesca”. Os modernistas ajudaram a criar uma ideia de País, pois “eles propuseram uma reflexão sobre a nossa identidade e um pensamento sobre quem somos e como nos definimos”, conta. Cada um dos episódios, que são conduzidos por parentes, professores e pessoas que conviveram com eles, conta com material de arquivo “bem rico, com fotos, pinturas, cartas e cenas contemporâneas como a exposição de Tarsila no Masp, por exemplo, e pequenas dramatizações para ilustrar algum momento dos personagens”, explica Elias. Entres os atores que participam das encenações estão Victoria Blat e Paschoal da Conceição, que dão vida e voz aos retratados. Além disso, há uma recorrência de imagens mais poéticas, conta o diretor, que destaca o momento em que surge o mar, que é usado para se referir a Oswald, o Rio (Tietê) para se referir a Mário, o barro e o mármore para falar de Brecheret, montanhas e adereços coloridos para falar de Tarsila.

Oswald de Andrade
Oswald de Andrade. Um artista ousado e controverso. Foto: Obra de Tarsila do Amaral/ Reprodução

Em um momento em que a cultura vem sofrendo com a falta de atenção, Ricardo Elias destaca ser muito importante ter um produto como esse disponível. Na opinião do diretor, essa produção é de extrema importância e exemplifica mostrando como Mário de Andrade é um nome em perfeita sintonia com nosso mundo. “Se você pegar um personagem como Mário de Andrade verá que várias entidades culturais da cidade de São Paulo criadas por ele existem até hoje, e que ele também financiou uma expedição para mapear as danças e músicas regionais brasileiras para que não fossem extintas.” 

A série Modernistas pretende dar a importância que esses artistas merecem e, mostrando a relevância de cada um para o País, mantê-los vivos e presentes em nossas memórias. Pensando nisso, Ricardo Elias acredita que eles não serão esquecidos, mas que devemos estar alertas, pois no atual momento, tudo pode acontecer.


Estadão segunda, 11 de maio de 2020

FASHIONS WEEKS NA ERA DIGITAL, EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA

 

Fashion weeks na era digital

Em decorrência da pandemia da covid-19, organizações responsáveis pelas semanas de moda na Europa e nos EUA anunciam formatos inovadores

Alice Ferraz, O Estado de S.Paulo

10 de maio de 2020 | 05h00

A notícia dos cancelamentos das versões físicas das semanas de moda internacionais chegou cedo. Com as grandes capitais da moda mundial sendo afetadas pela crise de saúde pública causada pela pandemia, as organizações responsáveis pelos desfiles das coleções resort, moda masculina e alta-costura anunciaram, no final de março, que ocorreriam alterações drásticas nos calendários. Agora, dois importantes polos fashion se preparam para colocar em prática as novidades, com a realização de semanas de moda digitais.

Londres será a primeira cidade com eventos nesses moldes. O British Fashion Council, organização responsável pelo evento na capital inglesa, irá manter as datas originais da London Fashion Week de forma online, sem a realização de eventos físicos. “Estamos adaptando a inovação digital para melhor atender às nossas necessidades e para construir uma vitrine global para o futuro. Os estilistas poderão compartilhar suas histórias e coleções com uma comunidade global mais ampla. Esperamos que, além de perspectivas pessoais sobre este momento difícil, haja inspiração em abundância. É por esse motivo que a moda britânica é reconhecida”, declarou Caroline Rush, CEO do conselho de moda britânico, à plataforma WWD.

 

Semana de Paris
A notícia dos cancelamentos das versões físicas dos eventos de moda internacionais chegou cedo 
Foto: Charles Platiau/Reuters
 

As coleções masculinas e femininas serão reunidas em uma mesma plataforma digital que será lançada no dia 12 de junho com conteúdos em vídeo, fotos e podcasts. Além de ser uma vitrine virtual, a novidade também trará oportunidades para as marcas venderem suas novas coleções para os compradores de boutiques e lojas de todo o mundo. 

Em um formato similar, a Câmara Nacional da Moda Italiana divulgou esta semana um comunicado oficial sobre a realização de um evento virtual entre os dias 14 e 17 de julho. Os organizadores do chamado Milano Digital Fashion Week prometem mostrar não só as novas coleções, mas também o backstage da moda, com imagens e entrevistas que irão falar mais sobre cada marca participante. O evento ocorrerá em torno de um cronograma com horários definidos para a apresentação de cada marca e, assim como a semana britânica, também trará oportunidades de negócios.

Nos Estados Unidos, os eventos de moda programados para setembro estão mantidos. A principal alteração oficial anunciada até o momento é a junção das apresentações das coleções masculinas e femininas. “A unificação do calendário é importante como uma forma de colaboração e inovação”, explica Simone Jordão, consultora e curadora brasileira do Show Coterie NY, principal feira de negócios de moda dos EUA.

O movimento digital surge também como uma importante solução para as feiras que comercializam coleções para multimarcas. Os desdobramentos da pandemia provocaram uma retração do mercado que afetou principalmente os pedidos para o Inverno 2020. A Coterie, uma das mais importantes feiras B2B do mercado da moda, registrou queda de 50% nos pedidos de compras. No entanto, a feira caminhava em direção ao digital antes da crise e os números mostram grande adesão por parte dos compradores.

O aplicativo criado pelos organizadores registrou 50 mil acessos, enquanto o número de visitantes no evento físico, em fevereiro, atingiu 13 mil pessoas. “A experiência digital já era presente na Coterie. Tínhamos um app em que os compradores podiam sair do show e descobrir mais sobre a marca e ver o lookbook digitalmente”, diz Jordão, sobre a incorporação da tecnologia no evento.

No Brasil, a edição da São Paulo Fashion Weekque deveria ter ocorrido entre 24 e 28 de abril, não aconteceu. Até agora, a edição marcada para o dia 16 de outubro segue confirmada no calendário em sua forma física. “Sempre acreditamos na moda como um movimento vivo e orgânico, que se transforma com o tempo, como de fato é o princípio da moda”, comenta Paulo Borges, idealizador e diretor criativo do evento. “O SPFW foi a primeira semana de moda no mundo a transmitir os desfiles ao vivo pela internet, isso ainda em 2001”, complementa.


Estadão domingo, 10 de maio de 2020

JORNALISTA LAURIE GARRETT FALA SOBRE A PÓS-PANDEMIA

 

Ela previu o coronavírus; o que ela tem a dizer sobre o pós-pandemia?

Para a jornalista Laurie Garrett, vencedora do Pulitzer e pesquisadora de Harvard, no melhor cenário possível ainda teremos 36 meses de crise

Frank Bruni, The New York Times

07 de maio de 2020 | 05h00

Eu disse a Laurie Garrett que ela poderia trocar o seu nome por Cassandra. De qualquer maneira, todos a chamam assim, agora.

Eu e ela estávamos no Zoom (programa para videoconferência) – e ela pegou um livro de 2017, Warnings: Finding Cassandras to Stop Catastrophes. A obra observa que Laurie, Prêmio Pulitzer de jornalismo, previu não apenas o impacto do HIV, como também o surgimento e a propagação em todo o globo de patógenos mais contagiosos.

 

Laurie Garrett
A jornalista Laurie Garrett, uma das vozes que previu a pandemia  Foto: Joshua Bright/The New York Times

 

 “Eu sou duplamente Cassandra”, disse Laurie. Ela é mencionada com grande destaque também em um recente artigo da Vanity Fair, de David Ewing Duncan, sobre “As Cassandras do coronavírus”.
 

Cassandra, como se sabe, era uma profetisa grega condenada a fazer previsões indesejadas. E o que Laurie previu mais diretamente – em seu best-seller de 1994, The Coming Plague, e nos livros e discursos que se seguiram, inclusive em palestras – é uma pandemia como a atual.

Laurie pressentiu que estava próxima. Por isso, em grande parte, o que queria perguntar a ela era o que ela vê no futuro próximo. Mantenham-se firmes. Sua bola de cristal está escura.

Apesar da queda da Bolsa em razão disso, o Remdesivir (medicamento antiviral) provavelmente não garantirá que possamos sair dessa, ela me disse. Ele não representa a cura, afirmou, e destacou que as conclusões mais importantes até o momento dizem respeito ao fato de que só encurtará a recuperação dos pacientes do covid-19. “Enquanto nós precisamos de uma cura ou de uma vacina”.

Mas ela não tem condições de prever uma vacina já no próximo ano, porque o covid-19 continuará sendo uma crise por muito mais tempo.

“Falo para todo mundo que minha previsão é de cerca de 36 meses e este é o melhor cenário possível,” afirmou.

“Tenho certeza de que virá em ondas”, acrescentou. “Não será um tsunami varrendo os Estados Unidos de uma só vez, que se retirará. Acontecerá em micro ondas surgindo em Des Moines e depois em Nova Orleans, então em Houston, e assim por diante, e afetará a maneira das pessoas de refletir sobre todo tipo de coisas.”

Elas terão de reavaliar a importância da viagens. Terão de reavaliar o seu uso dos transportes de massa. Reverão a necessidade de encontros de negócios pessoalmente. Reavaliarão o envio dos filhos para estudar em uma universidade em outro estado.Então, perguntei, se a frase “de volta ao normal”, à qual todos se aferram, é uma fantasia?

“Essa é a história se desenrolando bem na nossa frente”, disse Laurie. “Acaso ‘voltamos ao normal’ depois do 11 de Setembro? Não. Criamos um normal totalmente novo. Nós nos transformamos em um Estado contra o terror. E isto afetou todas as coisas. A partir dali, não pudemos entrar em um edifício sem mostrar a identidade e passar por um detector de metais, e não pudemos mais entrar em um avião como sempre fizemos. É o que vai acontecer neste caso.”

Não serão detectores de metais, mas uma mudança sísmica em relação às nossas expectativas, ao que suportamos, à maneira como nos adaptamos. Talvez também no engajamento político, apontou Laurie.

Se os EUA sofrerem a próxima onda de infecções por coronavírus “com os ricos que, no meio tempo, ficaram um pouco mais ricos graças à pandemia protegendo-se, vendendo a descoberto, fazendo todas as coisas repugnantes que costumam fazer, enquanto nós saímos das nossas tocas de coelhos e nos damos conta: ‘Oh, meu Deus, não só todos estão desempregados ou subempregados e não ganham o suficiente para se sustentar ou pagar o aluguel, como agora de repente estes cretinos que voavam de helicópteros particulares, voam em jatinhos particulares e são donos de uma ilha para onde costumam retirar-se, e não dão a mínima se as ruas são seguras ou não’, e acho que poderemos ter um gigantesco cataclismo político.” 

“Assim que sairmos das nossas tocas e virmos como é uma população de 25% de desempregados”, completou, “talvez vejamos também como é o ódio coletivo.”

Laurie Garrett tem estado no meu radar desde o início dos anos 1990, quando ela trabalhava para a Newsday e fez algumas das melhores reportagens em todo canto sobre a aids. O Pulitzer lhe foi conferido em 1996 pela cobertura do ebola no Zaire. Ela é pesquisadora na Escola de Saúde Pública de Harvard, foi membro do Conselho de Relações Exteriores e foi consultora no filme Contágio.

Em outras palavras, a sua experiência e capacidade vêm sendo solicitadas há muito tempo. Mas nunca como agora.

Todas as manhãs, ela abre o seu e-mail e “lá estão solicitações da Argentina, de Hong Kong, Taiwan, África do Sul, Marrocos, Turquia”, contou. “Sem falar em todas as solicitações americanas.” Foi aí que fiquei mal por estar tirando mais de uma hora de seu tempo, no dia 27 de abril. Mesmo assim, pedi mais 30 minutos para o dia 30 de abril.

Ela disse que não estava surpresa pelo fato de o coronavírus ter provocado tamanha devastação, que a China minimizou o que estava ocorrendo ou que a reação em vários países foi descuidada e lenta. Afinal, ela é Cassandra.

Mas há uma parte da história que ela não poderia prever: que o termo de comparação no que se referiu a descuido e a lentidão seriam os Estados Unidos.

“Nunca poderia imaginar isto”, afirmou. “Jamais”.

Entre os destaques, em sentido negativo, está a aceitação inicial do presidente Donald Trump das garantias feitas pelo presidente Xi Jinping de que tudo se resolveria bem; sua escandalosa complacência, do final de janeiro até meados de março; sua defesa de tratamentos não comprovados; suas reflexões sobre curas absurdas; sua abdicação da sólida orientação federal aos estados; e o fato de ele se furtar, mesmo neste momento, a apresentar uma ampla e detalhada estratégia para conter o coronavírus.

Como acompanho há muito tempo o trabalho de Laurie Garrett, posso atestar que ela não está ligada a partidarismos. Por exemplo, ela elogiou George W. Bush pelo seu combate ao HIV na África.

No entanto, ela disse que Trump “é o bufão mais incompetente e temerário que se possa imaginar”.

E está chocada pelo fato de os EUA não terem condições de liderar uma resposta global a esta crise, em parte também porque a ciência e os cientistas são tão degradados por Trump.

Referindo-se aos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta e a seus análogos no exterior, contou: “Ouvi depoimentos de todos os CDC do mundo – o CDC europeu, o CDC africano, o da China – e eles afirmam: ‘Em geral, nós sempre recorremos em primeiro lugar a Atlanta, mas não ouvimos nenhuma resposta’. Nada acontece ali. Eles o destruíram, o amordaçaram. Não consigo quaisquer respostas de lá. Ninguém ali está se sente seguro para falar. Já viu alguma coisa importante e vital sair do CDC?”

O problema, segundo ela, é maior do que Trump e mais antigo do que a sua presidência. Os EUA nunca investiram suficientemente em saúde pública. Os ricos e famosos costumam procurar os médicos que encontram maneiras novas e melhores para tratar as doenças cardíacas, o câncer etc. O grande debate político é sobre o acesso dos indivíduos ao sistema de saúde.

E aquilo de que os EUA precisam mais neste momento, apontou, não é esse estardalhaço a respeito de testes, testes, testes, porque nunca haverá testes super rápidos, super confiáveis para determinar na hora quem pode entrar com segurança em um ambiente de trabalho lotado ou em qualquer outro ambiente, aliás, o cenário que algumas pessoas têm em mente. 

Os EUA precisam de informações confiáveis, de inúmeros estudos rigorosamente estruturados sobre o predomínio e a letalidade das infecções do coronavírus em determinados subgrupos de pessoas, de modo que governadores e prefeitos possam elaborar leis para o distanciamento social e reaberturas sensíveis, sustentáveis de acordo com a situação de cada lugar.

Os EUA precisam de um governo federal que promova afirmativamente e ajude a coordenar esta estratégia, não um governo em que especialistas como Tony Fauci e Deborah Birx pisam em ovos ao redor do ego paternal do presidente. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA


Estadão sábado, 09 de maio de 2020

O NOME DA ROSA, DE UMBERTO ECO, VIRA SÉRIE

 

Clássico de Umberto Eco, 'O Nome da Rosa' vira série com John Turturro

Em entrevista ao 'Estado', o diretor Giacomo Battiato fala dessa nova adaptação, que estreia na plataforma Starzplay; veja o trailer

Luiz Carlos Merten, O Estado de S.Paulo

07 de maio de 2020 | 05h00
Atualizado 07 de maio de 2020 | 10h01

Em 1980, quando Umberto Eco publicou seu romance que virou best-seller, um enigma quase tão misterioso quanto a sequência de mortes que ele narra em sua abadia medieval era o título – O Nome da Rosa. Com o tempo, o próprio Eco, professor de semiótica, viria a esclarecer. O poder infinito das palavras. Seis anos depois, estreou o filme de Jean-Jacques Annaud com Sean Connery como o frade William de Baskerville e Christian Slater como o noviço Adso – Baskerville investiga uma série de assassinatos num mosteiro italiano, no século 14. Agora, a obra dá origem a uma minissérie, com oito capítulos, que chega nesta quinta, 7, ao Starzplay, serviço premium de streaming da Starz que, no Brasil, está disponível no Starzplay App, lançado para iOS e Android, assim como na Apple TV para toda a América Latina. 

John Turturro, na série
John Turturro, na série 'O Nome da Rosa' Foto: Rai Fiction

O Nome da Rosa, o filme, é outro memorável sucesso, mas os puristas torceram o nariz. Como seria impossível condensar a riqueza da erudição de Eco num relato de duas horas, Annaud concentrou-se na investigação policial. Quem está matando, e por quê? Elementar, meu caro Watson. As deduções sherlockianas já estavam sugeridas no nome do frei. Baskerville evoca um célebre cão, de um autor reverenciado como mestre da narrativa de mistério e suspense, Arthur Conan Doyle. O público adorou, mas entre os leitores insatisfeitos de Eco estava o ator John Turturro. Ele sempre achou que seriam necessárias muitas horas – muitas mais que as duas do filme – para dar conta do infinito poder das palavras do livro, e do seu substrato filosófico. Turturro buscou, e encontrou, um parceiro  na gigantesca tarefa. Giacomo Battiato é historiador, medievalista reconhecido, romancista e diretor.

Battiato dirige e coassina o roteiro com Turturro (e Nigel Williams). Ele conversa pelo telefone com o Estado. Para o repórter, é um sonho conversar com Battiato também sobre outra série que ele fez lá atrás, sobre Benvenuto Cellini. “Foi um trabalho que me deu muito prazer. E já possui elementos que estão em O Nome da Rosa. Arte e ciência, fé e razão. O poder da religião, a Igreja, o risco dos fundamentalismos. Todo fanatismo é perigoso.” 

Battiato ganhou reconhecimento internacional e prêmios. “Quando John (Turturro) me propôs acompanhá-lo nessa jornada, ele buscava um italiano com formação medievalista. Parecia loucura retomar um livro cult, que deu origem a um filme tão famoso. Mas John me convenceu, com seu entusiasmo, que o livro está mais atual que nunca, e agora, face aos extremismos, aos ataques à ciência que os fundamentalistas de todo o mundo estão lançando, é preciso voltar a essas questões e ao obscurantismo dos que querem tomar os livros sagrados ao pé da letra. Todo conto sagrado trabalha com mitos e metáforas. Exige sabedoria, discernimento crítico, e são coisas em falta no mundo atual.”

Para entrevistar Battiato, o repórter assistiu a parte do material e impressionou-se com a beleza visual, o apuro cenográfico. Quem conhece o livro sabe dos meandros labirínticos e secretos da grande biblioteca que guarda os livros apócrifos, incluindo o mais importante de todos, que na ficção é atribuído a Aristóteles. Battiato usou de toda a sua imaginação de medievalista para criar essas cenas de calígrafos reescrevendo, à luz de velas, os grandes livros. Até que ponto a reescritura não se distanciou dos originais? 

Por falar em ‘adaptações’, a dele. O repórter leu algumas das críticas mistas que a série recebeu. Uma delas refere-se ao excesso de monges que terminaria por confundir a narrativa. “O filme, concentrado na intriga policial, eliminava a riqueza das entrelinhas de Eco. Ao retomar essas entrelinhas, teríamos que estender o mistério e sabíamos que muitos espectadores poderiam ver isso como excesso. De qualquer maneira, nenhuma adaptação de um livro cult, qualquer que seja, consegue atingir a unanimidade.” 

Um tema importante sempre foi, desde o começo, a ausência das mulheres, a sua demonização. “É uma coisa que está no livro e remonta às origens da Igreja, que queríamos muito discutir, John e eu, principalmente no atual quadro de empoderamento, quando as mulheres, duramente, conquistaram seu lugar de fala.” Impossível não falar do elenco. “Já que iria interpretar William, John nunca quis rever o filme. Brincava dizendo que não queria ser influenciado por Sean (Connery), colocando um pouco de 007 no seu frei. Nosso Adso, Damien Hardung, é muito talentoso.” Se existe uma unanimidade, porém, são os elogios da crítica para Rupert Everett como o implacável Bernardo Gui.

 

O Nome da Rosa
Sean Connery e Christian Slater em 'O Nome da Rosa' Foto: Warner Home Video

Com Sean Connery, filme foi um sucesso

No Dicionário de Cinema, Jean Tulard assinala o paradoxo. Jean-Jacques Annaud ganhou o Oscar com um primeiro filme que foi fracasso na França, Preto e Branco em Cores, de 1976. Relançado após o prêmio, fracassou de novo. Ele filmou o futebol, Coup de Tête, e o público de novo não quis nem saber. O sucesso veio com A Guerra do Fogo, sua recriação dos homens das cavernas, de 1981. Embalado no novo prestígio comercial, ele assumiu o que parecia impossível. Adaptou o best-seller de Umberto Eco.

Como condensar em pouco mais de duas horas um calhamaço de quase 600 páginas? Annaud escolheu o que poderia parecer mais fácil, a intriga policial, e saiu-se muito bem. O filme estourou. A persona do 007 Sean Connery contribuiu. Faz o frei franciscano William de Baskerville, que investiga uma série de sete assassinatos, em sete noites seguidas, num mosteiro da Itália medieval, em 1327.

William e seu auxiliar, Adso/Christian Slater, descobrem os segredos da abadia na grande biblioteca que guarda livros apócrifos. Perde-se, na transcrição, a erudição das descrições de Eco sobre a cultura da Idade Média e a riqueza de suas informações sobre a separação entre religião e política na época, ou o embate, dentro da própria instituição, entre retornar à pobreza e à simplicidade do Cristo ou armar-se para enfrentar os novos tempos (e ameaças)?

Como altamente positivo, o filme mantém, mesmo reduzida, a intertextualidade no centro do livro, a discussão medieval sobre as ‘universais’ – ou sobre o que vale mais, as coisas ou o nome que damos a elas? F. Murray Abraham, que havia recebido o Oscar de 1984 pelo Salieri de Amadeus, de Milos Forman, é bem impressionante como o inquisidor Bernardo Gui. O filme pode ser encontrado no Now. 

Livro foi um best-seller mundial

Um dos intelectuais italianos mais conhecidos e influentes, Umberto Eco (1932-2016) despontou no mundo acadêmico primeiro com ideias inovadoras sobre a semiótica – com isso, sua obra teórica foi traduzida e estudada em diversos idiomas.

O novo passo aconteceu em 1980, quando lançou O Nome da Rosa, livro de ficção que, ao unir uma trama policial com um detalhado estudo dos costumes medievais, tornou-se um enorme sucesso mundial. De uma certa forma, o público adorou o ambiente dos monastérios e os contrastes no interior da Igreja, ainda que a linguagem por vezes sofisticada não fosse facilmente inteligível.

Em 2010, em entrevista ao Estado, em Milão, Eco respondeu com ironia à pergunta sobre o trecho do livro em que se discute se Jesus chegou a sorrir. “De acordo com Baudelaire, é o diabo quem tem mais senso de humor”, disse, rindo. “E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira.” / UBIRATAN BRASIL 


Estadão sexta, 08 de maio de 2020

FESTIVAIS ONLINE LEVAM CINEMA FRANCES AOS BRASILEIROS EM QUARENTENA

 

Festivais online levam cinema francês aos brasileiros em quarentena

Edição online do Festival Varilux e do My French Film Festival aumentam as opções para os cinéfilos em casa

Luiz Carlos Merten, O Estado de S.Paulo

08 de maio de 2020 | 05h00

Cinéfilo de carteirinha ama o cinema francês, por tudo o que representa. O cinema surgiu na França, com os Lumière, ganhou estatura com Georges Méliès, gestou o realismo poético, a nouvelle vague, foi sempre sinônimo de intelecto, experimentalismo e erotismo. Em tempos de pandemia, o que não falta é filme francês para ver em casa. A par dos títulos que a Imovision tem colocado à venda e os disponíveis no Belas Artes a la Carte, duas promoções específicas não só garantem a diversidade do acesso a filmes franceses desde a sua casa, como garantem também a economia, porque são gratuitas.

Chocolat

No filme 'Chocolate', Omar Sy ele vive o famoso palhaço Chocolat, o primeiro artista negro de circo da Paris do século 19 Foto: Mandarin Films

 

 Todo ano, a Unifrance, criada para divulgar o cinema francês no mundo, organiza, online, o MyFrenchFilmFestival.com, que este ano ganhou uma versão Stay Home/Fique em Casa, e estendida, com 80 filmes, entre novos curtas e longas, que estarão disponíveis até o dia 25. Você ainda tem mais de duas semanas para se empanturrar desse cardápio. Além de não pagar nada, e por cortesia da Unifrance, os filmes são legendados em diversas línguas, na expectativa de atingir uma audiência planetária. No Brasil, onde o Festival Varilux do Cinema Francês já se tornou tradição, o confinamento também produziu uma versão online. Basta entrar em www.festivalvariluxemcasa.com.br, e acessar o menu.

Organizadora do evento, Emmanuelle Boudier explica: “Como o festival foi adiado, não queríamos deixar que nosso querido público ficasse sem ver filmes franceses. Então, pensamos nessa ação solidária, que disponibilizasse filmes para serem vistos em casa. Assim, buscamos 50 títulos de festivais anteriores para ocupar esse vazio. E nesse momento em que muitas pessoas estão com dificuldades financeiras, oferecer filmes de graça é uma forma de passar essa hora difícil.”

 O lote todo estará disponível a partir desta sexta, 8. Entre os filmes está Chocolate, de Roschdy Zem, com Omar Sy como lendário palhaço negro que fez estrondoso sucesso na França da Belle Époque, formando dupla com Footit, mas a parceria foi destruída pela rivalidade entre ambos e pela discriminação, quando Chocolat começou a ostentar o dinheiro que ganhava.

No MyFrenchFilmFestival, os filmes estão divididos por grupos – Assunto de Família, Amor e Sentimentos, Retratos de Homens, de Mulheres, Espírito Adolescente, Cantinho das Crianças – para facilitar a busca. Cada faixa de público, e não necessariamente, por idade, sabe o que procurar e onde. Nos extremos, podem-se citar a animação infantil O Tigre sem Listras, de Raúl Robin Morales Reyes, sobre um tigrinho sem listras que sai pelo mundo atrás delas; e o adulto Sauvage (Selvagem), de Camille Vidal-Naquet, com Félix Maritaud como Léo, de 22 anos, que se prostitui numa espiral (auto)destrutiva. É muito forte.


Estadão quinta, 07 de maio de 2020

DAISY LÚCIDI ENCANTOU-SE: ATRIZ, DE 90 ANOS, FALECE A 07.05.20

 

Morre a atriz Daisy Lúcidi, aos 90 anos, vítima da covid-19

Daisy teve uma longa carreira. Atuou no teatro, cinema e na TV, mas deve muito de sua fama ao rádio

Luiz Carlos Merten, O Estado de S.Paulo

07 de maio de 2020 | 08h27 

A atriz Daisy Lúcidi, de 90 anos, morreu na madrugada desta quinta-feira, 7. Ela estava internada com covid-19 no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital São Lucas, em Copacabana, desde o dia 25 de abril.

Daisy teve uma longa carreira. Atuou no teatro, cinema e na TV, mas deve muito de sua fama ao rádio. Começou aos 6 anos, recitando poemas. Por mais de dez anos, apresentou com César Ladeira um programa que fez história. Na era de ouro da Rádio Nacional, participou de novelas com alguns dos maiores galãs da época – Paulo Gracindo, Mário Lago. Em 1971, passou a comandar, na Rádio Nacional, o programa Alô, Daisy!, reconhecido como de utilidade pública por serviços prestados à população do Rio em suas queixas por melhores serviços municipais. A popularidade ajudou a alavancar a carreira de Daisy Lúcidi na política e ela foi vereadora e, depois, deputada estadual por diferentes partidos, PDS, PFL e PPR. 

A atriz Daisy Lúcidi
A atriz Daisy Lúcidi Foto: Márcio de Souza/ Globo

No cinema, participou pontualmente de filmes nos anos 1940 (Folias Cariocas), 50 (Dentro da Vida) e 70 (Eu Transo, Ela Transa). Passaram-se décadas e ela voltou aos filmes em 2012 e 13, com As Aventuras de Agamenon, o Repórter Vendo ou Alugo. Pelo último, recebeu o prêmio especial do júri no Cine PE. 

A TV acolheu a jovem Daisy primeiro na minissérie Nuvem de Fogo, de Janete Clair, de 1963. Participou, na Globo, de novelas como Bravo!, também de Janete Clair junto de Gilberto Braga; O Casarão, de Lauro César Muniz; Paraíso Tropical, de Gilberto BragaPassione, de Sílvio de Abreu; e Babilônia, de Braga e Ricardo Linhares.

Em Passione, criou uma de suas personagens marcantes – a viúva Valentina parecia uma boa mulher, mas aceitava ofertas pelas netas em troca de dinheiro; em Babilônia, foi a elegante e sofisticada Dulce. No teatro, participou da montagem original de Society em Baby Doll, de Henrique Pongetti, por Augusto Boal. Daisy Lúcidi foi casada com o jornalista esportivo Luiz Mendes, que morreu em 2011.


Estadão quarta, 06 de maio de 2020

MANUAL DE MARINADA: COMO DAR SABOR A CARNES E PEIXES

 

Michael Graydon|NYT

Manual da marinada: como dar sabor a carnes e peixes

Marinada sempre mistura temperos aromáticos, ácido e gordura. Ela pode ter diferentes sotaques e definir a cara de um prato; aprenda cinco receitas

 
15 de maio de 2019 | 21:21por Danielle Nagase, O Estado de S.Paulo

Quando o assunto é marinada a primeira coisa que vem à cabeça é a vinha d’alhos. Qual é a mãe ou avó que não começa a preparação de um assado deixando a carne imersa em vinho, sal, ervas e condimentos?

 Essa fórmula que por aqui tempera e amacia cortes bovinossuínoscordeiro e aves é herança portuguesa e seu nome vem justamente da base do preparo, a mistura de vinho (ou vinagre) e alho.

 Ela está nos cadernos de receitas de famílias e em livros antigos como Dona Benta - Comer Bem, de 1940, que já orientou gerações na iniciação às artes culinárias.

 

Marinada sempre mistura temperos aromáticos, ácido e gordura.

Marinada sempre mistura temperos aromáticos, ácido e gordura. Foto: Daniel Almeida/Estadão

 Mas quem disse que a marinada tem que ser sempre igual? Em busca de novas possibilidades para seus assados e cozidos, o Paladar reuniu as melhores dicas e conselhos de quem entende muito de cozinha brasileira, indiana, inglesa, japonesa e mexicana. As fórmulas abaixo são um convite para você desapegar do receituário corriqueiro e variar.

 A ideia é inventar, vale tudo, mas o ponto de partida tem de ser sempre a mistura de ácido, tempero aromático e gordura.

  

Marinadas podem ter diferentes sotaques e definir a cara de um prato.

Marinadas podem ter diferentes sotaques e definir a cara de um prato. Foto: Daniel Almeida/Estadão

 

O manual da marinada 

 ● ácido + aromáticos + gordura (opcional)

 - Ácidos: suco de frutas críticas, vinagre, iogurte, vinho, cerveja, cachaça, saquê, tequila

- Aromáticos: alho, cebola, ervas, gengibre, pimentas, especiarias

- Gordura: azeite de oliva, manteiga

 

● Tempo 

 - 24h para cortes com até 2kg

- 3 dias para peças com mais de 10kg

- Mantenha sempre sob refrigeração

 

● Fresco ou seco?

 

- Ervas frescas agregam sabor à marinada, pois concentram mais óleos essenciais que as versões secas. Especiarias devem ser moídas na hora. 

- Opções em pó temperos, como gengibre, são mais fortes. Use com moderação. 

 

● Não lave

Se necessário, retire o excesso de líquido e temperos da carne com papel toalha.

 

● Temperatura

Retire da geladeira com antecedência para que a carne chegue à temperatura ambiente antes de ir ao forno,  isso garante um cozimento por igual. 

 

● Transforme em molho

Deglaceie o fundo da assadeira com a sobra da marinada: reduza em fogo baixo, coe e ajuste o tempero; se quiser, adicione manteiga para dar brilho. 

 

* Fonte: Paulo Veríssimo, professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi

 

 

RECEITAS DE MARINADAS

● De cachaça e ervas frescas para carne de porco 

 

A chef Heloísa Bacellar, do Lá na Venda, aposta em sabores bem familiares para temperar a carne de porco. Cebola, alho, suco de limão, azeite e ervas frescas (salsinha, cebolinha, manjericão e louro) se juntam à cachaça nesta marinada bem brasileira. Confira a receita completa

 

 

Marinada de cachaça e ervas frescas para carne de porco.

Marinada de cachaça e ervas frescas para carne de porco. Foto: Alex Silva|Estadão

  

● De iogurte e garam masala para frango

 

garam masala é um mix de especiarias que você pode comprar pronta ou fazer em casa. É ela que dá o sotaque indiano a essa receita, da chef Deepali Bavaskar, do Samosa & Company. Aqui, usamos para temperar coxa e sobrecoxa de frango. Você também pode usar filé de peito ou outro corte de frango que preferir, basta se lembrar de ajustar o tempo de descanso da carne na marinada. Veja a receita

 

 

Marinada de iogurte e garam masala para frango.

Marinada de iogurte e garam masala para frango. Foto: Alex Silva|Estadão

  

●  De saquê, missô e gengibre para peixe

 

A chef Mari Hirata usa sabores orientais intensos (missô é uma pasta fermentada de soja e mirim, um tipo de saquê adocicado usado na cozinha) para temperar filés de peixe. Essa receita também funciona para cortes bovinos, como fraldinha. Confira a receita completa

 

 

Marinada de saquê, missô e gengibre para peixes.

Marinada de saquê, missô e gengibre para peixes. Foto: Alex Silva|Estadão

 

 

● De cerveja e tequila para frango ou peru

 

Cerveja, tequila, mel, mostarda, suco de limão e de laranja, tomates assados, alho e alecrim, tudo batido no liquidificador. Essa mistura de sabores, de inspiração mexicana, pode ser usada para temperar galinha caipira ou peru. Você pode usar peças inteiras ou cortes, basta ajustar o tempo de descanso da carne na marinada. A receitas é das Lourdetes. Veja como fazer em casa.   

 

Marinada de cerveja, tequila, mel e mostarda para frango ou peru.

Marinada de cerveja, tequila, mel e mostarda para frango ou peru. Foto: Alex Silva|Estadão

  

● De leite e ervas para frango

 

Essa receita é do chef britânico Jamie Oliver, publicada no livro Jamie’s Confort Food. Ela tem duas etapas. Uma salmoura com sal, açúcar, tomilho, louro, alho e pimenta. E uma marinada de buttermilk (em português, leitelho), leite levemente talhado e ácido, que ajuda a amaciar o frango. Nos EUA e na Europa, é fácil achar buttermilk no supermercado. Por aqui, você pode fazer em casa muito rapidamente: basta misturar leite e suco de limão e deixar descansar por 10 minutos.  Usamos a marinada para temperar um frango inteiro que, depois, foi assado. Mas essa receita funciona para todos os cortes da ave (coxa, sobrecoxa, asa e até peito), que podem ser assados ou fritos. Confira a receita completa

 Marinada de leite e ervas para frango.

Marinada de leite e ervas para frango. Foto: Alex Silva/Estadão


Estadão terça, 05 de maio de 2020

FLÁVIO MIGLIACCIO ENCANTOU-SE, AOS 85 ANOS - 04.05.20

 

Ator Flávio Migliaccio morre aos 85 anos

O artista foi encontrado morto em seu sítio no Rio, de acordo com coluna

Redação, O Estado de S.Paulo

04 de maio de 2020 | 12h04

O ator Flávio Migliaccio morreu aos 85 anos no Rio de Janeiro. Ele foi encontrado morto em seu sítio em Rio Bonito, no interior do Rio, nesta segunda, 4. De acordo com a Polícia Militar, que atendeu a ocorrência, a causa da morte seria suicídio. 

Ator Flávio Migliaccio morre aos 85 anos
O ator Flávio Migliaccio no Rio, em 2014 Foto: MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO

O último trabalho de Migliaccio na TV foi o personagem Mamede, na novela Órfãos da Terra.

 Em 2017, o ator falou ao Estado sobre a estreia do espetáculo Confissões De Um Senhor De Idade. Personagem de seu texto, Flávio era visitado por Deus, que propõe um pacto: se ajudá-lo a desvendar um estranho acontecimento no céu, receberá a vida eterna como recompensa. No plano da realidade, Flávio não ambicionava essa dádiva. “Não desejo a vida eterna. Se ocorrer, nada contra”, brinca. “Mas se for com esses políticos que estão hoje por aqui, prefiro não”, declarou. Assumidamente ateu, Flávio escolheu Deus para contracenar. “Num dado momento do texto, Deus indaga: ‘como vou estabelecer um pacto com alguém que não acredita em mim?’ Entretanto, ele propõe e eu aceito.”

Nesse projeto repleto de questões pessoais, Flávio decidiu acumular funções – de ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo e figurinista (essa última, em parceria com Paixão). “Não consigo distribuir. Não que os outros não tenham capacidade. Mas é que quero saber de tudo”, garante. Esse comprometimento com as diversas etapas do processo talvez esteja ligado às circunstâncias da vida de Flávio, que precisou transitar por diferentes profissões para sobreviver – ocupações relacionadas ou não à atividade artística. “Fiz claque para Dulcina e Odilon. Ria e aplaudia os dois”, lembrou, referindo-se a Dulcina de Moraes e Odilon Azevedo. “E fiz o mesmo para Ronald Golias.”

O espírito empreendedor remete ainda ao início de sua carreira, no Teatro de Arena, companhia de perfil politicamente engajado, que marcou oposição ao padrão europeu de encenação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) por meio da valorização de montagens destituídas de produções luxuosas, concebidas a partir de proximidade geográfica com o espectador (determinada pela disposição da arena) e centradas em uma dramaturgia nacional voltada para o cotidiano dos menos abastados.


Estadão segunda, 04 de maio de 2020

FUTEBOL ESPANHOL DÁ SEU PRIMEIRO PASSO PARA VOLTAR AOS GRAMADOS

 

Futebol espanhol dá seu primeiro passo para voltar aos gramados

Jogadores retornam aos treinamentos nesta segunda-feira com restrições, sem saber quando vão jogar e se realmente o momento é seguro

Redação, O Estado de S. Paulo

04 de maio de 2020 | 05h00

Um dos principais torneios de futebol no mundo, o Campeonato Espanhol ensaia seu retorno aos gramados. Os jogadores voltam nesta segunda-feira aos treinamentos. As atividades serão individuais, mas ainda há muita polêmica sobre as garantias à saúde dos atletas.

A Espanha é um dos países mais afetados pela pandemia da covid-19 e, da elite do futebol europeu, se junta à Alemanha e à Itália ao grupo que ensaia a volta das competições.

 
Lionel Messi

Messi é a principal estrela do Barcelona e do Campeonato Espanhol Foto: Josep Lafo / AFP
 

A ideia inicial era que todos os atletas dos clubes espanhóis passassem por exames médicos antes de iniciar os treinos. Na última quinta-feira, porém, ficou decidido que apenas quem apresentar sintomas do novo coronavírus ou tiver contato com alguém infectado será avaliado. A decisão aconteceu em uma reunião que contou com representantes do Ministério da Saúde, do Grupo de Trabalho de Incentivo ao Esporte, da Liga Espanhola de futebol e do sindicato de jogadores, além de membros de federações de diversos outros esportes.

Por enquanto, os jogadores podem treinar sem ter qualquer contato um com o outro. Os atletas estão se exercitando em casa desde o início de março, quando as partidas foram interrompidas. O retorno aos treinos faz parte da “fase um” do programa de saída da quarentena no futebol espanhol. A ideia é que as atividades ocorram assim até o dia 18 de maio, quando poderão ser autorizados treinos de grupos reduzidos, com até oito pessoas.

Este próximo movimento é denominado de “fase dois” e a “fase três” é de treinamento com o grupo completo, que precisa durar pelo menos duas semanas antes do retorno efetivo das partidas.

A expectativa é de que as três fases levem, no total, um mês. Não há uma data precisa para a retomada das competições, mas a Federação Espanhola projeta o dia 5 de junho como uma possível volta do futebol nacional. Faltam 11 rodadas para o fim do Espanhol.

Os jogadores estão divididos sobre trabalhar quando a pandemia ainda não está controlada na Espanha. O meia Ivan Rakitic, do Barcelona, disse estar disposto a retornar aos jogos, mesmo ciente dos riscos de contrair a doença.

“Quero jogar. É evidente que devemos tentar voltar com a maioria das garantias sanitárias, mas devemos saber que nunca vão ser 100%’’, disse o croata ao jornal Marca. “É o mesmo risco que vão ter todos os trabalhadores na volta à rotina. Empregados de supermercados também usam vestiários e têm as mesmas possibilidades ou mais de contaminação que nós. Eles assumem esse risco e eu quero assumir também.”

Por outro lado, o elenco do Valencia está temeroso. O time espanhol teve 15 jogadores e mais 10 membros da comissão técnica contaminados pela covid-19. Um dos motivos para a pandemia atingir tão forte a equipe pode ter sido o fato de ter jogador no fim de fevereiro e início de março nas cidades de Milão, na Itália, e Vitória, na Espanha, dois focos da doença.

O brasileiro Gabriel Paulista usou suas redes sociais para deixar claro que não apoia o retorno neste momento. “Não quero que, por precipitação ou pressão financeira, que podemos entender, mas nunca priorizar acima das questões mais fundamentais, qualquer membro da família, amigo, colega de trabalho ou profissão possa ficar doente ou morrer”, afirmou o zagueiro do Valencia. “Amo o futebol, amo jogar, amo o meu clube e sempre queremos dar felicidade aos torcedores, mas também, e acima de tudo, amo e respeito a vida de todo ser humano”, emendou.

O lateral-esquerdo Gayà também se mostrou incomodado com a situação. “A liga pode ter uma ideia, mas se a Vigilância Sanitária não der o ok, não vai acontecer (a volta). Somos pessoas além de jogadores e temos famílias. É normal que haja medo de contaminação.”,

Rakitic acredita que o futebol pode ajudar as pessoas. “Socialmente devemos dar um passo, fazer com que as pessoas sejam entretidas com o que gostam, que deixemos de pensar um pouco no vírus e na doença, e voltemos a brincar com o vizinho que torce para um rival”, defende o jogador.


Estadão domingo, 03 de maio de 2020

CASABLANCA, COM SUAS FRASES ANTOLÓGICAS, MARCOU A HISTÓRIA DO CINEMA

 

Clássico do dia: 'Casablanca', com suas frases antológicas, marcou a história do cinema

Dica de Luiz Carlos Merten de hoje é o filme que ganhou os principais Oscars de 1943 e eternizou frases como 'Sempre Teremos Paris'

Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo

03 de maio de 2020 | 08h00

Era uma daquelas típicas produções em que tudo se encaminhava para que desse errado, mas, sabe-se lá por quê, terminou dando tudo certo - e Casablanca não apenas venceu os principais Oscars de 1943, como esculpiu a fama de ser um dos mais adorados filmes de todos os tempos. E pensar que a empresa produtora Warner pensava inicialmente em fazer o filme com Ronald Reagan e Hedy Lamarr. Não teria sido a mesma coisa, e nem o título, porque a história deveria se passar em Lisboa. Casablanca também é grande por seu elenco, que, a par do astro e da estrela – Humphrey Bogart e Ingrid Bergman –, reúne um dos mais perfeitos times de coadjuvantes da história. Sydney GreenstreetPaul HenreidPeter LorreConrad VeidtS.Z. Sakall e Dooley Wilson a postos, no piano, para que Rick, isto é, Bogart, lhe peça 'Play it again, Sam', e ele ataque de As Time Goes by.

Promote health. Save lives. Serve the vulnerable. Visit who.int

Cena de Casablanca
Cena de Casablanca Foto: Warner
 

Casablanca, durante a 2.ª Grande Guerra, é esse lugar, no norte da África aonde chegam todos os trânsfugas do nazismo, sonhando fugir para os EUA. Seus caminhos passam pelo café de Rick. É lá que o próprio Rick reencontra Ilsa, agora ligada ao líder da resistência, Victor Laszlo. Só lá pelo meio do filme um flash-back informa que foram amantes em Paris. Uma frase tão absurda que seria ridícula, se não ficasse tão sublime na voz da jovem Ilsa/Ingrid. Ouvem-se tiros de canhão, quando o Exército de Adolf Hitler invade a cidade e ela pergunta a Rick/Bogart - “Serão as batidas do meu coração?”

Casablanca é cheio de frases antológicas. Bogart - “De todas as espeluncas do mundo, você tinha de vir aqui.' Bergman - 'Não sei se terei coragem de deixá-lo de novo.' E "Sempre teremos Paris." Além, é claro, de 'Play it again, Sam', mas essa só existe na lenda. Todo o conflito do filme gira em torno da questão – com quem ficará Ilsa? Laszlo tomará aquele avião? Como reagirão os nazistas? A espelunca de Rick pode reunir a escória da Europa, mas é o melhor elenco do mundo e o local vira o centro da resistência a Hitler. Laszlo incita o público a cantar a Marselhesa, e a cena é de arrepiar. No livro O Pacto entre Hollywood e o Nazismo, Ben Urwand conta como a indústria, para não prejudicar interesses na Europa, demorou a tomar partido. Quando se uniu ao esforço de guerra, foi por meio de filmes como Casablanca que o ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, fazia projetar aos produtores alemães, berrando com eles. Era o tipo de filme que queria que fizessem, mas, claro, invertendo papeis, com judeus, e não nazistas, como vilões.

Apesar do triângulo entre Rick, Ilsa e Laszlo, há mais um vértice nessa história - um quadrado amoroso? O chefe de polícia Claude Rains vive mandando prender os suspeitos de sempre. Será que uma história tão conhecida ainda fornece risco de spoiler? O desfecho mostra o mais surpreendente dos casais – dos pares -, celebrando “o início de uma grande amizade”. Casablanca ganhou os Oscars de filme, direção e roteiro, esse último creditado a Howard Koch e aos irmãos Julius J. e Philip G. Epstein. Em sua autobiografia, O Filho do Trapeiro, Kirk Douglas conta como os gêmeos idênticos construíram a fama de maiores amantes de Hollywood, revezando-se, a noite toda, como se fossem apenas um, na cama das numerosas amantes. O mais incrível, segundo consta, é que nunca houve um roteiro definitivo de Casablanca. O trio escrevia na véspera as cenas que seriam filmadas no dia seguinte. O plano da Warner sempre foi manter a Bergman no escuro, sem saber se Ilsa ficaria com Rick ou Laszlo. Apesar disso, numa votação em 2006, o Writers Guild não vacilou em considerar o melhor roteiro de todos os tempos.

Estadão sábado, 02 de maio de 2020

TORTA DE RICOTA, BERINJELA E ABOBRINHA

 

 

Prato do Dia

Patrícia Ferraz

Torta de ricota, berinjela e abobrinha

A ideia da receita do chef Yotam Ottolenghi é que você incremente a massa e o recheio com os vegetais que tiver em casa

por Patricia Ferraz

Essa torta do chef israelense Yotam Ottolenghi tem boas chances de entrar para a sua lista de prato favoritos. É leve, saborosa, fica ótima quente e também em temperatura ambiente. Mas só faça no dia em que estiver com vontade de cozinhar, porque dá um certo trabalho. Nada complicado, mas tem várias etapas: é preciso assar os vegetais no forno, refogar a cebola numa frigideira à parte, preparar a massa e assá-la em dois tempos. O resultado compensa, garanto. A receita original leva pimentões e batata-doce, que não usei. A ideia é essa, você aproveita a massa e o recheio e usa os vegetais que tiver em ca 

 

Torta de ricota, berinjela e abobrinha.

Torta de ricota, berinjela e abobrinha. Foto: Patricia Ferraz/Estadão

 

Preparo

 

Massa

1Misture os ingredientes numa vasilha grande e aperte com as mãos para formar uma farofa e depois disso uma massa homogênea (se precisar, use uma colher de sopa de água para dar liga).
 
2Abra a massa com a ajuda de um rolo, em uma superfície polvilhada com farinha de trigo. Ponha a massa em uma assadeira para quiche (aquela de borda baixa, com sulcos) ou a que preferir. Cubra com filme plástico e deixe na geladeira por meia hora.
 
3Tire a massa da geladeira, tire o plástico, fure a base da massa várias vezes com um garfo, cubra com papel manteiga e ponha um peso em cima para impedir a massa de crescer (use feijões crus).
 
4Preaqueça o forno por 10 minutos e asse a torta coberta por 10 minutos. Abra o forno, tire o papel manteiga e o peso e volte a massa ao forno para assar descoberta por mais 10 minutos. Tire do forno e deixe esfriar em temperatura ambiente enquanto prepara o recheio.

 

Recheio

5Refogue a cebola fatiada em uma frigideira com azeite até dourar, mexendo sempre para não queimar. Tempere com sal e pimenta. Reserve.
 
6Tempere os cubinhos de abobrinha e berinjela com azeite, sal e pimenta e ponha numa assadeira. Asse em forno médio por uns 20 minutos. Tire do forno e reserve.
 
7Espalhe a cebola refogada pela superfície da torta e, por cima, distribua os cubos de berinjela e abobrinha e os tomates.
 
8Espalhe a ricota e o queijo sobre os vegetais, de modo irregular.
 
9Misture os ovos e o creme de leite em uma vasilha, tempere com um pouco de sal e pimenta e despeje sobre os vegetais e queijos.
 
10Asse a torta em forno médio por uns 30 minutos, até dourar (se necessário, proteja as bordas da torta com papel alumínio). Espere dez minutos antes de desenformar. Sirva quente ou em temperatura ambiente.

Estadão sexta, 01 de maio de 2020

O SIGNIFICADO DO TRABALHO

 

O significado do trabalho

Raras vezes foi tão importante refletir sobre o tema. O 1.º de Maio é oportunidade, na emergência da pandemia, para reconhecer o mérito de todos os trabalhadores

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

01 de maio de 2020 | 03h00

Raras vezes, como agora, foi tão importante refletir sobre o trabalho. Incertezas de diversas naturezas afligem os trabalhadores em todo o mundo – as transformações tecnológicas, as novas organizações do trabalho, as mudanças nas relações trabalhistas, além, é claro, da própria crise causada pela covid-19, que forçou a interrupção de muitas atividades e transformou o dia a dia de todos os trabalhadores. Afetado drasticamente pelo presente, o trabalho vê-se envolto também nas grandes incógnitas a respeito de como será o mundo após a pandemia.

A Constituição de 1988 define, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. O trabalho é alicerce do Estado porque antes é alicerce da sociedade, da família e do próprio indivíduo. A atividade laboral é muito mais que uma fonte de renda. Ela é expressão e construção da dignidade e da liberdade humana. Privar alguém de seu trabalho é limitar sua autonomia e sua participação na sociedade.

As mulheres sofrem especialmente a privação do trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a força de trabalho ativa das mulheres no mundo é de 47%, enquanto a dos homens é de 74%. Na América Latina, o nível médio de educação das mulheres é relativamente alto, mas elas recebem salários 17% menores que os homens, porcentual contrastante com o aumento do número de lares sustentados por mulheres.

 Antes da crise da covid-19, o País já tinha um enorme desafio, econômico e social, de gerar postos de trabalho. Ao longo do ano passado, o total de desempregados, subempregados e desalentados esteve em torno de 25 milhões de pessoas. Especialmente dramática é a taxa de desemprego crônico. Mais de um quarto dos desempregados procura emprego há mais de dois anos. É a deterioração das condições do mercado de trabalho afetando de forma permanente a parcela mais vulnerável da população.

A pandemia agravou ainda mais o quadro do desemprego, bem como as condições de trabalho. Trabalhadores tiveram a renda ou o salário reduzido, chegando em muitos casos à suspensão do contrato de trabalho. É um horizonte de prejuízos e de incertezas, a afligir todos.

Na retomada após a crise, o desafio de promover o trabalho deve ser prioritário. Não basta diminuir encargos patronais, como às vezes o governo Bolsonaro deu a entender que faria. É preciso ter um diagnóstico amplo sobre o panorama do trabalho no mundo atual, em profunda transição, identificando e atuando nos gargalos, ineficiências e oportunidades – e, de posse desses dados, fazer o complemento consciencioso da reforma trabalhista iniciada no governo Temer.

Cada vez mais, trabalho não é sinônimo de emprego. Não apenas as oportunidades profissionais são diferentes, como também as aspirações das novas gerações em relação à profissão são muito distintas das dos seus pais. Tal cenário exige uma resposta abrangente, que passa necessariamente por melhorar a qualidade do ensino e da formação profissional. É ilusão supor que o País poderá enfrentar a contento os desafios do trabalho do século 21 sem uma profunda melhoria da educação.

O trabalho não deve alimentar uma espécie de casta, que divide e hierarquiza as pessoas por renda, importância ou protagonismo social. Ao contrário, toda atividade profissional – intelectual ou manual, complexa ou simples, que desperta aplausos ou passa despercebida aos olhos da maioria – é âmbito de promoção da dignidade e da autonomia. É no trabalho realizado com seriedade e competência que cada um se desenvolve, aperfeiçoando sua personalidade e fortalecendo os vínculos sociais, e pode oferecer, de forma muito prática, sua melhor contribuição à família e à sociedade. Seja qual for a tarefa, o sentido do trabalho é sempre servir, somar, construir.

O feriado do 1.º de Maio é oportunidade, na emergência da pandemia, para reconhecer o mérito de todos os trabalhadores – os que atuam em atividades essenciais, os que estão trabalhando em casa e também os que estão parados, mas, sobretudo, os que se entregam, nos serviços médicos, à missão de confortar os doentes e salvar vidas.


Estadão quinta, 30 de abril de 2020

LIVE DE NEYMA: CRAQUE POSTA FOTO COM VIOLÃO E FÃS PEDEM MÚSICA

 

'Live do Neymar': craque posta foto com violão e fãs pedem músicas

Jogador está passando o período de quarentena em sua mansão em Mangaratiba, no Rio de Janeiro

 

 
 
'Live do Neymar': craque posta foto com violão e fãs pedem músicas Foto: Reprodução/ Instagram

Neymar está passando o período de quarentena em sua mansão em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Nesta quarta-feira, o craque agitou as redes sociais ao postar uma foto segurando um violão para "anunciar" sua live.

A brincadeira fez sucesso entre os internautas. Nos comentários, Neymar afirmou que os fãs poderiam pedir uma música. "Pode ser em inglês", brincou um seguidor. "Boate azul", comentou outro.

Durante o período isolamento, o jogador do Paris Saint-Germain tem curtido os shows de alguns cantores pelas redes sociais. As famosas lives tem feito sucesso nas plataformas Instagram e Youtube.

A mansão de Neymar também serve para o jogador seguir com a sua rotina de treinamentos sob orientação do preparador físico Ricardo Rosa. O Local conta com academia, quadra de cimento e caixa de areia. 


Estadão quarta, 29 de abril de 2020

NINGUÉM ACIMA DA LEI

 

Ninguém acima da lei

Há muito a ser investigado nas denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

29 de abril de 2020 | 03h00

O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito, pedido pela Procuradoria-Geral da República, para investigar as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Há muito o que investigar. De acordo com Sérgio Moro, Bolsonaro o pressionou para colocar na direção da Polícia Federal (PF) um delegado que fosse “do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência”.

Em seu pedido de investigação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, relacionou uma série de crimes supostamente cometidos por Bolsonaro nesse caso, entre os quais advocacia administrativa e prevaricação.

O presidente garante que não queria nenhuma informação além daquelas necessárias para o exercício de sua função, “para bem decidir o futuro da Nação”, como disse recentemente. Mas essas Bolsonaro já deve receber regularmente pelo Sistema Nacional de Informações; a julgar pelo que disse o ex-ministro Moro, no entanto, o presidente queria acesso a informações sigilosas sobre investigações em curso.

 Considerando-se que o clã Bolsonaro é o centro de algumas dessas diligências, compreende-se a aflição do presidente – que, sem que Sérgio Moro tivesse dito nada a esse respeito em seu pronunciamento, garantiu “nunca” ter pedido que a PF “blindasse” sua família, isso é, que poupasse os filhos ou a si mesmo de investigações.

E o que não faltam são investigações que envolvam os Bolsonaros – não só na Polícia Federal, mas também no Supremo e na Câmara dos Deputados. A nova investigação autorizada pelo Supremo, no entanto, será certamente mais rumorosa, pois não é trivial que um presidente seja acusado de querer manipular a PF para fins inconfessáveis.

Nada disso, contudo, parece constranger Bolsonaro. Depois de ter demitido Maurício Valeixo da direção da PF porque este não lhe franqueou acesso a informações sigilosas sabe-se lá sobre o quê, o presidente confirmou que o substituto de Valeixo será o delegado Alexandre Ramagem, que se destaca não por seu currículo, mas por ser amigo íntimo da família Bolsonaro. E teme-se que um bom amigo não negue um favor ou outro ao presidente.

Com isso, mais uma vez, Bolsonaro coloca os assuntos pessoais acima dos interesses nacionais, razão pela qual mesmo a nomeação do qualificado André Mendonça, ex-advogado-geral da União, para o Ministério da Justiça, acabará sendo vista como uma manobra do presidente para ter controle completo do aparato policial federal – coisa típica de regimes autoritários, em que governante e Estado são uma coisa só.

Por esse motivo, fez bem o ministro Celso de Mello em lembrar, em sua autorização para que as denúncias contra Bolsonaro sejam investigadas, que, “não obstante a posição hegemônica que detém na estrutura político-institucional do Poder Executivo, ainda mais acentuada pela expressividade das elevadas funções de Estado que exerce, o presidente da República – que também é súdito das leis como qualquer outro cidadão deste País – não se exonera da responsabilidade penal emergente dos atos que tenha praticado, pois ninguém, nem mesmo o Chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.

O presidente, como qualquer cidadão da República, tem deveres antes de direitos. E, como presidente, diferentemente dos cidadãos comuns, tem ademais o dever da transparência e da prestação de contas. Nada que envolve a Presidência da República pode ficar ao abrigo da luz, seja o simples resultado dos exames de covid-19 ao qual o presidente Bolsonaro se submeteu – que, conforme diz liminar concedida pela Justiça a pedido deste jornal, deveria ser público para que todos saibam qual é o real o estado de saúde do presidente –, sejam os verdadeiros motivos que o levaram a trocar a cúpula do aparelho policial do Estado e ali aboletar seus amigos.

Felizmente, a democracia brasileira, malgrado suas inúmeras fragilidades, parece preservar o sistema de freios e contrapesos – ao qual mesmo presidentes com ares de Messias devem se submeter.


Estadão terça, 28 de abril de 2020

BOLSONARO PRESTIGIA GUEDES

 

Em perigo, Bolsonaro prestigia Guedes

Presidente decidiu conter o desmoronamento de seu governo e prestigiar o ministro, seu fiador diante do mercado e trava contra um surto de pânico financeiro

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

28 de abril de 2020 | 03h00

Acuado por investigações e ameaçado por graves denúncias, o presidente Jair Bolsonaro decidiu conter o desmoronamento de seu governo e prestigiar o ministro da Economia, Paulo Guedes, seu fiador diante do mercado e trava de segurança contra um surto de pânico financeiro. “O homem que decide economia no Brasil é um só, chama-se Paulo Guedes”, disse o presidente, ontem de manhã, na saída do Palácio da Alvorada. Ninguém pode dizer quanto tempo essa disposição vai durar. No fim de semana o ministro ainda era apontado por analistas políticos e por fontes do mercado como a provável bola da vez, depois da saída do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro.

Cinco dias antes, sem a presença de um único membro da equipe econômica, o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, havia lançado o plano de investimentos Pró-Brasil. “Nada está descartado”, respondeu o presidente, na ocasião, quando jornalistas quiseram saber se haveria afrouxamento do ajuste fiscal. O ministro Guedes e seus companheiros estavam sendo claramente desqualificados como condutores da política econômica. Em contrapartida, pareciam ganhar peso nas decisões econômicas o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Uma nova crise política em poucos dias mudou o cenário. Ao tentar interferir na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro perdeu o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. Foi mais um lance custoso para a imagem presidencial, já prejudicada pela demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

 Nesses dois episódios o presidente deu prioridade a seus interesses privados – eleitorais e familiares. No primeiro, tentou subordinar a política da saúde ao objetivo de rápida abertura das atividades econômicas. O ministro Mandetta, mais alinhado aos critérios da Organização Mundial da Saúde, propunha política mais prudente. Seria necessário, segundo ele, programar cautelosamente, e de acordo com as condições de cada região, o abandono do isolamento social. A reativação mais veloz poderia obviamente servir aos interesses eleitorais do presidente, se nenhum desastre sanitário ocorresse. Mas Bolsonaro parece nunca ter levado a sério esse risco.

No segundo episódio, o presidente buscou acesso a investigações sobre pessoas próximas. Desde o ano passado ocorriam manobras semelhantes, sempre com tentativas de interferência em organismos envolvidos em investigações de pessoas próximas ao presidente, especialmente seus filhos. (Veja abaixo o editorial Amigos do peito.)

O Pró-Brasil, lançado na semana passada, também poderia produzir ganhos eleitorais, se permitisse uma reativação sensível nos próximos dois anos. Haveria o risco, também menosprezado pelo presidente e por vários ministros, de efeitos desastrosos para os fundamentos da economia. O programa dependeria em boa parte de investimentos custeados pelo Tesouro, apesar da notória escassez de dinheiro nos cofres federais.

Não haveria como combinar essas despesas com o ajuste programado para o pós-pandemia. Diante da emergência, o governo relaxou a disciplina fiscal, para proteger a saúde e apoiar empresas e trabalhadores diante dos piores efeitos econômicos do coronavírus. Mais gastos e perda de receita produzirão um déficit primário (isto é, sem os juros) muito maior que o programado. A dívida pública também ultrapassará o nível planejado. Será essencial, portanto, segundo a equipe econômica, encerrar em 2020 o afrouxamento fiscal, típico de uma fase de calamidade, e logo retomar a austeridade.

De novo prestigiado como condutor da política econômica, o ministro Paulo Guedes voltou a afirmar, ontem, seu compromisso com a responsabilidade fiscal, embora evitando, diplomaticamente, desqualificar o Pró-Brasil. Acuado, o presidente precisa revalorizar seu Posto Ipiranga, o ministro Guedes, enquanto busca apoio do Centrão contra um possível processo de impeachment. Esse acordo com o Centrão pode ser duradouro. Previsões são mais difíceis no caso do Posto Ipiranga.


Estadão segunda, 27 de abril de 2020

CULTURA: PANDEMIA CULTURAL

 

Cultura: Pandemia cultural

Como museus, galerias e instituições do setor estão agindo e reagindo ao momento de profunda mudança da cena artística ao redor do mundo

Ana Carolina Ralston, Moda

25 de abril de 2020 | 16h00

Apesar de na Europa o número de infectados pelo novo coronavírus já ser crescente, a sensação de muitos era de que talvez o Brasil passaria incólume a tal acontecimento. Ingenuidade (ou ignorância, talvez?), mas fato foi que a mostra “Tarsila: Estudos e Anotações” teve sua abertura adiada indeterminadamente um dia antes da data marcada. Essa foi uma das primeiras mostras no Brasil a ser temporariamente canceladas, seguida de uma enxurrada de outros eventos culturais que deixaram de ocorrer, entre eles a SP-Arte, a mais importante feira de arte da América Latina.

Museus, galerias e instituições do setor estão agindo e reagindo ao momento de profunda mudança da cena artística ao redor do mundo

Museus, galerias e instituições do setor estão agindo e reagindo ao momento de profunda mudança da cena artística ao redor do mundo. Foto: Divulgação/Ilustração: Leonardo Albertino

Muitas dessas medidas tomadas em centros culturais ao redor do globo colaboraram para que a doença não se alastrasse entre a população. No fim de janeiro deste ano, a Paris Musées, instituição pública da capital francesa responsável por gerir 14 museus da cidade, liberou ao público o acesso a milhares de obras que ficam em seu acervo. Começava, assim, um movimento, sem data para terminar, que pode mudar o cenário das artes para sempre. 

A partir da força que só as grandes calamidades mundiais têm, artistas, curadores, museus, instituições e galerias começaram um processo de renovação em diferentes direções. A tecnologia, ainda vista com certo receio por muitos deles, era agora a principal aliada para que um conteúdo de qualidade chegasse aos olhos e ouvidos de milhões de pessoas.

Com obras digitalizadas a toque de caixa, acervos de endereços como os norte-americanos Metropolitan e Museu de Arte Moderna, o MoMA, além dos brasileiros Masp e Pinacoteca, passaram a ser acessíveis pela internet. A plataforma Google Arts & Culture tem colaborado bastante com essa iniciativa: atualmente mantém parcerias com mais de dois mil museus no mundo, permitindo a entrada em coleções e exposições de forma digital, como a mostra “Coco Chanel: Modernismo”, sobre a influência da estilista para a moda do século 20, em exibição online no Metropolitan de Nova York. Há também ótimas análises de obras como Noite Estrelada, de Van Gogh, com mais de dez imagens detalhadas da pintura, disponibilizadas pelo MoMA, parceiro oficial da plataforma.

É certo, no entanto, que, por mais dinâmicas que sejam tais iniciativas, a experiência tridimensional da visita ao museu, que inclui vislumbrar o traço de Pablo Picasso na gigante Guernica – ou até a sensação curiosa de ver a famosa Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, em seu tímido tamanho em relação a nossa expectativa –, vai muito além do que é possível vivenciar por meio da tela dos nossos computadores ou celulares.

A rede social Instagram e seu IGTV tornaram-se fortes aliados na luta em favor da arte. Obras comentadas por curadores, visitas guiadas conduzidas pelos próprios artistas e séries sobre o processo criativo de autores importantes preenchem o feed de notícias do internauta – material até então pouco colocado à disposição do público. Outras instituições, como o British Museum, em Londres, e o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, conseguiram disponibilizar visitas 3D pela instituição e por mostras exibidas anteriormente nesses espaços.

Plataforma humanista

Entre as galerias, as atividades seguem linhas similares, sempre usando a tecnologia como elo e forma de motivar o consumo da informação. Com as vendas praticamente paralisadas, tais espaços têm unido forças em prol de causas mais humanistas e em sintonia com o mundo. No Brasil, artistas, profissionais da arte e galerias encamparam a campanha Horizontes para promover ações de alívio à crise gerada pela pandemia em comunidades vulneráveis. Dessa forma, uma afinada seleção de obras está sendo vendida em uma plataforma digital com valor revertido a instituições que estão agindo ativamente em combate ao vírus.

Todo esse novo universo tem feito o público mergulhar em um sentimento já conhecido da vida contemporânea, porém, embalado em um novo nome: “Infoxication”. O termo faz referência a uma sobrecarga de informação online que, ao mesmo tempo que dá aos seus usuários um consistente fluxo de imagens e dados, também acaba gerando ansiedade. Se o número de programas culturais já lhe causava um calor no coração – ou até certa inquietação –, mesmo com o distanciamento social isso não mudou. Resta a esperança de que esses primeiros passos na vida virtual cultural se tornem tão emocionantes e multissensoriais quanto o que se acostumou a sentir no mundo real.


Estadão domingo, 26 de abril de 2020

PACAEMBU AJUDA NA LUTA CONTRA A PANDEMIA

 

Prestes a completar 80 anos, estádio do Pacaembu ajuda na luta contra pandemia

Mais tradicional estádio paulistano troca o futebol pelo hospital de campanha para 200 pacientes

Leandro Silveira, O Estado de S. Paulo

26 de abril de 2020 | 07h00

 

Sem receber uma partida oficial desde 29 de fevereiro, o Estádio Paulo Machado de Carvalho, conhecido como Pacaembu pela sua localização, completa 80 anos da sua inauguração amanhã até mais ativo do que anteriormente. Afinal, teve sua estrutura transformada em hospital para ajudar no combate à pandemia do novo coronavírus e a salvar vidas.

Foi o primeiro hospital de campanha a entrar em funcionamento em São Paulo, epicentro da doença no País. A construção da infraestrutura de 6.300m² levou 12 dias, tendo sido entregue em 1.º de abril, quando a Organização Social de Saúde Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, assumiu a unidade e instalação da estrutura e dos equipamentos hospitalares, fez a higienização e deu treinamento aos funcionários. 

Estádio do Pacaembu vira hospital de campanha
Hospital de campanha está instalado no Pacaembu para receber pacientes infectados pelo novo coronavírus
Foto: Felipe Rau / Estadão
 

Idealizado para atender apenas pacientes de baixa e média complexidade, transferidos de outros equipamentos de saúde da capital, o hospital temporário possui 200 leitos, com oxigênio disponível para todos, além de salas de estabilização e de acolhimento dos familiares, tendo estrutura para realizar diagnóstico por imagem e exames de sangue e de urina.

“O Pacaembu é um local onde muita gente foi chorar, de tristeza ou alegria, para o seu time de futebol. É icônico para São Paulo, um cartão-postal. E agora se reveste de mais importância, atendendo a população nessa pandemia”, disse o prefeito de São Paulo, Bruno Covas.

O “jogo” contra o vírus é o mais importante de uma história de glórias do octogenário Pacaembu, um estádio que nasceu e construiu a sua trajetória como um dos símbolos da cidade. A arquitetura, com traços de art déco, o que incluía em seu projeto original a concha acústica, posteriormente substituída pelo tobogã, é ainda considerada uma das mais belas dos estádios brasileiros, mesmo com a construção e inauguração de vários outros nos últimos anos.

“É o estádio onde você está mais próximo do campo. Perto o bastante para ver o jogo e longe o suficiente para observar o campo todo”, define o jornalista José Maria de Aquino.

Além de ter se transformado em hospital de campanha, 2020 está marcado na história do Pacaembu por ter passado para as mãos da iniciativa privada. A Allegra Pacaembu assumiu a gestão pelos próximos 35 anos. Neste primeiro, foram realizados três jogos: a decisão da Copa São Paulo, uma partida do Palmeiras e um clássico entre o clube alviverde e o Santos.

A administradora assumiu o estádio, a piscina, as quadras de tênis, o estacionamento e o ginásio poliesportivo. O Museu do Futebol, que funciona embaixo das arquibancadas, e a Praça Charles Miller seguem sob gestão do município. A reforma do complexo, que inclui a demolição do tobogã, deverá começar em meados de 2021.

Nesse contexto, sua utilização como hospital de campanha parece ter vindo para confirmar o conceito de patrimônio da população logo no momento em que foi repassado para a iniciativa privada. “Nunca imaginamos que viveríamos um momento como esse, como cidadão ou empresário”, diz Eduardo Barella, presidente da concessionária que o administra.

Ele aponta, porém, para o peso histórico do momento em que assumiu a gestão do estádio. “É mais um capítulo bonito, que vai ficar marcado em sua história. Vai passar e o Pacaembu continuará a contar casos importantes da cidade. É o lugar onde todo mundo tem uma história e uma relação afetiva. Isso vai torná-lo ainda mais bonito, como uma marca”, avalia.

A opinião é compartilhada por Muricy Ramalho, que trabalhou no estádio como jogador e técnico e frequentou as arquibancadas como torcedor. “É o estádio de todo mundo. É engraçado que todas as torcidas e times gostam de jogar lá. Ele representa a cidade de São Paulo. Eu adorava”, afirma. “Para a história do Pacaembu ficar completa, só faltava essa parte social, ajudando a salvar vidas.”

HISTÓRIA

Inaugurado em 27 de abril de 1940, o Pacaembu foi palco de momentos marcantes da cidade e dos seus clubes. Vivenciou feitos que ultrapassaram os limites territoriais paulistas. Um dia após ser inaugurado, recebeu os primeiros jogos, a goleada do Palestra Itália (hoje Palmeiras) por 6 a 2 sobre o Coritiba e o triunfo do Corinthians, 4 a 2, contra o Atlético-MG. Dois anos depois, teria seu maior público, os inimagináveis 71.281 torcedores, para ver o 3 a 3 do São Paulo, de Leônidas da Silva, com o Corinthians.

Em 1950, o Pacaembu recebeu seis jogos da Copa do Mundo. Também foi no estádio que o Santos de Pelé exibiu o talento do maior esquadrão do futebol brasileiro, levando o Rei a ser o maior artilheiro da história do estádio, com 115 gols.

Na atual década, o Pacaembu foi palco da conquista do título da Libertadores pelos dois alvinegros paulistas. Em 2011, o Santos, de Neymar, venceu o Peñarol na decisão; no ano seguinte foi a vez de o Corinthians ser campeão no estádio, diante do Boca Juniors.


Estadão sábado, 25 de abril de 2020

MÔNICA SALMASO CONVIDA MÚSICOS PARA DUETOS EM VISITAS VIRTUAIS

 

Mônica Salmaso convida músicos para duetos em visitas virtuais

Redação Divirta-se

25 de abril de 2020 | 05h00

Danilo Casaletti, ESPECIAL PARA O ESTADO

 

CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: No simples e despretensioso Ô de Casas, a cantora está lado a lado com nomes como Teresa Cristina, Dori Caymmi, João Cavalcanti e Joyce

Ideia. Improviso com cantor e compositor Del-Penho foi o pontapé para iniciar o projeto

 

“Ô de casa!” A simpática expressão anuncia aquela visita que, às vezes de surpresa, chega para papear, reunir amigos, trazer uma notícia ou se juntar em uma roda de música. Em tempos de pandemia, essas reuniões são desaconselhadas pelas entidades médicas a fim de evitar a propagação da doença. Mas o afastamento não impediu a vontade da cantora paulistana Mônica Salmaso de continuar a se encontrar com seus amigos músicos e até cantar com eles – cada um em sua casa. E a inspiração veio justamente desse jeito informal, descontraído e carinhoso de chegar à casa de um conhecido.

Batizada de Ô de Casas, a série publicada por Mônica em seu perfil no Instagram (@monicasalmasooficial) quase que diariamente, há cerca de um mês, já conta com 30 duetos virtuais (a cantora diz ter outros 10 já engatilhados). “Eu queria oferecer algo de bom para as pessoas nesse período difícil que estamos passando. Decidi não fazer live, pois não toco nenhum instrumento harmônico. Fazer algo sozinha não seria interessante, por isso chamei os amigos”, diz Mônica, que teve a ideia depois de fazer uma participação improvisada na live do cantor e compositor fluminense Alfredo Del-Penho.

“Mandei um comentário que estava assistindo e cantando tudo de casa. Alguém sugeriu que cantássemos juntos. Ele me adicionou na transmissão. Foi gostoso, mas nossas vozes não ficaram sincronizadas”, conta. Ela, então, resolveu gravar duetos com cada um fazendo sua parte separadamente.

O marido de Mônica, o músico Teco Cardoso, sugeriu que os vídeos fossem registrados como se cada um estivesse olhando para o outro, para aumentar a sensação de interação. O próximo passo foi encontrar um programa disponível – o escolhido foi o iMovie – para juntar os vídeos e deixar vozes e instrumentos sincronizados – algo não tão fácil para uma pessoa que se julga “ignorante” até na dinâmica das redes sociais. No fim, deu certo.

Depois da repercussão do primeiro dueto, feito com o próprio Del-Penho, músicos passaram a procurar Mônica para elogiar a iniciativa e manifestar o desejo de participar. A cantora convidou outros tantos. A lista de encontros conta com nomes como Joyce, Zélia Duncan, Chico César, Dori Caymmi, Guinga, Cristovão Bastos, Teresa Cristina, entre outros. A série atravessou continentes e encontrou o pianista português Mário Laginha, com quem Mônica dividiu Mãos na Parede, composição dele. Também inaugurou parceiras, a exemplo com a que fez com o sambista Moacyr Luz, a quem a cantora não conhecia pessoalmente, em Rainha Negra, uma parceria dele com Aldir Blanc que homenageia a cantora Clementina de Jesus.

“O mérito do Ô de Casas é abrir espaço não só para artistas consagrados, mas também para aqueles que não têm tanta notoriedade. Mônica, sempre atenta a tudo, abraça a todos. São vídeos de dois minutos que trazem afeto, generosidade e reverência aos mestres do passado”, diz Del-Penho.

Parceria. Com Cavalcanti, Mônica escolheu a canção “Garimpo”

O cantor e compositor carioca João Cavalcanti também aceitou o convite de Mônica para um dueto. A música escolhida foi Garimpo, composição dele com Antonia Adnet, que ele lançou no álbum homônimo, de 2018. “Mônica é uma das maiores cantoras do Brasil. Ao se expor tão despida da qualidade técnica que um estúdio oferece, e com tanta sensibilidade, ela mostra que o conteúdo é o que importa, mais do que o invólucro que lançamos mãos”, diz. O bate-bola musical entre os dois foi compartilhado pelo padre Fabio de Melo, que o classificou como “pura e genuína expressão da simplicidade”.

Refugiada no sítio da família em Sarapuí, no interior de São Paulo, onde se isolou ao lado do marido e dos filhos, Mônica aguarda o desenrolar da pandemia no Brasil e diz não ter a menor ideia do que pode acontecer com o mercado da música daqui para frente. Antes da interrupção dos shows, ela tinha três projetos em andamento.
Um era a turnê do álbum Caipira, lançado em 2017, que rendeu a ela os prêmios de melhor álbum regional e melhor cantora no Prêmio da Música Brasileira de 2018. O outro era um show em homenagem ao centenário da cantora Elizeth Cardoso, que estava em fase final de ensaios. Havia ainda o lançamento de um disco que ela gravou no Japão ao lado dos músicos Teco Cardoso, Guinga e Nailor Proveta, que foi adiado para o segundo semestre. “Não faltam projetos. Mas agora é esperar. Estou com muita saudade de encontrar com os músicos, com o público’, diz.

Sem pretensão comercial. Na contramão das lives patrocinadas, Mônica afirma que a série Ô de Casas não tem qualquer objetivo comercial. A cantora evita, inclusive, chamá-la de projeto. Mônica conta que recebeu propostas de levar o dueto para as plataformas digitais ou monetizar seu canal no YouTube, onde os vídeos também estão sendo postados, mas negou. “Primeiro, não tenho como administrar tudo isso. Segundo, as gravações não têm qualidade técnica comercial. Por fim, eu não quero, não estou fazendo para me promover. A remuneração é o retorno dos fãs”, garante.

A série Ô de Casas idealizada pela cantora não redefine conceitos ou cria algo que a música ainda não tenha visto – duetos. Tampouco é pioneira em juntar encontros virtuais. Mas, ao sair da ideia convencional das lives, de maneira despretensiosa, acompanhada por artistas que conversam com seu universo musical, Mônica se mantém ativa em meio a um cenário de incertezas, criando um conteúdo disponível sem hora marcada e que cria expectativa para o próximo encontro. Além disso, sem um plano comercial e, sobretudo, sem descaracterizar seu trabalho, encontrou seu espaço nas redes sociais, onde tinha atuação até então discreta.

 

Tiago Costa,maestro e arranjador

Cada uma na sua casa: O maestro Tiago Costa dá o recado durante o encontro: fique em casa

Música: Eu Sambo Mesmo
(Janet de Almeida)
“Janet é um compositor fantástico. A gente conhece a obra dele pela gravação do João Gilberto. Sugeri duas músicas para a Mônica e ela escolheu essa que tem uma mensagem mais para cima, solar, que é algo que as pessoas precisam atualmente. Fiz um arranjo despretensioso, bem caseiro. Sugeri que o Teco (Cardoso, flautista) participasse. Quando mandei a gravação, já deixei os espaços para que ele pudesse tocar.”

Teresa Cristina,cantora e compositora

Amigas. Com Teresa Cristina: “Gosto de aproximar minha voz com a da Mônica”

Música: Candeeiro
“Mônica é uma amiga que eu tenho. A gente brinca que somos quase irmãs. Ela nasceu dia 27 de fevereiro, eu, dia 28. Eu estava observando ela fazer essas gravações, até que ela me convidou e escolheu minha música para cantar. Como não sabia direito como funcionava, gravei o vídeo e, quando ela postou, fiquei muito contente. Todos os comentários foram positivos. Fiquei emocionada. Gosto de aproximar minha voz da voz da Mônica, me faz um bem tremendo.”


Estadão sexta, 24 de abril de 2020

FERMENTO NATURAL: APRENDA A FAZER

 

Fermento natural, o levain, do zero

Aprenda o fermento natural para pães, com água e farinha; ele demora oito dias para ficar pronto - depois disso, te ensinaremos a fazer o pão

por Redação Paladar

Muita gente não se arrisca a fazer pão de fermentação natural por medo de lidar com o fermento – há muitos mitos em torno dos cuidados com o levain. O fato é que fazer o fermento a partir do zero – e fazer pão – é mais simples e menos trabalhoso do que parece, como ensina Neide Rigo, colunista do Paladar e padeira de primeira.

 Você vai precisar de oito dias até ter um levain pronto para usar e, então, começar a (tentar) fazer seu próprio pão natural. O Paladar vai fazer com você esse processo: nós próximos oito dias, vamos postar no Instagram (@paladar) o passo a passo do levain. A receita do pão para, enfim, usá-lo virá no próximo sábado, quando teremos juntos o nosso fermento pronto. Apesar do processo ser longo, pede pouquíssimo trabalho – coisa de 15 minutos de atenção por dia.

  

 

Preparo

1No primeiro dia, misture um pouco de farinha e água para fazer uma bolinha do tamanho de uma bolinha de gude. Em seguida, coloque a bolinha num pote de vidro com água limpa. Depois, tampe o pote, guarde-o fora da geladeira. Deixe a bolinha na água até o dia seguinte
 
2Durante os próximos cinco dias, repita o seguinte ritual: ponha um pouco de farinha num prato, pesque a bolinha da água e role na farinha. Modele. Troque a água do copo, ponha a bolinha, tampe o pote e deixe até o dia seguinte. Se ela se desfizer um pouco, recolha as partes, junte, reforce a farinha: não jogue fora.
 
3Hora de transformar a bolinha em massa. Ponha numa vasilha de vidro 80 ml de água (parte da água do pote e parte de água limpa), 100g de farinha de trigo branca sem fermento e a bolinha. Misture. Tampe e deixe até o dia seguinte, fora da geladeira.
 
4Reforme novamente o fermento, com as mesmas quantidades. Ponha o fermento numa vasilha, misture 80 ml de água limpa e 100g de farinha. Mexa com uma colher, tampe e espere até o dia seguinte, quando o levain estará pronto para ser usado.

Estadão quinta, 23 de abril de 2020

BOLSONARO E TEICH SE REÚNEM PARA APRESENTAÇÃO DE ESTUDO SOBRE A CLOROQUINA

 

Bolsonaro e Teich se reúnem para apresentação de estudo sobre cloroquina

Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM),  Mauro Luiz Britto Ribeiro vai apresentar estudo sobre o uso do medicamento no combate à doença

Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo

23 de abril de 2020 | 08h44

O uso da cloroquina foi amplamente defendido por Bolsonaro antes da demissão do ex-ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta, que divergia do presidente e pedia cautela na prescrição do medicamento. Usada para o tratamento da malária, a droga ainda está em fase de testes sobre sua eficácia contra o novo coronavírus.

 

POSSE NELSON TEICH MINISTERIO DA SAUDE
O presidente da República, Jair Bolsonaro, cumprimenta o novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Foto: EVARISTO SA/ AFP

Em entrevista ao Estado no dia 13, o presidente do CFM disse que o órgão ainda deveria se posicionar oficialmente sobre o tema - o que ainda não ocorreu. Na ocasião, disse "não existir nenhum trabalho na literatura mundial que comprove a eficácia" do medicamento no tratamento da doença. "O que acontece no Brasil é uma situação pouco usual. Pessoas comentam sobre a droga como se tivessem domínio absoluto", disse ele na ocasião. Segundo Ribeiro, porém, "o fato de não existir evidência científica não quer dizer que não se pode recomendar uso, mas com segurança".

Também participam da reunião para exposição do estudo os ministros  Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Netto, da Casa Civil, que lidera o gabinete de crise interministerial de enfrentamento a pandemia. O líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), também estará presente.

Outro dois deputados federais, que são médicos por formação, estão escalados para o compromisso: Hiran Gonçalves (PP-RR) e Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), conhecido como Dr. Luizinho. Outros membros do partido dos deputados, o PP, já foram recebidos por Bolsonaro na semana passada.

A aproximação com a legenda, conforme o Estadão/Broadcast revelou, faz parte de uma estratégia para montar uma base de apoio parlamentar com o Centrão oferecendo cargos em troca de votos. Bolsonaro também recebeu nos últimos dias, líderes do PL, Republicanos e PSD.

Na quarta-feira, 22, o presidente se encontrou com o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e o líder da maioria no Senado, senador Eduardo Braga (AM).  quinta, como mostrou o Estadão/Broadcast, estava previsto encontro de Bolsonaro com o presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador (BA), ACM Neto. O compromisso, contudo, não consta na agenda oficial de Bolsonaro.

Entre os compromissos oficiais do chefe do Executivo, estão listadas para hoje reuniões com os ministros Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e com Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública. Na segunda-feira, 20, Bolsonaro afirmou que conversaria com Moro para articular a reabertura de academias da polícia federal para dar início a flexibilização de orientações de distanciamento social.


Estadão quarta, 22 de abril de 2020

RITA LEE: NADA VOLTARÁ A SER COMO ANTES

 

'Nada voltará a ser como antes', diz Rita Lee sobre coronavírus

Cantora surpreende fãs com aparições nas redes sociais para combater o coronavírus

Entrevista com

Rita Lee

Adriana Del Ré e Ubiratan Brasil, O Estado de S.Paulo

22 de abril de 2020 | 05h00

Há oito anos, Rita Lee anunciou sua aposentadoria dos palcos e passou a viver em contato mais próximo com a natureza. Aparições públicas foram raras, apenas para lançamento de seus livros ou para ver musicais que a tivessem como personagem. Durante a quarentena contra a pandemia do novo coronavírus, porém, Rita, aos 72 anos, despontou diversas vezes na redes sociais, para espanto e alegria dos fãs.

Em uma live, ela falou sobre o Dr. Alex, personagem de uma série de livros infantojuvenis publicada pela Globo Livros – neste ano, aliás, chegam mais dois volumes. Rita ainda gravou um vídeo mostrando como se deve lavar as mãos e conversou com Fábio Porchat no programa online dele e, máxima aparição, cantou um de seus grandes sucessos, Saúde, ao lado do marido Roberto de Carvalho, post que, só no Facebook, teve mais de 1,2 milhão de views. Sobre o atual momento, Rita respondeu por e-mail às seguintes questões do Estado.

A cantora Rita Lee passa a quarentena em seu sítio, no interior de São Paulo
A cantora Rita Lee passa a quarentena em seu sítio, no interior de São Paulo Foto: Guilherme Samora

Nos últimos meses, você postou vídeos com dicas sobre como usar o álcool em gel, deu entrevistas, cantou ‘Saúde’ com o Roberto de Carvalho. Por que a reclusão a que todos devemos observar agora a animou a se comunicar dessa forma?

 Me deu vontade de dar as caras para trocar figurinhas amorosas com quem está preso em casa buscando companhia. Estou pensando em ler alguns contos que escrevi no livro Dropz (lançado pela Globo Livros, em 2017), para um público infantojuvenil.

Aliás, você surpreendeu os fãs ao publicar o vídeo de ‘Saúde’ nas suas redes acompanhada de Roberto. Como vocês tiveram a ideia de cantar essa música neste momento?

A ideia bateu de repente e lá fomos, Roberto e eu, para o estúdio da garagem improvisar um pedacinho da música Saúde que, aliás, vem bem a propósito.

Depois do vídeo de Saúde, muita gente tem pedido para você postar outros vídeos ou fazer lives musicais. Você tem considerado fazer isso?

Se Rob e eu estivermos de bobeira, podemos fazer mais serenatas, sim.

O vídeo de Saúde, de certa forma, mostra você cantando novamente depois de muito tempo. Não despertou a vontade em você de fazer algum projeto musical, um álbum?

Foi apenas a vontade de fazer um agrado aos fãs. E mostrar um pedacinho para quem nunca assistiu a um show nosso.

 

O coronavírus tem sido inspirador para você? Compôs algo pensando nele?

Fiz uma música punk, sobre uma garota que vive no mundo virtual sob o codinome #bloodymary e que está torcendo para que a raça humana suma do mapa de vez.

E você está escrevendo algum novo livro?

Este ano ainda lanço dois infantis (Dr. Alex e os Reis de Angra e Dr. Alex e o Phantom). Também escrevi um livro sobre o ano de 2019, que até agora não sei se é um diário ou citações nonsenses ou autoajuda a mim mesma... Ainda nem sei se vou lançar.

Você está confinada há 8 anos. Sua rotina mudou com a quarentena do coronavírus ou continua a mesma? Como tem sido?

Estou há 8 anos brincando de dona de casa, coisa que nunca havia feito na vida... Só estava saindo de casa para ir ao dentista, visitar meu netinho, fazer supermercado e me abastecer de ração para meus bichos... Agora, faço tudo pela internet e estou cuidando para não quebrar nenhum dente.

Como você tem feito para aplacar a saudade de seus filhos e netos?

Essa é a pior parte... Haja Skype todo dia.

O que você pensa da atitude de governantes que, em muitos países, têm contrariado a recomendação da OMS de se manter o isolamento?

Percebo que ainda não caiu a ficha para a raça humana de que este vírus-vudu atingiu o planeta Terra com um propósito divino, para que a humanidade aprenda a respeitar todas as formas de vida e mude na marra as cabeças malucas dos que estão no poder do mundo inteiro. O momento é de ficar em casa, meditando e rezando.

Como você acha que ficaremos depois de tudo isso? Haverá transformações de comportamento?

A raça humana tem sido o parasita do planeta. Quando essa pandemia acalmar, seremos obrigados a mudar, por nossa saúde física, mental, psicológica e espiritual.

A natureza, de alguma forma, tem sido beneficiada com esse isolamento global – o nível de poluição, por exemplo, baixou. Você acredita que isso ajudará a mexer com a cabeça das pessoas e, quem sabe, mudar a orientação? Ou tudo voltará a ser como antes?

Nada voltará a ser como antes e isso é bom, os donos do poder vão ser obrigados a cair na real de que não somos tribos isoladas, somos uma raça só. Vamos lembrar que o Homo sapiens continua investindo em aparatos nucleares e que ninguém no mundo estava preparado para uma já anunciada possibilidade de guerra biológica.

Em recente entrevista ao ‘Estado’, a atriz Christiane Torloni disse: "Você acha que pararam o desmatamento e as queimadas na Amazônia? Você acha que quem é do mal fica na quarentena?”. Como você acha que ficam as questões ambientais e de proteção animal durante este período de quarentena? 

Como disse antes: ou os humanos passam a respeitar todas as formas de vida do planeta ou bye bye humanidade. Ficou evidente que a Terra, sem a nossa presença, percebeu um grande alívio. A Terra não precisa de nós para existir, principalmente porque a temos maltratado já há muito tempo. É o fim da picada, por exemplo, como os sapiens desrespeitam o direito dos animais de viver com dignidade, e não sendo abatidos com crueldade, em confinamento a vida inteira em zoos, circos, aviários, matadouros... Fora tantos outros tipos de maus-tratos em rodeios, vaquejadas, touradas, rinhas de galos e cachorros, além da ganância dos criadores de pets.

Alô Alô Marciano, aqui quem fala é da Terra

Pra variar, estamos em guerra

Você não imagina a loucura

O ser humano tá na maior fissura

Porque

Tá cada vez mais down o high society!


Estadão segunda, 20 de abril de 2020

YOGA E MEDITAÇÃO PARA CRIANÇAS

 

Yoga e meditação para crianças, um convite à família toda ficar zen

Prática da yoga e meditação para crianças mantém foco na respiração e não precisa ser longa; voz calma e teatralização dos pais ajuda a entrar no clima

Redação Divirta-se

20 de abril de 2020 | 05h00

Nathalia Molina, especial para o Estado

Respirar, a mais essencial das nossas funções. Está aí a pandemia de coronavírus nos provando mais uma vez esse fato, por vezes esquecido no atropelo do dia a dia. Como o mundo parou, se dê a chance de experimentar algo novo. Esse é o convite que o ex-nadador Fernando Scherer faz diariamente aos seus seguidores quando entra ao vivo, às 9 horas, para mais uma meditação no Instagram @xuxanatacao.

“Se eu conseguir introduzir esse hábito na vida das pessoas, fico feliz. Já estou há uns 15 dias fazendo as lives, e o retorno é muito bom. Mães que melhoraram com os filhos, que eles ficaram mais tranquilos. Pessoas que começaram a dormir bem, a resolver problemas com mais calma”, diz o medalhista de bronze nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, e de Sydney, em 2000.

Na semana passada, Xuxa começou a fazer lives específicas para crianças, às 19h30, às segundas, quartas e sextas. “É curtinha, com uns 10 minutos. A minha meditação já é lúdica, mas de manhã eu proponho o exercício de se observar como um terceiro elemento. A criança já é aérea, vou fazer uma coisa usando mais o elemento terra”, explica o ex-nadador.

 
 

Xuxa medita toda noite com a filha Brenda – Foto: Fernando Scherer

As duas filhas de Scherer também são iniciadas na prática de meditação. “A Brenda (de 7 anos) faz meditação direto comigo. Ela já chega e senta do meu lado na live da manhã, quando quer, e toda noite a gente faz juntos”, conta o ex-atleta. “A mais velha (Isabella, de 24 anos) já fez curso de meditação. Ela faz no tempo dela. Isso é que nem exercício físico e uma boa alimentação. Tem de ser de dentro para fora, não adianta forçar.”

Professora particular de yoga para crianças, Fernanda Poli entende bem isso. Miguel, de 6 anos, e Maitê, de 2, às vezes se animam quando veem a mãe nas posturas. “Eles praticam, mas não é uma regra. Eu deixo os dois sempre à vontade. Encaram um pouco como prática de exercício, como alongamento”, diz a professora que usa o Instagram @yoga.para.criancas para dar dicas às famílias que querem conhecer a prática e entender como podem aplicá-la em casa. “Eu não acho que a criança que vai fazer yoga hoje vai ficar calma amanhã. Meu objetivo é criar uma sementinha. O que eu quero com isso é que esses gestos virem um hábito prazeroso, que a criança se sinta bem e busque isso porque lá na frente ela vai ser menos ansiosa.”

Fernanda e os filhos, Miguel e Maitê, fazendo a borboletinha – Foto: Fernanda Poli

Sem complicação

Tanto nos posts no Instagram quanto no vídeo de uma aula de 25 minutos que ela publicou em seu canal do YouTube, Fernanda mostra posturas (ou asanas) simples, cujos nomes em português traduzem o movimento executado: borboleta, pinça e cachorro olhando para baixo. “A Hatha Yoga que eu dou não tem nenhuma postura daquelas de capa de revista. É bem tranquila, todos podem fazer”, explica. “Yoga não é para sentir dor, não é competição. Você vai no seu limite. É o momento de fazer uma conexão com a criança. É difícil a gente praticar uma atividade física com os filhos. Na yoga, você pode convidar.”

Postura da pinça, com Fernanda e o filho Miguel – Foto: Fernanda Poli

Para o psicólogo Danilo Lima Tebaldi, que atende crianças e adolescentes no Centro de Saúde-Escola da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, meditação e yoga podem ajudar meninos e meninas durante o isolamento social. “Os pais podem estimular seus filhos a olharem mais para si e a refletirem o que podem aprender com esse período complexo pelo qual estamos passando”, acredita Tebaldi. “Os pais, assim como os filhos, também podem se beneficiar dessas práticas para que possam cuidar de si.”

A pediatra Célia Bocci concorda com a busca por práticas que possam trazer “equilíbrio e paz para este momento caótico para todos”. “A gente não esperava viver isso. Você é testemunha da história, mas conviver com os sentimentos e encarar isso é difícil”, afirma a médica do Hospital Infantil Sabará. Célia indica, além de meditação e ioga, exercícios básicos de respiração, ensinados em aplicativos gratuitos como Insight Timer e Medite-se.
Até um símbolo pop, a Barbie, entrou no clima da meditação. O instagram @barbie já teve lives nesta quarentena com sessões guiadas pela voz feminina do aplicativo Headspace. A versão yogi da boneca consegue dobrar os joelhos para cruzar as pernas na posição de yoga.

Meditação trabalha a criança de forma integral, segundo professora – Foto: Cris Pitanga

“No ato de meditar, a gente está paradinho ali, mas está trabalhando com a criança de uma maneira integral”, explica a pedagoga Cris Pitanga, que ensina yoga e meditação para criança desde 1996. No Instagram @crispitangayogakids e no seu canal do YouTube, ela posta dicas para pais e educadores. Na quarentena, publicou vídeos curtos com conceitos como a postura da montanha (“para se conectar com a força interior”) e o sopro ha (“para se libertar da raiva e do medo”). “Não queria ficar explicando muito. Queria uma prática que os pais possam fazer em casa. As crianças já estão cheias de atividades neste isolamento”, diz a autora dos livros Yoga com Música e Descubra o Iogue que Existe em Você, voltados para crianças e adolescentes.

Sem imposição

A prática de yoga ou meditação não pode ser vista como mais uma obrigação na vida da criança, alerta a psicóloga Beatriz Borges Brambilla, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Tem crianças que vão se adaptar super bem, que vão achar bacana. Para outras que estão fazendo muitas atividades, trazer mais coisas novas pode parecer que estão vindo como tarefas”, ressalta. “A meditação não é boa para todo mundo. Acho muito complicado esse tipo de recomendação se não diz sobre o histórico da família. É importante que os pais possam valorizar práticas que já faziam antes do isolamento.”

O casal de filhos de Marcia Horie Moreira Fortuna já sabia meditar, pois aprendeu na academia de kung fu. “No início, tinha uma turma muito grande de crianças. Era muito agito, então o mestre usava a meditação como uma estratégia para acalmá-los”, lembra a mãe. “Eu comecei a fazer kung fu para ter um tempo para mim. Só que eles acabaram se interessando e fazem também.” Mateus, hoje com 12 anos, e Letícia, de 8, praticam a arte marcial desde 2017.

Os irmãos Mateus e Letícia aprenderam a meditar no kung fu – Foto: Marcia Horie Moreira Fortuna

A mãe conta que os filhos não têm o hábito de meditar. No entanto, quando vão a um lugar bonito, como o templo budista de Foz de Iguaçu, onde estiveram em 2019, sentem vontade de praticar. No dia a dia, a família também usa como um apoio, por exemplo, nas brigas comuns entre irmãos. “Não é do cotidiano deles, mas, quando estão muito agitados, a gente puxa a meditação.”

Durante a quarentena, eles foram para a casa de praia no litoral norte para ter mais espaço. “Aqui a Letícia vira e mexe para e faz, até por ser mais agitada. O Mateus está mais na fase de videogame, jogo eletrônico.” Marcia conta que, para a filha, a meditação funciona como se fosse uma brincadeira. “Ela me disse: ‘mamãe, eu medito na escola com a minha amiga Rafa’. Para ela, meditar é a questão da respiração.”

Aprender a respirar está entre os benefícios da prática para crianças. Como formadora de professores, Cris enumera alguns outros: “Ela vai aprender a relaxar o corpo, a acalmar a mente, a equilibrar as emoções e, no nível mais profundo, a acessar os conteúdos internos de qualidades como paciência, amor e tranquilidade, todas tão necessárias atualmente”. Enquanto o mundo segue parado, faça você também uma pausa. Inspire, expire, tudo vai passar. Namastê.

Namastê: inspire, expire, tudo vai passar – Foto: Cris Pitanga

Passo a passo da meditação guiada para crianças

Como fazer a criança meditar pela primeira vez? Para quem não é iniciado no assunto, a proposta pode parecer um pouco utópica, mas o objetivo é apenas trazer um pouco de tranquilidade à família, sem a cobrança de fazer cada passo perfeitamente. Por isso, a professora Cris Pitanga explica que o importante é ir devagar, começando com uma prática bem simples, focada na respiração. Segundo ela, a ideia é que a meditação funcione como uma viagem lúdica na imaginação das crianças.

Abaixo, Cris propõe um passo a passo para começar. A meditação descrita dura apenas dois minutos – algumas crianças podem chegar a cinco minutos, já que o tempo de pausa para sentir a calma depende de cada criança. “É muito importante o adulto respeitar isso, para que seja um momento de paz em família”, diz.

Segundo ela, não há um momento do dia mais indicado para a prática. “O ideal é que a família perceba, dentro da realidade dela, do movimento da casa, o melhor horário e separe um tempinho. Conheço famílias, por exemplo, que param antes do almoço para respirar”, conta.

Para começar, os pais devem escolher um lugar calmo da casa e pedir para as crianças se sentarem no chão de pernas cruzadas (quem não puder, pode usar uma cadeira, mas sempre mantenha as costas eretas).
Depois, os pais devem falar pausadamente, como se contassem uma história. Assim:

1. Vamos fechar os olhos, puxar o ar pelo nariz e fazer juntos um ventinho com os lábios. Faça um vento bem forte.

2. Agora, puxe um pouco de ar e faça um ventinho bem suave, como se você fosse uma formiguinha respirando.

3. Chegou a hora de se concentrar muito. Então, com os olhos fechados, vá puxando ar pelo nariz e fazendo vários ventinhos bem baixinhos, que ninguém ouve, somente você.

4. Continue com os olhos fechados, e vá fazendo um ventinho bem suave. Sinta a calma te envolver. Aí você relaxa e relaxa…

5. Fique assim de olhos fechados um pouquinho, quietinho, sentindo essa paz.

6. Coloque a mão sobre o seu coração e sinta mais um pouco a calma em volta de você.

7. Agora você pode enviar um pouco da calma para as pessoas que ama e para todo o mundo.

8. Pronto; abra os olhos lentamente.


Estadão domingo, 19 de abril de 2020

COMO PRORROGAR A VALIDADE DOS ALIMENTOS EM CASA

 

 

Evite o desperdício: descubra como prolongar a validade dos alimentos em casa

Confira dicas para que as comidas durem mais durante a quarentena do coronavírus

 

Texto e desenvolvimento: Mariana Cunha / Design, gráficos e fotos: Bruno Ponceano

18 de abril de 2020 | 10h00

Com as saídas reduzidas e restringidas à serviços essenciais, como forma de conter a disseminação do novo coronavírus no Brasil, é essencial que as compras sejam mais planejadas. Mas nem sempre o tempo da validade dos alimentos combina com a disponibilidade de saídas. O medo da escassez de produtos essenciais têm intensificado o consumo em grandes quantidades e especialistas alertam que o desperdício de alimentos pode aumentar com esse movimento.

Em uma pesquisa quantitativa sobre o retrato do desperdício alimentar no Brasil, realizada pela Embrapa em parceria com a FGV e WWF-Brasil, as famílias brasileiras desperdiçam, em média, 353 gramas de comida por dia e cerca de 128 kilos por ano. 52% dos entrevistados consideram importante haver fatura nas refeições e é fundamental para 77% deles que a comida seja fresca.

As imagens das prateleiras vazias que presenciamos ou que vimos circular nas redes sociais acabam por gerar gatilhos que fazem com que outras pessoas também consumam mais. Quem afirma é a analista de conservação do WWF-Brasil, Virginia Antonioli, que integra a iniciativa #SemDesperdício. "Tem uma série de plataformas que usam [os gatilhos] como um mecanismo para fazer as pessoas comprarem mais. Anúncios de 'últimas unidades', supermercados vazios, entre outras coisas, colocam as pessoas em um estado de stress psicológico quase que inconsciente", analisa.

Arroz, carne e feijão lideram os percentuais de desperdício nas residências brasileiras. A pesquisa nota também que alimentos como frutas e hortaliças, por exemplo, aparecem como alimentos pouco desperdiçados por uma questão monetária: as classes de menor renda consomem pouco este tipo de comida.

Estado reuniu dicas de nutricionista e demais especialistas em conservação e desperdício para saber como podemos driblar esse cenário conturbado durante a pandemia.

Mais do que nunca, as sobras são uma grande aliada neste momento. E, ainda de acordo com a pesquisa, o não aproveitamento delas é um fator que leva ao desperdício na casa das pessoas. "E agora esse convite ele é mais interessante e oportuno do que nunca, até para aproveitar melhor o tempo durante a semana ou aproveitar para fazer receitas novas, descartar o tempo pré e pós da cozinha. Aquela sobra pode virar uma pasta, uma sopa, uma salada, várias coisas. [A comida] vai durar mais e ser um aliado neste momento atípico que estamos vivendo", recomenda Antonioli.

A recomendação dos especialistas ouvidos pelo Estado é de que, ao fazer compras maiores, o ideal é priorizar os alimentos não perecíveis, que de fato duram mais tempo e dificilmente vão se estragar. A quantidade vai variar de acordo com o número de pessoas na residência, por isso é fundamental fazer um planejamento da alimentação na semana ou mês.

Ao montar o planejamento da semana, a autora do livro e blog 'Um ano sem lixo', Cristal Muniz, recomenda o exercício de pensar em todos os detalhes das refeições. "Pensa o que você comeria. Por exemplo, no café da manhã, precisa de pão ou algo para passar no pão? No outro dia, escolha uma fruta, no outro algo doce. E assim você vai estendendo para as outras alimentações. Inclua também as outras pessoas que moram com você nesse planejamento. Assim você consegue planejar para comer bem e seguir uma alimentação mais saudável", indica.

Aproveite também os dias de folga para cozinhar em grandes quantidades. Muniz aconselha cozinhar o dobro "para depois ter comida de novo". Para as pessoas que, em períodos normais na rotina, se alimentavam fora de casa, essa prática garante que você consuma todos os alimentos que comprou, além de garantir diversas refeições e diminuir o trabalho de cozinhar todos os dias.


CONSERVAR

Veja dicas de como armazenar seus alimentos de forma adequada

Agora que compramos diversos legumes, frutas e folhas, basta conservá-las no congelador e estarão a salvo de contaminações, certo? Vamos por partes. A nutricionista Natália Utikava explica que manter certos alimentos no congelador pode levar a uma pequena perda de vitaminas quando mantidas nesta condição por muito tempo, além de aumentar o risco de contaminação por microorganismos como bactérias e fungos. "Para alimentos congelados, o tempo de armazenamento pode variar conforme a temperatura média do freezer, podendo variar entre 10 a 90 dias", afirma.

Entretanto, a nutricionista ainda considera interessante a praticidade que o congelamento pode trazer no dia a dia. Para isso, é essencial que os alimentos estejam protegidos e embalados de uma maneira apropriada. As embalagens devem ser próprias para isso, tanto para quem vai congelar ou descongelar em microondas. "Se as embalagens forem de plástico, preferir as opções BPA-free, que são livres de bisfenol A, devido às associações entre a exposição prolongada a esse composto e distúrbios hormonais e neurológicos". Caso sua embalagem não disponibilize essa informação, o melhor é não arriscar: prefira aquecer os alimentos em recipientes de vidro, panelas de cerâmica, vidro ou inox.

Lavar os alimentos antes de colocá-los na geladeira pode fazer com que algumas comidas estraguem mais facilmente. Porém, a higienização é essencial neste momento de pandemia. Para isso, o ideal é higienizar com hipoclorito de sódio e água e seguir o tempo indicado na embalagem do produto.

Inclua neste momento de limpeza as opções leguminosas, como feijão, grão de bico, lentilhas e ervilhas. Segundo a nutricionista, "são fontes de proteínas vegetais interessantes e que precisam ser deixadas de molho por cerca de 12 horas antes do preparo na panela de pressão".

Separamos todas dicas das especialistas ouvidas na matéria em uma lista dividida por categorias. Confira:


PROTEÍNAS

É fundamental que as carnes não sejam fatiadas antes de congelar, pois isso facilita a proliferação de bactérias. Caso queira retirar da embalagem do mercado, insira a carne em uma embalagem grande ou em um saco reutilizável, como ilustramos abaixo.

NÃO CORTE A PROTEÍNA ANTES DE ARMAZENAR NO CONGELADOR

 

GUARDE A CARNE EM GRANDES RECIPIENTES OU SACOS REUTILIZÁVEIS

 

EMBALAGENS COM ISOPOR SÃO PRÓPRIAS PARA USO NO CONGELADOR

FOLHAS

Antes de qualquer coisa, higienize com hipoclorito de sódio e água pelo tempo indicado na embalagem do produto. Escorra a água e seque bem a folha com papel toalha ou pano de prato limpo.

Para fazer as folhas durarem mais sem congelar, basta separar um pote grande e um pano ou folhas de papel toalha. Intercale camadas de papel ou pano e as folhas soltas por cima, assim, as verduras não murcham e podem durar cerca de 5 dias na geladeira.

SEPARE AS FOLHAS

 

LAVE-AS COM ÁGUA E HIPOCLORITO DE SÓDIO

 

EM UM POTE, INTERCALE AS FOLHAS COM UMA CAMADA DE PANO

VEGETAIS E FRUTAS

Compre legumes e frutas em maior quantidade e consuma primeiro os alimentos mais sensíveis, como brócolis, tomate, folhas, morango, goiaba, entre outros.

Caso opte por congelar os vegetais crus, é importante fazer o processo de branqueamento. Coloque os alimentos em água ou cozinhe no vapor por cerca de 3 a 5 minutos. Depois, troque por água fria para pausar o cozimento. Dessa maneira se preservam os nutrientes e a textura.

LAVE OS VEGETAIS, SE POSSÍVEL, COM HIPOCLORITO

 

COLOQUE-OS NA PANELA PARA COZINHAR DE 3 A 5 MINUTOS

 

CONGELAR EM POTES DE VIDRO, SILICONE OU PLÁSTICO BPA-FREE

SECOS E NÃO PERECÍVEIS

O ideal é sempre guardar em potes de vidro, mesmo que não faça compras a granel. Esse é um jeito de evitar pragas como carunchos e moscas, que podem furar os sacos de alimentos e depositar ovos. Dá pra reutilizar potes grandes de molho, palmito, azeitonas, sucos, ou caso já tenha algum em casa.

RETIRE O ALIMENTO SECO DA EMBALAGEM

 

INSIRA EM UM POTE DE VIDRO E ARMAZENE EM LOCAL PROTEGIDO

Estadão sábado, 18 de abril de 2020

ASTROS DA MÚSICA FAZEM MEGALIVES

 

Roberto Carlos faz live 'quebra tabus' no dia de seu aniversário

O primeiro artista da MPB a fazer uma transmissão caseria na era das superlives, cantor vai mostrar dez músicas em 45 minutos fora de sua temporada natalina

Julio Maria, O Estado de S.Paulo

17 de abril de 2020 | 16h43

Sinal definitivo dos tempos, Roberto Carlos, encorajado pela operação das superlives sertanejas das últimas semanas, vai fazer a sua. A primeira live produzida de um artista clássico da MPB será neste domingo (19), às 19h45, no dia em que ele chega aos 79 anos de idade. O show terá as duas primeiras músicas exibidas pela Globo, casa com a qual Roberto tem contrato desde 1974, quando foi ao ar seu primeiro especial de fim de ano, e, depois, seguirá pelo seu canal oficial no YouTube (YouTube.com/RobertoCarlosOficial) e pelo Globoplay. 

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Roberto, em show de 2012 Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Será um raro momento em que Roberto terá um projeto de TV fora de sua tradicional temporada natalina. O show que está sendo pensado por ele e pelo maestro Eduardo Lages desde a última quarta (15) vai contar com cerca de dez músicas e caber, ao contrário das maratonas sertanejas com até cinco horas de duração, em 45 minutos. As músicas escolhidas, segundo pessoas de sua produção, podem trazer surpresas. Roberto cogitou escolher algumas que canta raramente em seus shows. Outra surpresa será vê-lo ao piano mais do que o comum para fazer o próprio acompanhamento. Mantendo uma distância segura dentro do estúdio, só estarão com ele Lages e seu tecladista Tutuca Borba.

Com o envolvimento da Globo no projeto, os cuidados para se evitar contaminações foram reforçados. Haverá poucas pessoas no estúdio, o mínimo para o programa ser feito, e o próprio cantor escreveu pedindo para que fãs não o procurem na porta de seu prédio. “Agradeço a compreensão, e reforço que isso é para o nosso bem.” O estúdio montado por ele fica em um endereço na Urca, no Rio, a 800 metros de seu prédio. Trata-se de um antigo convento que Roberto comprou e adaptou, erguendo o estúdio na área externa e mantendo sala, quarto, cozinha e outras dependências da construção antiga.

Roberto Carlos também não deve falar sobre arrecadações para ajudar o combate da pandemia, algo que se tornou uma bandeira nas grandes lives mundiais. A Globo talvez entre com a parte das arrecadações, mas o artista tem uma postura clara com relação a ajudar o próximo, como diz sua assessoria de imprensa. Ele destina grandes quantias por mês a pessoas físicas e coletivos assistenciais, mas pede para que jamais divulguem suas ações. Acredita que o bem deve ser feito anonimamente e sem interesses midiáticos.

O confinamento tem colocado cada vez mais artistas estabelecidos diante das câmeras de celular para shows virtuais, uma frente considerada há bem pouco tempo apenas recreativa e amadora. Uma roda então começa a girar em meio à estagnação mundial, com empresas começando a se especializar em lives, equipamentos específicos evoluindo (as gigantes dos celulares não devem estar dormindo neste momento), potenciais anunciantes se atrelando a nomes sobretudo de massa (cabe aos pequenos pensar em projetos como festivais, para atrai-los com mais facilidade) e até críticos, jornalistas ou não, se especializando em resenhar lives com retornos astronômicos de audiência. Ao mesmo tempo, vem o ônus. “E quem paga a conta?”, pergunta Paula Lavigne. 

Ao pensar em uma live ainda sem data para ser realizada, com Caetano Veloso e outros artistas do Procure Saber, do qual Roberto já fez para defender as restrições na publicação de biografias e depois saiu, Paula sabe que tudo o que dá certo não pode trazer só lucros. “Como devem ficar os direitos autorais?” Por ser algo tão novo, ninguém ainda pensou que, um dia, pode ser cobrado pelo Ecad (o escritório de arrecadação e distribuição desses direitos) por veicular músicas de terceiros mesmo dentro de suas salas. Antes das lives, essa prática era protegida e poupada da lei por ser de natureza doméstica. Mas, no momento em que até Roberto Carlos, em quarentena há pelo menos 20 anos, abre sua natureza doméstica para o mundo, o leão dos direitos autorais afia as garras.

Roberto sai na frente de uma geração que não dá sinais de boa vontade com as lives até aqui. Caetano vai fazer, mas algo apenas colaborativo, com outros artistas. Gil, Chico, Gal, Milton... Ainda nenhum se manifestou. Simone, que não chegava perto de redes sociais há poucos dias, se empolgou e fará agora, ao que tudo indica, uma live por semana. Depois da primeira no domingo passado, ela anunciou nesta sexta (17) a próxima para as 18h de domingo (19), usando o conceito do playback. E olha ele de volta aí, mais uma vez, graças a quem? Às lives.

 

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Paul, em show em Londres, 2013 Foto: Philip Brown/REUTERS

Live dos sonhos terá Rolling Stones


A maior live da história está prevista para este sábado, 18, a partir das 16h (Brasília). Chamada Festival One World: Together At Home (Um Mundo: Juntos em Casa), a live das lives teve mais uma confirmação na tarde desta sexta, 17: o grupo Rolling Stones. Os shows serão exibidos pela Globo, pelo Globoplay e pelo Multishow.

O nome de Lady Gaga aparece como curadora e uma das atrações do festival. Além dos Stones, que já garantiriam uma live poderosa se estivessem sozinhos, haverá ainda Paul McCartney, Elton John, Billie Eilish e seu irmão Finneas, Lizzo, Stevie Wonder, John Legend, Chris Martin (Coldplay), Eddie Vedder, Kacey Musgraves, J Balvin, Keith Urban, Alanis Morissette, Lang Lang e Andrea Bocelli, Billie Joe Armstrong (Green Day), Burna Boy e Maluma.

Os músicos vão fazer as apresentações direto de suas casas, seguindo a orientação da entidade criadora, a ONG Global Citizen, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Gaga entrou para usar seus contatos no meio e armar uma gig estelar. Os apresentadores serão o ator Jimmy Fallon, Jimmy Kimmel e Stephen Colbert. Os shows serão entrecortados por falas de especialistas da área da saúde, comediantes e outras personalidades.

“A Organização Mundial da Saúde está comprometida em derrotar a pandemia do coronavírus com medidas científicas e de saúde pública e apoiar os profissionais de saúde que estão na linha de frente em busca da resposta”, afirmou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Podemos ter que nos separar fisicamente por um tempo”, ele diz, “mas ainda podemos nos unir virtualmente para desfrutar boa música.”


Estadão quinta, 16 de abril de 2020

A PANDEMIA NAS CONTAS PÚBLICAS

 

A pandemia nas contas públicas

Quando a pandemia ceder, o Brasil começará a pagar os gastos emergenciais. Até dezembro, o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 600 bilhões

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

16 de abril de 2020 | 03h00

Quando a pandemia ceder e a mortandade cair, o Brasil começará a pagar a conta dos gastos emergenciais para proteção da vida e apoio aos trabalhadores. Até dezembro o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 600 bilhões, sem contar os juros. O buraco previsto no começo do ano será multiplicado por quatro ou cinco. O governo geral estará muito mais endividado. No fim de 2020 a dívida bruta poderá estar entre 85% e 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Em fevereiro, estava em R$ 611 bilhões e a proporção era de 76,5%. Com muito trabalho, a equipe econômica tentava mantê-la abaixo de 80%. Também se abandonou essa meta, quando foi preciso destinar mais dinheiro à saúde e atenuar os efeitos econômicos da covid-19. Mas a dívida será administrável, se o governo mantiver o compromisso com a seriedade fiscal e com a pauta de reformas, disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ao apresentar as novas estimativas. O recado implícito é claro: são condições para o governo preservar a confiança de quem o financia.

Além de matar, acuar populações e derrubar a economia, o coronavírus devastou as contas públicas, em todo o mundo, ampliando os déficits e as dívidas. Governos perderam receita e foram forçados a gastar muito mais que o previsto. Gastos adicionais e outras medidas para defesa da saúde e ajuda a empresas e famílias devem ter chegado a uns US$ 3,3 trilhões, globalmente, estima o Fundo Monetário Internacional (FMI). O total ainda cresce quando se adicionam operações de suporte financeiro. Os números estão no recém-divulgado Monitor Fiscal.

O governo brasileiro seguiu e continua seguindo, portanto, uma estratégia implantada em muitos países. “Ser liberal não significa ser estúpido”, disse o secretário Mansueto Almeida. “Não há dúvida de que temos de gastar mais, para ajudar o sistema de saúde, os trabalhadores que ganham pouco, os trabalhadores informais. Mas será um gasto temporário e não vai continuar nos próximos anos.” Por isso, acrescentou, esta será diferente de outras crises. Foi uma referência indireta aos gastos de emergência iniciados em 2009 e mantidos por vários anos.

 Por enquanto, diz o secretário, um colchão de liquidez dispensa o Tesouro de buscar financiamento. Mas novos empréstimos serão inevitáveis, como indica a nova projeção da dívida pública.

Segundo o FMI, no Brasil a dívida bruta do governo geral – da União, de Estados e municípios – passará de 89,5% do PIB em 2019 para 98,2% em 2020. A média mundial aumentará de 83,3% para 98,4%. A dos países emergentes e de renda média crescerá de 38,3% para 45,8%.

No caso da dívida pública brasileira, os números do Fundo são normalmente maiores que os de Brasília, por diferença de critérios. Os cálculos do FMI, ao contrário dos brasileiros, incluem títulos do Tesouro na carteira do Banco Central. Isso resulta numa diferença às vezes superior a dez pontos, quando se trata da relação dívida/PIB.

Como é aplicado de forma geral, o critério do Fundo facilita a comparação entre a dívida brasileira e as de outros países. O endividamento do governo geral do Brasil é bem maior que o da média das economias emergentes e de renda média. No ano passado, a diferença ficava entre 89,5% e 38,3% do PIB. Mesmo na América Latina a diferença é sensível. Na média, a dívida pública latino-americana deve crescer de 45,3% no ano passado para 51,7% em 2020.

Em vários países avançados, a dívida é muito maior que no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o endividamento estimado para o fim deste ano é de 131,1%. Na Itália, a proporção deve atingir 155,5% em 2020. No Japão, há muito tempo campeão do endividamento público, a proporção deve subir de 237,4% para 251,9%. Mas em todos esses países o setor público obtém financiamento abundante a juros muito baixos, às vezes até negativos.

No Brasil, juros em queda têm atenuado os custos financeiros do governo. Neste ano podem ajudar a conter a expansão da dívida. Será um prêmio pela inflação contida e pelo esforço fiscal desde o governo anterior.


Estadão quarta, 15 de abril de 2020

CONTRA A RECESSÃO, FMI SE ALINHA À OMS

 

Contra a recessão, FMI se alinha à OMS

Boas políticas sanitárias, como o isolamento social, tornarão mais provável a reativação da economia a partir do segundo semestre e algum desafogo em 2021

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

15 de abril de 2020 | 03h00

Conter a pandemia é condição para a retomada econômica, e isso dependerá de medidas como o isolamento social, sustenta o Fundo Monetário Internacional (FMI) em documento sobre as perspectivas mundiais. Economistas e diretores do Fundo mostram-se alinhados com a Organização Mundial da Saúde (OMS), advogando medidas de prevenção para impedir o colapso dos serviços médicos. Boas políticas sanitárias tornarão mais provável a reativação a partir do segundo semestre e algum desafogo em 2021. A melhor forma de atenuar o impacto econômico da pandemia é atacar o vírus, deixaram claro, numa entrevista conjunta em 3 de abril, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. A experiência, o conhecimento e o bom senso dos técnicos e dirigentes das duas instituições são negados pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. Todos vão morrer algum dia, argumentou Bolsonaro numa declaração recente.

Mesmo com a contenção da pandemia, o balanço geral de 2020 será muito ruim, segundo as projeções da Perspectiva Econômica Mundial (World Economic Outlook), a mais importante publicação periódica do FMI. Na pior crise desde a Grande Depressão de 90 anos atrás, a economia brasileira deve recuar 5,3% em 2020, acompanhando uma contração global de 3%, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional.

Mas esse cálculo vale para um cenário com a pandemia chegando ao pico no segundo trimestre e amainando na segunda metade do ano. Num quadro mais tenebroso, o produto global poderá encolher 6%. Para a maioria dos países será um desastre quase inimaginável mesmo neste momento.

 A retomada econômica vai depender das condições sanitárias, como já haviam afirmado, no começo do mês, os dirigentes do FMI e da OMS. A defesa da vida criará as condições necessárias para a reativação. Se a difusão da covid-19 for achatada com o isolamento social, os sistemas de saúde poderão enfrentar a doença, e isso levará à reativação, disse a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath. “Nesse sentido”, acrescentou, “não há dilema entre salvar vidas e salvar as condições de sustento.”[DAS FAMÍLIAS]

Mantido o isolamento, os governos terão de continuar apoiando trabalhadores e empresas. Será preciso, segundo o FMI, continuar gastando muito com os sistemas de saúde e com a ajuda às famílias durante a crise. Os bancos centrais devem persistir no estímulo à expansão do crédito. Os governos, dentro de suas possibilidades, precisam manter os cofres abertos por algum tempo.

Muitos países precisam de ajuda. O FMI já iniciou socorro a mais de 90 nações e vem concedendo e recomendando a concessão de facilidades aos endividados, além de doações e de financiamentos em condições especiais. O próprio Fundo maneja um orçamento de US$ 1 trilhão para ajuda a países vulneráveis.

Nenhuma economia ficará ilesa. O crescimento chinês deve passar de 6,1% em 2019 para 1,2% em 2020. Os Estados Unidos devem sofrer contração de 5,9% neste ano. No ano passado houve expansão de 2,3%. Mas a retomada será sensível, em 2021, se a pandemia for contida como no cenário básico. Nesse quadro o Brasil crescerá 2,9% no próximo ano, bem abaixo da média global de 5,8%, por causa das severas limitações do País.

Os cenários incluem um severo choque financeiro. Os emergentes entraram numa tempestade perfeita – pandemia, queda do preço do petróleo, aumento da aversão ao risco e perspectiva de recessão global. Essa avaliação está no Relatório de Estabilidade Financeira Global, também divulgado ontem. As moedas de países exportadores de commodities, como Brasil, Colômbia, México, Rússia e África do Sul, caíram mais de 20% em relação ao dólar no primeiro trimestre, movimento em boa parte explicável pela fuga de capitais.

A recuperação exigirá, em 2021, um duro reparo dos fundamentos econômicos, a começar pelas contas públicas. Mas tudo será pior se a precipitação prejudicar o combate à pandemia. Mais que o atraso na retomada, haverá muitas mortes a lamentar.


Estadão terça, 14 de abril de 2020

MORAES MOREIRA UNIU PRESTÍGIO ARTÍSTICO A SUCESSO POPULAR

 

Moraes Moreira uniu prestígio artístico a sucesso popular

Cantor, compositor e instrumentista baiano criou obra musical e poética sofisticada e vibrante

13 de abril de 2020 | 15h 20

Acervo - Estadão

 

Moraes Moreira no Rock in Rio III em 18/1/2001

Moraes Moreira no Rock in Rio III em 18/1/2001

 

"Bombas na guerra-magia, Ninguém matava, ninguém morria, Nas trincheiras da alegria, O que explodia era o amor..."

 

Na história da música brasileira, prestígio artístico e sucesso popular são muitas vezes inconciliáveis. Basta dar um passo rumo ao segundo para perder o primeiro, com gente passando a torcer o nariz para o antigo prestigiado. Para sorte do Brasil, Moraes Moreira [1947-2020] conseguiu unir os dois atributos desde Os Novos Baianos e, principalmente, depois, quando deixou o conjunto hippie para uma carreira solo repleta de sucessos.

Em carnavais, festas juninas, rodas de samba, casas de forró e festivais de rock não havia quem ficasse indiferente ao ritmo e poesia do músico baiano e sua criação. Quando lançou o disco 'Mancha de dendê não sai', Moraes se definiu: "Se a mancha de dendê não sai é porque está na alma e isso me deixa à vontade para ir e voltar ao exterior, ou usar a tecnologia de som mais avançada, porque nada disso vai me tornar menos brasileiro ou menos baiano."

Relembre alguns momentos da carreira do cantor, compositor e instrumentista nas páginas do Estadão.

 

Moraes Moreira no jornal de 11/11/1981

 

 

Moraes Moreira no jornal de 27/9/1984

 

 

Moraes Moreira no jornal de 14/5/1982

 

 

Moraes Moreira no jornal de 10/11/1999

 

 

Moraes Moreira no jornal de 25/4/2007

 

 

Entrevista de Moraes Moreira no jornal de 18/8/2013.

 

 

Moraes Moreira com colegas dos Novos Baianos em 1973.

Moraes Moreira com colegas dos Novos Baianos em 1973.

 

 

Moraes Moreira no Rock In Rio II em  27/1/1991.

 

 


Estadão segunda, 13 de abril de 2020

O DAIQUIRI DA QUARENTENA: APRENDA A FAZER

 

O daiquiri da quarentena

 

13 de abril de 2020 | 05h00por Renata Mesquita

Durante a quarentena e o isolamento social, você pode praticar a autogratificação etílica – e aprimorar suas habilidades como bartender amador e caseiro.

Lembrando sempre, claro, que álcool não é brincadeira (e nem deve ser usado como consolo nesse momento difícil). Então, beba com moderação e responsabilidade.

Dito isso, que tal aprender como preparar um daiquiri?

Esse clássico, uma das paixões do escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961), leva apenas 3 ingredientes: rum (branco), limão taiti e xarope simples de açúcar.

Daiquiri. Foto: Codo Meletti/Estadão

 

A primeira pergunta deve ser? Que raio é um xarope de açúcar? Como eu faço?

Bom, o jeito mais simples (e como eu faço aqui em casa) é misturar um copo de água e um copo de açúcar dentro de uma panela. Misturo bem até que o açúcar se dilua. Depois, guardo o líquido em uma garrafinha plástica (ele pode ser guardado na geladeira e usado em vários coquetéis).

Vamos ao drinque, amigos:

Receita daiquiri:
60 ml de rum branco
25 ml de xarope simples de açúcar
25 ml de suco de limão Taiti
Uma rodela de limão para decorar (a proporção de xarope de açúcar e suco de limão pode variar de acordo com o seu paladar. Experimente brincar com elas até encontrar o seu drinque favorito).

Como fazer:
– Em uma coqueteleira, coloque pedras de gelo (até quase a metade da coqueteleira).
– Depois, coloque o rum, o xarope de açúcar e o suco de limão na coqueteleira.
– Bata com vigor.
– Faça coagem dupla para uma taça coupé (taça de martini).
– Coloque a rodela de limão para decorar.

Mais Delivery

Nosso balcão continua na divulgação dos bares que estão entregando drinques em casa. Confira mais alguns abaixo e a lista completa aqui.

Sylvester

O Slyvester está fazendo coquetéis para retirada no local e via Ifood. Você pode reservar pelo telefone 3034-1268 ou pelo WhattsApp 96234-4314. Retirada na Rua Maria Carolina, 745, Pinheiros.

Eugênica Café Bar
O Eugênia está aceitando pedidos de coquetel diretamente pelo Instagram, @eugeniacafebar.

Canoa Cervejaria
Embora seja uma cervejaria, a Canoa tem dois coquetéis para entrega delivery. Eles podem ser pedidos pelo site canoaemcasa.com.br.

Caledonia Whisky & Co.
O Caledonia está fazendo delivery de suas réguas de degustação de uísque. Para pedir, basta procurar o bar no iFood.

 

Brinde do bem

O grupo Heineken criou o movimento “Brinde do Bem” para auxiliar os estabelecimentos de todo país a manter empregos, pagamentos e salários em dia. A Heineken irá dobrar os valores computados no site do movimento, até 31 de maio de 2020.

O consumidor pode escolher um estabelecimento de sua preferência e contribuir com os valores predefinidos na página: R$25, R$50, R$75 e R$100. A contribuição do consumidor será revertida em consumação, que poderá ser resgatada no bar escolhido, assim que as atividades forem normalizadas. Procure seu bar preferido no site: brindedobem.abacashi.com .

Cursos e degustações

Caledonia Whisky&Co

Caledonia começou a oferecer a venda de uma variada grade de cursos e degustações. Entre elas está a Macallan You Only Live Once Experience, que custa R$ 640; Blends Ultra Luxo, que sai por R$ 229. Já a Glenfiddish Raw e Glenlivet Ultimate, estão saindo por R$ 122 e R$ 106 reais. No capítulo de Comes e Bebes vale a pena também a Jack Daniel’s com o Premium BBQ Burger, a R$ 111. As inscrições podem ser feitas no próprio site do bar caledoniawhiskyco.com.br


Estadão domingo, 12 de abril de 2020

NOVO CORONAVÍRUS REDUZ RENDA DE METADE DOS BRASILEIROS

 

Novo coronavírus reduz renda de metade dos brasileiros, diz pesquisa

Levantamento do Instituto Locomotiva mostra que 51% dos entrevistados tiveram seus ganhos afetados pelos efeitos da pandemia e estão contingenciando seus gastos

Renato Jakitas, O Estado de S. Paulo

12 de abril de 2020 | 05h00

Com menos de 30 dias de quarentena e em meio a um cenário em que a retomada do contato social ainda parece distante, mais da metade dos brasileiros já sente no bolso os efeitos da pandemia do novo coronavírus. Pesquisa do Instituto Locomotiva, obtida com exclusividade pelo Estado, aponta que 51% das pessoas afirmam ter perdido renda e que já estão contingenciando seus gastos.

Segundo a pesquisa, o impacto da crise é praticamente o mesmo entre homens e mulheres. Por faixa etária, contudo, afeta mais o bolso dos trabalhadores com 50 anos ou mais (52%), com ensino superior completo (48%) e que residem nos Estados do Sudeste (38%). A região concentra São Paulo e Rio de Janeiro, as duas capitais com o maior número de infecções, segundo dados do Ministério da Saúde.

 

 

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Madeleine Lisboa parou de comer carne depois da crise gerada pela pandemia do coronavírus Foto: Arquivo pessoal

Para o presidente da Locomotiva, Renato Meirelles, a proporção de brasileiros afetada, que já é alta, deve crescer nas próximas semanas. E o brasileiro, ele afirma, espera que isso aconteça. “Levantamos que dois em cada três profissionais acreditam que seus empregos serão muito prejudicados no Brasil, apesar de 73% das pessoas defenderem o isolamento social como forma de frear o avanço da doença”, diz Meirelles.

A pesquisa foi realizada entre 3 e 5 de abril e entrevistou, por telefone, cerca de mil pessoas em 72 cidades do País. A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais para cima e para baixo.

TV a cabo dividida

Na casa da chef de cozinha Juliana Menezes os efeitos da paralisação da economia foram sentidos quase que de imediato. Ela, que deixou a sociedade de um restaurante para cozinhar na casa dos clientes, conta que conseguiu migrar a maior parte da demanda para um serviço de entrega de marmitas, que vem fazendo desde meados de março. Já o marido, que é vendedor e nos últimos dois anos também trabalhava como motorista de aplicativos, praticamente zerou a renda. O prejuízo é calculado em R$ 3 mil dentro do mês.

“Nunca tivemos poupança, não sobra dinheiro para isso. Saímos cortando os gastos”, diz Juliana, que reduziu a lista de supermercados, trocando, por exemplo, os alimentos orgânicos por produtos tradicionais. “Comida sempre foi meu ‘ralo’, onde gasto muito. Só nessa nova lista economizei por volta de R$ 1 mil”, afirma.

O corte também avançou nos custos fixos de serviços, como na assinatura de TV a cabo. “Cancelei o serviço de internet, bati na porta do meu vizinho de cima e me ofereci para dividir a conta com ele”, conta. “Nunca tinha conversado com esse vizinho e só sabia que se chamava Oscar. Ele aceitou fazer um teste e está ótimo assim”, afirmou. 

 

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Juliana Menezes e o marido passaram a dividir a conta de internet com o vizinho Foto: Arquivo pessoal

Sem carne

Em Florianópolis, a microempresária Madeleine Lisboa teve de cortar no básico. Com o marido desempregado e dois filhos, ela viu a demanda de sua agência de limpeza minguar nas últimas semanas. “Como praticamente não tem serviço, paramos de comer carne. Eu avisei os filhos que para beber é só suco de limão, que pego no quintal do vizinho, e estou fazendo mistura com abacate, que também pego da horta”, conta. “Eu ainda tenho minha casa e dinheiro para comprar alguma coisa, agora minhas colaboradoras, que recebem por serviço feito, estão sem nada. Estou distribuindo cestas básicas para que tenham o que comer.” 

5 perguntas para Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper  

Quem perde uma fatia da renda deve fazer o que para preservar o orçamento?

As pessoas precisam agir como empresas e precisam agir rapidamente. O que as empresas estão fazendo? Renegociando os custos fixos. Essa é a ação número um: cancele ou reduza pacotes de serviços. Renegocie seu contrato de aluguel e o valor do condomínio. Os gastos com moradia costumam afetar em 30% do orçamento das pessoas. 

Mas é fácil renegociar um contrato de aluguel neste momento?

Sim. Se há perda evidente de renda, há espaço para isso, dado o momento que vivemos. Quem mora em prédio pode convocar outros moradores e fazer uma reunião para reduzir alguns custos do condomínio. Se mora de aluguel, converse com o locador.

Os planejadores sempre falam que a dívida precisa ser quitada logo. No entanto, em tempos de recursos escassos, o que fazer entre pagar o compromisso ou guardar o dinheiro para um cenário imprevisível?

Bom, agora, guarde o dinheiro. Isso é diferente de tudo que sempre recomendamos. Claro que o ideal seria não ter contraído dívidas antes, já que nossa recomendação é sempre evitar. Mas agora o dinheiro pode ser importante para uma necessidade de primeira ordem. Lá na frente a pessoa encontra uma alternativa para quitar essa dívida.

Existem dívidas que podem ser postergadas? 

Hoje todo mundo sabe da situação que todos estão enfrentando. Várias instituições estão renegociando ou postergando pagamentos. Uma sugestão pode ser pagar agora os juros e deixar a amortização para depois. Outra coisa: os impostos e contas públicas, como de luz e água, isso dá para jogar um pouco para frente. Alguns Estados estão até liberando os mais pobres desses pagamentos.

Qual a dívida que não pode em hipótese alguma ficar para depois?

A do cartão de crédito. O que o consumidor não pode fazer agora, e várias pessoas estão fazendo, é entrar no rotativo do cartão de crédito, que é de mais ou menos 300% ao ano. Uma dívida dessa dobra de tamanho em seis meses. Venda o carro, que está parado e depreciando, mesmo que com desconto, mas não deva para a empresa de cartão.


Estadão sábado, 11 de abril de 2020

10 BOAS NOTÍCIAS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

 

10 boas notícias: confira seleção da semana para ler em tempos de coronavírus (até 11/4)

Marina Vaz

11 de abril de 2020 | 02h00

CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: Precisando de ânimo? Uma senhora de 99 anos sobreviveu à covid-19; e outra, de 97, passou a ensinar receitas pela internet, com a filha

A vida não é só caos. É também solidariedade, avanço científico, superação, declarações de amor, criatividade. Selecionamos os melhores acontecimentos dos últimos dias para você renovar sua fé na humanidade.


Orquestra levou música às ruas de Budapeste, emocionando idosos na janela. FOTO: Bernadett Szabo/Reuters. 

 
 

1. Música para os ouvidos. Com concertos cancelados, membros da MAV Symphony Orchestra, fundada há 75 anos na Hungria, decidiram alegrar a população em quarentena, como relatou a agência Reuters. Dentro de carros com alto-falantes, músicos circularam pelas ruas de Budapeste, reproduzindo suas interpretações de compositores como Johann Strauss. Durante o trajeto, uma cena marcante: ao passarem diante de um lar de idosos, os moradores foram até as janelas, acenaram, bateram palmas. Do alto, uma senhora, emocionada, passou a gesticular, fingindo reger a orquestra. Enquanto isso, no térreo, enfermeiras (de máscaras) dançavam valsa.

2. Quanta doçura. Chocolate traz, muitas vezes, uma sensação de conforto, de acolhimento. E, em tempos de Páscoa, ele pode evocar as melhores lembranças de infância. Nesta semana, a Cacau Show iniciou a doação de um milhão de ovos de chocolate para ONGs, hospitais e comunidades. A iniciativa de doar e adoçar o feriado de pessoas em situação mais vulnerável também mobilizou pequenas empresas, como as reunidas no grupo Mulheres do Chocolate Brasileiro – que inclui produtores artesanais como Baianí, Cuore di Cacao, Mestiço, Luisa Abram e Raros.

3. Ciência brasileira. A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) anunciou a criação de um ventilador pulmonar que pode ser usado, em situações emergenciais, para suprir possíveis demandas do equipamento, durante a atual epidemia. Desenvolvido por uma equipe de engenharia multidisciplinar, que envolveu pesquisadores de áreas como biomédica e eletrônica, o protótipo – batizado de Inspire – é de baixo custo, livre de patente e usa componentes facilmente encontrados no mercado nacional. E o melhor: pode ser produzido em menos de duas horas.


O casal de artistas Edmx e Rizza durante intervenção artística na Rebouças. FOTO: Tiago Queiroz/Estadão. 

4. Cidade ocupada. Nesta semana, o casal de artistas Edmx e Rizza quebrou, momentaneamente, o isolamento que mantinham há 22 dias para ir até a Avenida Rebouças. Com tinta spray e letras espelhadas, eles ocuparam um muro com a frase “If you can’t go outside, go inside” (ou, em português, “Se você não pode ir para fora, vá para dentro”). A ideia da intervenção urbana, como contaram ao Estado, foi “espalhar uma reflexão sobre a quarentena”. “Entendemos que o artista tem um papel fundamental neste momento – um momento que é oportuno para olharmos para dentro, para nossos hábitos, valores e nosso papel como ser humano. Acreditamos que, após a pandemia, voltaremos melhores cidadãos, com a certeza de que somos uma unidade.”

5. Guerreira. Quando tinha 21 anos, a inglesa Rita Reynolds sobreviveu a uma bomba lançada durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 99 anos, ela está sendo considerada a britânica mais velha a se recuperar da covid-19, de acordo com o jornal The Guardian. Contrariando as expectativas de seus próprios cuidadores, Rita, mais uma vez, sobreviveu. À sua saúde invejável, soma-se um fator extra: segundo seu neto, ela não come frutas nem verduras, e vive à base de sanduíche de geleia e biscoitos. Isso é, realmente, para poucos.

6. Visão particular. A empresa de meteorologia Climatempo lançou campanha para incentivar as pessoas a ficarem em casa… fotografando. A ideia é que os usuários registrem o céu e compartilhem nas redes sociais com a #otempodajanela. Uma iniciativa parecida ocorre no grupo View From My Window, no Facebook, em que se pode acompanhar a vista captada por mais de 300 participantes – com imagens que vão desde uma varanda coberta de neve, na Noruega, até uma bucólica sacada voltada para Nápoles, na Itália.


Pedido de casamento foi feito em lateral de prédio projetado por Oscar Niemeyer, em BH. FOTO: Wildson Caldeira. 

7. Amor no ar. Desde o início do isolamento, o Edifício JK, em Belo Horizonte, tem recebido projeções na lateral de uma de suas torres, com frases reconfortantes. Nos últimos dias, uma se destacou: “Quer casar comigo, Sarah? Will”. O pedido surpreendeu não só a destinatária da mensagem, mas os vizinhos. “Gostaria que fosse algo criativo e a nossa cara”, contou Wildson Caldeira ao Estado, que mora ali, desde janeiro, com a atual noiva. “Preparamos um jantar e fomos para a janela ver as mensagens, até chegar o esperado momento.”

8. Para valorizar. O aplicativo de entregas James, ligado à rede Pão de Açúcar, vai dobrar a gorjeta que o cliente der ao entregador. O objetivo é estimular o reconhecimento de um trabalho cuja demanda, por causa da quarentena, é crescente.

9. Negócio de família. Uma americana da Pensilvânia encontrou um jeito criativo de passar o tempo ao lado da mãe, de 97 anos. Sem poder sair de casa, começou a gravar vídeos da senhora ensinando receitas como almôndegas e rolinhos de canela. Surgiu, então, o canal Baking With Lucy. Nas gravações, bastante amadoras, Lucy usa um avental com seu nome, enquanto Mary veste um com os dizeres “assistente de Lucy” – ambos escritos à mão, com canetinha. Com a adorável ideia, as duas já deram até entrevista à afiliada local da rede de televisão ABC.

10. Doação. Pelo Twitter, o Estadão lançou campanha para homenagear profissionais da saúde (#AbracoNaSaude). Já foram quase três mil “abraços doados”. E um site especial reúne histórias inspiradoras de condutores de ambulância, médicos e enfermeiros.


Estadão quinta, 09 de abril de 2020

FIQUE EM CASA

 

Fique em casa

Se poucos começarem a não respeitar o isolamento, muitos cidadãos que o fazem com disciplina começarão a questionar o poder de seu sacrifício pessoal para frear a disseminação do contágio

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

09 de abril de 2020 | 03h00

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez o que se espera de um gestor público responsável e estendeu até o dia 22 deste mês a quarentena decretada no Estado para conter a expansão desenfreada dos casos de covid-19. Permanecem abertos apenas os estabelecimentos que prestam serviços essenciais, como supermercados, postos de combustíveis e farmácias. Bares e restaurantes só podem funcionar com serviço de entrega em domicílio. Não há qualquer razão a justificar outra decisão que não a tomada pelo governo paulista. De acordo com as autoridades sanitárias, o País ainda não atingiu o pico de casos de infecção pelo novo coronavírus, previsto para o final de abril, início de maio. Portanto, seria absolutamente temerário flexibilizar as medidas restritivas à circulação de pessoas justamente no Estado que concentra o maior número de casos confirmados e de mortes por covid-19.

A extensão do prazo do isolamento social é igualmente bem-vinda porque, não obstante grande parte dos paulistas ter aderido voluntariamente à medida, observa-se que um número maior de pessoas começa a relaxar quanto ao necessário recolhimento, tanto na capital como no interior. Não se trata daqueles que devem estar nas ruas por dever de ofício. No fim de semana passado, a beleza do pôr do sol visto da praça de mesmo nome, na zona oeste da capital paulista, contrastou com a imagem da aglomeração de pessoas que lá se divertiam em grupos como se um vírus mortal não estivesse em circulação. Um aumento do fluxo de pessoas também foi registrado em outros pontos da cidade, como a Avenida Paulista e o entorno do Parque do Ibirapuera. Em alguns municípios do interior do Estado, onde a quantidade mais reduzida de casos de covid-19 transmite à população uma falsa sensação de normalidade, o descontrole é ainda maior. Os trágicos exemplos de pequenas cidades da Itália e da Espanha, que no início desdenharam do poder de disseminação da Sars-CoV-2 e não adotaram o isolamento, recomendam máxima cautela.

O governo paulista estima que 277 mil pessoas morrerão em decorrência da covid-19 nos próximos seis meses se o isolamento não for respeitado no Estado. Com a estrita observância das medidas restritivas, o número de óbitos cairia para 111 mil. Em ambos os cenários, são números de guerra. No entanto, a redução de 60% entre um e outro dá a medida da responsabilidade social que recai sobre os ombros de cada habitante de São Paulo. “Nenhuma aglomeração, de nenhuma espécie, em nenhuma cidade ou área de São Paulo, será permitida”, afirmou o governador.

 Estudo feito pelo Instituto Butantan e pela Universidade de Brasília (UnB), com base em dados de geolocalização de telefones celulares, mostrou que entre os dias 23 de março e 2 de abril o isolamento na capital paulista caiu de 66% para 52,4% da população. “Por meio da triangulação das antenas que recebem sinal de celular, temos condições de observar quem se deslocou por mais de cem ou duzentos metros de casa”, disse o pesquisador Júlio Croda, que participou do estudo. Em que pese a necessidade de preservar a privacidade do indivíduo em monitoramentos deste tipo, o estudo é um instrumento a mais para orientar as decisões governamentais tendo em vista a segurança da coletividade. Durante o anúncio da prorrogação da quarentena no Estado, o governador João Doria não descartou o uso da Polícia Militar para dispersar as aglomerações. “Em um primeiro momento, serão medidas de orientação. Em um segundo momento, coercitivas. Mas espero que isso não seja necessário”, disse Doria. Oxalá não seja mesmo.

Não é hora de baixar a guarda. Não há espaço para a autoconfiança irresponsável. O vírus pode ser mais perverso para certos grupos, mas ninguém está imune a ele. A vida de milhões de paulistas está sob risco. Se poucos começarem a não respeitar o isolamento, como tem ocorrido, muitos cidadãos que o fazem com disciplina e espírito público começarão a questionar o poder de seu sacrifício pessoal para frear a disseminação do contágio, o que seria o prenúncio de uma tragédia inaudita. Portanto, fique em casa.


Estadão quarta, 08 de abril de 2020

OS INCENDIÁRIOS E OS BOMBEIROS

 

Os incendiários e os bombeiros

A tarefa dos militares lotados no governo, como o general Braga Netto, tem sido a de proteger o presidente Bolsonaro de si mesmo e do tal “gabinete do ódio”

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

08 de abril de 2020 | 03h00

O presidente Jair Bolsonaro esteve a ponto de demitir seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, segundo informações de bastidores que circularam em Brasília ao longo de toda a segunda-feira. Não o fez, mas isso não significa que não venha a fazê-lo no futuro próximo, a julgar pelo clima de crispação criado pelo próprio Bolsonaro, empenhado nos últimos dias em desmoralizar publicamente o ministro Mandetta mesmo diante da brutal crise sanitária causada pela epidemia de covid-19.

O motivo do recuo de Bolsonaro não ficou muito claro, assim como já não eram muito claros os motivos pelos quais o presidente estava investindo contra um de seus ministros – e não um qualquer, mas sim, justamente, aquele sobre cujos ombros está a responsabilidade de organizar os esforços do governo federal para enfrentar a epidemia. Sob a Presidência de Bolsonaro, a rigor, nada parece fazer muito sentido, a não ser para a chamada ala “ideológica” que assessora o presidente, e para a qual tudo se resume à luta pelo poder contra os “comunistas” – nome genérico de todos os que essa turma considera como inimigos.

Seja como for, o recuo de Bolsonaro em sua escalada contra o ministro Mandetta, ainda que provavelmente seja apenas momentâneo, é um indicativo de que o presidente se viu limitado pelas circunstâncias. Ou seja, teve que se conformar com as coisas como elas são, e não como os bolsonaristas radicais que o cercam gostariam que fossem.

 A julgar pelo que tem sido o comportamento de Bolsonaro até aqui, no entanto, é difícil acreditar que o presidente tenha se dado conta sozinho de que não é prudente brigar tanto com a realidade, especialmente no momento em que o País mais precisa de paz para enfrentar a calamidade sanitária e econômica causada pela epidemia. No caso específico da quase demissão do ministro Mandetta, Bolsonaro voltou atrás depois de ser convencido pelo seu ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, segundo revelou reportagem do Estado.

Essa informação confirma o papel de “gerente” do governo assumido pelo ministro Braga Netto, formalmente escalado para comandar o comitê de crise que coordena as ações do governo durante a epidemia. A Casa Civil tem entre suas funções primárias justamente a de coordenar a ação do Ministério, mas atualmente, em razão das características caóticas da governança de Bolsonaro, seu titular também está tendo de fazer entrar em forma a própria Presidência.

Assim, o ministro Braga Netto, general que se destacou ao liderar a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, parece trabalhar ao mesmo tempo como uma espécie de moderador no Palácio do Planalto em face do avanço da ala “ideológica” dentro do governo – a ponto de um de seus principais expoentes, o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e líder do chamado “gabinete do ódio”, ter ganhado uma sala ao lado do gabinete do pai. Não à toa, partem de Carlos Bolsonaro alguns dos piores ataques nas redes sociais aos militares que estão no governo e que, como Braga Netto, tratam de temperar os ímpetos voluntaristas do presidente.

A tarefa dos militares hoje lotados no governo, portanto, tem sido a de proteger o presidente Bolsonaro de si mesmo e do tal “gabinete do ódio”, dirigido a distância por um ex-astrólogo que mora nos Estados Unidos. Essa figura extravagante, ao exigir a demissão de Luiz Henrique Mandetta, escreveu nas redes sociais que o ministro da Saúde “é o exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica”.

Ao desestimular a demissão do ministro Mandetta, o general Braga Netto e outros que nisso se empenharam provavelmente atuaram pela lógica segundo a qual essa atitude intempestiva minaria o governo a ponto de ameaçar sua própria continuidade. É justamente esse clima de confronto e até de ruptura que interessa muito aos fanáticos do “gabinete do ódio”, que apostam no caos, mas não interessa nada ao País, que precisa desesperadamente de tranquilidade política para atravessar a tormenta.


Estadão terça, 07 de abril de 2020

CHEQUE EM BRANCO

 

Cheque em branco

O Tesouro não tem recursos infinitos. Por estar em branco, o cheque que a sociedade acaba de conferir ao Executivo para lidar com a crise deve ser usado com muita responsabilidade

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

07 de abril de 2020 | 03h00

Não resta a menor dúvida de que, por mais robustas que sejam, as medidas adotadas pela maioria dos governos do mundo para mitigar os efeitos da epidemia de covid-19 sobre a economia não serão suficientes para evitar um desastre de proporções ainda desconhecidas. Assim, o aumento exponencial de gastos públicos tornou-se quase uma obrigação, sobretudo porque, além de reforçar o sistema de saúde, é preciso proteger os empregos e a renda da parcela da população que vive na informalidade e vê a fome bater à porta.

Num cenário como esse, é evidente que não se pode falar, ao menos neste momento, em contenção fiscal, razão pela qual é uma boa notícia a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10/20, que criou o chamado “orçamento de guerra” – que tratará especificamente das despesas decorrentes do enfrentamento da epidemia, separado do Orçamento da União.

O texto passou na Câmara com votações expressivas (505 votos a 2 no primeiro turno e 423 a 1 no segundo) e está para ser apreciado a qualquer momento no Senado. Tal apoio a um projeto gestado pela própria Câmara é claro indicativo de que não há polarização política que resista ao imperativo de salvar vidas e proporcionar ao setor produtivo condições de sobreviver em meio à tormenta já em pleno curso.

 A PEC do “orçamento de guerra” dá liberdade praticamente irrestrita ao Executivo, representado por um Comitê de Gestão de Crise, que será dirigido pelo presidente Jair Bolsonaro, para administrar os recursos destinados ao enfrentamento da epidemia. Até mesmo a regra de ouro – que impede o governo de emitir títulos para pagar gastos correntes – estará suspensa durante a vigência do estado de calamidade. O Congresso, contudo, se reservou o direito de sustar as decisões do comitê “em caso de irregularidade ou de extrapolação dos limites” estabelecidos na PEC. E fez bem. A calamidade não pode ser pretexto para que se criem despesas permanentes, estranhas ao estritamente necessário para o esforço do combate à epidemia.

Não é um risco desprezível, a julgar pelo histórico de irresponsabilidade do poder público com o dinheiro do contribuinte. Basta ver o que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, na sexta-feira passada, ao determinar que a União pague a Estados e municípios o complemento das verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Graças a uma interpretação criativa da lei que criou o fundo, que vigorou de 1998 a 2006, Estados com baixa receita e menos alunos julgavam-se no direito de receber o mesmo valor destinado aos Estados com muito mais alunos.

A decisão do ministro Dias Toffoli representa uma despesa adicional de R$ 90 bilhões para os cofres da União, já bastante comprometidos pela necessidade urgente de socorrer cidadãos e empresas em meio à epidemia de covid-19. É a criação de esqueletos fiscais dessa natureza que fragiliza as contas nacionais mesmo que não houvesse o novo coronavírus a nos atormentar.

Assim, não se pode permitir que as boas intenções – seja a melhoria da educação, seja a luta contra os efeitos da epidemia de covid-19 – sirvam como subterfúgio para favorecer grupos de interesse em detrimento do resto do País, a quem restará pagar a conta do colapso fiscal. “Tem de separar setores com problemas emergenciais do oportunismo”, disse ao Estado a economista Zeina Latif, que defendeu a manutenção do teto de gastos: “Tenho medo do precedente que se abre ao suspendê-lo”.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, foi claro ao dizer que “não há por que continuar (no futuro) com políticas que só se justificam em um contexto de calamidade”, mas o receio de que isso venha a acontecer é mais que justificado. O Tesouro Nacional – leia-se, os contribuintes – não tem recursos infinitos, e tudo o que se fizer agora terá consequências graves no futuro. Justamente por estar em branco, o cheque que a sociedade acaba de conferir ao Executivo para lidar com a crise deve ser usado com muito mais parcimônia e responsabilidade.


Estadão segunda, 06 de abril de 2020

E PERIGO DA DESINFORMAÇÃO

 

O perigo da desinformação

Recente pesquisa do Datafolha sobre a percepção acerca da epidemia mostrou que o grau de desinformação sobre a doença é maior entre os mais pobres e menos escolarizados

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

06 de abril de 2020 | 03h00

Recente pesquisa do Datafolha sobre a percepção da população acerca da epidemia de covid-19 mostrou que o grau de desinformação a respeito da doença é maior entre os mais pobres e menos escolarizados.

Não chega a ser um resultado surpreendente, uma vez que essa parcela da sociedade apresenta em geral um nível reduzido de conhecimento a propósito dos grandes problemas nacionais. No caso da epidemia, porém, tal constatação é particularmente preocupante, porque é a informação de qualidade que pode reduzir a disseminação do novo coronavírus, especialmente entre cidadãos vulneráveis – que não dispõem de recursos básicos e são, por isso, dependentes de um Estado que já apresenta sinais de exaustão para conter uma epidemia que mal começou.

A pesquisa mostrou que a faixa dos entrevistados com renda familiar mensal de até dois salários mínimos concentra o maior número de pessoas que se consideram apenas “mais ou menos” informadas (27%) ou que se dizem “mal informadas” (5%) sobre o novo coronavírus. O contraste é gritante com as faixas superiores de renda. Entre os entrevistados com renda superior a 10 salários mínimos, apenas 13% se consideram “mais ou menos” informados e 1%, “mal informado”. Mesmo o grupo dos entrevistados na faixa salarial mais baixa que se consideram “bem informados” (67%) está muito distante dos 83% de cidadãos no topo da pirâmide socioeconômica que dizem ter o mesmo grau de conhecimento sobre a epidemia.

 Além disso, dos que consideram que “não há motivo para tanta preocupação” – o que indica propensão ao relaxamento e a não seguir as orientações do Ministério da Saúde –, os maiores porcentuais se concentram entre os mais pobres (14%) e menos escolarizados (15%), contra apenas 3% entre os mais ricos e 6% entre os mais escolarizados.

Esse contraste fica ainda mais evidente quando a pesquisa pergunta se os brasileiros estão mais preocupados do que deveriam. Para 26% dos que ganham até dois salários mínimos e 28% dos que fizeram até o ensino fundamental, há exagero, enquanto apenas 12% dos que recebem mais de dez salários mínimos e 12% dos que têm ensino superior são da mesma opinião. Para 63% dos mais ricos e 35% dos mais pobres, os brasileiros estão menos preocupados do que deveriam.

Os mais expostos à doença, isto é, os mais idosos, também mostram um preocupante descolamento da realidade. Dos que têm 60 anos de idade ou mais, nada menos que 34% dizem não ter medo de serem infectados pelo vírus, enquanto entre os entrevistados de 16 a 24 anos esse porcentual é de apenas 19%. É também entre os mais idosos que está a maior parcela dos que acreditam não ter a menor chance de pegar a doença (19%), contra 9% na faixa dos 16 a 24 anos.

Esses números são um potente indicativo da necessidade de melhorar e ampliar a comunicação oficial para esclarecer a população a respeito da epidemia e sobre como os cidadãos podem colaborar para ajudar as autoridades e os agentes de saúde a contê-la.

Já está claro que somente a informação de qualidade, transmitida de maneira clara e direta, é um potente instrumento para frear o vírus. O governo precisa alinhar seu discurso e impedir ruídos que possam causar confusão, como tem acontecido nos últimos dias. Não é o momento de falar em possível tratamento ou de classificar de exageradas medidas que, ao contrário, são essenciais para frear a expansão do novo coronavírus.

A comunicação oficial deve ter como objetivo primordial isolar o vírus da desinformação, que pode levar os cidadãos a ignorar a necessidade de distanciamento social e também a comprar e consumir remédios que ainda estão em fase de testes, acarretando sérios riscos para a saúde pública e pessoal.

A Organização Mundial da Saúde já qualificou a atual epidemia de “massivo infodêmico”, em que há superabundância de informações. Se por um lado esse fenômeno é positivo, pois acelera a tomada de decisões por parte de autoridades e de cidadãos, por outro pode causar tumulto e descrença. Cabe ao governo, com a autoridade que tem, instruir os cidadãos sobre a realidade dos fatos, especialmente para a população que, quando for afetada, terá poucos recursos para se defender.


Estadão domingo, 05 de abril de 2020

A PANDEMIA JUNTA-SE À POBREZA

 

 

A pandemia junta-se à pobreza

Enquanto o capital foge e exportações encolhem, países pobres têm de enfrentar a pandemia com recursos escassos e ajuda de instituições como o FMI

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

05 de abril de 2020 | 03h00

Enquanto o vírus se espalha, o capital foge e as exportações encolhem, os governos da América Latina e de outras áreas pobres e emergentes têm de enfrentar a pandemia com recursos próprios – agora ainda mais escassos – e com a ajuda preciosa de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Cerca de 80 países pediram socorro ao Fundo até o fim de março. Os governos latino-americanos, com raras exceções, impõem o isolamento social, com maior ou menor rigor, como primeira forma de resistência à covid-19. Aprenderam com a experiência, e especialmente com os erros, dos primeiros países ocidentais atingidos pela doença. Tiveram a seu favor a aproximação pouco mais lenta da pandemia.

A solidariedade além fronteiras, pregada com insistência pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem sendo exercida principalmente por meio do FMI, de forma quase imperceptível para a maioria dos governos e das pessoas. Já empenhado na tarefa de socorro, o Fundo tenta mobilizar dinheiro para manter em US$ 1 trilhão sua capacidade de empréstimo. O governo dos Estados Unidos já se comprometeu com esse esforço.

Na maior economia da América Latina, o Brasil, o governo tenta enfrentar a crise com políticas excepcionais, aumento do gasto e suspensão, até o fim do ano, das normas orçamentárias. Parte do arsenal depende da aprovação, ainda, de um projeto de emenda constitucional para criação de um orçamento “de guerra”. O projeto foi para o Senado.

 No Brasil, o isolamento parece estar servindo para frear o contágio. Recomendado por autoridades sanitárias e pela maioria dos governadores, com apoio de prefeitos, esse cuidado foi aceito por milhões de famílias, contra a opinião do presidente da República. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, também menosprezou inicialmente a pandemia, mas acabou recuando. Decretou estado de emergência sanitária e suspendeu certo número de atividades.

A quarentena foi imposta quase sem exceção nos demais países latino-americanos. Alguns governos, como os da Argentina, do Peru e da Colômbia, logo definiram penalidades, como prisão ou multa para os violadores do isolamento. De modo geral, os procedimentos aconselhados pela OMS vêm sendo seguidos.

Até o governo de Nicolás Maduro se mostra alinhado, mas a situação da Venezuela é uma das mais preocupantes, por causa da enorme escassez de bens essenciais e do enorme empobrecimento da maior parte da população. Na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega continua negando a gravidade da pandemia. Até o campeonato nacional de futebol foi mantido. Essa ideia parece ter escapado ao presidente Jair Bolsonaro e a seus seguidores mais entusiasmados. Mas haveria na CBF alguém disposto a apoiar a manutenção dos jogos?

A pobreza, no entanto, pode limitar o alcance da política de isolamento seguida na maior parte dos Estados e nas cidades médias e grandes. Boa parte da população vive em habitações apertadas. Isso ocorre mesmo em grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo. No caso das famílias mais pobres, um só quarto pode abrigar até mais de cinco pessoas. As pessoas mais velhas ou mais vulneráveis podem até ficar em casa, mas outras continuam trabalhando ou saem de casa, de toda forma, em busca de alguma oportunidade ou de algum dinheiro. O risco de contágio é bem maior para essas famílias.

A vantagem de conhecer a experiência de outros países – e a importância do isolamento – é diminuída, portanto, pela desigualdade social e pela pobreza encontradas na maior parte da América Latina.

Em mais este aperto, latino-americanos, africanos, asiáticos e europeus (fora da União Europeia) já recorreram ao FMI. Os novos problemas vêm sendo tratados como ameaças muito sérias por entidades como o FMI, o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nenhum dirigente dessas entidades fala em “gripezinha” ou histeria. Todos esses dirigentes têm respeitáveis currículos nas áreas de gestão pública e todos falam corretamente mais de um idioma, a começar, é claro, pelo próprio.


Estadão sábado, 04 de abril de 2020

10 BOAS NOTÍCIAS DA SEMANA

 

10 boas notícias da semana, para ler em tempos de coronavírus

Marina Vaz

04 de abril de 2020 | 05h00

CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: De ações solidárias a cenas adoráveis, o que aconteceu de melhor no mundo nos últimos dias (até 4/4)

O noticiário diário não anda muito leve nos últimos tempos. Mas podemos olhar também para situações e histórias positivas que ocorrem no Brasil e no mundo. Por isso, a partir de hoje, você verá, todo sábado, aqui, notícias assim – de inspiradores casos de solidariedade até cenas simplesmente fofas. Para seguirmos fortes, sem perder a delicadeza.


O coletivo Bike System fez ação solidária em São Paulo. FOTO: Luca Meola.

 

1. Lava uma, lava outra. Com bicicletas e equipamentos de som entoando uma versão remixada da música Lavar as Mãos, de Arnaldo Antunes, o coletivo Bike System saiu pela região central de São Paulo para dar atenção especial à população que vive nas ruas. Pelo trajeto, Juan Rodrigues Quintas, Mauro Farina e Pedro Barreira distribuíram uma engenhoca simples, formada por duas garrafinhas de plástico com um furo na tampa e presas por um barbante – em uma, sabão líquido diluído; em outra, apenas água. “A recepção foi muito maravilhosa e inspiradora, além do que esperávamos. Jovens e famílias inteiras vinham até a janela nos saudar”, disse o grupo ao Estado, sobre a entrega do kit de higiene. A ação deve se repetir todo domingo e conta com doações para continuar (saiba mais pelo Instagram, no perfil @bikesystem).

2. Nova função. Hospitais temporários britânicos estão recrutando funcionários de companhias aéreas, como EasyJet e Virgin Atlantic, para ajudar durante a pandemia, enquanto estão longe do trabalho por conta dos cancelamentos de voos. Segundo a Reuters, os voluntários serão treinados para auxiliar em tarefas de apoio, como arrumação de camas. Sempre aproveitando suas habilidades com primeiros socorros e a tranquilidade que a tripulação costuma ter de sobra.

3. Outros tempos. O mesmo está ocorrendo com a empresa aérea escandinava SAS, que, por conta do fechamento de fronteiras, afastou, temporariamente, 90% de sua força de trabalho. Com o sistema de saúde de Estocolmo, na Suécia, precisando de reforços, comissários de bordo estão recebendo treinamento para atividades como esterilizar equipamentos, montar leitos e falar com pacientes e familiares. As informações são da Reuters.

4. Ajuda emergencial. O Hospital das Clínicas, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), criou uma plataforma específica para receber doações de qualquer valor. A ajuda pode ser feita pelo site viralcure.org/hc e a quantia será destinada integralmente ao hospital, sem qualquer desconto. Desde o início do ano, o HC reservou 900 leitos para atender pacientes com a covid-19. O hospital também pede apoio na divulgação da campanha pelas redes, por meio da #hccomvida.


Alpe suíço ganha projeções do artista Gerry Hofstetter. FOTO: Fabrice Coffrini/AFP.

5. Olhe para cima. O artista suíço Gerry Hofstetter já está acostumado a transformar edifícios e paisagens em obras de arte temporárias. Desta vez, usou um dos famosos alpes de seu país, o Matterhorn, na fronteira com a Itália, como “tela” para suas projeções. De acordo com a Agence France-Presse, toda noite, a montanha – também conhecida como Monte Cervino – recebe imagens como as bandeiras italiana e suíça, além de palavras e expressões, escritas em inglês, como “esperança” e “fique em casa”.

6. Boas práticas. O governo de Cingapura foi além das ações de isolamento para conter o avanço da epidemia. Como informa a BBC, o país “possui um sofisticado e extenso programa de rastreamento de contatos capaz de seguir a cadeia de vírus de uma pessoa para outra”. Um exemplo: “Ao saber que um motorista de táxi foi infectado, a polícia conseguiu rastrear as pessoas que usaram o táxi – e avisá-las, por mensagens de texto, para que permaneçam em quarentena”.

7. Jogo aberto. A associação LaLiga, do futebol espanhol, em parceria com empresas como o Santander e a Universal Music, promoveu um festival de música virtual, o LaLigaSantander Fest, que reuniu artistas como Alejandro Sanz e arrecadou o equivalente a mais de R$ 5 milhões para a luta contra o coronavírus. Os recursos serão usados para a compra de respiradores, trajes de proteção, luvas e máscaras, na Espanha.

8. Produção ativa. Para ajudar a conter o novo vírus, empresas têm adaptado suas fábricas. A catarinense Anjo Tintas, por exemplo, anunciou que vai produzir 2 mil frascos de álcool em gel e mil litros de álcool líquido 70% – o material será distribuído em hospitais de Criciúma. Já o Grupo Boticário informou, em campanha nas redes sociais, que “deu uma pausa” na produção de perfumes e maquiagens para priorizar sabonetes e álcool em gel – a empresa vai doar 216 toneladas de produtos como esses.


Cabras ocuparam ruas vazias no País de Gales. FOTO: Carl Recine/Reuters.

9. Mundo animal. Por conta do isolamento forçado, Landudno, um balneário no País de Gales, ficou deserto. A situação, a princípio triste, gerou uma cena curiosa: um rebanho com 150 cabras “invadiu” a cidade. Cenas dos simpáticos animais circulando pelas ruas foram registradas por moradores, como relatou a Reuters.

10.Vida marinha. Algo parecido ocorreu nos Estados Unidos – mas, no caso, dentro de um aquário. Aproveitando que o local está fechado ao público, cuidadores do Shedd Aquarium decidiram deixar um grupo de pinguins mais à vontade. Passeando pelas instalações, eles puderam até encarar golfinhos através dos vidros, como registrou, em vídeo, o Instagram da instituição (@shedd_aquarium).


Estadão quinta, 02 de abril de 2020

SOCORRO À ECONOMIA

 

Socorro à economia tem de ser mais pronto

Falta converter em realidade as medidas, muito bonitas no papel, adotadas pelo Banco Central para facilitar empréstimos

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

02 de abril de 2020 | 03h00

Dinheiro acabou, desespero chegou e empresas pedem socorro ao governo para pagar pelo menos as contas mais urgentes. Não adianta ir aos bancos, porque só algumas têm acesso ao crédito. Falta converter em realidade as medidas, muito bonitas no papel, adotadas pelo Banco Central (BC) para facilitar empréstimos. Além de curto, o financiamento continua mais caro do que sugerem as falas oficiais. A ansiedade dos empresários, principalmente dos médios, foi ontem mostrada em reportagem do Estado. O pacote de ajuda aos menores empreendimentos, com receita anual na faixa de R$ 360 mil a R$ 10 milhões, pode garantir algum alívio. Mas é insuficiente, como se previa, até porque os bancos ainda se recusam a entrar no jogo para valer.

Medidas ontem anunciadas, como a liberação de R$ 51 bilhões para complementar salários de quem tiver redução de jornada, apenas dão sequência, com atraso, a providências já prometidas. No começo da tarde, ontem, o presidente Jair Bolsonaro nem havia sancionado, ainda, a lei sobre ajuda mensal de R$ 600 a trabalhadores informais e intermitentes e a microempreendedores individuais. Enquanto o governo falha na ação de pronto-socorro, agrava-se a emergência.

Sem receita, só metade das maiores empresas teria caixa para aguentar três meses, como havia mostrado outra reportagem. A outra metade teria muito menos fôlego. Ainda mais dramática seria a condição das micro, pequenas e médias, mesmo com promessas de ajuda financeira pelos bancos oficiais. Quando se lançou o programa de empréstimos do BNDES, para empresas com até R$ 300 milhões de faturamento, falou-se em juros anuais de 3,75%. Foi mais uma bela abstração. Na ponta, segundo informam empresários, as taxas podem ser o dobro ou o triplo, e até mais, em alguns casos.

Sugestões se multiplicam, envolvendo, em alguns casos, medidas já parcialmente adotadas. As autoridades, antes de rejeitá-las, deveriam examinar com cuidado sua viabilidade. As propostas incluem suspensão da cobrança de impostos, maior participação do governo como garantidor de empréstimos e uso de recursos do seguro-desemprego para custear salários. O BC, argumenta-se, também pode fazer mais para garantir uma expansão real do crédito. A direção do BC, é preciso reconhecer, já se mexe, tentando ampliar seu arsenal. Poderia, por exemplo, socorrer mais facilmente as empresas por meio da compra direta de créditos. Mas é preciso apressar essa ampliação.

O governo deu o primeiro passo para uma ação mais eficaz quando reconheceu, com atraso, a gravidade da nova crise. Mas esse foi um segundo atraso. Os efeitos da pandemia atingiram uma economia já muito fraca – muito vulnerável, portanto, a qualquer novo golpe. A produção industrial cresceu 0,5% em fevereiro, dando continuidade, em ritmo mais lento, à recuperação iniciada com a expansão de 1,2% no mês anterior.

Mas 2019 havia terminado com queda acumulada de 2,5% em novembro e dezembro. O saldo dos quatro meses, portanto, ainda foi negativo. Além disso, o total produzido em janeiro e fevereiro foi 0,6% menor que de um ano antes. O acumulado em 12 meses ficou 1,2% abaixo do contabilizado no período anterior, como informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Alguma recuperação havia começado, mas era menos intensa do que pareciam crer os mais otimistas. Descontado qualquer exagero, é possível apontar nesse quadro alguns detalhes positivos. Além do crescimento pelo segundo mês consecutivo, o balanço mostra reação em 15 das 26 atividades pesquisadas. Mas a produção industrial ainda continuou, em fevereiro, 16,6% abaixo do pico alcançado em maio de 2011.

Se houve impacto do surto de coronavírus, ficou limitado a segmentos dependentes de insumos chineses, como os de informática e de equipamentos de transporte. Agora, no entanto, a pandemia afeta uma economia já muito débil, com expansão de apenas 1,1% em 2019 e lenta reação no primeiro bimestre – um caso claro de comorbidade. Isso torna mais perigosa qualquer hesitação do governo.


Estadão quarta, 01 de abril de 2020

PRONUNCIAMENTO MAIS BRANDO DO PRESIDENTE

 

Bastidores: Pronunciamento mais brando de Bolsonaro foi vitória da ala moderada

Integrantes do governo e aliados atuaram para convencer o presidente de que era preciso passar uma imagem de 'serenidade' e 'união' para a população

Jussara Soares e Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

31 de março de 2020 | 22h33

BRASÍLIA – O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na noite desta terça-feira, 31, sobre a pandemia do coronavírus foi considerado um alívio para integrantes do governo e aliados. Eles temiam que o chefe do Executivo ficasse cada vez mais isolado ao confrontar publicamente medidas do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Nos últimos dias, ministros atuaram para convencer o presidente que era preciso baixar o tom e passar uma imagem de “serenidade” e “união” para a população. Um dos argumentos é que as proporções da covid-19 ainda são incalculáveis, assim como prejuízos políticos.

 

Bolsonaro volta a usar OMS para criticar destruição de empregos e é alvo de panelaço
O presidente Jair Bolsonaro em pronunciamento nesta terça-feira, 31 Foto: Reprodução

O discurso  anterior em cadeia nacional de rádio e televisão, que foi ao ar há uma semana, teve a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e foi considerado um “desastre” pelos principais auxiliares do governo.  Na ocasião, Bolsonaro chamou a covid-19 de “gripezinha” e defendeu que as pessoas voltassem à “normalidade” em suas rotinas.

 Embora nesta noite Bolsonaro tenha voltando a adotar o discurso de preservação dos empregos, dessa vez ele não defendeu o fim do isolamento social. Na avaliação de integrantes do governo, o presidente foi menos beligerante. A covid-19 já matou 201 pessoas no País e, nesta terça, registrou 42 morte em 24 horas. Já são 5.717 casos confirmados.

Nesta tarde, durante a reunião ministerial no Palácio do Planalto, Bolsonaro ouviu seus ministros saírem em defesa de Mandetta, com quem vinha travando uma disputa particular e sistematicamente contrariando orientações do próprio Ministério da Saúde. O presidente aproveitou o encontro e submeteu um rascunho do pronunciamento a alguns auxiliares. 

Além dos ministros Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que tomaram à frente nos últimos dias na condução da crise, foram consultados os ministros Fernando de Azevedo e Silva (Defesa), Jorge Oliveira (Secetaria-Geral), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e até Ricardo Salles (Meio Ambiente). O secretário de Assuntos  Estratégicos (SAE), o almirante Flávio Rocha, também foi consultado.

De acordo com relatos feitos ao Estado, o presidente aceitou as sugestões em pontos que geraram desentendimento no próprio governo, como o isolamento vertical, no qual as medidas restritivas são aplicadas apenas a idosos e pessoas com doenças. Bolsonaro, por fim, se convenceu que deveria fazer a mudança no seu discurso.

Um auxiliar que acompanhou a gravação observou que Bolsonaro estava mais tranquilo que o discurso anterior, feito na véspera a reunião virtual com os governadores do Sudeste,  que o colocou cara a cara com dois de seus principais adversários políticos,  João Doria (PSDB), chefe do Executivo estadual de São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro.

A mudança no tom no mesmo dia em que Carlos ganhou uma sala no terceiro andar no Planalto foi considerado uma vitória para os auxiliares da ala mais moderada. Apesar disso, este grupo receia que a virulência nas redes seguirá sob o comando de Carlos, considerado o mais radical dos filhos do presidente.  O vereador é o responsável pelo chamado “gabinete do ódio”, que controla os perfis do presidente na internet, e tem estado presente em reuniões sobre a covid-19.

O discurso também foi apontado como um resultado imediato de uma mudança na estratégia de comunicação do governo, comandada pela Casa Civil. Como o Estado antecipou, um comunicado interno determinou que toda e qualquer divulgação saia do Palácio do Planalto.  Desde esta segunda, até mesmo as coletivas diárias do Ministério da Saúde, com dados diários sobre a pandemia no Brasil, também passaram a ser realizadas na sede do governo.

O objetivo da mudança é coordenar os esforços para que a população não tivesse a impressão que havia dois governos: o do presidente Bolsonaro e outro do ministro da Saúde. O protagonismo de Mandetta é um incômodo, mas é consenso no governo que não é o momento de se cogitar a afastar o ministro que conquistou a credibilidade da população.

Logo após o pronunciamento, Mandetta usou o Twitter para  acenar com uma bandeira branca na guerra que trava com o presidente. “Ações integradas, união e patriotismo! Somos uma nação vencedora! Juntos venceremos o coronavírus!”, escreveu.


Estadão terça, 31 de março de 2020

12 PROJETOS GASTRONÔMICOS PARA COLOCAR EM PRÁTICA NA QUARENTENA

 

12 projetos gastronômicos para colocar em prática na quarentena

Aproveite o confinamento para encarar receitas que exigem tempo, organização e paciência - mas que compensam qualquer esforço

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31 de março de 2020 | 06:00por Redação Paladar, O Estado de S.Paulo

Para quem gosta de cozinhar, há sempre receitas que ficam marcadas nos livros para serem feitas numa ocasião sem pressa, com tempo. Por vezes, é bem verdade, esse momento nunca chega – ou melhor, nunca chegava. A quarentena apresenta uma boa oportunidade para tirar do papel o desafio e ir para a cozinha encarar receitas que são verdadeiros projetos gastronômicos, como as que reunimos aqui.

  

Elas não são necessariamente complicadas, nem exigem conhecimento de técnicas avançadas. Mas são trabalhosas, com várias etapas, e pedem tempo e paciência para quem está disposto a ficar um longo período na cozinha. Algumas, inclusive, levam dias para ficar prontas – mas quem está com pressa, afinal?

Lascas de laranja com chocolate

 

Não vamos mentir: esta receita dá trabalho. Entre descarcar as laranjas, escaldar as cascas, cristalizar as lascas, preparar o chocolate e comer do doce vai um bom tempo. Mas quem enfrentar a receita vai ser muito bem gratificado ao final. Veja como fazer. 

 

 

 

  Foto: Codo Meletti|Estadão; Produção: Florise Oliveira

 

 Torta gelada de morango

  

Leve, pouco doce e muito macia, esta torta da Helô Bacellar é maravilhosa. O desafio é acertar o merengue italiano, feito com uma calda quente de açúcar e glicose de milho e claras em neve. No mais, é só ter paciência para deixar a torta gelar. Veja a receita. 

 

 

Torta gelada de morango.

Torta gelada de morango. Foto: Felipe Rau/Estadão

 

 Pão de ló Vitória, com recheio de chantilly e geleia

 

Que tal aproveitar o tempo do feriado para aperfeiçoar suas habilidades de montagem e decoração na confeitaria? Este bolo é super simples e pode servir de tela para uma decoração mais elaborada, a cargo da sua imaginação. O segredo é acertar a textura da massa: ela tem de ficar macia para derreter na boca e, ao mesmo tempo, firme o suficiente para aguentar a umidade da geleia e do chantilly. Veja a receita. 

 

 

 

  Foto: Andrew Scrivani|The New York Times

 

 Pão de centeio integral nórdico

 

Fazer pão é terapêutico. É o passatempo perfeito para quando estamos com tempo de sovar e deixar fermentar - e, depois, de reunir a família em torno dele quentinho. O pão de centeio tradicional da Escandinávia é escuro, cheiroso, irregular e com sabor que lembra o de nozes. Veja a receita.

 

 

 

  Foto: Francesco Sapienza|NYT

 

 Focaccia com azeitonas e tomates

 

Ancestral da pizza, essa espécie de pão achatado de textura fofinha requer diversos cuidados ao ser feita em casa. Da potência do forno ao tempo de fermentação, é importante prestar atenção aos detalhes. Feita a massa, é só criar a cobertura com o que tiver em casa e o coração mandar. Veja a receita. 

 

  

  Foto: Tiago Queiroz|Estadão

 

 Cannoli de parmesão

 

Esta receita é uma brincadeira com o cannolo, o doce mais popular da Sicília, que por muito tempo era encontrado só no carnaval, mas hoje é feito o ano inteiro (e em quase o mundo todo!). O cannolo de parmesão serve como aperitivo ou entrada. É um cilindro crocante recheado com ricota. Veja a receita. 

 

 

O cannoli de parmesão também serve como aperitivo

O cannoli de parmesão também serve como aperitivo Foto: Pedro Knoll|Estadão. PRODUÇÃO: Ana Claudia Marques

 

 Nhoque de batata roxa, camarões e tomates

 

Fazer a massa (que leva batata-roxa, fécula, manteiga e queijo grana padano), enrolar em fios, cortar em pedacinhos, cozinhar. Fazer nhoque em casa pode envolver a família toda e ser uma boa atividade para envolver até as crianças. Veja a receita do chef Salvatore Loi

 

 

Nhoque de batata roxa, camarões e tomates.

Nhoque de batata roxa, camarões e tomates. Foto: Roberto Seba

 

 Massa recheada com brie, alho-poró e amêndoas

 

Este prato é o perfeito projeto gastronômico para um dia em casa. Fazer a massa, preparar o recheio, esticar e cortar a massa, rechear cada pedaço, cozinhar, preparar o molho, montar o prato. O tempo é longo, mas a recompensa é certa. Veja a receita da chef Ana Soares

 

 

Massa recheada com brie, alho-poró e amêndoas ensinado por Ana Soares

Massa recheada com brie, alho-poró e amêndoas ensinado por Ana Soares Foto: Tadeu Brunelli|Estadão

 

 Salmão curado com erva-doce

 

Uma boa receita para quem já quer ir se preparando para a quaresma. O salmão passa dias curando com temperos na geladeira. Veja a receita

 

 

Receita de salmão curado com erva-doce

Receita de salmão curado com erva-doce Foto: Roberto Seba|Estadão

 


Estadão segunda, 30 de março de 2020

PLÁCIDO DOMINGO É INTERNADO POR COMPLICAÇÕES DO CORONAVÍRUS

 

Plácido Domingo é internado por complicações do coronavírus

Tenor Plácido Domingo confirmou no dia 19 que tinha testado positivo para o novo coronavírus

Redação, Ansa

30 de março de 2020 | 08h35

 

O tenor espanhol Plácido Domingo foi internado em um hospital em Acapulco, no México, devido a complicações causadas pelo novo coronavírus.

O astro de 79 anos havia anunciado que testara positivo para a Covid-19 em 19 de março, relatando sintomas como febre e tosse.

Em declaração à CNN, o porta-voz de Placido Domingo disse que o tenor está "bem e reagindo ao tratamento".

 Plácido Domingo está com coronavírus

O tenor e maestro espanhol Plácido Domingo está internado em Acapulco Foto: Mario Anzuoni/ Reuters

Estadão domingo, 29 de março de 2020

A HORA DA SOLIDARIEDADE

 

A hora da solidariedade

Se nesta hora extrema o País souber implementar um surto de solidariedade, pode reduzir radicalmente as perdas e sair maior do que entrou na crise

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

29 de março de 2020 | 03h00

“Esta é a crise de saúde global definidora dos nossos tempos”, disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, logo após declarar que o surto de coronavírus se tornara uma pandemia. “Os dias, semanas e meses à frente serão um teste para nossa determinação, um teste para nossa confiança na ciência e um teste para a nossa solidariedade.”

Todos podem doar algo – tempo ou dinheiro. Mas, para doar bem, é preciso ouvir as autoridades sanitárias, ponderando recursos e identificando os grupos vulneráveis. Na infraestrutura, os sistemas de saúde correm contra o tempo para evitar o colapso. Entre os grupos sociais, os mais pobres, em condições precárias de moradia e saneamento, estão mais expostos. Na distribuição geracional, a covid-19 é brutal com os mais velhos – além das pessoas com comorbidades. E na área econômica, autônomos e pequenos empresários veem o vírus desintegrar do dia para a noite sua fonte de renda.

O Fundo Emergencial para a Saúde foi organizado para prover equipamentos e insumos a entidades de saúde, como a Fiocruz e as Santas Casas. A Comunitas, uma organização da sociedade civil, juntou-se a lideranças empresariais para adquirir respiradores pulmonares para a rede pública de saúde. Até o momento foram arrecadados mais de R$ 23 milhões, e já estão garantidos 345 respiradores. O Comitê Executivo Covid-19 do governo de São Paulo já angariou R$ 96 milhões com o empresariado para materiais e serviços médicos. Indústrias de cosméticos estão produzindo álcool em gel para hospitais públicos e empresas de transporte estão disponibilizando vouchers para os profissionais de saúde. E é preciso não esquecer doações essenciais: os postos de coleta de sangue alertam para uma queda de 30% nos últimos dez dias.

 A ONG Ação da Cidadania está arrecadando água, comida e produtos de higiene para comunidades carentes do Sudeste. A G10, uma cúpula de 10 grandes favelas, procura 420 voluntários para atuar no combate à epidemia distribuindo informações e produtos de primeira necessidade. A Central Única das Favelas angaria recursos para apoiar financeiramente as famílias inseridas em programas sociais e auxiliá-las nos cuidados com as crianças. O Instituto LAR oferece banho e comida para moradores de rua.

Todos os asilos precisam de ajuda para encontrar máscaras, luvas e álcool em gel. Muitas pessoas estão se organizando para fazer compras, cozinhar e prover os idosos de seus prédios e bairros. Os comércios locais, como bares, restaurantes e cabeleireiros, serão severamente afetados pela quarentena, com o risco de desempregar seus funcionários. Muitos estão disponibilizando vales a serem pagos agora para serem consumidos depois. 

Há plataformas digitais que conectam doadores e beneficiários e inúmeros projetos de crowdfunding. Na plataforma “Todos por Todos” do governo federal, empresas e associações podem oferecer serviços e produtos para o combate ao vírus. O Instituto Gerando Falcões disponibilizou um aplicativo para conectar doadores e famílias necessitadas. O Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), que reúne investidores sociais do País, prepara uma plataforma para agregar iniciativas na luta contra a epidemia.

O vírus devasta todo o planeta e, se não for incondicionalmente vencido, voltará a nos assombrar. A OMS lançou o Solidarity Response Fund, para agregar fundos e dados para dar uma resposta global à pandemia. Organizações como a Charity Navigator e o GlobalGiving avaliam cada iniciativa, auxiliando o doador a eleger seus beneficiários. A Cruz Vermelha, a Relief International e a Heart to Heart são especializadas em doações para a saúde. A World Central Kitchen distribui comida em comunidades impactadas por calamidades.

Há males que vêm para o bem – é um repetido chavão que nada alenta na hora em que o mal chega. Agora que ele veio, se virá para o bem, é algo que depende de todos e de cada um. As perdas de vidas e recursos são inexoráveis, mas, se nesta hora extrema o País souber implementar um surto de solidariedade, pode reduzir radicalmente estas perdas e sair maior do que entrou na crise.


Estadão sábado, 28 de março de 2020

DIFERENTES FASES DO ISOLAMENTO SOCIAL

 

Saiba quais são as diferentes fases do isolamento social

Redação Divirta-se

28 de março de 2020 | 05h00

Danilo Casaletti, especial para o Estado

Sentimentos, que vão da euforia à tristeza, podem mudar ao longo da quarentena. E isso é normal

Cooperação. Na segunda semana, italianos começaram a cantar na janela para animar os vizinhos a quebrar o tédio.

 

No dia 21 de março, a bióloga capixaba Sabrina Simon, de 33 anos, que há seis meses se mudou para Turim, na Itália, para fazer doutorado em epidemiologia da febre amarela, levantou, tomou seu café da manhã e decidiu usar o Instagram para desabafar. Àquela altura, ela estava há 25 dias no isolamento social determinado pelo governo italiano a fim de frear a disseminação do novo coronavírus. Ao perceber que muitos colegas brasileiros começavam a se preocupar com a fase igualmente imposta por aqui, resolveu relatar sua percepção a respeito do período de recolhimento – e alertar sobre o que viria.

 Em uma sequência de stories (que se transformaram em um vídeo que viralizou), ela dividiu a quarentena em três fases. A primeira, a semana da euforia – na qual muita gente teve a sensação de estar em férias e aproveitou para passear e fazer atividades físicas ao ar livre. Na segunda, o tédio começou a dar as caras e as pessoas começaram a cantar nas janelas e sacadas, com intuito de envolver os vizinhos para que o sentimento fosse quebrado coletivamente; na terceira semana, esse eventos começaram a perder o sentido na medida que os números de infectados e as mortes aumentavam e o sentimento de tristeza ficou mais forte.

Desabafo. Sabrina viralizou com vídeo sobre o isolamento. Foto: Arquivo Pessoal

Para o professor do programa de pós-graduação em psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cristiano Noto, as fases identificadas por Sabrina Simon são similares às cinco fases do luto, descritas pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross no fim dos anos 1960. São elas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. “Todos vamos passar por esses estágios, em momentos diferentes, mas vamos passar”, diz Noto, explicando que a vivência do isolamento é individual. “Quem está sozinho em casa sente de um jeito. Quem está em home office, mas tendo que lidar com os filhos pequenos, por exemplo, vai perceber de outra maneira.”

Além da depressão que, segundo Noto as pessoas podem sentir conforme os dias de isolamento avancem, outros transtornos mentais que podem aparecer são a ansiedade, as fobias e a hipocondria. “O importante é ficar atento sobre a intensidade desses sentimentos, o quanto eles estão causando sofrimento para daí, então, buscar a ajuda de um médico”, diz Noto.

Sabrina conta que, agora, o conteúdo das redes sociais na Itália mudou. “As brincadeiras e os vídeos das pessoas treinando em casa pararam e as pessoas passaram a compartilhar fotos e mensagens mais sérias e tristes em seus perfis”, conta.

Vida imita a arte. Quem experimentou sensação parecida, mas em outro contexto, foi o estudante de administração e humorista João Akel, de 21 anos. Ele participou da primeira versão brasileira do reality show The Circle, produzido pela Netflix, que estreou no dia 11 de março. O programa, sucesso nos Estados Unidos e na Inglaterra, confinou por 30 dias nove participantes em um prédio, cada um em um apartamento, que só podiam interagir por uma rede social exclusiva – mas sem comunicação por voz ou vídeo. O prêmio, de R$ 300 mil, vai para o mais popular. Algo bastante parecido com o período vivido na vida real, com comunicações se dando, em geral, por meio digital. A diferença é que o prêmio, nesse caso, é ajudar a frear a covid-19.

Solidão. “Senti carência, perdi a alegria”, diz Akel. Foto: NetFlix

“A situação é bem parecida, confesso. Estamos todos conectados, mas ninguém está próximo de verdade”, compara Akel, que agora enfrenta o confinamento também na vida real.

“Apesar de poder falar com os outros participantes via rede social, eu não sabia a reação do público, para quem acostumei a produzir meu conteúdo. Senti certa carência, perdi a alegria. Tive que inventar maneiras de me alegrar”, conta Akel. O programa foi gravado entre outubro e novembro do ano passado – antes da pandemia, portanto.

O professor de psiquiatria Cristiano Noto acredita que esse tipo de sensação faz parte do processo. Ainda assim, apesar do período complicado, ele acredita que sairemos fortalecidos. “Seremos mais solidários. Estamos ‘parando o mundo’ por conta de uma doença, para preservar os idosos. Isso é solidariedade.”

PRESERVE-SE
As dicas que eles dão para enfrentar o isolamento social

Cristiano Noto, psiquiatra

Faça coisas práticas, como abastecer a despensa, arrumar casa.

Crie uma rotina, tenha horários para começar a trabalhar (em caso de home office), de almoçar etc. Com rotina, tudo fica mais previsível e a ansiedade diminui.

Dê tempo para se adaptar à nova realidade. Não tenha pressa em fazer cursos e outras atividades que estão sendo ofertadas online.

Sabrina Simon, bióloga que vive na Itália

É preciso filtrar as informações, tanto de qualidade quanto de quantidade. Eu escolhi um horário e uma fonte de informação segura. Entro lá apenas uma vez por dia para me informar sobre os desdobramentos da doença.

Tenha um novo projeto para trabalhar nele. Seja produtivo em algo que te dê motivação.

João Akel, confinado no reality  The Circle

Alimente-se de forma saudável, você vai precisar de energia.

Tenha um momento para se distrair com os amigos: converse com eles, participe de jogos online.


Estadão sexta, 27 de março de 2020

MATO GROSSO, RONDÔNIA E SANTA CATARINA ABREM O COMÉRCIO

 

Governos de Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina seguem Bolsonaro e reabrem comércio

Algumas medidas de isolamento social só foram mantidas para idosos e grupos de risco – o chamado isolamento vertical, defendido pelo presidente

José Maria Tomazela e Fábio Bispo, Especial para O Estado de S. Paulo

27 de março de 2020 | 07h41

SOROCABA – O governador do Mato GrossoMauro Mendes (DEM), baixou decreto nesta quinta-feira, 26, permitindo o funcionamento do comércio e do transporte coletivo que sofriam restrições pelo coronavírus. Outras medidas de isolamento social só foram mantidas para idosos e grupos de risco – o chamado isolamento vertical, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Já o prefeito de CuiabáEmanuel Pinheiro (MDB), criticou a decisão e disse que, na capital, o isolamento social não será abrandado.

O novo decreto estadual reabre bares, cafés, redes de supermercado e estabelecimentos alimentícios na modalidade delivery, além de restabelecer a circulação do transporte público municipal e metropolitano com passageiros sentados. A permissão se estende a táxis, aplicativos e transporte de funcionários por empresas. Restaurantes em rodovias foram liberados para funcionar, assim como bancos, lotéricas, igrejas e templos. Mendes manteve o isolamento domiciliar para idosos e grupos de riscos, como pessoas com doenças crônicas.  

 Jair Bolsonaro

Bolsonaro tem feito duras críticas ao isolamento social decidido pelos Estados. Foto: Dida Sampaio/Estadão
 

Ele disse que as medidas não foram influenciadas pelo discurso do presidente Bolsonaro, mas seriam resultado da busca do meio termo. “Estamos defendendo o rigor do isolamento social, não o isolamento econômico. Não podemos transformar um problema num problema ainda maior. Por isso, continuaremos mantendo Mato Grosso no isolamento social, sem tirar a liberdade do trabalhador”, afirmou. As aulas continuam suspensas até 5 de abril nas escolas públicas e privadas.

O prefeito de Cuiabá afirmou que respeita as decisões do governo estadual, mas mantém o entendimento pela necessidade do isolamento social como principal estratégia de combate à disseminação do coronavírus. “O vírus não circula, quem circula são as pessoas. Por isso, cuidar da saúde, cuidar das pessoas é fundamental para Cuiabá não sucumbir. Neste momento, não há atividade econômica que prevaleça à vida”, disse.

Em decreto, o prefeito reforçou o monitoramento diário do cumprimento ao fechamento do comércio, com exceção dos supermercados, e da circulação dos ônibus. Igrejas e templos podem abrir simbolicamente, sem a realização de cultos e missas. Segundo Pinheiro, as medidas vigoram até o dia 5 de abril, quando está prevista uma reavaliação, levando em conta a espiral de infecção pelo vírus.

Rondônia. O governador de RondôniaMarcos Rocha, do PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, assinou decreto na noite de quarta-feira, 25, liberando o funcionamento parcial do comércio em todo o Estado. Também voltam a funcionar indústrias, obras e serviços de engenharia, oficinas mecânicas, autopeças, hotéis e hospedarias. “Segmentos do setor produtivo não podem parar. Para isso, incluímos alguns itens em um novo decreto que apenas acrescenta novas medida que estão sendo adotadas”, disse. Ele se referia ao decreto de calamidade pública que havia baixado para evitar a disseminação do coronavírus. As novas medidas foram anunciadas no mesmo dia em que um idoso de 83 anos morreu na capital, Porto Velho, com suspeita da doença.

Santa Catarina. O governo de Santa Catarina, estado também governado pelo PSL, publicou portarias nesta quinta-feira, 26, autorizando a retomada de obras públicas de infraestrutura e de conservação rodoviárias, que estavam suspensas devido ao coronavírus. Também foi liberado o funcionamento de atividades de suporte para disponibilização de insumos, com atendimento de tele-entregas. Segundo a Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, as obras e contratos de conservação rodoviária são essenciais para garantir o enfrentamento do coronavírus.

O governador Carlos Moisés anunciou um “Plano Estratégico” para retomada gradual da economia catarinense, permitindo ainda a reabertura de restaurantes, academias, shopping centers, bares, restaurantes e comércio em geral a partir de 1º de abril. O Estado foi um dos primeiros a estabelecer quarentena em todo território, com suspensão de transporte coletivo e fechamento de todos os estabelecimentos que não fossem considerados essenciais. As escolas e o serviço de transporte coletivo continuam suspensos.

A decisão foi tomada após manifestação de 50 entidades empresariais catarinenses cobrarem, em carta, a retomada da atividade econômica no Estado. O grupo também propôs adoção do isolamento vertical para as pessoas que correm maior risco, pedido que não foi incluído no plano anunciado.

“O plano não libera a aglomeração em parques, praças, igrejas, festas. Isso ainda fica proibido. As reformas que estamos propondo em nosso regramento tratam da atividade econômica. Estamos trazendo uma esperança para os empreendedores que estão em casa”, disse o governador.

Entre as regras para funcionamento dos estabelecimentos, ficou determinada a limitação de entrada de pessoas em 50% da capacidade de público, podendo ser estabelecida regras mais restritivas; controle de acesso e marcação de lugares reservados aos clientes e respeitadas a distância mínima de 1,5 metro entre cada pessoa.

A nova decisão contraria o discurso do próprio governador, que vinha defendendo as imposições do decreto estadual como principal meio para frear a curva de crescimento de infectados no Estado, que cresce a uma taxa de diárias entre 20% e 25%. Na noite de quarta, 25, Santa Catarina registrou a primeira morte pela covid-19. No Estado são 149 casos de infectados.


Estadão quinta, 26 de março de 2020

NEY MATOGROSSO: VAI SER DIFÍCIL, MAS NÃO PIREM

 

Ney Matogrosso: 'Vai ser difícil mas não pirem. É bom olhar para si mesmo'

Refugiado ao lado da mãe de 97 anos em seu santuário particular, uma fazenda na região serrana do Rio, o cantor tem uma rotina sem restrições, mas protegida pela natureza

Julio Maria, O Estado de S.Paulo

26 de março de 2020 | 05h00

Ney Matogrosso não está abalado, como não esteve em nenhuma fase atravessada pelos seus 78 anos. Mentira. Houve um momento, lá pelo início dos anos 1980, em que a culpa bateu. Afinal, porque ele não era feliz se tinha tudo o que todos queriam ter e não podiam? Era certo ter dinheiro? Era certo comprar carro? E a pobreza do mundo? A máquina que ele sempre repudiava, a do sucesso, havia, enfim, o devorado? Mas aí, Ney foi para a terapia e logo se reencontrou depois de apanhar muito com o método Fischer-Hoffman, uma terapia de alto impacto emocional e físico que, de fato, o devolveu o equilíbrio e a paz. 

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Ney em sua fazenda de Saquarema Foto: ACERVO PESSOAL

Quando a Aids chegou nos primeiros anos da década de 80, noticiada pelo jornais como a “peste gay”, um torpedo foi lançado no meio da pista disco Dancin’ Days dos anos 70 e de toda a liberação sexual e comportamental pregada pelos hippies desde Woodstock, em 1968. A direita religiosa dizia ser um castigo dos céus a banir todo o pecado disseminado por pessoas que insistiam em amar outras pessoas do mesmo sexo. Ainda quando não se sabia ao certo por onde vinha o vírus, com médicos se paramentando com roupas de astronautas para atender aos pacientes, as pessoas começaram a tombar. Amigos, amigas e namorados, atores, cantores e médicos, muita gente cheia de vida e bronzeada começou a definhar. Em uma semana, Ney foi ao cemitério três vezes enterrar três amigos. Certo de que estava infectado, até porque pessoas com as quais havia mantido relações sem proteção estavam, seguiu para um laboratório com a tranquilidade das ovelhas de cativeiro. Ao abrir o resultado do exame, leu “negativo”, dobrou o papel e voltou para cas

 Ney caminha entre mortos e feridos desde sempre. Antes da Aids eram os militares. “Avisa o Ney Matogrosso que ele será o próximo”, ouviu o compositor Aldir Blanc ao ser levado para uma das dependências da polícia política no Rio de Janeiro. E, antes de tudo, era o pai, o padre, a professora, os amigos, um apresentador de uma espécie de show de calouros em um parque de diversões. Antes que a palavra gay existisse, nos anos de 1940, Ney não escondia suas delicadezas nem temia suas vontades.

Talvez isso explique a tranquilidade na fala de Ney – alguém que atravessou uma guerra mundial, uma ditadura de 21 anos e uma pandemia de Aids – e seus posts no Instagram com flores, aves, borboletas, banhos de rio e coisas de alguém que poderia parecer habitar um outro planeta. Quando soube que o mundo iria começar a virar de pernas para o ar mais uma vez, Ney chamou um amigo e foi para onde sempre vai quando não está gravando discos ou com shows na estrada. Mesmo caminhando na beira dos 80 anos, é o que o novo coronavírus parece ter feito com esta idade, uma beira ainda mais escorregadia, o palco ainda lhe é confortável, tirando a perna que não sobe até onde subia e a voz que precisa de descanso todas as manhãs depois de shows. O alarme soou e ele seguiu para a fazenda que tem desde os anos 1990 em Sampaio Correia, distrito de Saquarema, em uma serra que possui o mesmo nome da fazenda e, por sinal, coincidência ou destino, seu próprio nome: Mato Grosso. É na Fazenda Mato Grosso que Ney passa seus dias de confinamento forçado, sem poder voltar para o Rio e quebrando a série de shows marcados de sua turnê Bloco na Rua.

Não há sacrifício, como a reportagem pode conferir em uma tarde de 2019, quando esteve ali sem o cantor. A Fazenda Mato Grosso trata-se do lugar mais próximo de tudo o que ele tem como ideia de mundo perfeito, desde os dias de infância em Campo Grande vividos entre cães e pássaros em uma mata nos fundos de sua casa. Um riacho de águas cristalinas, muitos caminhos a se desbravar por entre as árvores, alguns cães, uma jacutinga, espécies de aves que uma vida não catalogaria e uma cachoeira. Ele fica em uma casa maior, com dois andares, com muita madeira e bem decorada, mas sem luxo. A alguns metros dali, descendo pela estradinha de terra, sua mãe, Dona Beíta, 97 anos, vive como quer, cuidando das galinhas e dos porcos. Como o filho, ela não gosta dos dias em que está no Leblon, onde Ney vive teoricamente com mais conforto, em uma cobertura a poucos metros da praia, com um macaquinho como único representante de seu mundo perfeito.

Os vírus devem ter dificuldade se quiserem achar hospedeiros que os levem até a Fazenda Mato Grosso. Eles precisariam primeiro se instalar em algum dos produtos que chegam raramente de um armazém próximo, levados por um funcionário que os deixam a uma distância segura, e resistirem às desinfecções cuidadosas de Dona Beíta. Depois de passarem por todos esses estágios, deverão ainda vencer os mecanismos biológicos de defesa que Ney deve deixar para serem estudados pelos cientistas. Ney diz não tomar complexos vitamínicos nem fazer tratamentos rejuvenescedores para chegar bem aos 80, mas conta que, além de chupar limões que apanha em pés espalhados pela fazenda e de um revitalizante suco de inhame, cuida dos pulmões, o destino das novas pragas, com um chá de erva de Santa Maria, chamado também, em alguns lugares de Brasil, por mastruz, algo que a medicina das florestas designa com fôlego: “Abortiva, anti-inflamatória, anti-helmíntica, antitumoral, antiviral, antiasmática, antiespasmódica, antipalúdica, aromática, antiulcerosa, antifúngica, anticancerígena, amebicida, antigripal, antinevrálgica e anti-hemorroidal.”

No mais, diz Ney, não há mudança de rotina. “Aqui não tenho que tomar precaução.” Ele sai para fotografar pássaros, plantas e borboletas com seu celular e, quando a temperatura permite, se banhar na cachoeira que fica a um quilômetro da casa de madeira. Mas não imagine Ney cantando pela floresta. “Eu não canto, não sou de cantar. Nem no banheiro.”

As notícias de um mundo desconjuntado das pernas têm chegado pela TV, que Ney não assiste para “manter a sanidade mental” mas que a mãe sim, fazendo o trabalho sujo por ele, e pela internet, instalada dois dias antes da pandemia chegar ao Brasil. “Acho que foi uma intuição. Um rapaz veio me oferecer os serviços de uma internet rural.”

Ney diz que, desta vez, sua ida para a fazenda foi mesmo para fugir do novo coronavírus. “Claro, não iria ficar preso no meu quarto, no Rio. Agora, eu sei também que é difícil para muita gente. Traga pra cá alguém da cidade grande para ver se a pessoa não pira de solidão.” Mas não é assim que estão todas as pessoas? Seja em uma fazenda, seja em uma cidade com 12 milhões de habitantes, não estão todos muito mais solitários do que sempre estiveram? “Não. As pessoas estão tendo de conviver com elas mesmas. Então, aproveite essa oportunidade de estar só, de se conhecer, olhar para dentro de si.” Ele diz algo que buscou fazer a vida toda, desde a infância solitária vivida no seu quintal de Campo Grande e depois, com todas as drogas e ervas que consumiu em busca de encontrar a si mesmo. “É hora de pensar e repensar como você está se colocando nesse mundo. As pessoas passam a vida olhando para fora. E não pirem, porque é bom ficar só. Vai ser difícil para muitos, mas procurem tirar um bom proveito disso. É bom ficar só.”


Estadão quarta, 25 de março de 2020

O VALOR ESTRATÉGICO DA AJUDA AO TRABALHADOR

 

O valor estratégico da ajuda ao trabalhador

Mais do que questão humanitária, proteger o poder de compra das famílias tornará menos difícil o início da recuperação quando a tormenta amainar

Notas & Infomações, O Estado de S.Paulo

25 de março de 2020 | 03h00

Socorrer o trabalhador é muito mais que uma questão de humanidade. É uma exigência, também, do mais prosaico espírito prático. Ao proteger o poder de compra das famílias, o governo tornará menos difícil o início da recuperação, quando a tormenta amainar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou formas de proporcionar alguma renda ao assalariado quando houver suspensão do contrato. O governo poderá garantir um quarto do salário normal ou até um terço. Será uma compensação parcial do corte imposto pela empresa, segundo explicou numa entrevista ao Estado, publicada ontem. Faltou algo desse tipo – uma regra de remuneração – na Medida Provisória 927, revogada parcialmente, na segunda-feira, horas depois de publicada.

A omissão foi um esquecimento, explicou o ministro, e o presidente da República, segundo ele, se queixou com razão de ter apanhado dos críticos por causa disso. Mas o drama dos trabalhadores, nesta crise, vai muito além da suspensão de contratos e de redução de salários. Muitos já estavam desempregados quando o coronavírus desembarcou no Brasil. Quase nada foi feito no ano passado para reduzir o desemprego.

Além disso, em 2019 cresceu a fila de espera do programa Bolsa Família. O governo estreitou a porta de ingresso a partir de maio, condenando ao relento cerca de 1,5 milhão de famílias. Agora o Executivo promete ampliar o número de beneficiários, como parte da estratégia anticrise. Mas essa gente já estava à espera antes da crise.

 Quando o vírus começou a assustar o mundo, o Brasil tinha cerca de 11,6 milhões de desocupados e 26,2 milhões de pessoas subutilizadas (desempregadas, subempregadas, desalentadas e distantes de qualquer oportunidade na chamada força de trabalho potencial).

Ao ser atingido pela epidemia, o País já estava, portanto, muito debilitado, em situação muito parecida com a de um doente desassistido ou mal assistido. Os números do varejo comprovam essa condição. Em janeiro, o comércio varejista vendeu 1% menos que em dezembro, recuando pelo segundo mês consecutivo. Foi o pior janeiro desde 2016 (-2,6%), quando o Brasil entrava no segundo ano da última recessão. O volume vendido aumentou 1,8% em 12 meses, mas o movimento diminuiu na passagem de 2019 para 2020. A média móvel trimestral caiu 0,4% no período encerrado em janeiro, em mais uma prova dos efeitos das más condições de emprego e renda. Os últimos números foram divulgados ontem pelo IBGE.

A fraqueza do comércio varejista combina com o baixo dinamismo da indústria. Com aumento de 0,9% em janeiro, a produção industrial ficou longe de retornar ao nível de outubro, anterior à queda de 2,4% nos dois meses seguintes. Mas, além da modesta expansão do volume produzido, os dados de janeiro trouxeram pelo menos um detalhe animador. O avanço em 13 dos 15 locais cobertos pela pesquisa foi o mais disseminado desde junho de 2018, quando a indústria começou a superar o impacto da paralisação desastrosa dos caminhoneiros.

Mesmo sem a crise desatada pelo coronavírus, já seria difícil desemperrar os negócios, com as condições externas desfavoráveis e um mercado interno travado pelo desemprego. Com muita ociosidade, a indústria poderia responder à demanda maior sem necessitar de investimentos iniciais. Mas faltaria o primeiro impulso. Esse impulso dificilmente virá de reformas ainda em tramitação ou nem apresentadas. Mas o desafio será muito maior se os efeitos da nova crise tornarem o quadro muito pior do que era antes do vírus.

Novos danos serão inevitáveis, até por causa de medidas necessárias, como a quarentena. Dificuldades muito maiores serão evitadas, se o governo garantir algum poder de compra às famílias, com medidas como liberação do FGTS, complementação salarial, seguro-desemprego e distribuição eficiente do Bolsa Família. A liberação de R$ 1,2 trilhão para o sistema financeiro, pelo Banco Central, foi um passo notável e um exemplo de eficiência para o Executivo. Mas é preciso, desde já, evitar um empobrecimento maior de dezenas de milhões de pessoas. 


Estadão terça, 24 de março de 2020

POLÍCIA APREENDE FÁBRICA CLANDESTINA DE ÁLCOOL EM GEL

 

Polícia apreende fábrica clandestina de álcool gel falso em Santo André

Felipe Resk e Luiz Vassallo

24 de março de 2020 | 06h00

Foto: Polícia

A Polícia Civil de São Paulo apreendeu galões de álcool gel falsos em uma fábrica clandestina do produto em Santo Andre, na Grande São Paulo. Segundo os investigadores, o local foi alvo da operação após receber a informação sobre o estabelecimento. Foram identificados frascos sem rótulos no valor de R$ 10. Um dos sócios, segundo a Polícia, admitiu que não tinha licença para vender o produto.


Estadão segunda, 23 de março de 2020

A VIDA, O EMPREGO E O ESTÔMAGO

 

A vida, o emprego e o estômago

Salvar vidas, manter empregos e ajudar os mais pobres a atravessar a crise devem ser as maiores preocupações, neste momento, e o governo decidiu enfim reconhecê-las

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

23 de março de 2020 | 03h00

Salvar vidas, manter empregos e ajudar os mais pobres a atravessar a crise devem ser as maiores preocupações, neste momento, e o governo decidiu enfim reconhecê-las, apesar da resistência inicial do presidente Jair Bolsonaro. A proteção de empregos e a distribuição de dinheiro aos mais necessitados – como os mais de 40 milhões de informais – são algumas das medidas mais importantes anunciadas nos últimos dias pela equipe econômica. Complementam as normas de segurança indicadas pelas autoridades sanitárias e encampadas por prefeitos e governadores. É preciso limitar a circulação e a aglomeração de pessoas para frear o contágio e defender a vida, mas pode-se ir além disso.

O enorme custo econômico das medidas preventivas é preferível aos efeitos da contaminação sem controle. Qualquer pessoa sensata e responsável pode entender e admitir esse raciocínio. Autoridades municipais e estaduais têm ido na direção certa, procurando limitar a difusão do coronavírus. Agora, as medidas propostas ou decididas pelo Executivo federal podem atenuar, no aspecto econômico, os efeitos colaterais da prevenção sanitária. A política de juros do Banco Central (BC), com nova redução pelo Copom, tem o mesmo objetivo de dar algum impulso aos negócios.

Para ações de maior alcance a equipe econômica abandonou, por algum tempo, severos compromissos fiscais. Muito dificilmente, mesmo sem as novas medidas, o déficit primário ficaria no limite de R$ 124,1 bilhões neste ano. A pandemia poderá impor uma perda de arrecadação de uns R$ 60 bilhões, informou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, numa entrevista à Rádio CBN.

 Há duas semanas, segundo ele, as perdas de receita causadas pelo coronavírus eram estimadas em R$ 30 bilhões. Com os dados atuais, pode-se estimar para o fim do ano um déficit primário (sem juros) de uns R$ 200 bilhões nas contas do governo central.

Na base do novo quadro fiscal há expectativas muito baixas de desempenho econômico. No mercado, as novas projeções têm ficado entre números ligeiramente negativos (contração próxima de 0,5%) e ligeiramente positivos, em geral inferiores a 1%. Hoje no Ministério da Economia o crescimento agora esperado fica entre zero e 0,5%, informou o secretário.

Para lançar as medidas de emergência e romper os limites orçamentários o governo teve de pedir ao Congresso uma declaração de estado de calamidade. A solicitação foi recebida com boa vontade, assim como algumas propostas dependentes de aprovação legislativa. Entre estas se inclui a autorização para redução de jornadas e de salários, apresentada como forma de preservação de empregos.

De modo geral, parlamentares de todo o espectro político reagiram favoravelmente às novas iniciativas. O pacote inclui também facilidades fiscais, como diferimento de impostos e contribuições. Quando a maior parte das novas medidas foi apresentada, na quarta-feira, já se esperavam também ações de socorro às empresas aéreas.

O novo corte dos juros básicos, na quarta-feira, foi um complemento político sem surpresa. Desde muito antes da pandemia o Banco Central vem trabalhando para estimular a atividade.

As apostas no mercado oscilavam entre 0,25 e 1 ponto de porcentagem. A decisão ficou no meio, em 0,5 ponto, e a taxa básica, a Selic, passou a 3,75%, o menor nível de sua história. Mas o Copom, ainda prudente, indicou a disposição de manter esse patamar, se nenhuma grande surpresa ocorrer.

Facilidades para renegociação de empréstimos já haviam sido apresentadas pelo BC. Além disso, o Executivo orientou os bancos federais a facilitar a concessão de capital de giro, para diminuir o aperto das empresas. Nos bancos privados a renegociação depende dos cálculos e da boa vontade dos banqueiros. Na área pública trata-se de executar uma política. Financiamento e refinanciamento podem tornar-se cruciais em pouco tempo. Sem isso, a reconstrução será muito mais difícil, porque a devastação terá sido muito maior. Prudência, neste caso, é assumir o risco de socorrer as empresas, grandes ou minúsculas.


Estadão domingo, 22 de março de 2020

PÃO DE QUEIJO CASEIRO: APRENDA A FAZER

 

O pão de queijo caseiro perfeito

Com queijo meia cura e polvilho azedo, este é o pão de queijo mineiro tradicional. Ele tem miolo elástico e casca crocante; confira a receita

por Redação Paladar

Fazer pão de queijo em casa é fácil. Uma vez aprendida a técnica, você pode até variar o tipo de queijo e de polvilho. Mas, para começar, fique no mineiro tradicional: queijo meia cura (nós usamos um de Araxá). 

receita abaixo, feita pelo professor Maurício Lopes, usa apenas polvilho azedo. Ela, claro, não é a receita "definitiva" de pão de queijo, há muitas possibilidades. É apenas uma aposta certeira. Veja como fazer! 

  

Pão de queijo de meia cura de Araxá.

Pão de queijo de meia cura de Araxá. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

 

Preparo

1Preaqueça o forno a 180ºC.
 
2Aqueça o leite e a manteiga em uma panelina até levantar fervura.
 
3Jogue a mistura fervente no polvilho e mexa para fazer uma pasta.
 
4Junte o queijo ralado e misture. Coloque o ovo e misture novamente. Ajuste o sal. 
 
5Modele os pães (com as mãos untadas com óleo) e asse em fogo médio até ficarem dourados. 

Dica: Não se esqueça de preaquecer o forno. No forno frio, os pãezinhos ficam disformes e com a casca mole. E não tenha medo de assar – o pão de queijo é mais dourado do que amarelo.

  

Para modelar as bolinhas, unte as mãos com óleo. 

Para modelar as bolinhas, unte as mãos com óleo.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

  

Quer variar a receita?

 

Mantenha o modo de preparo, mude apenas os ingredientes - ao trocar o queijo, é preciso fazer algumas alterações nas proporções de gordura e de polvilho. 

 

Pão de queijo de parmesão200g de parmesão ralado fino; 200 g de polvilho azedo, 40 ml de óleo de girassol; 100 ml de água, 1 ovo e sal a gosto.

 

Pão de queijo de provolone: 200g de provolone ralado; 200 g de polvilho azedo; 100 ml de leite; 40 g de manteiga; 1 ovo e sal a gosto.

 

Pão de queijo de queijo reino200g de queijo reino; 200 g de polvilho doce; 100 ml de leite; 40 g de manteiga; 1 ovo e sal a gosto.

 

 

Para para pão de queijo, os queijos curados (bem duros, de ralar) são os melhores.

Para para pão de queijo, os queijos curados (bem duros, de ralar) são os melhores. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

 

 

 

A função de cada ingrediente

 

● Polvilho | Os pães de polvilho azedo crescem um pouco mais e, quando esfriam, ficam mais secos. Os que levam polvilho doce são mais uniformes e densos.

● Queijo | Se for fresco, terá mais água, vai dar um pão mais pesado. Se for muito gorduroso, também. Quanto mais curado, melhor. Queijo bem duro, de ralar, é bom para pão de queijo.

● Gordura | Altera a textura da massa. Mais gordura deixa o pão mais macio. Gordura demais deixa o pão pesado. Pode ser óleo, manteiga e banha.

● Leite/água | A água e/ou o leite faz que o amido do polvilho inche e gelatinize – deixando a massa elástica. Com leite, ela fica mais pegajosa e mas difícil de modelar.

● Sal | Sua função é só mesmo dar gosto. A depender do queijo, ele pode ser dispensado da receita, por isso cuidado ao adicionar sal à massa.

● Ovo | Interfere na textura e leveza do pão. Ajuda o polvilho a estruturar a massa e é também responsável por reter os gases que se formam no miolo.


Estadão sábado, 21 de março de 2020

MORRE KENNY ROGERS, ÍDOLO DA MÚSICA COUNTRY

 

Morre Kenny Rogers, nome da música country, aos 81 anos

Cantor estava em casa sob cuidados paliativos, em Sandy Springs, na Georgia, e morreu de causas naturais

Redação, O Estado de S.Paulo

21 de março de 2020 | 05h08

astro da música country Kenny Rogers morreu na noite de sexta-feira, 20, aos 81 anos, em sua casa, em Sandy Springs, na Geórgia. De acordo com o assessor Keith Hagan, ele estava sob cuidados paliativos e morreu de causas naturais.

 

Kenny Rogers anuncia aposentadoria
Kenny Rogers: 'A minha mobilidade se tornou algo estranho, e não gosto de sair do palco e ter de me desculpar'
Foto: Eric Henderson/Reuters

“Rogers foi em paz, cercado por seus entes queridos”, disse a família em comunicado divulgado à imprensa neste sábado, 21. Ainda segundo a nota, os parentes do músico estão organizando uma reunião privada devido à preocupação com a pandemia do novo coronavírus. Um memorial público será realizado posteriormente.

Ícone da música country

 

Nascido em Houston, no Texas (EUA), Kenny teve uma carreira musical bem-sucedida que durou seis décadas. Ele ficou conhecido mundialmente por hits como The GamblerLucille ou Islands in the Stream.

Com voz rouca e barba prateada, vendeu dezenas de milhões de discos, ganhou três Grammys e foi a estrela de filmes de TV baseados em The Gambler e outras músicas, fazendo dele uma estrela nos anos 70 e 80.

Rogers prosperou por cerca de 60 anos antes de se aposentar das turnês em 2017 aos 79 anos. “Você faz o que todo mundo está fazendo e faz melhor, ou faz o que ninguém mais está fazendo e não se compara”, disse à Associated Press em 2015. 

“E eu escolhi esse caminho porque nunca poderia ser melhor do que Johnny CashWillie ou Waylon no que eles fizeram. Então eu encontrei algo que eu poderia fazer que não me comparava com eles. E acho que as pessoas pensaram que era meu desejo mudar a música country. Mas isso nunca foi problema meu.”


Estadão sexta, 20 de março de 2020

O QUE FAZER COM AS CRIANÇAS DURANTE O ISOLAMENTO

 

O que fazer com as crianças durante o isolamento: veja opções de brincadeiras sem eletrônicos

Redação Divirta-se

20 de março de 2020 | 03h00

Durante o isolamento, brincadeiras em família, sem eletrônicos, ajudam a distrair a família

Nathalia Molina e Fernando Victorino (especiais para o Estado)

Foto: Felipe Rau/Estadão

 

Alemanha e Itália travaram um duelo duro na noite da segunda-feira, em mais um capítulo da luta mundial contra os efeitos do novo coronavírus. Em campo, o jogo terminou sem gol. Apesar do resultado, a partida de futebol de botão entre pai e filho cumpriu a missão de espantar o tédio do isolamento imposto pela pandemia.

Ficar em casa por dias seguidos, sem botar o pé na rua, não chega a ser uma situação inédita para um casal de jornalistas que, desde 2015, trabalha onde mora. Acrescente a essa combinação um filho hoje com 11 anos (foi aniversário dele ontem!). Como toda criança da sua idade, Joaquim navega com desenvoltura pelo mundo digital, se arriscando até a youtuber nas horas vagas, mas sem abrir mão da diversão analógica quando nos juntamos em família.

Quanto maior a criança, mais desafiador é manter o interesse por atividades desconectadas de uma tela. Impossível não é. Exige de nós, pais, fazermos o mesmo. Parece mais difícil do que pedir isso para eles? Tudo bem, segredo cá entre nós. Pense que serve para uma quebra na rotina computador-TV-celular, tão comum no nosso dia a dia.

Nós adoramos um jogo em família. Tiramos o momento para aproveitar a companhia um do outro. Esquecemos ganhar ou perder, se o resultado da atividade ficou feio ou bonito, se a história inventada em conjunto é maluca. Só existe uma regra para toda e qualquer brincadeira: relaxar, juntos.

Sem poder ir à escola nem descer para brincar com os amigos do prédio, Quim passou a terça-feira participando de outra atividade em família (tão vintage quanto as sugestões que damos aqui): fazer jornal. Neste caso, de verdade. Para escrever este texto, relembramos brincadeiras que passaram por nós – “lembra quando ele descobriu as palavras e tinha mania de forca?” – e as que ficaram, como quebra-cabeças (gosto herdado da mãe) e futebol de botão (jogo com o pai na mesa da sala).

Ah, cuidado extra por causa da covid-19: futebol de botão, dardo e baralho exigem que a família toda lave muito bem as mãos – no tempo de cantar Parabéns para Você – e que os adultos higienizem os itens da brincadeira com álcool (para limpar objetos, usamos o convencional).

Terminamos perguntando ao Quim por que ele gosta de fazer atividades em casa em família. “Isso constrói relações e memórias felizes, que provavelmente nunca vou esquecer”, disse, logo emendando: “Ficou muito filosófico, né? Nem vão achar que fui eu que falei”. Tudo bem, Quim, nós sabemos que foi. Isso não importa. A principal regra do jogo em família você aprendeu, filho.

Foto: Felipe Rau/Estadão

Forca
Como muitas das brincadeiras das antigas sugeridas aqui, é suficiente ter papel e caneta. A ideia de adivinhar a palavra pensada por um dos jogadores é excelente para testar o vocabulário. Para os pequeninos, dê uma chance extra, definindo um tema para a escolha de palavras.
Quim: Quando era pequeno, sempre botava palavras grandes (Austrália, ventilador). Já botei até uma frase! “O pato viu o sapo que viu o gato.”

Jogo da velha
É mais velha do que o nome. Simples, é bem útil, especialmente para distrair os novinhos. Em casa, já usamos muito. Para a garotada que nunca brincou disso, é uma ótima oportunidade de apresentar outra utilidade para a hashtag.
Quim: Hoje em dia eu jogo muito com meu pai em espera de consultório do médico e da dentista.

Adedanha
Passatempo perfeito para enfrentar de filas a quarentenas. Todos os participantes falam “adedanha” e mostram a quantidade escolhida de dedos, usando uma ou duas mãos. Cada dedo vale como uma letra do alfabeto. Na letra que parar a contagem, todos devem falar uma palavra que comece com ela.
Quim: Jogo adedanha mais quando estou numa fila, num carro ou fazendo qualquer coisa parado. É um jogo mais para distrair. Eu jogo sem tema, ou seja, vale qualquer palavra (tema é nome de pessoa ou animal).

Stop
Versão de adedanha com MBA. Desenhe uma tabela. No alto de cada coluna, escreva um tema – cidade, nome próprio, fruta, cor e o que mais quiser. A letra da rodada é escolhida como na adedanha. Quem acabar de preencher a linha da tabela para a letra grita “stop”. O jogo para, e todos mostram as anotações. Palavras diferentes contam 10 pontos; iguais, 5; em branco, 0.
Quim: Meu pai e eu gostamos de stop, mas minha mãe, não. Eu boto coisas bizarras, como “Uvanilda” em nome e “Queijalândia” para lugar. Meus pais dizem que isso é roubadinha. Jogo stop até online.

Dominó
Da série jogos portáteis, é sucesso entre todas as idades, contrariando a ideia de que é distração de gente velha. Crianças pequenas costumam adorar. Elas se sentem crescidas porque já conseguem combinar o número de bolinhas e cores.
Quim: Eu jogava com meus pais e era muito bom. Se você tiver um dominó em casa, é diversão na certa.

Contar objetos
Pode ser por cor ou tipo de objeto. Vale ter cuidado com as crianças na janela se for brincar olhando para fora de casa. Dá para fazer uma versão no ambiente interno mesmo, Basta observar em volta.
Quim: Eu brincava de contar os carros pela janela com a minha avó. Como era pequenininho, eu trapaceava e falava que tinha achado 30 carros vermelhos (naquela época, eu achava 30 um número grande).

Alfabeto comestível
O Quim aprendeu esta na escola. Quando tinha uns cinco anos, bastava ter de esperar em algum lugar ou estar no carro indo para um ponto mais distante para vir a pergunta “vai demorar muito?”, seguida de “vamos brincar de alfabeto comestível?”. Em uma sequência acumulativa, a atividade testa a memória. A primeira pessoa diz: “Eu estava com tanta fome que comi…” Aí completa com uma palavra com a letra A. O seguinte tem de repetir tudo e acrescentar uma coisa com a letra B. O terceiro tem de lembrar de repetir o que o segundo disse e botar mais uma palavra com a letra C…
Quim: O divertido para mim era poder falar qualquer tipo de coisa, não só comida. Falava TV, fogo.

Complete a história
O final aqui geralmente é feliz. Não porque é romantizado, e sim porque é engraçado. As histórias mais doidas saem assim. No melhor estilo Sessão da Tarde, muita diversão, altas confusões.
Quim: Eu gosto muito de brincar com meus primos. Um começa contando uma história, aí o outro continua de onde parou. Eu gosto dessa brincadeira porque não tem um limite do que botar na história, então você pode falar o que quiser.

Pintar ou colorir
Relaxa mesmo. Dá para escolher a modalidade com menos sujeira (com lápis) ou bagunça geral (com tinta). Agora nós nos divertimos mais com isso do que o Quim. Na última vez em que nos juntamos com papel e pincel, ele já ficou preocupado com o resultado da pintura (constatação: temos um pré-adolescente em casa).
Quim: Eu gosto de pintar, mas sou mais fã de desenhar. Colorir era a coisa que eu mais fazia com meus pais. A gente comprava muitos livros de colorir. Todo desenho que a gente terminava botava os nomes. Se fosse minha mãe e eu, a gente escrevia “Joaquim e Nathalia”.

Foto: Felipe Rau/Estadão

Jogo de botão
Puristas chamam de futebol de mesa, mas pode ser praticado sobre qualquer superfície lisa e plana. Os jogadores devem combinar previamente as regras, entre elas, número de toques na bola, duração da partida e o que deve ser considerado falta.
Quim: No início eu era péssimo, tomava dez gols do meu pai. Agora já consigo empatar com ele em 0 a 0 ou pelo menos chutar a bola na trave. Posso não jogar bem futebol (mas eu jogo). Mas botão é divertido até para quem não gosta de futebol.

Dardo de plástico
Está aí um jogo que traz memórias adolescentes para os pais. Nós já tivemos jogos de dardos daqueles tradicionais. Antigamente não tinha de plástico como esse do Quim. Sem pontinha que machuque, pode ser pendurado no quarto da criança ou no lugar de um quadro.
Quim: Sendo sincero, eu nunca gostei muito desse jogo. Não é porque não sou bom, mas porque é chato. Por isso, não vou falar muito dele.

Mau mau
Era uma tradição na ala carioca da família. O objetivo é deixar os adversários com o maior número de cartas (entendeu o nome?). Ganha quem ficar sem nenhuma. Há várias regras, mas em geral o ás (A) faz o jogador seguinte pular a vez e o 7 leva a pegar duas cartas no bolo.
Quim: É um jogo divertidíssimo. Você acha que eu tenho dó porque são os meus pais? Não! Mando comprarem um monte. Mas pensa que eles têm pena de mim? É a mesma coisa!

Amarelinha
Se a família mora em casa, pode dar seus pulinhos no quintal. Na nossa infância, era brincadeira de menina. Ainda bem que o tempo mudou! (Mudou, certo?)
Quim: Sempre joguei errado. Achava que, em cada quadradinho, devia pular o número escrito. Por exemplo, se caí no 4, tinha de pular quatro vezes. Pelo visto não é assim.

Mímica
Definimos um tema para jogar. Pode ser nome de filme ou música. Lembrando que não vale o último do Tarantino, tem de ser do universo infantil. Está mais para Frozen e Detetives do Prédio Azul.
Quim: Gosto mais de imitar do que adivinhar. Quando vou fazer, eu capricho muito na encenação.

Jogo da memória
Falta memória para lembrar quantas vezes jogamos isso. Com uns três anos, o Quim amava. Ganhou muitos jogos da memória – nos referimos tanto à brincadeira como presente de parentes e amigos quanto às partidas. Ele era fera!
Quim: É divertido para crianças pequenas e até grandes. Minha mãe acabou de me contar que tinha uma época que eu era o campeão do jogo da memória.

Quebra-cabeças
Quando juntamos, mãe e filho, esse é imbatível na preferência. Começamos com aquele quebra-cabeças de seis peças enormes quando o Quim era muito pequeno. Pensando bem, estamos precisando retomar o hábito porque o último tinha 500 peças. Já temos programa para o fim de semana de isolamento.
Quim: Eu adoro quebra-cabeças! Sou bom em encontrar as peças.


Estadão quinta, 19 de março de 2020

CORONAVÍRUS: ESPECIALISTAS FALAM SOBRE INTERAÇÃO ENTRE REMÉDIOS

 

Especialistas falam sobre interação entre remédios e coronavírus; entenda

Remédios para tratamento cardíaco, diabetes e inflamações podem piorar o quadro de quem for infectado pelo novo vírus. Reportagem responde a questões enviadas por leitores do grupo EstadãoInforma: Coronavírus, no Facebook

Redação, O Estado de S.Paulo

19 de março de 2020 | 05h00

Remédios para tratamento cardíaco, diabetes e inflamações podem piorar o quadro de quem for infectado pelo novo coronavírus. E especialista alertam: antes de trocar a medicação, é essencial consultar os médicos. O Estado levantou dúvidas com base em questões enviadas por leitores do grupo EstadãoInformaCoronavírus, espaço para discussão e troca de informações sobre a pandemia criado pelo jornal no Facebook.

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Amostras aguardam teste de coronavírus em Seattle, nos Estados Unidos Foto: REUTERS/Brian Snyder

As respostas têm como base entrevistas com o farmacêutico Ismael Rosa, diretor acadêmico do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), do professor Eliseu Waldman, infectologista da Faculdade de Saúde Pública da USP, e também reportagens feitas pelo Estado. O grupo é um espaço para discussão e troca de informações sobre a pandemia na rede social. Qualquer usuário pode se inscrever e enviar suas dúvidas.

Hipertensos estão entre os grupos de risco do coronavírus?

 Sim. Os hipertensos geralmente fazem uso de remédios como captopril, enalapril e lisinopril, que são inibidores de uma enzima intimamente ligada à infecção pelo vírus. Isso porque o uso desses medicamentos resulta na elevação da chamada “enzima conversora de angiotensina 2”. O mesmo ocorre com remédios que bloqueiam receptores dessa substância, que aliviam a pressão arterial, como losartana e valsartana. O vírus precisa dessa enzima no organismo para fazer infectar os tecidos do corpo – especialmente o sistema cardiovascular. Se a pessoa toma esses medicamentos, eles resultam na elevação dos níveis dessa enzima. Isso vai potencializar a infecção no organismo. Estudos preliminares, ainda inconclusivos, detectaram o mesmo efeito no uso do ibuprofeno – e por isso a Organização Mundial de Saúde desaconselhou o uso desse medicamento.

  

PARA ENTENDER

Coronavírus: veja o que já se sabe sobre a doença

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está em alerta para evitar epidemia

 

O paciente deve cortar o uso desses medicamentos?

Não. Nenhum medicamento para hipertensão, diabetes ou qualquer quadro clínico específico deve ter o uso descontinuado sem orientação médica. A orientação é que o paciente procure o profissional com o qual se consulta – no caso dos hipertensos, um cardiologista – para saber se é o caso de substituição do remédio. Cortar o medicamento pode trazer complicações, e é essencial o paciente estar com a saúde estável se contrair o coronavírus, o que diminui influência negativa no quadro clínico.

Há substitutos para esses remédios?

Sim, mas somente o cardiologista que está acompanhando esse paciente pode avaliar. Dependerá da análise de risco e benefício para esse paciente. 

Se é um paciente que não teve exposição ao vírus, que não está numa região que é endêmica ainda, nem tem histórico de viagem para locais onde há epidemia, por exemplo, a troca de medicamento pode ser dispensada. 

É verdade que o medicamento favipavir ajuda no tratamento do coronavírus?

Os resultados do uso do favipavir para tratar infecções da covid-19 são preliminares. Os testes foram feitos em pacientes na China e, segundo as autoridades do país, o tempo médio de tratamento com o remédio foi de apenas quatro dias. Sem o favipavir, outros pacientes levaram 11 dias para testar negativo. Ainda segundo autoridades chinesas, radiografias mostraram melhoras na condição dos pulmões de 91% dos medicados, ante 62% no outro grupo. A droga é comercializada no mercado japonês desde 2014 com o nome Avigan.

Qual remédio ter em casa para tratar os sintomas? 

Nunca é recomendável ter “farmácias” dentro de casa. A primeira recomendação é conversar com um farmacêutico, que é o profissional mais acessível à população. É ele que pode dizer se, de acordo com os sintomas, é possível recomendar algum medicamento isento de prescrição – no caso de gripe, por exemplo –, ou se deve haver algum encaminhamento ao serviço de saúde. 

É preciso ter cuidado com o efeito de outros remédios para o coronavírus?

Sim. Os corticoides, por exemplo, são imunossupressores. Eles abaixam a imunidade e, automaticamente, se uma pessoa está com a imunidade baixa há preocupações relacionadas tanto com a covid-19 quanto com qualquer outro vírus ou infecção. Para quem faz uso desse remédio, a orientação é a mesma que vale para os grupos de risco: antes de mudar o uso do remédio, consulte um médico.


Estadão quarta, 18 de março de 2020

ARTISTAS, PRODUTORES E CASAS DE ESPETÁCULOS SE ORGANIZAM PARA APRESENTAÇÕES CASEIRAS

 

Artistas, produtores e casas de espetáculos se organizam para apresentações caseiras

Devido aos riscos de contaminação por coronavírus, Casa de Francisca fará primeira transmissão de show com casa vazia

 

As pessoas estão isoladas, mas não sozinhas. Ainda que com prejuízo estimado em R$ 34,5 bi para um cenário previsto de pelo menos três meses de paralisação do setor artístico em São Paulo, artistas que pensam assim tomam atitudes para não deixar a música parar. Mais simbólicos do que estratégicos ou artísticos, pocket shows com material inédito começam a ser feitos e gravados pelos músicos em casa. Após algumas iniciativas isoladas de nomes como Teresa Cristina e Roberta Sá, os primeiros movimentos organizados em bloco são testados nesta semana.

 

Marcos Valle
Marcos Valle fará pocket show direto de seu estúdio caseiro. Foto: Patrícia Alvi

 

Em São Paulo, a Casa de Francisca, do empresário Rubens Amatto, vai fazer algo sem precedentes. O artista Kiko Dinucci, compositor, violonista e guitarrista das bandas Metá Metá e Passo Torto, estava com shows agendados para lançar seu disco solo Rastilho nesta quarta, 18, e quinta, 19. Com a interrupção da programação por causa das ameaças de contágio pelo coronavírus, seu show seria adiado não fosse pela ideia de Rubens: fazer o lançamento de portas fechadas e câmeras ligadas. Rastilho, mesmo cheio de participações, como as de Ogi, Juçara Marçal e Ava Rocha, terá versão voz e violão para apresentação na quinta, 19, às 21h30, direto do palco com transmissão pelo Facebook da Casa de Francisca. “Para preservar as pessoas, decidimos ter só o Kiko no palco e eu fazendo a gravação”, diz Rubens. O restaurante ficará fechado e sem funcionários além do proprietário, que deve operar entre duas e quatro câmeras.

Rubens vai convidar outros artistas que tenham formatos para esse tipo de transmissão. O show da Orquestra Mundana Refugi, de Carlinhos Antunes, por exemplo, seria perfeito como mote na noite de terça, 17, mas os riscos de contaminação aumentariam por ser um grupo grande. O show foi adiado. “Por ser formado por músicos refugiados de vários países, esse era um ótimo momento, já que todos nos sentimos um pouco refugiados em nossas casas.” A cantora Cida Moreira, um dos shows que não devem mais ocorrer na data prevista, deve ser convidada para fazer como Kiko.

Ao ser procurado pela reportagem para comentar sobre o isolamento dos artistas neste momento, o pianista e compositor Marcos Valle surpreendeu ao atender o telefone de sua casa, no Rio: “Acabei de ser procurado para fazer algo nesse sentido. O pessoal me ligou faz 20 minutos para eu pensar em um show de 30 minutos aqui em casa e transmiti-lo”. Valle teve seu show de lançamento do disco Cinzento cancelado, mas fará um pocket show em seu estúdio caseiro a pedido da dupla Beto Feitosa e Claudio Lins, que organiza uma espécie de festival com shows pela internet para tempos de confinamento. A investida se chama Eu Fico em Casa BR (#festivaleuficoemcasabr) e terá shows de 12 artistas até agora confirmados, entre quinta, 19, e domingo, 22, de 18h às 21h. Toda a escala de apresentações está disponível no site de Beto, o ziriguidum.com. Os shows serão exibidos também pelas redes sociais dos artistas.

“Vou armar meu Fender Rhodes (teclado) e participar sim. É um momento em que podemos fazer coisas boas, levar amor para as pessoas. Vi o que a Roberta Sá fez, tocando seu ukulele, e achei demais. Conversando, cantando, sem falar muito de política. Nesse momento, é o que podemos fazer”, diz Valle. Feitosa, responsável por um site com 24 anos, o Ziriguidum, conta que os shows serão menores, mas muitos com um conteúdo ainda não mostrado pelos artistas. “A ideia é essa mesmo, que eles transmitam com o que têm em casa.” 

 

Roberta Sá faz live no Facebook
A cantora Roberta Sá organiza entradas ao vivo nas redes sociais. Foto: Facebook/ Roberta Sá

Feitosa investiu em nomes do Rio. Entre seus artistas confirmados até então estão Claudio Lins, seu pai Ivan Lins, o violonista João Camarero, a sambista Ana Costa, a compositora e cantora Joyce Moreno, a atriz e cantora Laila Garin, o também violonista Zé Paulo Becker e o próprio Marcos Valle

Não há uma pretensão de se monetizar as iniciativas, tanto de Beto quanto de Rubens. O discurso dos dois discorre sobre a necessidade de se mostrar que há como fazer algo mesmo nesses dias de confinamento responsável. No entanto, o momento traz uma segunda preocupação. O tempo de suspensão de atividades nas casas de shows pode levar algumas delas ao fechamento. “A casa custa caro”, diz Rubens. “São 40 funcionários, e o que se paga de impostos é muito alto. Estamos na expectativa de que venham medidas dos poderes públicos, como já houve em países como a Alemanha, para que casas como a nossa não fechem. Não sabemos se aguentamos muito tempo assim. Estamos fazendo as contas e não sabemos se aguentamos um mês assim.”

Paula Lavigne, que conseguiu um feito raro no fragmentado meio musical, que é o de organizar um grupo de trabalho com o movimento Procure Saber, diz que o problema não serão os cantores consagrados como seu marido, Caetano Veloso. “Caetano está em casa, aproveitando para compor as músicas de seu próximo disco. Tem 77 anos e uma carreira consolidada. O problema que preocupa é uma cadeia do setor artístico e das pequenas casas, dos pequenos artistas, assim como os técnicos de som, roadies, seguranças. Cantar em casa é bacana, mas o que vai acontecer com essa gente é o mais importante.”

Ela afirma ainda que não pensa em pedir ajuda ao governo federal via sua representante da Cultura, Regina Duarte. “Pra quê? Não tenho nada contra Regina e jamais vou falar mal de sua pessoa, sou contra artistas falarem mal de artistas, mas por que vou pedir algo a uma mulher alinhada a um presidente que pensa como o Jair Bolsonaro?” Ela afirma que um pedido de socorro seria como levantar uma bola para que Bolsonaro cortasse em sua cabeça. “Posso imaginar ele dizendo, depois de tudo o que vem fazendo pelo setor cultural, ‘bem feito pra vocês’.”

 

Casa de Francisca
Casa de Francisca fará shows online sempre que for possível. Foto: Rubens Amatto

 

Governo quer amenizar perdas do setor cultural

Como ficam as casas de shows com uma paralisação sem prazo de retorno? O poder público pode entrar com socorro financeiro como têm feito autoridades em países como a Alemanha? Segundo o secretário estadual de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Sergio Sá Leitão, esse é o setor de produção de conteúdo presencial mais afetado pelo novo coronavírus. “Fomos de 100 a zero em duas semanas. Estávamos em um bom momento e agora a expectativa é de que essa situação dure pelo menos mais três meses”, afirma. 

Sá Leitão estima que vá haver uma perda nos negócios ligados à Cultura de cerca de R$ 34,5 bilhões, o equivalente a 1.7% do PIB do Estado de São Paulo. “E a economia criativa estava em crescimento, estamos em um momento dramático”, explica.

O secretário responde a alguns questionamentos feitos por Rubens Amatto, da Casa de Francisca. Afinal, pode sua secretaria ajudar os empresários nesse momento como, por exemplo, abrindo mão de receber impostos estaduais até suas recuperações econômicas?

“Os únicos impostos estaduais que as casas pagam são referentes às mercadorias que elas vendem. Se não vendem, não vão pagar. No caso, os impostos são mais municipais e federais.” 

O secretário diz ainda que, diferentemente do governo federal, o Estado não tem instrumentos que permitam emitir moedas e títulos, os chamados instrumentos anticíclicos. “Não podemos ser fontes se recursos.” Ainda assim, ele diz algo que pode trazer uma boa notícia ao setor: o governador João Doria criou um grupo de trabalho para recuperação econômica priorizando três setores: cultura e economia criativa, turismo e viagens e comércio e varejo. “Vamos fechar um pacote de medidas na próxima reunião desse grupo, que será na quinta-feira. E vamos fazer o que for possível”, acrescenta.


Estadão terça, 17 de março de 2020

QUARENTENA CULTURAL

 

Quarentena cultural: espaços fecham em São Paulo por conta do novo coronavírus

A partir desta terça, 17, cinemas, teatros, galerias, museus e o Sesc estarão fechados por causa da epidemia

Ubiratan Brasil, O Estado de S. Paulo

17 de março de 2020 | 06h00

A partir desta terça-feira, 17, São Paulo inicia uma quarentena cultural. Afinal, as salas de cinema não abrirão suas portas, assim como teatros, museus, shows, espaços culturais, galerias, além de todas as unidades do Sesc. A decisão atende a uma recomendação feita pelo governo estadual na luta contra a disseminação do novo coronavírus – e segue medidas drásticas adotadas por capitais europeias, além de Nova York.

Sesc compreende 43 unidades em todo o Estado e a decisão foi tomada na manhã desta segunda, 16, pelo seu diretor regional, Danilo Santos de Miranda, que determinou a reabertura no dia 31 de março, caso a situação tenha se acalmado. Decisão diversa da escolhida, naquele mesmo momento, por distribuidores de cinema, que mantiveram uma conversa virtual até concluir que o fechamento de suas salas será por um prazo indeterminado – uma solução inevitável pois na segunda, 16, último dia com portas abertas, se repetiu o desânimo do fim de semana: um pequeno público decidiu comparecer.

 
Quarentena Cultural
Salas de cinema fecham as portas como medida de prevenção; na imagem, o Reserva Cultural
na tarde de segunda, 16  Foto: Daniel Teixeira/Estadão
 

“Logo percebemos que algo aconteceria”, contou ao Estado o ator André Loddi. “Na nossa última sessão, o público não parecia receptivo, estava frio e dava para notar muitas pessoas usando máscaras.” Ele integra o elenco de Summer: Donna Summer Musical, que apresentou no sábado, no Teatro Santander, suas duas últimas apresentações antes do recesso forçado. O mesmo aconteceu no 033 Rooftop, localizado no último andar do Santander, onde também aconteceram as sessões finais de Silvio Santos Vem Aí! “Esperei o final da última apresentação para revelar a triste notícia”, disse a produtora Marília Toledo.

Silvio Santos estreou no dia anterior, na sexta, e, apesar de uma plateia animada, percebiam-se cadeiras vazias: foram desistências de última hora. “Estávamos muito animados, foi decepcionante”, confessa Adriano Tunes, que brilha no musical no papel da Velha Surda da Praça da Alegria. “Se há algum consolo é que tivemos uma semana com muitas apresentações; então, a folga inesperada no domingo ajudou no descanso.”

Quem não conseguiu relaxar foram os produtores, preocupados com uma conta que não fecha: sem bilheteria, como manter os pagamentos de elenco e equipe técnica em dia sem espetáculos? “Não sei precisar um número exato, mas o prejuízo seria gigantesco”, continua Marília. “Não apenas por conta da falta de bilheteria, mas teríamos de manter a folha de pagamento por mais tempo que o planejado. E ainda tem a campanha de mídia.”

No caso de Donna Summer Silvio Santos, a volta está prevista para o dia 4 de abril, determinada pela direção do Teatro Santander, autora também da decisão de parar. Isso representou um alívio pois, se fosse uma escolha da produção, o aluguel do espaço deveria continuar a ser pago.

O que preocupa de fato são os projetos financiados por leis de incentivo, notadamente a Rouanet. Segundo as regras, o dinheiro liberado só pode ser utilizado para pagamentos (especialmente de salários) quando acontecem apresentações. “Se não tem peça, não é possível usar aquela verba”, conta a produtora, dramaturga e jornalista Célia Forte, da produtora e assessoria Morente Forte. “Foi por causa disso que resolvemos manter a apresentação da peça Sede no domingo, no Tucarena, mesmo com o risco de pequeno público – ao menos seria possível fazer os pagamentos.”

Célia e outros profissionais integram entidades como a Associação dos Produtores de Teatro, que ontem apresentou um guia com 10 medidas para enfrentar o impacto econômico, social e institucional do coronavírus na cultura. Entre elas, desoneração dos impostos para os espaços culturais por um período determinado e descontingenciamento dos mais de R$ 300 milhões do Fundo Nacional de Cultura.

Questionado pelo Estado, Sérgio Sá Leitão, secretário estadual de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, disse que estão em estudo medidas em três eixos: incentivo fiscal, fomento direto e crédito facilitado. “Teremos notícias em breve”, acrescentou.

O que está fechado em São Paulo por conta do novo coronavírus?

  • Cinemas

Todas as salas na cidade de São Paulo estarão fechadas a partir de hoje por tempo indeterminado

  • Sesc

Todas as 43 unidades espalhadas pela capital e interior estarão fechadas até 31 de março

  • Companhia das Letras

A editora decidiu adiar os lançamentos de livros programados para o mês de abril

  • Museus

Masp, MAM, Pinacoteca, Museu de Arte Sacra, MAB/Faap, Tomie Ohtake, Museu da Casa Brasileira, Ema Klabin, IMS, entre outros, fecham suas portas por tempo indeterminado

  • Shows

As casas de espetáculos também aderem ao pedido para distanciamento social, como é o caso do Bourbon Street, Auditório Ibirapuera, Memorial da América Latina, Casa Natura Musical, Espaço das Américas

  • Teatro

Todas as salas estarão fechadas por tempo indeterminado, como é o caso do Teatro Bradesco, Teatro Alfa, Teatro das Artes. Além dessas, a MITsp também teve sua programação interrompida 

  • Música clássica

Nesse setor, as principais casas da cidade estarão de portas fechadas – Theatro Municipal, Sala São Paulo, Teatro São Pedro


Estadão segunda, 16 de março de 2020

CIENTISTAS BRASILEIROS ESTÃO DESENVOLVENDO VACINA CONTRA O CORONAVÍRUS

Cientistas brasileiros estão desenvolvendo vacina contra novo coronavírus

Por meio de nova plataforma tecnológica, pesquisadores da USP pretendem conseguir chegar, nos próximos meses, a uma candidata a vacina contra a covid-19 que possa ser testada em animais

Elton Alisson, Agência Fapesp

15 de março de 2020 | 20h39

Pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) estão desenvolvendo uma vacina contra o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave, o Sars-CoV-2.

 Por meio de uma estratégia diferente das adotadas por indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa em diversos países, os cientistas brasileiros esperam acelerar o desenvolvimento e conseguir chegar, nos próximos meses, a uma candidata a vacina contra o novo coronavírus que possa ser testada em animais.

“Acreditamos que a estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19 é muito promissora e poderá induzir uma resposta imunológica melhor do que a de outras propostas que têm surgido, baseadas fundamentalmente em vacinas de mRNA”, disse à Agência FAPESP Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador do projeto apoiado pela FAPESP.

Utilizada no desenvolvimento da primeira vacina experimental contra o Sars-CoV-2, anunciada no final de fevereiro nos Estados Unidos, a plataforma tecnológica de mRNA se baseia na inserção na vacina de moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico.

A ideia é que o sistema imunológico reconheça essas proteínas artificiais para posteriormente identificar e combater o coronavírus real.

Já a plataforma que será utilizada pelos pesquisadores do Incor é fundamentada no uso de partículas semelhantes a vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus like particles).

Estruturas multiproteicas, as VLPs possuem características semelhantes às de um vírus e, por isso, são facilmente reconhecidas pelas células do sistema imune. Porém, não têm material genético do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.

“Em geral, as vacinas tradicionais, baseadas em vírus atenuados ou inativados, como a do influenza [causador da gripe], têm demonstrado excelente imunogenicidade, e o conhecimento das características delas serve de parâmetro para o desenvolvimento bem-sucedido de novas plataformas vacinais”, afirmou Gustavo Cabral, pesquisador responsável pelo projeto.

“Mas, neste momento, em que estamos lidando com um vírus pouco conhecido, por questões de segurança é preciso evitar inserir material genético no corpo humano para evitar eventos adversos, como multiplicação viral e possivelmente reversão genética da virulência. Por isso, as formas alternativas para o desenvolvimento da vacina anti-Covid-19 devem priorizar, além da eficiência, a segurança”, ressaltou Cabral.

A fim de permitir que sejam reconhecidas pelo sistema imunológico e gerem uma resposta contra o coronavírus, as VLPs são inoculadas juntamente com antígenos – substâncias que, ao serem introduzidas no corpo humano fazem com que o sistema imune produza anticorpos.

Dessa forma, é possível unir as características de adjuvante dos VLPs com a especificidade do antígeno. Além disso, as VLPs, por serem componentes biológicos naturais e seguros, são facilmente degradadas, explicou Cabral.

“Com essa estratégia é possível direcionar o sistema imunológico para reconhecer as VLPs conjugadas a antígenos como uma ameaça e desencadear a resposta imune de forma eficaz e segura”, afirmou.

Plataforma de antígenos

O pesquisador fez nos últimos 5 anos pós-doutorados nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Berna, na Suíça, onde desenvolveu candidatas a vacinas utilizando VLPs contra doenças, como a causada pelo vírus zika.

Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, Cabral retornou ao Brasil onde iniciou no laboratório de imunologia do Incor, no começo de fevereiro, um estudo voltado a desenvolver vacinas contra Streptococcus pyogenes – causador da febre reumática e da cardiopatia reumática crônica – e chikungunya utilizando VLPs.

Com a pandemia do Covid-19, o projeto foi redirecionado para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus.

“O objetivo é desenvolver uma plataforma de entrega de antígenos para células do sistema imune de forma extremamente fácil e rápida e que possa servir para desenvolver vacina não só contra a Covid-19, mas também para outras doenças emergentes”, ressaltou Cabral.

Os antígenos do novo coronavírus estão sendo produzidos a partir da identificação de regiões da estrutura do vírus que interagem com as células e permitem a entrada dele, as chamadas proteínas spike.

Essas proteínas, que são protuberâncias pontiagudas ao redor do envelope viral, resultam um formato de coroa que conferiu o nome corona a esse grupo de vírus.

Após a identificação dessas proteínas spike, são extraídos fragmentos delas que são conjugadas às VLPs.

Por meio de testes com o plasma sanguíneo de pacientes infectados pelo novo coronavírus é possível verificar quais fragmentos induzem uma resposta protetora e, dessa forma, servem como potenciais candidatos a antígenos.

“Já estamos sintetizando esses antígenos e vamos testá-los em soro de pacientes infectados”, afirmou Cabral.

Após a realização dos testes em camundongos e comprovada a eficácia da vacina, os pesquisadores pretendem estabelecer colaborações com outras instituições de pesquisa para acelerar o desenvolvimento.

“Após comprovarmos que a vacina neutraliza o vírus, vamos procurar associações no Brasil e no exterior para encurtarmos o caminho e desenvolver o mais rápido possível uma candidata a vacina contra a Covid-19”, disse Kalil.

O pesquisador é coordenador do Instituto de Investigação em Imunologia, sediado no Incor – um dos INCTs apoiados pela FAPESP no Estado de São Paulo.


Estadão domingo, 15 de março de 2020

AS FALSAS CRISES E AS VERDADEIRAS

 

As falsas crises, e a verdadeira

Já é possível dizer que a grande crise que o Brasil enfrenta não é a economia travada ou a ameaça do coronavírus; a verdadeira crise é não ter governo quando ele é mais necessário

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

15 de março de 2020 | 03h00

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a disseminação do coronavírus atingiu a proporção de pandemia global. A designação é, na prática, pouco mais que simbólica, mas com ela a OMS pretende chamar a atenção de todo o planeta para os graves riscos econômicos e de saúde pública associados à expansão desenfreada da doença. “Estamos profundamente preocupados tanto com os alarmantes níveis de disseminação e de severidade da pandemia como com os alarmantes níveis de inação”, disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Assim, a OMS torna oficial o que já era a conclusão de epidemiologistas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil. A crise do coronavírus é concreta, não uma “fantasia” criada pela “grande mídia”, como disse o presidente Jair Bolsonaro. Preocupa sobremaneira que o governo brasileiro, a julgar pelas declarações inconsequentes do presidente, esteja propenso a considerar a pandemia como sendo apenas uma “pequena crise”. Isso é “brincar com fogo”, como comentou o biólogo Fernando Reinach em sua coluna no Estado. “E provavelmente vamos nos queimar”, completou ele, ao lembrar que o sistema de saúde da Itália já entrou em colapso e que tal perspectiva levou diversos países a adotar medidas drásticas para tentar frear a expansão do vírus. No Brasil, contudo, as autoridades nem sequer decidiram quais são os cenários possíveis e, como escreveu Reinach, parecem preferir “esperar para ver”.

É assim que Bolsonaro encara crises verdadeiras: menospreza seus riscos e as considera criações da imprensa. Tem sido assim também no trato da crise econômica: enquanto milhões de cidadãos continuam a enfrentar a dura realidade do desemprego graças ao crescimento pífio do PIB sob Bolsonaro, o governo tenta convencer o distinto público de que tudo vai bem. 

 No caso dos efeitos da pandemia do coronavírus sobre a economia global, com óbvias consequências negativas sobre o já claudicante crescimento do Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que estava “absolutamente tranquilo”. Esse estado de negação, a exemplo do que acontece no caso do coronavírus, atrasa a adoção de medidas que poderiam ajudar o País a enfrentar a crise. 

Enquanto trata problemas reais e graves como pouco relevantes, o presidente da República despende a energia que extrai de seu cargo com crises inventadas pela inesgotável imaginação dos bolsonaristas. O mais recente delírio manifestado pelo presidente foi a denúncia de que a eleição de 2018 foi “fraudada”.

“Eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavra, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar”, disse Bolsonaro, com sintaxe muito peculiar. Mais tarde, questionado sobre quando mostraria as tais “provas”, o presidente desconversou: “Eu quero que você me ache um brasileiro que confia no sistema eleitoral brasileiro”.

É evidente que uma declaração dessa gravidade merecia o repúdio imediato das instituições democráticas, como fez o Tribunal Superior Eleitoral ao reafirmar a lisura das eleições de 2018 e das anteriores. E é espantoso que o presidente da República, no auge de uma combinação de turbulências que ameaçam seriamente o futuro imediato do País, prefira mobilizar a opinião pública e as instituições em torno de seus devaneios persecutórios e conspirativos. Isso talvez indique que ele acha que o mundo gira em torno de sua excelsa figura.

Infelizmente, esse tem sido o padrão de comportamento do presidente Bolsonaro ante os inúmeros desafios que se lhe apresentam desde que tomou posse, e nada indica que será diferente até o final do mandato, especialmente à medida que fica mais clara a sua incapacidade de governar, qualquer que sejam as circunstâncias.

Ou seja, hoje já é possível dizer que a grande crise que o Brasil enfrenta não é a economia travada ou a ameaça epidêmica do coronavírus; a verdadeira crise do País é não ter governo justamente quando ele é mais necessário.


Estadão sábado, 14 de março de 2020

O GOVERNO DESCOBRE A CRISE

 

 

O governo descobre a crise

No mundo rico, os governos já mobilizaram um poderoso arsenal de medidas anticrise. No Brasil, o governo adotou, até agora, medidas limitadas

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

14 de março de 2020 | 03h00

Com atraso o governo brasileiro decidiu, enfim, reagir aos efeitos econômicos do coronavírus. Cerca de R$ 23 bilhões entrarão no mercado, em abril, com a liberação da primeira parcela do 13.º aos segurados do INSS. Depois de muita relutância, a medida foi anunciada na quinta-feira, no fim de mais um dia de terror nas bolsas de valores e de commodities de todo o mundo. Na manhã seguinte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer novas medidas em 48 horas, em resposta a cobranças e críticas do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O ministro se absteve de especificar as medidas. No começo da semana será possível conferir se foi apenas uma bravata, mais uma reação às dificuldades de entendimento com o Legislativo. Como nos dias anteriores, o ministro estava pressionando os parlamentares pela aprovação de reformas. Deputados e senadores poderiam, naquele momento, responder no mesmo tom, cobrando a apresentação, já com muito atraso, das propostas do Executivo para a reforma administrativa e para a tributária.

Com pouca ação efetiva contras os efeitos econômicos do coronavírus, o governo brasileiro continuava em descompasso com a maior parte dos grandes países. Naquela altura, meio trilhão de dólares já havia entrado no mercado americano. Era a primeira parcela, entregue na quinta-feira, de uma recém-anunciada injeção de US$ 1,5 trilhão, parte da terapia antivírus aplicada à maior economia do mundo. Enquanto o Fed fazia sua parte, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e o presidente Donald Trump antecipavam ao público medidas fiscais de socorro a empresas e a trabalhadores afetados pela crise.

 A sexta-feira havia começado com melhoras nos mercados de todo o mundo. Terminava com sinais de normalização uma semana de pânico e de perdas monstruosas, com as maiores quedas em décadas. Exemplo: só na quinta-feira empresas cotadas na B3, a bolsa brasileira, perderam R$ 489,2 bilhões em valor de mercado, segundo a consultoria Economática. No fim do pregão o Ibovespa, índice principal, estava 14,78% abaixo do nível do dia anterior.

A reação no fim da semana espalhou-se por todos os mercados, com grandes altas de cotações nas primeiras horas de pregão. As medidas anticrise anunciadas nas maiores economias pareciam, enfim, produzir efeito. Na União Europeia, dirigentes do bloco haviam apresentado um pacote de 37 bilhões de euros para ações de emergência contra o coronavírus e seus efeitos econômicos. Além disso, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, havia mencionado novas medidas em caso de agravamento da crise. Os governos poderiam, se necessário, relaxar o esforço de redução dos déficits fiscais.

No Brasil, a manhã foi mais acidentada. Depois de um começo favorável, com ações em forte alta e dólar e juros futuros em queda, o quadro começou a mudar. A incerteza quanto às condições de saúde do presidente Jair Bolsonaro começou a afetar as negociações. Mas o teste para coronavírus deu resultado negativo, segundo se informou oficialmente, afinal, no começo da tarde. Uma notícia extraoficial sobre resultado positivo havia circulado cerca de uma hora antes.

No começo da manhã, quando os investidores se mostravam mais animados, havia chegado a subir 15%. Horas depois, quando se agravaram as dúvidas sobre o estado do presidente, a alta ficou reduzida a menos de 1%.

Sinais de insegurança, no entanto, permaneceram, especialmente no câmbio. Assim continuarão, provavelmente, enquanto a epidemia avançar e seus efeitos econômicos ainda se desdobrarem. No mundo rico os governos já mobilizaram um poderoso arsenal de medidas anticrise. No Brasil, o governo nem chegou a formular uma estratégia, limitando-se, até agora, a medidas muito limitadas. Fora do governo, já se defendem medidas fiscais mais ambiciosas, com adoção, se for o caso, de um limite menos severo de déficit primário (calculado sem os juros). Respeitados especialistas em contas públicas, como o economista Raul Velloso e o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, defendem essa possibilidade.


Estadão sexta, 13 de março de 2020

PAÍSES PRECISAM ACELERAR O COMBATE AO CORONAVÍRUS

 

Países devem acelerar combate ao coronavírus para evitar erros da Itália, diz brasileiro na OMS

Segundo vice-diretor da Opas, país europeu demorou a perceber a circulação comunitária da doença; Jarbas Barbosa ainda diz que medidas como suspensão de aulas devem ser muito bem pensadas

Entrevista com

Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)

Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo

13 de março de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - Os países devem estar atentos para mudar a estratégia de combate ao novo coronavírus, quando confirmada a transmissão comunitária. A medida evitaria erros vistos na Itália, que demorou para perceber a circulação da doença, o que sobrecarregou o sistema de saúde, afirma o médico brasileiro Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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“É preciso manter a estratégia de hoje, mas acelerar a de amanhã", disse Jarbas Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

“É preciso manter a estratégia de hoje, mas acelerar a de amanhã. Para não ocorrer como na Itália. Lá, infelizmente, não perceberam que havia transmissão. Só começaram a notar quando estavam chegando casos graves e mortes”, disse Barbosa. Para ele, a primeira etapa de enfrentamento à doença deve ser de contenção, preparando a rede de assistência para receber pacientes e isolando pessoas que tiveram contatos com casos confirmados, por exemplo.

  

PARA ENTENDER

Coronavírus: veja o que já se sabe sobre a doença

Doença está deixando vítimas na Ásia e já foi diagnosticada em outros continentes; Organização Mundial da Saúde está em alerta para evitar epidemia

 

Em fase seguinte, quando há confirmação de transmissão do vírus, o trabalho é para “salvar vidas”, com foco em grupos de risco: idosos e doentes crônicos. Nesta etapa, são avaliadas medidas de distanciamento social, por exemplo. Uma decisão pode ser deixar jovens em casa, para evitar que se contaminem e usem leitos de hospitais – essenciais para tratamento de pacientes de risco.

Barbosa afirma ainda que não há “bala de prata” para resolver o surto da doença, mas um “conjunto de ações” que dão respostas. Medidas como cancelar aulas, ele afirma, têm de ser muito bem pensadas. “Quando não há transmissão comunitária disseminada, você está prevenindo o quê (ao determinar afastamento social)?”. “Mas também não pode demorar, senão a transmissão sobrecarrega o serviço de saúde.”

Ex-secretário do Ministério da Saúde e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barbosa elogia a "liderança" do ministro Luiz Henrique Mandetta. “O Brasil tem uma boa preparação sobre isso. Já lidou com outras epidemias. Está num bom caminho”, disse. Abaixo, trechos da entrevista:

O que muda com a doença classificada como pandemia? 

É o reconhecimento que a dispersão geográfica está consolidada. Não significa que haverá mais casos graves ou mais mortes. Na América Latina e no Caribe, ainda vamos ter um mosaico de situações. O que estamos chamando a atenção, reforçando, apoiando tecnicamente para isso, é a preparação para possível transmissão comunitária disseminada. Tem de ser acelerada. Estamos falando de organizar serviços de saúde, identificar bem quem são as referências. Onde vai ter leito de isolamento, como faz para dispor mais leitos de UTI, se precisar, num determinado pico.

O sr. poderia dar exemplos de medidas para preparar os sistemas de saúde?

Primeiro é ter claro quem vai fazer o quê. Definir estratégias. Quando você tem transmissão comunitária, não faz sentido pessoas com quadro leve irem para serviços de saúde. Tem país que diz ‘olha, fica em casa’. Tem de adaptar à realidade nacional. São medidas para não sobrecarregar o sistema de saúde para que grupos de maior vulnerabilidade sejam atendidos. Também envolve medidas que a gente chama de aumento rápido de capacidade. Por exemplo, adiar procedimento cirúrgico que não é de emergência. Você tem de redistribuir leitos de maneira que possa ter hierarquia de cuidado.

Alguns países têm tomado medidas mais restritivas. Já é o momento correto para estas decisões?

Cada país tem de fazer uma avaliação bem criteriosa. Não é só aumento do número de casos que importa. É o tipo de transmissão. Uma decisão dessa não pode ser tomada muito precocemente: quando não há transmissão comunitária disseminada você está prevenindo o quê? Nem pode demorar, senão a transmissão muito forte pode sobrecarregar os serviços de saúde. É importante tomar a decisão no momento que faça efeito. Para também não estressar as pessoas. Você para uma semana, e não passa nada, continua aparecendo caso, porque não há transmissão comunitária. Aí as pessoas dizem, ‘bom, mas não funcionou’. Daqui a três semanas você novamente convoca para parar uma semana. Isso gera certo descrédito.

No Brasil é recomendável tomar já medidas restritivas?

Não posso fazer esta análise. Ela é da autoridade sanitária, que tem a riqueza de dados em mãos. O Brasil tem atuado com total transparência. Nós fazemos uma recomendação geral para cada país adaptar a sua realidade. 

Há discussão sobre cancelamento de escolas. Qual a leitura da Opas/OMS?

Este debate era grande já na época do H1N1. Quando tem nitidamente casos em escolas, se as unidades estão sendo elemento de transmissão, pode fazer sentido. Sabemos que alguns países da região tomaram medidas de cancelar voos. Tem de avaliar bem se é efetivo, se o impacto econômico não é maior do que seria desejado. Tem de ter um balanço, lembrar que a maioria dos casos são leves. 

Alguns países estão isolando pessoas que estiveram em locais com transmissão comunitária. A medida pode ser efetiva?

Essas medidas de contenção, por mais rigorosas que sejam, dependendo do grau de transmissão que países vizinhos apresentarem, não serão efetivas para impedir que ocorra transmissão. Elas podem retardar. É bom quando retarda, você ganha mais tempo para preparar o seu serviço de saúde. Mas não tem evidência que haja medida de contenção que, até aqui, tenha sido capaz de impedir que haja transmissão num país. Não estamos falando de uma bala de prata que resolve tudo, estamos falando de um conjunto de medidas que, atuando coordenadamente, ajudam na resposta. É preciso manter a estratégia de hoje, mas acelerar a de amanhã. Para não ocorrer como na Itália. Lá, infelizmente, não perceberam que havia transmissão. Só começaram a notar quando estavam chegando casos graves e mortes. Os s serviços na Itália, em grande parte, ficaram sobrecarregados.

Quais erros já foram notados neste surto de coronavírus e podem ser evitados?

Principalmente ter estratégia de contenção, mas preparar para a fase de mitigação. Quem não faz ao mesmo tempo vai perder tempo. São dias preciosos para evitar sobrecarga do serviço. O erro é o sistema de vigilância não dar informação, e você demorar a perceber que tem de mudar de estratégia... Continuar com contenção, quando já há transmissão na comunidade. Foi o que aconteceu na Itália.


Estadão quinta, 12 de março de 2020

O PERIGO ECONÔMICO DA INAÇÃO

 

O perigo econômico da inação

Mercados voltaram a desabar e a pandemia foi declarada, mas o governo brasileiro ainda se negava a reconhecer uma emergência econômica

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

12 de março de 2020 | 03h00

Mercados voltaram a desabar, a pandemia foi declarada, o governo americano prometeu liberar US$ 200 bilhões, europeus anunciaram investimentos de 25 bilhões de euros e novas medidas de proteção se multiplicaram, mas o governo brasileiro ainda se negava, ontem, a reconhecer uma emergência econômica. A “resposta sólida” à crise externa e aos desafios internos é mesmo a realização de reformas, insistiu o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, ao apresentar a nova grade de projeções para 2020. Embora quase menosprezando a crise e os tais desafios, a Secretaria de Política Econômica reduziu de 2,4% para 2,1% o crescimento estimado para este ano, mas com o cuidado de manter fora das contas, por enquanto, possíveis efeitos da queda de preços do petróleo. No mercado, a mediana das projeções de crescimento já havia caído para 1,99% na sexta-feira, antes, portanto, da onda de pânico mundial dos últimos dias.

Em quanto tempo será aprovado o tal conjunto de reformas? O Congresso ainda esperava, ontem, o projeto de reforma administrativa prometido pelo Executivo para logo depois do carnaval. Também faltava receber as prometidas contribuições do Ministério da Economia às propostas de reforma tributária. Não fazem diferença, afinal, para a “resposta sólida” à crise externa e aos tais desafios internos?

Pelo menos uma voz destoou, no entanto, da quase indiferença da maior parte do governo. A hipótese de uma ação especial foi mencionada, no Rio de Janeiro, pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Ele recordou a importância do papel contracíclico do banco em momentos de insegurança nos mercados.

 O BNDES, afirmou, tem caixa e condições de liquidez para aumentar os empréstimos, se houver necessidade, podendo realizar neste ano desembolsos entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões. “Nosso papel contracíclico neste momento”, explicou, “é manter as linhas abertas e inalteradas.” Em outros momentos o banco foi, além disso, atuando de modo mais firme e determinado para sustentar a atividade econômica. Mas, de toda forma, o reconhecimento de um quadro crítico já é um dado muito positivo, quando as principais figuras do Ministério da Economia agem como se qualquer risco fosse ainda remoto.

O Banco Central (BC) continua sendo, por enquanto, a fonte mais segura de ação contra os efeitos econômicos da nova pandemia. A possibilidade de mais um corte de juros foi indicada em nota publicada há mais de uma semana, no dia 3. Final da nota: “O Banco Central enfatiza que as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do surto de coronavírus na trajetória prospectiva de inflação no horizonte relevante da política monetária”. Não se trata, obviamente, apenas dos efeitos na inflação, mas do impacto da epidemia – agora pandemia – numa atividade econômica já muito fraca.

O espaço para uma nova redução dos juros básicos foi evidenciado, mais uma vez, com a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro. No mês passado o IPCA subiu 0,25%, a menor taxa para o mês desde o ano 2000. A alta acumulada em 12 meses ficou em 4,01%, praticamente em cima da meta deste ano (4%). Preços por atacado têm sido pressionados pelo câmbio, há meses, mas o repasse ao varejo tem sido dificultado principalmente pelo desemprego, ainda muito alto, e pela baixa qualidade das ocupações disponíveis no mercado brasileiro.

O estado das contas públicas limita, naturalmente, as possibilidades de ação oficial contra os efeitos econômicos do vírus. Mas a limitação maior é a negação da gravidade dos desafios. Com o reconhecimento haveria, provavelmente, maior empenho na busca de respostas. As possibilidades incluiriam estratégias baseadas no uso do BNDES e de outros bancos estatais. Mas para isso seria preciso admitir uma emergência negada pelo presidente da República e pelo ministro da Economia.


Estadão quarta, 11 de março de 2020

A INDÚSTRIA, AS BOLSAS E A TESE DE BOLSONARO

 

A indústria, as bolsas e a tese de Bolsonaro

Se o presidente estiver certo, a 'grande mídia' terá confundido Bolsas de todo o mundo, além de ter criado a ilusão de uma epidemia em cerca de cem países

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

11 de março de 2020 | 03h00

Depois de um dia de pânico em todo o mundo, a terça-feira começou com novidades positivas – uma reação dos mercados e animadores sinais da indústria brasileira. Mas a boa notícia da indústria, o início de retomada em janeiro, chegou já superada pela crise do coronavírus. Em janeiro a produção industrial cresceu 0,9% no Brasil, depois de acumular recuo de 2,4% nos dois meses anteriores. A leve retomada foi puxada pela indústria de transformação, detalhe especialmente promissor, segundo avaliação da pesquisadora Luana Miranda, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os sinais positivos ocorreram antes da epidemia já espalhada por dezenas de países. A pesquisadora lembrou o risco de escassez de insumos. Fábricas de vários setores trabalham com peças e componentes importados da China. É cedo para dizer se efeitos da crise aparecerão nos dados de fevereiro, comentou o pesquisador André Macedo, gerente da área de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante dos problemas do coronavírus, os dados de janeiro da indústria já são velhos, comentou o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. Segundo ele, os efeitos já observados da epidemia são maiores do que os previstos há cerca de um mês. Esses efeitos, acrescentou, vão além da oferta e podem prejudicar também a confiança e a demanda, com risco de crise sistêmica.

Essa preocupação é defensável. Previsões detalhadas são especialmente inseguras, neste momento, mas nenhuma pessoa sensata pode menosprezar riscos econômicos ligados a uma epidemia já presente em cerca de cem países.

 O pior para a economia global ainda virá nos próximos meses, segundo avaliação divulgada pela Pimco, a maior gestora mundial de fundos de títulos privados, com ativos de US$ 1,9 trilhão. O economista global da gestora, Joachim Fels, mencionou o risco de uma recessão técnica – dois trimestres consecutivos de retração econômica – nos Estados Unidos e na zona do euro. Na ausência de grandes desajustes domésticos, no entanto, a retração nas grandes economias deverá ser logo superada, acrescentou. Quando a Pimco apresentou sua análise, ontem, havia a expectativa de anúncio de medidas econômicas pelo governo americano.

A epidemia continua e os problemas se ampliam nos países atingidos. É preciso observar esses dados ao avaliar as oscilações de mercado. Houve alguma recuperação dos preços do petróleo, ontem, e as bolsas de valores voltaram a subir. Mas a reação foi insuficiente para compensar as perdas.

No Brasil, a Bolsa de Valores chegou a subir mais de 4%, mas por volta das 14 h o Ibovespa, seu índice principal, estava em alta de 2,87%. Na segunda-feira havia fechado em queda de 12,17%, a maior desde 1998. Na Europa, ainda havia baixa em Milão, com recuo de mais de 2% no começo da tarde. No Brasil, o dólar havia baixado para R$ 4,65, depois de haver batido em R$ 4,72 no fechamento de segunda-feira.

Com tanta insegurança nos mercados, é especialmente difícil estimar como os negócios poderão evoluir nos próximos meses – no Brasil e na maior parte do mundo. Também por isso o planejamento empresarial fica mais complicado. Isso envolve as decisões de investimento produtivo. É muito difícil estimar, agora, a evolução da indústria até o fim do ano. A retomada em janeiro, embora animadora, foi modesta. A produção cresceu 0,9% sobre dezembro, mas foi 0,9% menor que a de um ano antes e caiu 1% em 12 meses.

A maior fonte de esperança, hoje, é o presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, a disseminação do coronavírus está superdimensionada. “Não é tudo isso que a grande mídia propaga”, assegurou. Quanto à queda das bolsas, “acontece esporadicamente”.

Se ele estiver certo, a “grande mídia” terá confundido bolsas de todo o mundo e enrolado economistas da Pimco, de multinacionais, dos maiores bancos centrais e dos governos do mundo rico, induzidos a agir contra uma crise irreal, além de ter criado a ilusão de uma epidemia em cerca de cem países.


Estadão terça, 10 de março de 2020

DIA DE PÂNICO, EXCETO EM BRASÍLIA

 

Dia de pânico, exceto em Brasília

Quando o tsunami de pessimismo já se havia espalhado por todo o mundo, o ministro Guedes reafirmou que o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

10 de março de 2020 | 03h00

Enquanto o pânico varria os mercados, com as bolsas desabando, o preço do petróleo despencando e o dólar disparando em todo o mundo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, insistia, ontem de manhã, em ostentar tranquilidade e quase indiferença em relação aos desafios econômicos associados ao coronavírus. Reformas estruturantes são a melhor resposta à crise, disse o ministro, como se os estragos – já iniciados ou já captados no radar – fossem adiáveis até a aprovação e sanção de projetos ainda nem mandados ao Congresso. Enquanto essas declarações eram difundidas, circuit breakers eram acionados em bolsas, no Brasil e no exterior, para interromper os negócios e deter, por algum tempo, o tombo das cotações.

O Brasil tem uma dinâmica própria de crescimento e vai reacelerar, disse o ministro, se as “coisas certas” forem feitas. Em outro momento ele se mostrou até mais otimista, repetindo, como um mantra, uma declaração já ouvida em janeiro em Davos: o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera.

Falta vender essa crença aos mercados, dentro e fora do País. Investidores de fora seguem tirando dinheiro do Brasil, enquanto, internamente, economistas de instituições financeiras e de consultorias continuam baixando as projeções para este ano. Pelas novas estimativas, a economia brasileira crescerá 1,99% em 2020. Quatro semanas antes se projetava uma expansão de 2,30%. Na semana passada os cálculos apontavam 2,17%, segundo a pesquisa Focus, publicada pelo Banco Central (BC).

 Quando o ministro falou à imprensa, por volta das 10 horas da manhã, o tsunami de pessimismo já se havia espalhado por todo o mundo. O preço do petróleo havia caído mais de 30%. Divergências entre o governo russo e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) podem ter tido alguma influência, mas a causa básica foi mesmo a previsão de menor demanda. Essa previsão havia sido publicada pela própria Opep e pela Agência Internacional de Energia (AIE). Um corte nas estimativas já havia ocorrido no fim de 2019.

A queda dos preços do petróleo afetou, naturalmente, as ações da Petrobrás. Os efeitos de uma possível baixa dos preços de combustíveis pela estatal eram um dos temas de especulação pelos especialistas, ontem de manhã. Os efeitos fiscais de uma possível diminuição do pagamento de royalties ao setor público também eram motivos de especulação.

Em São Paulo, os negócios da B3, a Bolsa de Valores, foram suspensos pouco depois das 10 horas, quando o Índice Bovespa acumulava queda de 10,02%, com 88.178,33 pontos (em 23 de janeiro esse indicador havia superado 119 mil pontos). Essa interrupção, acionada pelo chamado circuit breaker, pode ocorrer quando a queda do índice principal chega a 10%. Foi a 18.ª interrupção desse tipo desde a adoção do sistema em 1997. Quando os negócios foram interrompidos, ontem, a Petrobrás ON caía 24,61% e a Valed, 10,78%. Em Nova York, a bolsa foi paralisada por 15 minutos no começo do pregão, quando o índice S&P recuava 7%.

Quando o medo bateu na bolsa brasileira e, mais tarde, na de Nova York, as da Europa já haviam sido derrubadas. Muitos investidores já haviam fugido em busca da segurança de títulos emitidos por governos das maiores economias.

Com a enorme procura, o rendimento oferecido aos compradores dos papéis caiu mais uma vez. As taxas negativas “pagas” pelos títulos federais alemães atingiram novo recorde (-0,853%, pouco depois das 9 da manhã no Brasil). Juros de títulos públicos do Reino Unido ficaram negativos pela primeira vez.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adiou a divulgação, prevista para ontem, de indicadores antecedentes, normalmente usados para avaliação de tendências. Explicação: falta clareza, nos dados obtidos em vários países, quanto aos efeitos correntes do surto de coronavírus.

Nessa escuridão, sobra uma certeza em Brasília: o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera.


Estadão segunda, 09 de março de 2020

A DETERIORAÇÃO DA INFRAESTRUTURA

 

A deterioração da infraestrutura

Investimentos em infraestrutura são cruciais para desenvolver a economia e garantir direitos fundamentais à população

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

09 de março de 2020 | 03h00

Os investimentos federais em transporte vêm caindo desde 2012 e a previsão é de que em 2020 recuarão ao patamar de 2001. O dado levantado pela Confederação Nacional da Indústria expõe os efeitos deletérios das más políticas públicas no setor de infraestrutura e a urgência de fomentar condições para atrair o capital privado.

Investimentos em infraestrutura são cruciais para desenvolver a economia e garantir direitos fundamentais à população. Cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto, o que os expõe a toda sorte de moléstias que põem em risco o mais fundamental dos direitos: o direito à vida. Ao mesmo tempo, a precária estrutura de transportes mina a competitividade do agronegócio e da indústria, inviabilizando qualquer perspectiva de desenvolvimento nacional. Do norte ao sul do País, dez em dez empresários podem confirmar o ônus da má logística nacional para a produção e comercialização de seus produtos.

Os custos logísticos no Brasil correspondem a 12,3% do PIB, bem mais do que, por exemplo, nos Estados Unidos (7,8%). De acordo com o Fórum Econômico Mundial, num grupo de 137 países, o Brasil ocupa a 65.ª posição quanto à infraestrutura de transportes. O Banco Mundial estima que o Brasil poderia exportar cerca de 30% mais somente com melhorias logísticas. Os custos do transporte na exportação são maiores que as tarifas do protecionismo, e a rentabilidade dos produtos exportados tem caído consistentemente.

 Segundo a InterB, consultoria especializada em infraestrutura, na década de 1980 o estoque de investimentos em infraestrutura representava cerca de 60% do PIB. Hoje corresponde a pouco mais que 35%. Em países desenvolvidos, este estoque responde por algo entre 65% a 85% do PIB. Entre 2001 e 2017, o investimento anual médio em saneamento básico ficou em 0,18% do PIB, quando o ideal seria 0,45%, e o investimento em transporte ficou em 0,67%, bem abaixo do ideal de 2%. Hoje os investimentos públicos e privados em infraestrutura totalizam cerca de 1,8% do PIB, muito aquém dos 4,15% estimados para elevar, em duas décadas, o estoque de infraestrutura ao nível dos anos 80 – o mínimo necessário para garantir a competitividade do setor produtivo e a oferta de serviços básicos à população.

Mas este crescimento quantitativo não virá do setor público, que, na melhor das hipóteses, pode qualificar os seus investimentos. Há anos os investimentos públicos são devorados pela Previdência e o custeio do funcionalismo. Quase 60% dos gastos da União se destinam a pensões e aposentadorias, quando o padrão mundial gira entre 20% e 25%. E os gastos não param de crescer, e os investimentos de encolher – tendência acelerada com a recessão. Em 2012, a União chegou a investir R$ 35,6 bilhões em transporte. Em 2020, serão apenas R$ 7,9 bilhões.

Além de cada vez menores, os investimentos do Estado são cronicamente ruins, como testemunha o festival de obras paradas no País. Segundo o TCU, das 38 mil obras federais, cerca de 14 mil (38%), totalizando R$ 144 bilhões em contratos, estão paralisadas, mormente por deficiências na elaboração e avaliação dos projetos. Isso sem falar do volume de recursos drenados pelos propinodutos dos quais se tem uma pálida ideia por operações como a Lava Jato.

Tudo isso escancara a necessidade de avançar a agenda contra a corrupção e pressionar o governo e o Parlamento por reformas que viabilizem as contas públicas. Além disso, eles precisam robustecer e acelerar os planos de concessões e privatizações, com regras equilibradas que garantam a um tempo rentabilidade e segurança aos investidores, e qualidade a custos razoáveis aos usuários. O maior fluxo de capital privado dará algum respiro ao poder público para eleger melhor suas prioridades e investir justamente nas áreas mais vulneráveis – isto é, cujo retorno é menos palpável e vem a longo prazo –, mas essenciais, como saúde e educação. 


Estadão sábado, 07 de março de 2020

DECISÃO GRAVE

 

Decisão grave

Faz todo sentido exercer pressões diplomáticas sobre um regime vil como o de Maduro. Isto só não pode ser feito deixando desassistidos os milhares de brasileiros que vivem na Venezuela

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

07 de março de 2020 | 03h00

 

 

Sem qualquer explicação, o governo brasileiro determinou a saída de quatro diplomatas e outros sete funcionários da embaixada e dos consulados do Brasil na Venezuela. É fato que as relações diplomáticas entre os dois países estão estremecidas desde o impeachment de Dilma Rousseff, passando pelo reconhecimento pelo Brasil, entre outras 50 nações, de Juan Guaidó como o presidente encarregado da Venezuela – contrapondo-o aos desmandos da ditadura de Nicolás Maduro – e pela grave crise migratória na fronteira. Mas o que teria levado o Itamaraty a decidir pela completa remoção do corpo diplomático baseado no país vizinho, ato que, na prática, equivale a um rompimento de relações? Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores não disse e parece não ter a intenção de dizer. O Itamaraty afirmou que não comentará a decisão e tampouco o presidente Jair Bolsonaro.

Explicações deveriam ser dadas. O ato é grave. Há cerca de 10 mil brasileiros vivendo na Venezuela. Ao corpo diplomático cabe zelar pelos interesses do Brasil na nação anfitriã, aí incluído o resguardo dos interesses de seus nacionais. O Itamaraty limitou-se a informar que “ainda estuda” uma forma de continuar prestando assistência consular a todos os brasileiros que lá estão. Ou seja, primeiro decide-se acabar com a representação diplomática do País na Venezuela, depois se pensa no que fazer para atender os milhares de brasileiros que dependem dos mais variados serviços consulares. Não pode ser sério.

País sério, antes de tomar uma decisão dessa gravidade, com tantas repercussões práticas, além das que pertencem aos planos geopolítico e econômico, costuma negociar com outro país a representação de seus interesses nos locais onde não manterá mais o seu corpo diplomático, seja pela razão que for. Os Estados Unidos, por exemplo, não mantêm relações diplomáticas com o Irã, mas os interesses americanos no país persa são defendidos pelo embaixador da Suíça em razão deste tipo de acerto de alto nível.

 A Venezuela mantém Freddy Meregote como seu representante diplomático em Brasília, ainda que entre ele e o Ministério das Relações Exteriores não haja qualquer interlocução. É provável que o encarregado de negócios do país vizinho também deixe o Brasil em breve. Ao determinar a saída de seus diplomatas e funcionários consulares da Venezuela, o governo brasileiro notificou Nicolás Maduro para que faça o mesmo.

Recentemente, o ditador venezuelano acusou o Brasil de “arrastar as suas Forças Armadas para um conflito armado com a Venezuela”, acusação que recrudesceu a tensão diplomática entre os dois países, mas não encontra qualquer respaldo na realidade. O que houve no final do ano passado foi um ataque de militares venezuelanos desertores a tropas de seu próprio país no Estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil. Após o incidente, os desertores entraram em território nacional para pedir asilo. Embora não tenha faltado quem defendesse a participação do Brasil em uma hipotética intervenção militar para depor Nicolás Maduro, um ato hostil desta natureza jamais foi considerado seriamente por gente com um mínimo de sensatez.

A Venezuela há muito passa por uma gravíssima crise política, econômica e humanitária. A espiral de horrores perpetrados pelo irresponsável regime de Nicolás Maduro só cessará quando o ditador deixar o poder. Não se vislumbra qualquer cenário positivo para a Venezuela enquanto Maduro estiver dando as ordens no Palácio de Miraflores, respaldado pelas temidas milícias bolivarianas, bandos armados capazes de qualquer atrocidade em troca de algum poder e muito dinheiro.

Faz todo sentido exercer pressões diplomáticas sobre um regime vil como este. Isto só não pode ser feito deixando desassistidos os milhares de brasileiros que vivem na Venezuela e dependem da assistência consular de seu próprio país.


Estadão quinta, 05 de março de 2020

ESTAGNAÇÃO EM 2019

 

Estagnação em 2019, vírus em 2020

Brasil cresceu apenas 1,1% no primeiro ano do governo Bolsonaro. É preciso evitar a tentação de usar o vírus para justificar mais um ano de estagnação

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

05 de março de 2020 | 03h00


Juros em queda, um dos poucos estímulos oferecidos à atividade econômica no ano passado, contribuíram para a expansão do consumo das famílias, mas tiveram pouco ou nenhum efeito no investimento em máquinas, equipamentos, construções e outros elementos do capital fixo. Esse conjunto, onde se incluem também as obras de infraestrutura, como estradas, centrais elétricas, portos e hospitais, é o parque produtivo de bens e serviços, considerado apenas em seu aspecto físico.

O total investido em 2019 ficou em 15,4% do PIB, pouco acima da proporção do ano anterior (15,2%) e abaixo da estimada para 2016 (15,5%), último ano da recessão. Investir em potencial produtivo é essencial para garantir crescimento econômico duradouro e sustentável, sem pressão inflacionária e com baixo risco de problemas nas contas externas.

 O Brasil está longe disso. Neste século, a maior taxa de investimento bruto foi a de 2013, quando atingiu 20,9% do PIB. Essa proporção ainda ficou longe do nível mínimo considerado necessário a um país como o Brasil, de cerca de 24%. O baixo potencial produtivo explica as projeções modestas de crescimento econômico nos próximos anos. No mercado, essas projeções têm ficado em 2,5% ao ano, muito abaixo das possibilidades de outras economias emergentes.

O crescimento do PIB em 2019 poderia ter sido maior, segundo o Ministério da Economia, se o País tivesse ficado livre de alguns infortúnios, como a tensão comercial entre Estados Unidos e China, o baixo crescimento das trocas internacionais, a recessão argentina, intempéries no território nacional e, é claro, o desastre de Brumadinho. Mas outros países também foram afetados por vários desses problemas e ainda cresceram bem mais que o Brasil.

A indústria extrativa de fato foi prejudicada pela tragédia de Brumadinho e sua produção diminuiu 1,1%. Mas o fraco desempenho do setor de transformação é atribuível a outros fatores. A crise na Argentina, importante mercado importador de manufaturados brasileiros, é apenas um componente da explicação. A baixa demanda interna e o escasso poder de competição da maior parte da indústria são partes importantes da história. No ano passado, o governo pouco fez para atacar esses problemas. Além disso, uma atitude mais proativa neste ano parece pouco provável, por enquanto.

Um dos poucos sinais animadores, no balanço do ano passado, é o crescimento da construção. A atividade avançou 1,6%, depois de quatro anos de retração. Se a melhora persistir, o setor poderá proporcionar algum estímulo a outras áreas da indústria e também aos serviços, contribuindo para maior oferta de postos de trabalho. Em 2019, o desemprego caiu muito lentamente. No fim do ano os desocupados ainda eram 11% da força de trabalho e o subemprego era amplo, assim como a informalidade.

Para 2020 as projeções mais comuns indicam, por enquanto, crescimento na faixa de 2% a 2,2%. A epidemia de coronavírus pode justificar uma revisão para baixo. Em outros países, a preocupação tem sido acompanhada de ações para atenuar os danos econômicos do surto. Corte de juros é a medida mais evidente. Mas o governo deve examinar se há espaço para outros estímulos. É preciso evitar a tentação de usar o vírus como justificativa para mais um ano de estagnação.


Estadão terça, 03 de março de 2020

O PAÍS REAGE AO CORONAVÍRUS

 

O País reage ao coronavírus

A mídia profissional, a comunidade científica e a administração pública brasileiras vêm agindo muito bem para evitar que à epidemia se acrescente o pânico

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

03 de março de 2020 | 03h00

 

A epidemia global de coronavírus (Covid-19) iniciada na China no final do ano passado já infectou, aproximadamente, 89 mil pessoas – das quais cerca de 3 mil morreram – em 17 países, inclusive o Brasil, onde dois casos de contaminação de pacientes que viajaram à Itália foram confirmados em São Paulo, ambos sem gravidade.

A justificada apreensão quanto à evolução da nova doença tem afetado fortemente os humores das pessoas e dos mercados mundo afora (ver editorial O efeito econômico da epidemia, abaixo). Observa-se uma corrida desenfreada às farmácias em busca de máscaras cirúrgicas, que só devem ser usadas por quem apresenta os sintomas de gripe, e frascos de álcool em gel, eficaz na prevenção. Escolas têm recomendado a alunos que viajaram ou tenham tido contato com pessoas que viajaram a países afetados pela epidemia que fiquem em casa. Empresas idem. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu de 2,9% para 2,4% sua projeção de crescimento global para este ano em função do surto de Covid-19, que afeta primordialmente a China, país que há três décadas puxa o indicador para cima.

Uma onda de pânico e desinformação é mais perniciosa do que os efeitos do coronavírus por atribuir à doença uma gravidade muito maior do que a que ela tem na realidade. O diagnóstico de coronavírus não é uma sentença de morte, bem longe disto. Na esmagadora maioria dos casos, os sintomas são semelhantes aos de uma gripe simples (febre, tosse, coriza). Os casos fatais foram observados em pacientes que já eram suscetíveis a problemas respiratórios mais sérios, o que explica a baixa taxa de mortalidade da nova cepa do coronavírus, entre 2,5% e 3%. Neste sentido, a mídia profissional, a comunidade científica e a administração pública brasileiras vêm agindo muito bem até o momento para evitar que à epidemia se acrescente o pânico.

 Apenas 48 horas depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil – o primeiro na América Latina – cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Adolfo Lutz, em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido, sequenciaram o genoma da cepa que chegou ao Brasil, nomeada Sars-CoV-2. Trata-se de um grande feito da ciência brasileira e mostra a importância da coordenação de esforços em nível global para enfrentar essa ameaça epidemiológica ainda por ser totalmente pesquisada. Com base neste trabalho, pôde-se identificar a origem do vírus que contaminou os brasileiros, desconhecida até na Itália, e avançar nos estudos para o desenvolvimento de uma vacina.

Até aqui, também merecem destaque as ações proativas dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. A pasta da Saúde tem se mostrado uma fonte de informação preciosa em relação à doença e às formas de prevenção. Em meio à disseminação de fake news – até uma xícara de água morna aparece como forma de “matar” o coronavírus, o que é uma grossa mentira –, tanto o site do Ministério da Saúde como o portal da pasta no YouTube são bastante esclarecedores. Pena que, pelo que mostram os números, pouca gente os acesse. Também é positiva a ação do Ministério da Saúde de antecipar a campanha nacional de vacinação contra a gripe Influenza para o próximo dia 23. Ela não imuniza contra o coronavírus, mas evitará que os casos não relacionados ao Sars-CoV-2 sobrecarreguem o sistema público de saúde.

Já o Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a pasta da Saúde, criou uma rede de pesquisadores de alto nível oriundos de entidades científicas e universidades federais a fim de decifrar a nova doença e estudar formas de imunização. Ou seja, o País tem os seus melhores cientistas debruçados sobre um problema que preocupa o mundo inteiro, o que há de dar algum conforto aos cidadãos mais aflitos.

Igualmente tranquiliza, ao menos por ora, ouvir de especialistas como o imunologista Dráuzio Varella que o Sistema Único de Saúde (SUS) está preparado para atender os casos de coronavírus no Brasil. Oxalá esta capacidade não precise ser testada.


Estadão segunda, 02 de março de 2020

O ESTADO DA DEMOCRACIA

 

O estado da democracia

As pessoas parecem não se dar conta de que o genuíno vigor da democracia depende menos do exercício da vontade da maioria do que das garantias às minorias

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

02 de março de 2020 | 03h00


A pesquisa avaliou o apoio a nove princípios: igualdade de gênero, imparcialidade judicial, eleições livres, além das liberdades de prática religiosa, expressão, imprensa, internet, oposição política e atuação pelos direitos humanos. A imensa maioria tem alguma estima por estes princípios. Mas só nas Américas e Europa, em que pesem as crescentes apreensões com a saúde da democracia, tende-se a considerar todos eles muito importantes.

Um Judiciário justo é, em geral, o princípio mais valorizado (para 82% ele é “muito importante”), seguido pela igualdade de gênero (74%). A liberdade religiosa também recebe amplo apoio (68%). Contrariando a intuição comum, os mais comprometidos com a sua religião são justamente os mais comprometidos com o livre exercício das outras religiões – por outro lado, corroborando esta intuição, os mais favoráveis ao populismo conservador são em geral os menos favoráveis à liberdade de outras práticas religiosas.

 Numa era de crescente preocupação com a desinformação, o apoio à liberdade de expressão, da imprensa e da internet cresceu em muitas nações. Em algumas onde as métricas apontam que a liberdade de imprensa efetivamente diminuiu nos últimos quatro anos, como EUA e Turquia, o apoio a ela cresceu expressivamente (quase 20 pontos porcentuais). No Brasil, por outro lado, ele caiu de 71% para 60%.

Eleições regulares e competitivas são o quarto princípio mais valorizado – “muito importante” para 65% dos entrevistados –, mas nos últimos anos o entusiasmo global caiu. Dois terços dos entrevistados acreditam que os representantes eleitos não se importam com o que eles pensam. Em muitos países, como Itália, Alemanha, Polônia e Reino Unido, diminuiu dramaticamente o número de pessoas que acreditam que “o Estado é administrado para o benefício de todos”.

Em média, 52% estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia, enquanto 44% estão satisfeitos. A insatisfação é mais comum entre as pessoas de baixa renda e está frequentemente relacionada ao mau desempenho da economia e à desconfiança das elites políticas. Na Europa, ela é particularmente expressiva entre os populistas de direita. Não surpreende que no Brasil, que elegeu um candidato desta estirpe, o porcentual de insatisfeitos tenha caído em apenas um ano de 83% para 56%.

Os dois princípios menos valorizados em todo o mundo são as liberdades de atuação dos grupos de direitos humanos e dos partidos de oposição. Neste último quesito em particular, o Brasil está entre os quatro países mais mal classificados. Apenas 36% dos brasileiros acreditam que é muito importante que a oposição possa atuar com liberdade. Isso diz muito sobre o acirramento das facções políticas à esquerda e à direita, suas convicções e seus métodos.

É alarmante constatar que as pessoas parecem não se dar conta de que o genuíno vigor da democracia depende menos do exercício da vontade da maioria (o que é compatível com o despotismo) do que das garantias às minorias. Muitos indicadores mostram que os brasileiros – como os demais povos – sentem um amor sincero pela democracia. Mas está claro que todos – cada um a seu modo – ainda precisam fazer muito para conhecer o verdadeiro objeto de seu amor e servi-lo como se deve.


Estadão sábado, 29 de fevereiro de 2020

TURISMO: SUL DA BAHIA

 

Sul da Bahia: história, falésias e mar azul

De Porto Seguro a Prado, roteiro no sul do Estado reúne vilas, casario e muito verde, com descobertas a cada praia

Pedro Sibahi, especial para o Estado / Porto Seguro

28 de fevereiro de 2020 | 06h05

Nascer do Sol na Ponta de Corumbau
Nascer do sol na Ponta de Corumbau Foto: Pedro Sibahi

A história sobre a chegada dos portugueses ao Brasil sempre exerceu certo fascínio sobre mim, não pela narrativa do descobrimento, mas pela vontade de entender o que foi esse encontro de povos tão diferentes como o europeu e os indígenas do século 15. Além disso, não posso negar uma admiração pelo esforço de cruzar o Oceano Atlântico em um barco de madeira movido apenas pela força dos ventos, sem GPS. Foi nesse espírito que me aventurei na região sul da Bahia, munido de uma bicicleta, equipamentos de camping e muita disposição. Começando em Porto Seguro, na Costa do Descobrimento, pedalei até Caravelas, na Costa das Baleias, percorrendo cerca de 200 km.

 

Barco de Pesca na Ponta de Corumbau
Barco de Pesca na Ponta de Corumbau Foto: Pedro Sibahi
 

Ao longo do caminho, o mar azul é uma constante, com muitos morros e falésias até a região de Prado, onde o relevo fica mais plano. Construções centenárias estão presentes em todo o trajeto, uma vez que ali, como o nome sugere, foi onde Pedro Álvares Cabral primeiro aportou na Terra Brasilis (ao menos segundo a história oficial). Também há aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas, além de parques nacionais que preservam belos exemplares da Mata Atlântica. Mais ao sul, a estrela é Abrolhos, local de mergulho durante boa parte do ano e avistamento de baleias entre agosto e novembro. E as manchas de óleo que surgiram no ano passado já se foram. Ainda bem. 

Saiba mais

Como chegar: há voos diários entre São Paulo e Porto Seguro. A passagem ida e volta custa a partir de R$ 606,45 na Azul (voeazul.com.br); R$ 692,53 na Gol (voegol.com.br); e R$ 1.052,17 pela Latam (latam.com/ pt_br). Valores pesquisados para o mês de março.

Como se deslocar: para aluguel de carro no Aeroporto de Porto Seguro, há lojas da Unidas (unidas.com.br), da Localiza Hertz (localizahertz.com) e da Avis (avis.com.br). Há diárias a partir de R$ 40, mas fique atento com taxas extras e seguro. É recomendável usar um modelo mais alto e, se possível, com tração 4X4, especialmente se for percorrer as estradas de terra na temporada de chuva, de abril a junho. A viação Águia Azul (viacaoaguiaazul.com.br) tem ônibus da balsa de Arraial d’Ajuda até Trancoso e Caraíva.

Condição das praias: contatada pela reportagem, a Secretaria de Turismo da Bahia informou que não havia mais manchas de óleo nas praias do Estado. Para se informar antes da viagem, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) tem o aplicativo de celular Vai dar Praia, com informações atualizadas da balneabilidade em 119 praias baianas.


Estadão quinta, 27 de fevereiro de 2020

TÊNIS: MARA SHARAPOVA ANUNCIA APOSENTADORIA

 

Ex-número 1 do mundo, Maria Sharapova anuncia aposentadoria do tênis aos 32 anos

Dona de cinco títulos de Grand Slam, russa perde batalha para as seguidas lesões

Redação, Estadão Conteúdo

26 de fevereiro de 2020 | 11h46

As inúmeras lesões e batalhas contra o próprio corpo foram demais para Maria Sharapova. Dona de cinco títulos de Grand Slam e ex-número 1 do mundo, a tenista russa de 32 anos anunciou nesta quarta-feira que está se aposentando profissionalmente do esporte que começou a praticar quando tinha apenas quatro anos. O anúncio foi feito em uma carta de despedida aos fãs publicada pelas revistas norte-americanas Vogue e Vanity Fair.

"Como você deixa para trás a única vida que você já conheceu? Como você se afasta das quadras em que treinou desde pequena, o jogo que você ama, um jogo que lhe trouxe lágrimas não contadas e alegrias indizíveis. um esporte em que você encontrou uma família, junto com fãs que se uniram atrás você por mais de 28 anos? Eu sou nova nisso, então por favor me perdoe. Tênis, estou me despedindo", escreveu a russa.

 

Maria Sharapova
Maria Sharapova celebra o título do US Open Foto: Jason O'Brien/Reuters
 

Desde 2007, quando teve sua primeira grave lesão no ombro direito (operado duas vezes), Sharapova batalhou com, pelo menos, outras nove lesões entre braço, cotovelo, coxa e tornozelo. Antes das contusões, conquistou o título de Wimbledon, em 2004, e o US Open de 2006. Já convivendo com elas, faturou o Aberto da Austrália, em 2008, e Roland Garros por duas vezes, em 2012 e 2014.

"Eu aceitei esses sinais finais quando eles vieram. Um deles aconteceu em agosto do ano passado durante o Aberto dos Estados Unidos (US Open). Atrás de portas fechadas, trinta minutos antes de entrar na quadra, tinha um procedimento para 'entorpecer' meu ombro... Compartilho isso não para obter pena, mas para pintar minha nova realidade: meu corpo se tornou uma distração", contou Sharapova.

Em 2016 veio o pior momento da carreira da russa, que foi pega em um exame antidoping realizado no Aberto da Austrália daquele ano com o uso de Meldonium, uma substância que tomava desde 2006, mas que se tornou proibida em 1.º de janeiro daquele ano. Ela acabou suspensa por duas temporadas, mas recorreu e viu a pena cair para 15 meses. Porém, desde o retorno a russa sofreu com lesões e nunca mais repetiu o tênis de antigamente.

Na carta de despedida, Sharapova faz uma espécie de viagem pela própria carreira. Em Sochi, na Rússia, ela deu os primeiros passos no tênis aos quatro anos, inspirada pelo pai. Hoje, com 32, expressou gratidão ao esporte e garantiu que sentirá saudades da antiga rotina. "Ao dar minha vida ao tênis, o tênis me deu uma vida. Sentirei falta todos os dias. Vou sentir falta do treinamento e da minha rotina diária: acordar de madrugada, amarrar o sapato esquerdo à direita e fechar o portão da quadra antes de acertar minha primeira bola do dia. Vou sentir falta da minha equipe, dos meus treinadores. Vou sentir falta dos momentos sentados com meu pai no banco da quadra de treino. Os apertos de mão - ganhar ou perder - e os atletas, sabendo ou não, que me pressionaram a ser o meu melhor", disse.

A russa termina a sua carreira profissional no tênis com 36 títulos e somando 21 semanas na liderança do ranking da WTA. Ela ainda conquistou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Seu último jogo foi a derrota para a croata Donna Vekic por 2 sets a 0 - com parciais de 6/3 e 6/4 -, em janeiro, pela primeira rodada do Aberto da Austrália.


Estadão quarta, 26 de fevereiro de 2020

MILHÕES NA FILA SEM BOLSA

 

Milhões na fila dos sem-bolsa

Nada poderia justificar o abandono dessas pessoas, especialmente numa fase de atividade ainda fraca e de perspectivas modestas de crescimento

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

26 de fevereiro de 2020 | 03h00

Privados do Bolsa Família, milhões de pobres buscam ajuda de prefeituras, em todo o País, para conseguir o mínimo indispensável à sobrevivência. Muitas dessas prefeituras também são pobres e incapazes, portanto, de suportar essa sobrecarga. O problema se acumula – para as famílias e para os municípios – porque o governo federal deixou, desde o primeiro semestre do ano passado, de dar cobertura a milhões de pessoas no principal programa de transferência de renda. O crescimento da pobreza era previsível. O desemprego tem recuado muito devagar e permanece muito mais alto que nas demais economias emergentes e no mundo avançado. Mas os programas econômicos e sociais foram conduzidos como se a população de renda mais baixa estivesse em condições muito mais confortáveis, ou talvez nem passasse de uma ficção estatística. Na fila dos pobres sem assistência já se acumulam uns 3,5 milhões de pessoas, correspondentes a cerca de 1,5 milhão de famílias, segundo informe do Estado. A reportagem apresenta aqueles números como conservadores.

O quadro se agravou a partir de junho. Em maio, 264.159 famílias foram incluídas entre as beneficiárias do programa Bolsa Família. Em junho, o número caiu para 2.542. Os novos ingressos continuaram nesse patamar até outubro. Os últimos dados do cadastro de benefícios sociais do governo federal são daquele mês. Os novos problemas, segundo o Ministério da Cidadania, serão eliminados quando se concluírem os estudos de reformulação do programa Bolsa Família. 

Essa resposta é no mínimo chocante. Milhões de pobres foram deixados sem assistência, no meio de uma economia frágil e com alto desemprego, enquanto se estudava a mudança do mais importante programa de ajuda social? Quem pode ter tido essa ideia quase inacreditável? Mas uma segunda explicação foi apresentada por técnicos ouvidos pela reportagem – e essa também é espantosa. Segundo essas fontes, a redução dos ingressos pode ter sido manobra para se acumular o dinheiro necessário a uma 13.ª parcela prometida pelo candidato Jair Bolsonaro. Se isso for verdade, alguém terá decidido deixar milhões ao relento para dar um agrado aos já incluídos no programa.

 Nenhuma dessas explicações deve satisfazer às famílias sem acesso à bolsa, nem aos prefeitos pressionados para fornecer um socorro bem superior às suas possibilidades, nem ao novo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Mais do que outras figuras da política brasileira, ele tem motivos para se queixar de uma herança maldita. Não está claro, no entanto, como se poderá normalizar o programa. Será preciso remanejar verbas do Orçamento? Nesse caso, quanto tempo será consumido?

Falando à reportagem, prefeitos de municípios pequenos mostraram as dificuldades para socorrer as pessoas privadas do Bolsa Família. Não por acaso, a procura de ajuda cresceu de forma significativa nas áreas mais pobres do País.

Em grande parte do Brasil os piores efeitos da recessão persistiram, e provavelmente se agravaram, mesmo depois da retomada do crescimento em 2017. O desemprego permaneceu muito alto, apesar de alguma redução, e as perspectivas continuaram muito ruins principalmente para os trabalhadores menos qualificados. Nada poderia justificar o abandono dessas pessoas, especialmente numa fase de atividade ainda fraca e de perspectivas modestas de crescimento.

Uma expansão econômica na faixa de 2% a 2,3%, projetada para este ano por boa parte dos economistas, será insuficiente para mudar de forma significativa as condições de emprego. Os desocupados, subempregados e ocupados precariamente por conta própria continuarão muito numerosos. Mas esses ainda serão considerados felizardos, quando comparados com as pessoas de menores qualificações. Para fazer o mínimo necessário, o governo terá de cuidar de ajustes e reformas, de buscar meios de impulsionar o crescimento e de manter o socorro aos mais pobres. As eleições poderão ser um estímulo para fazer as coisas certas.


Estadão segunda, 24 de fevereiro de 2020

RESPONSABILIDADE, AINDA QUE TARDIA

 

Responsabilidade ainda que tardia

É hora de governantes e governados decidirem se querem manter um pássaro na mão ou saltar sobre o abismo para apanhar dois voando, como fez Minas Gerais

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

24 de fevereiro de 2020 | 03h00

Na contramão do saneamento fiscal que a União e os Estados e municípios mais ajuizados vêm promovendo, a Assembleia de Minas Gerais aprovou um aumento salarial para o funcionalismo de quase 30%. O caso ilustra a necessidade de se implementar garantias constitucionais que imponham disciplina à contabilidade criativa engendrada por governantes locais para repassar a conta de seu populismo aos demais contribuintes do País e às futuras gerações.

Tudo começou com a pressão das corporações policiais. O governador Romeu Zema (Novo) encaminhou à Assembleia um projeto de reajuste de 41,7% apenas para os agentes de segurança. Numa retaliação peculiarmente oportunista, a oposição propôs uma emenda estendendo o aumento a outras categorias, incluindo as mais privilegiadas, como Ministério Público e Judiciário. O impacto no orçamento será de mais de R$ 20 bilhões. Agora, cabe ao governador vetar ou sancionar o reajuste.

Minas é um dos Estados com as finanças mais destroçadas do País. Sua economia está 3,5% abaixo do nível pré-crise, os salários dos servidores estão sendo parcelados e o 13.º está atrasado. No ano passado, o governo reduziu o déficit de R$ 15 bilhões para R$ 8 bilhões, mas agora o rombo deve aumentar para R$ 13 bilhões. O Estado ganhou uma liminar da Suprema Corte para não pagar o serviço da dívida com a União e negocia sua entrada no Regime de Recuperação Fiscal.

 Assim como Minas, muitos Estados estão à beira do colapso. Nos anos 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal e vastas renegociações com o Tesouro mitigaram o desequilíbrio crônico dos Estados. Mas logo a política de créditos petista voltou a facilitar o endividamento irresponsável, que cobrou seu preço na recessão. Entre 2014 e 2018, as dívidas dos entes subnacionais subiram na ordem de 0,5% ao ano. Novas operações de socorro foram montadas, mas alguns governos – notadamente os do Rio de Janeiro – têm descumprido, com amplo endosso judicial, as condições negociadas.

Enquanto isso as despesas com o funcionalismo estão descontroladas. Entre 2011 e 2018, os gastos com pessoal nos entes subnacionais cresceram 40%. Atualmente, o déficit total já passa dos R$ 100 bilhões. No ano passado, a União teve de cobrir um calote que somou R$ 8,35 bilhões, quase o dobro de 2018.

Tudo isso evidencia a necessidade de se aprovar reformas de natureza fiscal, em especial as duas medidas emergenciais: a PEC dos gatilhos fiscais e o Plano de Promoção de Equilíbrio Fiscal (PEF). A PEC institui mecanismos de ajuste – como bloqueio de contratações, promoções e reajustes – sempre que as despesas dos Estados superarem 95% das receitas. Já o PEF prevê novas modalidades de socorro aos Estados hiperendividados que não preenchem as condições para pleitear novos financiamentos, desde que se comprometam com medidas de saneamento fiscal. O Plano é bastante maleável, dando aos Estados a possibilidade de selecionar três entre oito medidas mais adaptadas à suas condições. Estas, contudo, são apenas medidas emergenciais, capazes de dar algum fôlego aos Estados, mas não de arrancar pela raiz o problema: o crescimento descontrolado da folha de pessoal, especialmente o inativo.

Em Brasília, entre as resistências corporativas, as pautas heteróclitas dos parlamentares e a desarticulação crônica do governo, os projetos emergenciais estão encalhados, enquanto a reforma administrativa se desidrata antes mesmo de ser oficializada. Muitos Estados, por sua vez, relutam em aderir à reforma da Previdência e fazem ouvidos moucos à reestruturação do funcionalismo. É hora de governantes e governados decidirem se querem manter um pássaro na mão ou saltar sobre o abismo para apanhar dois voando, como fez Minas Gerais. Os últimos têm todo direito ao bônus de sua aventura. Mas cabe a União garantir que o ônus não seja repassado aos que preferirem manter os pés no chão áspero, mas firme, da realidade.


Estadão sábado, 22 de fevereiro de 2020

CARNAVAL PAULISTANO: PRIMEIRA NOITE DE DESFILES NO ANHEMBI

 

Primeira noite de desfiles no Anhembi tem arquibancadas cheias e promete disputa acirrada

Barroca Zona Sul abre desfiles no Anhembi às 23h15, em noite que conta com mais seis escolas. Veja a ordem das apresentações

Felipe Resk, O Estado de S.Paulo

22 de fevereiro de 2020 | 00h02

Mesmo com ameaça de chuva forte, o primeiro dia dos desfiles das escolas de samba de São Paulo recebe bom público no Sambódromo do Anhembi, na zona norte da capital. Segundo a Liga das Escolas de Samba, a expectativa é de que entre 25 mil e 30 mil pessoas assistam às primeiras sete candidatas que disputam o título desta edição.

Carnaval no Anhembi
Escola de samba Barroca da Zona Sul homenageia a quilombola a líder quilombola Tereza de Benguela
.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Presidente da Liga, Paulo Sérgio Ferreira, o Serginho, abriu o carnaval em tom otimista, mas evitou falar em favoritas. "Vamos proporcionar grandes espetáculos. A disputa vai ser acirrada", afirmou. "A Liga estava preparada para lidar com a chuva forte, mas, graças a Deus, São Pedro segurou as torneiras."

 Ele também agradeceu o apoio da Prefeitura e chamou Bruno Covas (PSDB) de "grande prefeito". "Ele gosta do carnaval de São Paulo e entende que traz emprego e recurso para a cidade."

A primeira escola a desfilar é a Barroca Zona Sul, que retorna ao grupo especial após 15 anos. "Chegou nosso momento. Lutamos para chegar aonde a gente chegou. Hoje vamos cantar, vamos evoluir", disse o presidente Ewerton Cebolinha. A escola que abre o carnaval de São Paulo homenageará a líder quilombola Tereza de Benguela.

 

Tom Maior
Tom Maior questiona "o que é coisa de preto" no sambódromo do Anhembi Foto: Foto: Taba Benedicto/Estadão

A escola Tom Maior deu seguimento e foi a segunda a desfilar no Anhembi. Com o samba-enredo "É coisa de preto", a música mostra contribuição de negras e negros para a formação do Brasil. Além de exaltar artistas, a escola trouxe aspectos da religião e da cultura afro-brasileira. A última alegoria fez uma homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.

 Dragões da Real

Dragões da Real levou o riso para o sambódromo do Anhembi Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

A terceira escola a cruzar o sambódromo foi a vice-campeã de 2019 Dragões da Real,  que encheu de gargalhadas o Anhembi. Com o samba "A Revolução do Riso: A arte de subverter o mundo pelo divino poder da alegria", a escola teve também muitas lágrimas. A rainha da bateria Simone Sampaio se despediu do título após 8 anos. Um dos mestres do riso, Charles Chaplin foi lembrado durante o desfile.

Ao fim, um dos carros enroscou em um fio na dispersão e causou atraso de cerca de 20 minutos na entrada da Mancha Verde, escola que vem a seguir. Em entrevista à TV Globo, o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, Paulo Sérgio Ferreira, também conhecido como Serginho, disse que a escola não será punida pois não há previsão para isso no regulamento. Por conta das manobras com os carros alegóricos da Dragões da Real, a energia foi cortada em alguns setores do sambódromo.  

 

Mancha Verde
A rainha da bateria Viviane Araújo se fantasiou de luxúria Foto: FOTO: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Depois do atraso, a Mancha Verde entrou no sambódromo por volta das 4h defendendo o samba-enredo "Pai! Perdoai, eles não sabem o que fazem!". A ideia da escola é defender o amor e fazer uma reflexão sobre a humanidade e os atos condenáveis dos homens ao longo da história. Por conta do incidente com a alegoria da Dragões da Real na dispersão, o tempo de desfile foi contado em cronômetros ao longo do percurso. A escola finalizou seu desfile em 64 minutos. 

O presidente da Liga comentou, em entrevista à TV Globo que os problemas não serão repetidos na próxima escola que desfila no Anhembi, a Acadêmicos do Tatuapé. O relógio que fica na dispersão voltou a ser ligado e já deve ser usado no próximo desfile. Apesar da promessa de Serginho, as alegorias da Mancha Verde tiveram probemas para sair da dispersão.

 

Acadêmicos do Tatuapé
Quinta escola a entrar no Anhembi neste primeiro dia de desfiles Foto: Foto: Taba Benedicto/Estadão

Acadêmicos do Tatuapé foi a quinta escola a entrar no Anhembi por volta das 5h. A escola defendeu o enredo "O ponteio da viola encanta... Sou fruto da terra, raiz desse chão... Canto Atibaia do meu coração", contando a história da cidade de Atibaia, no interior do Estado. Por conta do atraso na dispersão da Dragões da Real, a escola começou o desfile com atraso e encerrou, dentro do tempo, com o dia amanhecendo. 

Em 2020, Ana Paula Minerato fez sua estreia à frente da bateria da escola, depois de defender a Gaviões da Fiel por 20 anos. Foi apresentado a cultura popular da cidade e sua traduição religiosa. Artistas locais também participaram do desfile.

 

Império de Casa Verde
Império de Casa Verde foi sexta escola a desfilar no Anhembi Foto: REUTERS/Amanda PerobelliByline:AMANDA PEROBELLI

A penúltima escola da noite foi a Império de Casa Verde, que desfilou o samba-enredo  "Marhaba Lubnãn", que quer dizer "Olá Líbano", em árabe. A escola contou, nos 65 minutos, os 7 mil anos de história do povo libanês, desde sua origem no mediterrâneo às migrações, incluindo a presença da cultura libanesa no Brasil. 

O Império de Casa Verde enfrentou uma chuva durante sua passagem pelo sambódromo do Anhembi e, por conta do atraso na dispersão da Dragões da Real, começou o desfile já no início da manhã deste sábado, 22. Mesmo com a luz do dia, as alegorias abusaram do LED e os efeitos especiais. O desfile, marcado por muita história e homenagens, contou com presença do médico Dr. Roberto Calil, do Hospital Sírio Libanês.

 

X-9 Paulistana
X-9 Paulistana homenageia as regiões e costumes brasileiros Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

A X-9 Paulistana fechou o desfile de sexta-feira com animação, apesar do atraso. Com o enredo "Batuques para um rei coroado" e Juju Salimeni como rainha de bateria, a escola contou uma história do Brasil citando ritmos e festas populares das diversas regiões do País. 

Veja a ordem dos desfiles do Grupo Especial de São Paulo nesta sexta e sábado:

Sexta, Grupo Especial:

23h15 – Barroca Zona Sul

00h20 – Tom Maior

01h25 – Dragões da Real

02h30 – Mancha Verde

03h35 – Acadêmicos do Tatuapé

04h40 – Império de Casa Verde

05h45 – X-9 Paulistana

Sábado, Grupo Especial: 

22h30 – Pérola Negra

23h35 – Colorado do Brás

0h40 – Gaviões da Fiel

1h45 – Mocidade Alegre

2h50 – Águia de Ouro

3h55 – Unidos de Vila Maria

5h00 – Rosas de Ouro


Estadão sexta, 21 de fevereiro de 2020

INVESTIDORES: MUITOS MOTIVOS PARA DESCONFIAR

 

 

Muitos motivos para desconfiar

Sequência de crises tem levado investidores a se questionar se o governo será capaz de cumprir promessas de ajuste fiscal e encaminhamento de reformas

Notas e Informações, Impresso

21 de fevereiro de 2020 | 03h00

Estado mostrou em reportagem publicada ontem que os investidores começam a se perguntar se o governo de Jair Bolsonaro será mesmo capaz de cumprir suas promessas de ajuste fiscal e de encaminhamento de reformas. O motivo é a sequência de crises geradas em várias frentes, em particular na área econômica do governo e na articulação do Palácio do Planalto com o Congresso.

Conflitos são próprios da política e naturais na administração de um país. Afinal, é do confronto aberto de ideias e visões diferentes que surgem as melhores soluções. O problema é que, tanto na política quanto na governança, é preciso que haja lideranças capazes de conduzir a bom termo o processo de tomada de decisões, transmitindo firmeza e segurança a todos os que serão, direta ou indiretamente, afetados por elas.

Infelizmente, ao longo do primeiro ano de mandato e, em particular, nos últimos dias, o governo de Bolsonaro tem dado demonstrações públicas de confusão e confronto, seja internamente, seja na sua relação com o Congresso. Desde sempre houve dúvidas genuínas sobre o compromisso de Jair Bolsonaro com as reformas e com o equilíbrio fiscal, mas recentemente sua hesitação causou graves ruídos no Ministério da Economia – cujo titular, Paulo Guedes, passou todo o primeiro ano de governo a reafirmar a promessa de promover uma revolução liberal no Estado brasileiro, com reformas profundas, privatizações em massa, redução drástica de subsídios e abertura para o mundo.

 Quase nada disso foi entregue até agora, em parte porque havia uma distância descomunal entre as promessas de Paulo Guedes e a realidade, e em parte porque o presidente Bolsonaro jamais foi um liberal. Ao contrário, sua carreira política como deputado se notabilizou pela defesa de corporações de funcionários públicos e contra as reformas. Mas, graças em larga medida à presença de Paulo Guedes na campanha de Bolsonaro à Presidência, havia no mercado a expectativa de que a agenda de racionalização do Estado pudesse avançar a despeito das reticências do presidente.

Um ano bastou, porém, para que muitos investidores – bem como a maioria dos cidadãos – percebessem que Bolsonaro não apenas carece das qualidades básicas para presidir o País, como tem de sobra características que comprometem o andamento das reformas e, no limite, a própria governabilidade.

Um exemplo recente foi o comportamento errático do presidente na negociação com o Congresso a respeito do manejo do Orçamento. Primeiro, vetou mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que tornou obrigatória a execução de emendas apresentadas por relatores, o que daria ao Congresso o controle de R$ 46 bilhões. Na visão da equipe econômica, isso engessaria ainda mais o Orçamento; na prática, reduziria a capacidade do governo de usar a liberação de emendas como moeda de troca para obter apoio no Congresso. Diante da perspectiva da derrubada do veto, o governo, na figura do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Carlos Ramos, passou a negociar um meio-termo, em que o Executivo recuperaria o controle sobre cerca de R$ 11 bilhões. Um acordo chegou a ser anunciado, mas então tanto o presidente Bolsonaro como seu ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Heleno, se queixaram de “chantagem” do Congresso.

Além de criar um enorme problema com o Congresso, o episódio levantou sérias dúvidas sobre a capacidade de Bolsonaro e de seus ministros mais próximos de tomar e sustentar decisões. O presidente, em especial, parece perigosamente suscetível ao burburinho das falanges radicais do bolsonarismo, que tratam os parlamentares como inimigos e a política como coisa imunda.

Esse padrão caótico mina a credibilidade do governo, pois não se sabe se medidas que valem hoje continuarão a valer amanhã ou se o presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, conseguirá em algum momento ser o presidente que até agora não foi.


Estadão quinta, 20 de fevereiro de 2020

DESCONTROLE TOTAL

 

Descontrole total

Já não é mais possível dizer que o presidente Bolsonaro está “testando os limites” da democracia e do decoro, pois estes há muito tempo foram superados

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

20 de fevereiro de 2020 | 03h00

O destempero do presidente Jair Bolsonaro atingiu nesta semana um nível inaceitável para quem ocupa tão elevado cargo. Já não é mais possível dizer que o presidente está “testando os limites” da democracia e do decoro, pois estes há muito tempo foram superados. O que aconteceu nos últimos dias é mais do que simplesmente uma reiteração da falta de moderação de Bolsonaro; trata-se de demonstração cabal da incapacidade do presidente de controlar a própria língua e, por extensão, o governo que chefia.

Na terça-feira de manhã, o presidente chocou o País ao ofender publicamente uma jornalista com grosseiras insinuações de caráter sexual. Horas mais tarde, quando os brasileiros ainda tentavam se refazer da indignação causada pelo comportamento acintosamente desrespeitoso do presidente da República, Bolsonaro surpreendeu a todos com declarações enigmáticas acerca da permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo. Sem que ninguém lhe perguntasse, Bolsonaro afirmou que “o Paulo não pediu para sair, tenho certeza de que ele vai continuar conosco até o último dia”.

Por estar no topo da hierarquia da administração pública, um presidente da República deve se pautar pela discrição. Tudo o que diz tem o potencial de servir como referência e informação fundamental para a sociedade. Para começar, é principalmente dele que deve partir o exemplo de respeito pelas instituições, sem as quais a própria Presidência da República não se legitima. Um presidente, ademais, deve ser capaz de transmitir serenidade e firmeza na condução de seu governo, pois disso dependem a estabilidade política do País e a confiança dos agentes econômicos.

 Quando um presidente dá indícios claros de que ignora, em todos os aspectos, a liturgia e o peso político e institucional de seu cargo, estamos diante de um desgoverno.

Não é trivial que o presidente venha a público, sem ser provocado, para manifestar-se sobre a possibilidade de demissão de seu principal ministro, responsável pela condução da economia e avalista de Bolsonaro ante investidores internos e externos. Ao informar que se cogitou a saída de Paulo Guedes, Bolsonaro dá materialidade a rumores de que a equipe econômica estaria descontente. Motivos, afinal, não faltam: além de ser notória a falta de apoio do presidente às reformas, Bolsonaro não demonstrou empenho em defender seu ministro da Economia depois que este deu declarações desastrosas sobre funcionários públicos “parasitas” ou sobre os efeitos, a seu ver absurdos, do dólar barato, como a possibilidade de uma empregada doméstica viajar para o exterior.

Ademais, Paulo Guedes estaria descontente porque o governo aceitou negociar com o Congresso o controle de execução de emendas parlamentares ao Orçamento, embora o presidente Bolsonaro tenha dito que não aceitaria se tornar “refém” do Legislativo. Ao ministro da Economia se juntou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que se queixou das “insaciáveis reivindicações” dos parlamentares e acusou “esses caras” do Congresso de fazerem “chantagem”.

A barafunda obrigou Bolsonaro a se reunir às pressas, a portas fechadas, com Paulo Guedes, Augusto Heleno e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política. Oficialmente, o encontro serviu para discutir a reforma administrativa, mas o fato de que a reunião, fora da agenda, obrigou o governo a cancelar em cima da hora um evento para quase mil convidados, muitos dos quais já estavam no Palácio do Planalto, indica que havia um incêndio de grandes proporções a ser debelado.

Num governo em permanente autocombustão, os bombeiros infelizmente ainda terão muito trabalho, pois o próprio presidente Bolsonaro, desde sempre, quando se manifesta sobre qualquer assunto, costuma adicionar gasolina ao fogo. A confusão de seu governo é reflexo de uma profunda incompreensão acerca de seu papel como presidente. Governar não é ofender – seja a honra das pessoas, seja a inteligência alheia.


Estadão quarta, 19 de fevereiro de 2020

BOLSONARO E OS GOVERNADORES

 

Bolsonaro e os governadores

O presidente tem inviabilizado qualquer forma de diálogo com a maioria dos governadores, além de complicar-lhes a administração naquilo que pode

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

19 de fevereiro de 2020 | 03h00

Vinte governadores, de todas as tendências políticas, assinaram uma carta aberta a Jair Bolsonaro para cobrar do presidente da República “equilíbrio, sensatez e diálogo”. A mensagem foi uma reação às declarações de Bolsonaro segundo as quais o governador da Bahia, Rui Costa (PT), “mantém fortíssimos laços” com bandidos e que a “PM da Bahia, do PT”, teria praticado uma “queima de arquivo”, no caso da morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega em confronto com a polícia no dia 9.

Pode-se dizer que as afirmações de Bolsonaro na verdade foram a gota d’água numa relação já bastante tumultuada entre o presidente e os governadores. Há poucos dias, Bolsonaro desafiou os governadores a zerarem o ICMS incidente sobre os combustíveis, afirmando que o preço da gasolina continuava alto nos postos porque os Estados não querem abrir mão de receita. Os governadores reagiram, afirmando, também por meio de mensagem coletiva, que não se pode discutir questões tributárias importantes como essa de maneira tão ligeira e populista. Em julho do ano passado, Bolsonaro ofendeu os governadores dos Estados do Nordeste, chamando-os de “governadores de paraíba”. Em resposta, esses governadores assinaram uma mensagem para manifestar “profunda indignação”.

Nas três cartas, os governadores enfatizaram a necessidade de interlocução e colaboração entre os Estados e o governo federal. Esse deveria ser o espírito a presidir as relações da União com os entes da Federação.

 É natural que eventualmente haja algum estremecimento do presidente com este ou aquele governador, em circunstâncias próprias do jogo de poder – e não é possível ignorar que alguns governadores acalentam o sonho de chegar à Presidência na eleição de 2022, sendo, portanto, potenciais adversários de Bolsonaro nas urnas. Mas o que se vê entre Bolsonaro e os governadores extrapola os limites do simples embate político. O presidente tem inviabilizado qualquer forma de diálogo com a maioria dos governadores, além de complicar-lhes a administração naquilo que pode, mesmo quando isso representa prejuízo para as populações locais, justamente no momento em que o governo mais precisa de apoio para aprovar as reformas que pretende encaminhar ao Congresso.

Uma das reformas mais importantes, a tributária, por exemplo, depende de dura negociação com os Estados, que vivem situação fiscal precária e precisam da manutenção ou até da ampliação da receita para fechar as contas.

“O presidente Bolsonaro não quer aproximação com o Congresso, não quer aproximação com os governadores. Mas nós todos fomos eleitos”, disse o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que desde sempre apoiou o presidente. “Só estamos pedindo um pacto federativo para recuperar a República. Se ele quer se afastar da política, não quer os governadores, isso é uma decisão dele”, declarou o governador.

Bolsonaro faria bem se prestasse atenção aos apelos dos governadores, expressos em declarações e nas cartas abertas que assinaram em resposta aos ataques presidenciais. Na mais recente, os governadores dizem que essas ofensas “não contribuem para a evolução da democracia no Brasil”. Afirmam também que “é preciso observar os limites institucionais com a responsabilidade que nossos mandatos exigem”. Finalmente, lembram que somente “trabalhando unidos conseguiremos contribuir para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros”. A carta termina dizendo que “juntos podemos atuar pelo bem do Brasil e dos brasileiros” e convida Bolsonaro a participar do Fórum Nacional dos Governadores, marcado para o dia 14 de abril.

Esse gesto de conciliação dos governadores é uma oportunidade de ouro para que Bolsonaro finalmente se mostre à altura do cargo que ocupa, exercendo a Presidência no interesse de toda a Federação, sem criar atritos desnecessários ou perder energia com assuntos pouco relevantes para os destinos do País. O momento exige que considerações eleitoreiras, e principalmente familiares, sejam colocadas em segundo plano diante da necessidade urgente de convergência para a aprovação das reformas.


Estadão segunda, 17 de fevereiro de 2020

A VIRADA DIGITAL DOS PARTIDOS

 

A ‘virada digital’ dos partidos

Se eles estão realmente interessados em se reinventar para sobreviver aos novos tempos, o primeiro passo é investir primeiro na mensagem, e só depois no meio de propagá-la

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

17 de fevereiro de 2020 | 03h00

Reportagem do Estado mostrou que os maiores partidos estão investindo em uma “virada digital” para recuperar relevância política e renovar seus quadros. É uma iniciativa alinhada com os tempos em que as redes sociais e os meios digitais dominam a comunicação e, por extensão, a mobilização política em todo o mundo.

Ao que parece, contudo, a “virada digital” restringe-se por ora ao fornecimento de ferramentas para ampliar o potencial eleitoral dos candidatos desses partidos. Pode até ser que muitos acabem sendo bem-sucedidos nas urnas a partir desse incremento de participação no mundo virtual, mas nada disso significará, em si mesmo, a redenção dos partidos como meios de representação política do eleitorado.

Faz todo sentido que os partidos busquem municiar seus filiados interessados em disputar cargos eletivos com cursos de formação online e instrumentos digitais de gerenciamento de campanhas. Os cursos servem, por exemplo, para orientar os aspirantes a candidatos sobre as atividades básicas de um parlamentar e como funciona a legislação eleitoral, o que a maioria provavelmente desconhece.

 Também é natural que os partidos estejam mobilizados na busca de formas espertas de usar o ambiente interativo da internet, razão pela qual os cursos ensinam como gerenciar as redes sociais e monitorar a audiência e o engajamento, tidos como fundamentais numa campanha bem-sucedida.

O problema é que os partidos parecem entender que perderam importância porque negligenciaram por muito tempo o universo das redes sociais, e não porque vêm progressivamente se desconectando dos verdadeiros interesses da sociedade e dos cidadãos.

Essa degradação da política partidária resulta de uma combinação de diversas crises. A primeira, e mais óbvia, é de representatividade, gestada também pela multiplicação desenfreada de partidos. Organizar uma agremiação partidária tornou-se um bom negócio, por franquear acesso a fundos públicos. Até a minirreforma eleitoral de 2017, mesmo legendas que não tinham nenhum parlamentar podiam usufruir de uma fração do fundo partidário. Agora, com a imposição de uma cláusula de desempenho, esse acesso será negado a partidos que só existem no nome, o que deve levar à sua extinção por falta de dinheiro. Mas o estrago já está feito: com mais de 30 partidos em atividade e outras dezenas na fila de espera da Justiça Eleitoral, grande parte do eleitorado está plenamente convencida de que eles nada representam além dos interesses de seus caciques, muito distantes dos anseios da coletividade.

A segunda crise é moral. Levará muito tempo ainda para que a política recupere seu prestígio como lugar da resolução de conflitos e da elaboração de soluções duradouras para o País. Os escândalos de corrupção e a prevalência de agendas paroquiais e francamente corporativas em detrimento das reais necessidades nacionais alienaram os cidadãos da política de maneira radical. Não será um punhado de tuítes bem elaborados que reverterá esse quadro.

Por fim, mas não menos importante, os partidos não têm nenhuma identidade. Mesmo grandes legendas com base ideológica reconhecível, como PT e PSDB, perderam-se em seus respectivos labirintos. A única ideologia do PT hoje é o lulismo, espécie de manifestação mística da vontade do demiurgo Lula da Silva. No PSDB, a histórica plataforma social-democrata derreteu, a tal ponto que tucanos flertaram abertamente na eleição passada com a extrema direita bolsonarista.

Se os partidos estão realmente interessados em se reinventar para sobreviver aos novos tempos, o primeiro passo é investir primeiro na mensagem, e só depois no meio de propagá-la. De nada adianta ter uma formidável rede de contatos e disseminação de ideias se o discurso é vazio ou meramente eleitoreiro. A depender das circunstâncias, mesmo rinocerontes são capazes de ganhar uma eleição; um verdadeiro partido político, contudo, deve ir muito além das urnas, palanques e redes sociais, oferecendo ao eleitorado a chance de interferir efetivamente nas grandes questões do País.


Estadão sábado, 15 de fevereiro de 2020

A MILITARIZAÇÃO DO PLANALTO

 

A militarização do Planalto

Decisão de Jair Bolsonaro é compreensível. O problema é que ele parece disposto a fechar definitivamente as portas aos políticos, aquartelando-se no Planalto

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

15 de fevereiro de 2020 | 03h00

O presidente Jair Bolsonaro anunciou o general Walter Braga Netto, chefe do Estado-Maior do Exército, como o novo ministro da Casa Civil. Quando a nomeação for efetivada, todos os Ministérios com gabinete no Palácio do Planalto estarão ocupados por militares.

É compreensível que Bolsonaro queira ter, como seus ministros mais próximos, pessoas com quem tenha maior afinidade. O presidente, como capitão reformado do Exército, decerto sente-se mais à vontade e confiante com assessores que foram seus companheiros de farda ou são egressos do mesmo ambiente em que se formou como militar. O problema é que, assim, Bolsonaro parece disposto a fechar definitivamente as portas aos políticos, aquartelando-se no Palácio do Planalto.

Nada disso pode ser considerado definitivo, em especial para um presidente que troca ministros e assessores com enorme facilidade, muitas vezes como consequência de rompantes inesperados e por motivos obscuros – em geral relacionados às idiossincrasias dos filhos. Poucos são os ministros de Bolsonaro que podem se dizer seguros no cargo, mesmo os que supostamente se ligam ao presidente pelo espírito de camaradagem dos quartéis – que o diga o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido da Secretaria de Governo em junho do ano passado por interferência direta do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos filhos do presidente. Esse caso, como vários outros, mostra que o único compromisso firme de Bolsonaro não é com a estabilidade da administração do País, mas sim com relações de parentesco. Nem mesmo um amigo de longa data do presidente, como o general Santos Cruz, resistiu à força dos laços familiares.

 Enquanto durar, contudo, o “gabinete fardado” do Palácio do Planalto é um indicativo claro de que o presidente Bolsonaro resolveu retirar o gerenciamento de seu governo da órbita dos políticos. “Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar”, brincou o presidente, em referência ao andar do Palácio do Planalto onde ficam o gabinete da Presidência da República e os de alguns de seus principais auxiliares. Agora, ministros militares ocupam toda a chamada “cozinha do Planalto” – a Casa Civil, a Secretaria de Governo, o Gabinete de Segurança Institucional e a Secretaria-Geral.

Uma das principais tarefas da Casa Civil é justamente coordenar os Ministérios, o que dá a seu titular o enorme poder de ser a voz do presidente no relacionamento com todo o primeiro escalão. Ao que parece, o presidente Bolsonaro acredita que um militar terá melhores condições de realizar esse trabalho. “Nada contra os civis”, apressou-se a dizer Bolsonaro, mas, segundo deu a entender, o futuro ministro, por ser general, conseguirá “coordenar os ministros, buscar soluções e antecipar os problemas que podem acontecer”. E o que não tem faltado neste governo, desde o primeiro dia, são problemas.

Ao se acercar somente de militares e colocar em função-chave na organização do governo um general com o perfil de Braga Netto – ao chefiar a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, em 2018, ele demonstrou elogiável discrição e foco na disciplina –, Bolsonaro sinaliza rédea mais curta em relação a seus ministros, em especial os que podem nutrir pretensões eleitorais, e uma interlocução ainda menor com os políticos e com o Congresso.

Sabe-se, desde sempre, que Bolsonaro desconfia até da própria sombra, imaginando-se cercado de “traíras” – a expressão é dele, para designar os que, em sua visão, se aproveitam da onda bolsonarista para auferir lucros eleitorais. Recentemente, disse que daria “cartão vermelho” a ministro que esteja “usando Ministério” como trampolim eleitoral. Coincidência ou não, pouco depois o ministro Onyx Lorenzoni, que ultimamente passou mais tempo cuidando de seu projeto de se tornar governador do Rio Grande do Sul do que das tarefas da Casa Civil, perdeu o cargo.

De seus ministros, Bolsonaro espera lealdade absoluta, bem de acordo com o espírito da caserna. É o único critério que, para ele, realmente importa.


Estadão quinta, 13 de fevereiro de 2020

BLSONARO LAVA AS MÃOS

 

Bolsonaro lava as mãos

Presidente está fazendo de tudo para se esquivar de sua responsabilidade na reforma administrativa. Ele quer que o Congresso assuma todo o ônus político

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

13 de fevereiro de 2020 | 03h00

O secretário-geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, informou que não é possível dizer quando o governo pretende enviar uma proposta de reforma administrativa para o Congresso. Segundo informações colhidas pelo Estado, a equipe econômica já formulou o projeto, faltando apenas a decisão política de remetê-lo para a apreciação dos parlamentares. O problema, como parece cada dia mais claro, é que o presidente Jair Bolsonaro está fazendo de tudo para se esquivar dessa responsabilidade, provavelmente ante a percepção de que o tema é natural fonte de estresse político, em razão da força do funcionalismo público no Congresso.

Trata-se de um padrão. O governo até se diz a favor das reformas, mas na realidade não se empenha em elaborá-las ou aprová-las – isso quando não as sabota. Foi assim, por exemplo, na acidentada tramitação da reforma da Previdência, que só foi aprovada porque houve genuíno esforço das lideranças do Congresso, enquanto os articuladores governistas mostraram assombrosa incapacidade de se organizar para defender a agenda reformista. Está sendo assim no caso da reforma tributária, cuja proposta do governo, apesar dos discursos sobre modernização e simplificação, ainda não deu o ar da graça, restando ao Congresso agir por conta própria. Os líderes do Senado estão se recusando a indicar os membros da comissão mista do Congresso para discutir a reforma – que deveria ter sido instalada no ano passado – enquanto o governo não apresentar sua proposta. O impasse levou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a informar que tentaria instalar a comissão nesta semana, e que, se os líderes não indicassem os integrantes, ele o faria.

O presidente Bolsonaro age como se não tivesse nada a ver com as reformas, embora delas dependa, em larga medida, a própria governabilidade. Ao contrário, o presidente já mandou avisar que até aceita fazer uma reforma administrativa, desde que seja “a mais suave possível” e valha somente para os futuros funcionários, não para os atuais. A desculpa é o temor de que uma reforma radical possa desencadear protestos como os que sacudiram recentemente o Chile.

 Assim, enquanto vive a anunciar um “novo Brasil”, mais moderno e desenvolvido, o presidente Bolsonaro é olímpico em relação às reformas sem as quais esse “novo Brasil” jamais será construído. Bolsonaro, como já ficou claro para muitos parlamentares, quer que o Congresso assuma todo o ônus político do processo de saneamento do serviço público, que afetará interesses muito poderosos, para depois usufruir dos louros da reforma, reivindicando sua paternidade. É o que está acontecendo no caso da reforma da Previdência, que agora o governo tenta capitalizar como se fosse uma vitória de Bolsonaro, embora o presidente quase nada tenha feito para aprová-la.

Nos cálculos de Bolsonaro estão, obviamente, as eleições. Para um presidente que assumiu o cargo já falando em reeleição, é evidente que o impacto das reformas na opinião pública é a medida de todas as coisas. Sendo assim, nada mais natural do que tentar deixar ao Congresso a tarefa de elaborar e negociar as reformas administrativa e tributária, enquanto o governo se limitaria a encaminhar “sugestões” para complementar projetos em discussão. Ou seja, na “nova política” bolsonarista, o Congresso sua a camisa e toma vaia da torcida, enquanto o presidente só entra no jogo para comemorar o gol.

Como era previsível, a reação dos parlamentares, entre os quais o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não tardou. Eles lembraram que uma reforma que altera a estrutura administrativa federal obviamente deve ser proposta pelo governo. Diante da resistência, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que o Executivo enviará afinal uma proposta, mas não soube informar quando. A julgar pelo que se tem visto, mesmo que haja um projeto do Executivo e que ele seja enviado nos próximos dias, nada garante que o governo, na hora de encarar o desgaste de defendê-lo, faça mais do que lavar as mãos.

 

 


Estadão quarta, 12 de fevereiro de 2020

HORA DE REPENSAR ATITUDES

 

Hora de repensar atitudes

Chuvas são fatos naturais. É preciso aprender a lidar com elas por meio da adoção de medidas que visem, antes de tudo, a preservar vidas

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

12 de fevereiro de 2020 | 03h00

Não deixará de chover em São Paulo. Mudanças climáticas são determinantes para que o volume de chuvas seja cada vez maior ou mais concentrado. Dadas suas características geográficas e intervenções urbanísticas, São Paulo é uma cidade que enche quando chove com mais intensidade. Essas três premissas devem nortear as ações do governo e da sociedade na maior cidade do País. Caso contrário, as consequências dos temporais serão corriqueiramente classificadas como “tragédias”, quando trágicas não precisam ser.

Na madrugada de domingo para segunda-feira, os paulistanos padeceram com o temporal mais intenso que caiu sobre a cidade no mês de fevereiro nos últimos 37 anos. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente nesse período de horas choveu 66% do volume esperado para todo o mês. No dia, foi registrada uma precipitação total de 114 milímetros. Um temporal desta magnitude causará estragos e mexerá com a vida das pessoas em qualquer cidade do mundo, até nas mais desenvolvidas. O que se espera das autoridades é que adotem as devidas medidas para mitigar os danos e, principalmente, evitar mortes. A Prefeitura e o governo estadual agiram nessa direção.

Em que pesem os enormes prejuízos financeiros e o caos instalado na cidade, ninguém morreu em decorrência do temporal que desabou sobre São Paulo. Em outros tempos não tão remotos, dezenas de famílias, quiçá centenas, estariam pranteando seus mortos ou passando pela angustiante busca por desaparecidos.

Calamidades semelhantes causaram danos irreparáveis em outros Estados da Região Sudeste. Há quase um ano, a maior chuva que caiu no Rio de Janeiro nas últimas duas décadas matou 10 pessoas. Há poucas semanas, 55 pessoas morreram em Minas Gerais e a capital, Belo Horizonte, ficou parcialmente destruída. Em São Paulo, a chuva interrompeu o tráfego nas Marginais dos Rios Pinheiros e Tietê em função dos muitos pontos de alagamento. Estabelecimentos comerciais, órgãos públicos, empresas e escolas fecharam. Quem podia ficou em casa, atendendo à recomendação da Prefeitura. Ruas e avenidas de muitos bairros, sobretudo na zona oeste, ficaram desertas.

É importante frisar que o fato de as consequências do temporal de segunda-feira não terem sido tão devastadoras quanto poderiam ser nem de longe recomenda a baixa de guarda das autoridades e dos cidadãos. A todos incumbem ações que não podem ser negligenciadas, sob risco de morte e prejuízos materiais ainda maiores do que os contados agora. O governo e a sociedade de São Paulo devem repensar a cidade segundo os critérios postos por uma nova realidade que é ditada pelas mudanças no clima, algumas inexoráveis.

“Eventos extremos estão cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo que aumenta a vulnerabilidade da população”, disse ao Estado o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A curva histórica de chuvas que serviu como base para a construção do sistema de drenagem de São Paulo já não serve mais.

Há milênios, o homem estuda formas de lidar com a força da natureza. Foi malsucedido sempre que ousou se sobrepor. Já quando usou a inteligência que o distingue entre as espécies para adaptar-se e dela tirar o melhor proveito, deu grandes saltos evolutivos. Esta não é uma boa época para os governantes brigarem com a Ciência, se é que já houve uma em que a afronta gerasse bons resultados.

Chuvas são fatos naturais. É preciso aprender a lidar com elas por meio da adoção de medidas que visem, antes de tudo, a preservar vidas. Isso diz respeito tanto à Prefeitura e ao governo de São Paulo como aos cidadãos. Adensamento não planejado, ocupação de áreas de várzea, impermeabilização dos solos, alteração do curso natural de rios e córregos e descaso com o descarte de lixo têm consequências. Quão graves serão, depende de os paulistanos repensarem a cidade e suas atitudes.


Estadão segunda, 10 de fevereiro de 2020

BOMBA-RELÓGIO FISCAL

 

Bomba-relógio fiscal

A relutância do governo em negociar suas propostas no Congresso – ou seja, em fazer política – está pondo a máquina pública na rota do colapso

Notas e Informações, O Estado de S. Paulo

10 de fevereiro de 2020 | 03h00

A relutância do governo em negociar suas propostas no Congresso – ou seja, em fazer política – está pondo a máquina pública na rota do colapso. O crescimento da dívida pública funciona como uma bomba-relógio que só pode ser desmontada por amplas reformas de Estado. O desmonte começou com a reforma da Previdência e só será consumado com outras, como a administrativa e a tributária, mas enquanto não for, o País precisa de mecanismos emergenciais para desacelerar a contagem regressiva. A isso serve a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, alcunhada não à toa “Emergencial”. Encaminhada ao Senado em novembro, ela está há quase dois meses atolada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Duas disposições constitucionais garantem a sustentabilidade fiscal do poder público: o Teto de Gastos, pelo qual a máquina pública não pode gastar mais do que um determinado valor, e a Regra de Ouro, pela qual não se pode endividar para pagar despesas correntes. Ocorre que, devido às disfunções da máquina pública, os gastos obrigatórios com salários e aposentadorias não param de crescer, comprimindo os gastos discricionários com infraestrutura, inovação e outros. Para dar uma ideia, em 2014 os investimentos públicos corresponderam a 1,4% do PIB. Em 2019, foram inferiores a 0,5%. Ou seja, na rota em que está, a única função do Estado será cobrir os custos com o funcionalismo. Como esses custos só crescem, será preciso arrecadar cada vez mais impostos ou se endividar cada vez mais.

A PEC Emergencial estabelece mecanismos de ajuste fiscal sempre que as despesas superarem 95% das receitas. Esses mecanismos impedem a criação de novas despesas obrigatórias através, por exemplo, do bloqueio de promoções de carreira, concursos e criação de cargos, ou da redução da carga horária e do salário dos servidores.

 Na abertura dos trabalhos legislativos, o presidente Jair Bolsonaro disse esperar que a PEC Emergencial e as outras propostas que integram o Plano Mais Brasil sejam aprovadas rapidamente pelo Congresso. A rigor, o Planalto não tem feito mais do que isso: esperar. Mas não é isso que a população espera de seu presidente. Enquanto ele espera, as despesas de 13 Estados já superam 95% das receitas. Logo eles serão acompanhados por outros. A contagem regressiva não só avança, como se acelera.Quem não está esperando são as corporações do funcionalismo, que têm as bancadas mais sólidas no Congresso. O seu poder de mobilização pode ser verificado na própria consulta pública lançada pelo Senado, que indica apenas 1,8 mil votos favoráveis à PEC contra quase 100 mil contrários. A oposição, por sua vez, consolida a narrativa da inconstitucionalidade da PEC.

As vozes mais sensatas e preocupadas com a coisa pública além de seus interesses partidários e corporativos têm cobrado o protagonismo do governo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, talvez o principal responsável pela aprovação da reforma da Previdência, advertiu recentemente que a condução das reformas não pode ser jogada “nas costas do Parlamento”. Até agora essa tem sido a principal “estratégia” do governo com o Congresso: inundá-lo com propostas e depois abandoná-las à sua própria sorte. Foi assim na reforma da Previdência. Ocorre que, neste último caso, os efeitos só se farão sentir a médio e longo prazos. Sem a PEC Emergencial, contudo, o Teto será rompido já este ano pela União e por Estados e municípios em todo o País. Como as dívidas dos entes subnacionais são garantidas pela União, estas bombas estourarão na cara do governo. Como sabem os congressistas, à medida que o tempo passa, a emergência só se torna mais emergencial. “Velha” ou “nova”, a política real, na hora do aperto, saberá cobrar o seu preço. 

Em outras palavras, a PEC deveria ser aprovada o quanto antes pelo bem da Nação. Mas o governo Bolsonaro deveria se dar conta de que precisa dela para o bem de seu próprio projeto de poder. Não é o melhor motivo, mas se servir para aprovar a PEC, será suficiente.


Estadão sábado, 08 de fevereiro de 2020

MENOS INFLAÇÃO E MAIS EXPANSÃO

 

Menos inflação e mais expansão

Crescimento maior da economia, com geração mais fácil de empregos, poderá ser um dos bons efeitos do recuo da inflação, depois do salto no fim do ano

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

08 de fevereiro de 2020 | 03h00

Crescimento maior da economia, com geração mais fácil de empregos, poderá ser um dos bons efeitos do recuo da inflação, depois do salto registrado no fim do ano. O primeiro efeito positivo é obviamente o alívio no orçamento da maior parte das famílias, embora alguns preços importantes, como os de habitação e transportes, ainda tenham incomodado. Mas a tendência de normalização parece inegável, depois de alguns meses difíceis. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,21% em janeiro, na menor variação para esse mês desde o início do Plano Real em 1994. Em dezembro, a alta havia sido de 1,15%. Com esse recuo, o aumento acumulado em 12 meses passou de 4,31% para 4,19%. Esse número ainda é superior à meta oficial deste ano (4%, com tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos), mas a acomodação gradual nos próximos meses parece uma aposta muito segura.

Esse detalhe aponta o segundo grande benefício. Com a inflação contida e no rumo da meta deste e do próximo ano, o Banco Central (BC) provavelmente poderá manter por um bom tempo a taxa básica de juros, diminuída de 4,50% para 4,25% na quarta-feira passada. Prevê-se no mercado um novo aperto da política monetária a partir do próximo ano, ou do fim de 2020, mas o panorama por enquanto é de calmaria nos preços. Pressões para alta de juros, se ocorrerem, virão mais provavelmente do exterior. Neste momento, no entanto, os juros nas principais economias são propícios à manutenção da política brasileira.

Mantida essa política, a oferta de dinheiro em condições mais favoráveis poderá estimular o consumo, a dinamização dos negócios e, um pouco mais longe, a criação mais rápida de empregos. Além disso, o corte dos juros tem diminuído o custo da dívida pública, baseado parcialmente na taxa básica, a Selic. A redução dos custos financeiros do Tesouro poderá apressar a arrumação das contas públicas, se o governo conseguir avançar em outras tarefas, como a conquista de maior eficiência na programação e gestão das despesas.

 A acomodação dos preços de alimentação e bebidas facilitou, como se esperava, o retorno da inflação a um ritmo mais moderado. O item comida e bebidas ainda subiu 0,39% e teve um impacto de 0,07 ponto na formação do índice geral, mas seu comportamento foi muito mais favorável que nos meses finais do ano passado.

Em dezembro, esse item ainda aumentou 3,38% e seu impacto, de 0,83 ponto porcentual, foi o mais importante na composição do IPCA.

Em janeiro, vários grupos de preços avançaram menos que os da alimentação, ou chegaram mesmo a diminuir, mas seu peso, em muitos casos, é bem menor no resultado geral.

Especialmente bem-vindo foi o recuo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado com base nas despesas de famílias com rendimento monetário de 1 a 5 salários mínimos (o universo do IPCA é o das famílias com ganho mensal até 40 mínimos). A alta do INPC passou de 1,22% em dezembro para 0,19% em janeiro, menor variação para o mês desde a implantação do Plano Real. A alta em 12 meses passou de 4,48% para 4,30%. Os preços da comida aumentaram 0,45%, depois de terem subido 3,66% em dezembro. Esse recuo foi, de longe, o mais importante para a desaceleração do INPC.

A perda de impulso da inflação foi mostrada também pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), por meio de seu Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), formado por três grandes componentes. A alta do indicador geral passou de 1,74% em dezembro para 0,09% em janeiro. A dos preços ao consumidor foi de 0,77% para 0,59%. A dos preços por atacado recuou de 2,34% para 0,13%, num sinal de menor pressão sobre o varejo. A do custo da construção subiu de 0,21% para 0,38%.

Mas a inflação contida ainda é, em boa parte, efeito do desemprego da capacidade ociosa das empresas. Mover a economia deve ser a prioridade. Conter a inflação poderá ser mais trabalhoso, mas o desafio será muito bem-vindo.


Estadão sexta, 07 de fevereiro de 2020

ESCALADA DEMAGÓGICA

 

Escalada demagógica

O presidente Jair Bolsonaro está levando longe demais seu confronto contra governadores. O que interessa é apresentar-se como líder preocupado com 'povo'

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

07 de fevereiro de 2020 | 03h00

 
 
 

Pautado pelo burburinho das redes sociais, que exigem providências contra essa suposta distorção, Bolsonaro vem desde domingo passado acusando os governadores de impedirem a redução dos preços dos combustíveis ao não aceitarem uma diminuição do ICMS que incide sobre o produto. Primeiro, foi ao Twitter para dizer que “pela terceira vez consecutiva baixamos os preços da gasolina e do diesel nas refinarias, mas os preços não diminuem nos postos”. A razão disso, segundo o presidente, é que “os governadores cobram, em média, 30% de ICMS sobre o valor médio cobrado nas bombas dos postos e atualizam apenas de 15 em 15 dias, prejudicando o consumidor”. Para Bolsonaro, “os governadores não admitem perder receita”, e defendeu a elaboração de um projeto de lei que fixe uma alíquota por litro de combustível.

A reação dos governadores foi imediata. Na segunda-feira, 23 deles emitiram nota conjunta para se queixar de que tão importante debate tenha sido deflagrado pelo presidente nas redes sociais, e não “nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados”. Também salientaram que o ICMS é imposto previsto na Constituição como a principal receita dos Estados. Ou seja, qualquer redução na arrecadação afetaria o fornecimento de serviços como segurança, saúde e educação. Além disso, os governadores lembraram ao presidente que os Estados são autônomos para definir a alíquota de ICMS e que esse imposto responde por 20%, em média, da arrecadação.

 Anteontem, Bolsonaro manteve o tom e respondeu com um “desafio”: “Eu zero o (imposto) federal se eles zerarem o ICMS”. Ele negou que esteja “brigando com governadores”, mas declarou que “pelo menos a população já começou a ver de quem é a responsabilidade” pela manutenção dos preços dos combustíveis nos postos. Mais uma vez, a reação dos governadores foi contundente. Para o paulista João Doria, responsabilizar os governadores “é uma atitude populista e, a meu ver, pouco responsável”. Já o gaúcho Eduardo Leite argumentou que, se o presidente estivesse realmente interessado em resolver a questão, não o faria pelas redes sociais. “Nós clamamos por um debate responsável nos fóruns adequados”, disse o governador.

Em lugar de arrefecer os ânimos ante a reação negativa quase unânime dos governadores, Bolsonaro elevou ainda mais o tom. Na saída do Palácio da Alvorada, o presidente declarou: “Gasolina baixou na refinaria hoje e quanto acham que vai baixar na bomba? Zero. Estou fazendo papel de otário aqui”. Reiterou que vai enviar ao Congresso um projeto de lei para mudar o ICMS sobre os combustíveis e, ciente de que enfrentará muita resistência dos parlamentares, afirmou que “eu faço o que posso” e “o Parlamento existe para dizer sim ou não”.

Sem partido e sem grupo político definido, Bolsonaro sente-se livre para indispor-se com todos os governadores ao mesmo tempo. Seu objetivo, como resta evidente, é demonstrar que seu único compromisso é com o “povo”, a quem invocou várias vezes nos últimos dias. Primeiro, declarou que, se os Estados estão em dificuldade, “mais dificuldade que a do Estado é a do povo, que não aguenta mais pagar R$ 5,50 o litro da gasolina e o caminhoneiro pagar R$ 4,00 o litro do diesel”. Depois, declarou: “Chega desse povo sofrer. Isso não é populismo, é vergonha na cara. Ou você acha que o povo está numa boa?”.

Há tantas impropriedades nesse “debate” que seria mais exato qualificá-lo de briga de rua. Está claro que para Bolsonaro não interessam nem a situação precária das contas estaduais, nem a autonomia tributária dos entes subnacionais, nem o fato de que o preço dos combustíveis é livre. O que interessa é apresentar-se como um líder preocupado com o “povo”, enquanto os governadores só querem saber de cobrar impostos.


Estadão quinta, 06 de fevereiro de 2020

AFINAL, QUE REFORMA TRIBUTÁRIA?

 

Afinal, que reforma tributária?

O Brasil precisa com urgência de uma reforma para modernizar e tornar mais funcional seu sistema de impostos, contribuições e taxas

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

06 de fevereiro de 2020 | 03h00


Aqueles senadores, segundo reportagem do Estado, têm vários argumentos e motivos para resistir à formação imediata da comissão mista. O movimento combinado entre o ministro da Fazenda e os presidentes das duas Casas pode resultar, por exemplo, em prioridade para o projeto já em tramitação na Câmara. Importantes interesses de Estados e municípios poderão ser negligenciados no caso de uma tramitação apressada. Além disso, como instalar uma comissão e iniciar o trabalho sem conhecer as propostas em jogo?

Esta objeção foi formulada com perfeita clareza pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE): “Quero deixar aqui a pergunta: afinal de contas, qual é a reforma tributária?”. Esta é a cobrança mais importante – e a mais inquietante, quando se considera a importância econômica, política e social de uma ampla reformulação tributária.

 A tarefa da comissão seria muito mais clara se consistisse em montar uma proposta única a partir de dois projetos já conhecidos, o do economista Bernard Appy, em tramitação na Câmara, e o do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, em exame no Senado. Há diferenças consideráveis entre as propostas, mas também pontos de proximidade, como a importância atribuída a um Imposto sobre Bens e Serviços, a um Imposto Seletivo e à redução do número de tributos. As divergências incluem, entre outros aspectos, a competência normativa, as formas de partilha da arrecadação entre União, Estados e municípios e as formas e períodos de transição.

Mas a comissão mista, segundo o combinado até agora, será constituída para uma tarefa no mínimo incomum. O resultado final de seu trabalho deverá incluir as ideias apresentadas também pela equipe econômica do governo. Essas ideias são por enquanto desconhecidas. Pontos esparsos foram mencionados pelo ministro da Economia e por seus auxiliares em várias ocasiões, desde a instalação do governo, mas sem que se articulassem num projeto claro e coerente. A ideia de recriar o imposto sobre o cheque, a CPMF, pode ter sido abandonada, mas nem isso é claro.

Além do mais, falta conhecer um importante dado preliminar: qual seria o objetivo de uma reforma proposta pelo Executivo ou por ele apoiada? Não se fala sobre redução ou aumento da carga tributária. Se a carga for mantida, como redistribuir o peso dos impostos e contribuições? O ministro da Economia toca nesse detalhe quando trata da redução dos encargos trabalhistas, mas suas preocupações parecem quase limitadas a esse ponto.

A discussão, quando envolve representantes do Executivo, fica geralmente longe de temas como a inserção global do País, a competitividade, as possibilidades de incentivos, o fim da guerra fiscal, a facilitação do investimento produtivo e – muito importante – a tributação da economia digital, tema prioritário da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Prioridade é a palavra usada também pelos presidentes do Senado e da Câmara, pelo presidente da República e pelo ministro da Economia, quando falam da reforma tributária. Mas falta explicar as mudanças contempladas, o sentido estratégico dessa reforma para a economia brasileira e os passos necessários para a implantação de um novo sistema. Instalado há pouco mais de um ano, o governo foi incapaz, até agora, de esclarecer essas questões.


Estadão quarta, 05 de fevereiro de 2020

O DESAFIO É INDUSTRIALIZAR

 

O desafio é reindustrializar

Se quiser mesmo consertar a economia brasileira e reencontrar o caminho do firme crescimento, o governo terá de promover a reindustrialização do País

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

05 de fevereiro de 2020 | 03h00

Se quiser mesmo consertar a economia brasileira e reencontrar o caminho do firme crescimento, o governo terá de promover a reindustrialização do País. A produção industrial encolheu 1,1% em 2019, depois de dois anos de expansão. O parque industrial brasileiro ainda é um dos nove ou dez maiores do mundo, mas está enfraquecido, atrasado e sem poder de competição depois de uma longa crise iniciada bem antes da última recessão. Houve um tombo de 18% entre o ponto mais alto da série histórica, atingido no trimestre encerrado em maio de 2011, e os três meses finais do ano passado. Olhando de baixo para cima, tem-se uma noção mais clara do esforço necessário para retornar ao topo. O volume produzido terá de crescer 21,9% sobre a base do último fim de ano para chegar de volta ao pico histórico.

Finda a recessão, o produto industrial cresceu 2,5% em 2017 e 1% em 2018 e voltou a cair no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Só em março será conhecido o primeiro cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019. As estimativas correntes têm apontado um crescimento entre 1,1% e 1,2%. O número oficial, de toda forma, refletirá o péssimo desempenho da indústria, já refletido na recuperação muito lenta do emprego, marcada pela informalidade e pela expansão de precárias ocupações por conta própria.

O desastre da mineração, sempre lembrado quando se comentam os números da indústria, explica apenas uma pequena parte do novo desastre. Houve queda na produção de bens de capital e bens intermediários e expansão de 1,1% na de bens de consumo. O exame mais detalhado mostra recuos em 16 dos 26 ramos de atividades cobertos pela pesquisa, em 40 dos 79 grupos e em 54,2% dos 805 produtos incluídos no levantamento regular.

 Em todos os trimestres de 2019 o desempenho foi pior que o de um ano antes. Esse tipo de resultado ocorreu desde os três meses finais de 2018. Mas o novo governo nada fez, durante a maior parte de seu primeiro ano, para tentar pelo menos conter o declínio da indústria. Os primeiros estímulos só foram aplicados a partir de setembro, embora os números da produção e os dados do emprego fossem muito ruins.

Evitar mais um voo de galinha foi a justificativa repetida por muitos integrantes do Executivo, quando se tentou chamar sua atenção para o problema. Mas essa desculpa deixou de valer quando se tornou indisfarçável a necessidade urgente de algum incentivo. O acesso a recursos do Fundo de Garantia (FGTS), iniciado em setembro, acabou sendo prorrogado em novas condições.

Se as projeções do mercado estiverem certas, a produção industrial crescerá 2,21% em 2020 e 2,50% em cada um dos três anos seguintes. O resultado será um crescimento acumulado de 7,4% em 2020, 2021 e 2022, fim do atual mandato presidencial. No primeiro ano do mandato seguinte a indústria produzirá 2,50% a mais. Faltará quase metade do caminho para o retorno ao pico de 2011, se se tratar apenas de recompor o volume produzido.

Mas o problema é muito mais complicado. Além das perdas de produção, a indústria acumulou em muitos anos – pelo menos desde 2012 – um enorme atraso em termos de tecnologia, de inovação e, portanto, de competitividade. Isso é visível no comércio exterior. Em 2000 as vendas de manufaturados corresponderam a 59% do valor exportado. Em 2009 a proporção estava reduzida a 44%. A partir daí a participação foi sempre inferior a 40%, exceto em 2016, quando esse número foi registrado. Em 2019 a parcela dos manufaturados caiu para 35%, a menor taxa desde o ano 2000.

De vez em quando algum membro do governo fala de produtividade e competitividade, mas sem apresentar mais que vagas intenções e ideias. A expressão política industrial é evitada como blasfêmia. O discurso é geralmente um recitativo com tinturas de liberalismo econômico e nenhuma referência clara a planos, metas e instrumentos. Diante disso, até as modestas projeções de crescimento industrial conhecidas chegam a parecer otimistas.


Estadão segunda, 03 de fevereiro de 2020

JUROS GLOBAIS AJUDAM O BRASIL

 

Juros globais ajudam o Brasil

Dinheiro mais barato é importante, no caso brasileiro, para animar a economia, como na maior parte do mundo, e também para limitar o custo e a expansão da dívida pública 

Notas & Informações, O Estado de S. Paulo

03 de fevereiro de 2020 | 03h00

Funcionários do banco central dos Estados Unidos, disse Powell, acompanham cuidadosamente a situação, mas é muito cedo para estimar as consequências econômicas do surto de coronavírus. A mesma ressalva foi apresentada no dia seguinte pelo presidente do Banco da Inglaterra

Também com um dia de diferença os dois bancos centrais anunciaram a manutenção das taxas básicas, entre 1,50% e 1,75% nos Estados Unidos e em 0,75% no Reino Unido. Em dezembro, o Banco Central Europeu havia mantido em zero os juros principais da zona do euro, na primeira reunião sob a presidência de Christine Lagarde, ex-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Taxas para depósitos continuaram em -0,25%

 É difícil esperar novos cortes de juros nos mercados mais desenvolvidos, neste ano, se as projeções de crescimento se confirmarem. Segundo o FMI, a economia global deve crescer 3,30% em 2020 e 3,40% em 2021. A expansão em 2019 foi estimada em 2,9%.

Os economistas do Fundo sugerem a preservação de políticas monetárias favoráveis aos negócios, mas a contribuição dos bancos centrais, acrescentam, chegou ao limite. Estímulos adicionais devem caber aos governos, por meio de facilidades fiscais – maiores gastos públicos, diminuição de impostos ou uma combinação desses dois tipos de ação. A recomendação só vale, naturalmente, para governos em condições de afrouxar suas políticas. Não é, obviamente, o caso do governo brasileiro.

No Brasil, o estímulo oficial de efeito mais rápido deve continuar sendo proporcionado pela política monetária e pela ampliação dos canais de financiamento. O Executivo ainda terá muito trabalho para consertar as finanças oficiais e para controlar a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto. Essa relação se manteve por vários meses, no ano passado, perto de 80%. A redução dos juros básicos, iniciada no fim de 2016, contribuiu para atenuar o custo da dívida e limitar a expansão do passivo do setor público.

Também por isso é importante a manutenção de juros básicos moderados no Brasil. Dinheiro mais barato é importante, no caso brasileiro, para animar a economia, como na maior parte do mundo, e também para limitar o custo e a expansão da dívida pública. O afrouxamento da política monetária acaba servindo, portanto, como elemento auxiliar do ajuste fiscal. Essa possibilidade depende de uma inflação contida em níveis toleráveis.

A economia americana cresceu em 2019, segundo a estimativa inicial, 2,30%, a mesma taxa calculada pelos técnicos do FMI. O governo apresentará mais duas estimativas, baseadas em dados mais amplos, e números diferentes poderão surgir. O crescimento agora estimado foi menor que o de 2018 (2,90%). Se a desaceleração continuar, como se prevê, os dirigentes do Fed terão motivos para manter os juros baixos. Menor dinamismo americano pode ser ruim para o Brasil, mas um aumento de juros pelo Fed poderia criar sérios incômodos a curto prazo. Mais seguro, de toda forma, é o governo brasileiro apressar o cumprimento de sua agenda.

Juros baixos no mundo rico – uma boa notícia para o Brasil – continuam garantidos pelos bancos centrais das maiores economias capitalistas. Dinheiro barato nos principais mercados ajuda a manter a política de estímulo ao crescimento brasileiro. Em Brasília, o Banco Central (BC) decidirá nesta semana se a taxa básica, a Selic, permanecerá em 4,50% pelos 45 dias seguintes. Há quem aposte em mais um corte, para 4,25% ou até para 4%. Nenhuma aposta é segura, porque o quadro internacional é menos claro do que parecia na virada do ano e há mais dúvidas sobre as condições da economia dos Estados Unidos. Um novo fator de insegurança, a nova epidemia chinesa, complica a avaliação das perspectivas globais. As preocupações quanto aos efeitos do coronavírus, ainda imprevistos, foram mencionadas na quarta-feira e na quinta-feira passadas pelos presidentes do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, e do Banco da Inglaterra, Mark Carney.

Estadão sábado, 01 de fevereiro de 2020

CONTROLANDO A DÍVIDA PÚBLICA

 

Controlando a dívida pública

Conter o rápido endividamento do setor governo foi uma das principais façanhas no primeiro ano da atual equipe econômica. Essa é uma boa mensagem ao mercado

01 de fevereiro de 2020 | 03h00

Um indicador muito relevante da saúde das contas públicas é o endividamento do governo geral. Em dezembro de 2018 o governo geral – da União, dos Estados e dos municípios – devia R$ 5,27 trilhões, soma equivalente a 76,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A proporção cresceu nos meses seguintes e chegou em novembro a 77,6%. Nessa altura, a equipe econômica já havia anunciado o compromisso de manter a relação dívida/PIB abaixo de 80%. O ano terminou com um recuo para 75,8%, relação menor que a de dezembro do ano anterior, segundo o Banco Central (BC).

Mesmo com esse recuo, a condição do Brasil ainda é insatisfatória pelos padrões globais. Nas economias emergentes e em desenvolvimento, a dívida bruta do governo geral é em média próxima de 50% do PIB. A do Brasil continua bem acima desse padrão. Pelo critério do Fundo Monetário Internacional, a proporção no Brasil supera 80%. As contas do Fundo, diferentemente das brasileiras, incluem títulos do Tesouro na carteira do BC.

 O desafio, agora, é sustentar como tendência a redução do endividamento em relação ao PIB. Para isso será necessário avançar na arrumação das contas públicas. Entrando em vigor neste ano, o novo esquema da Previdência permitirá conter o avanço de um dos mais importantes gastos obrigatórios. O efeito será pouco sensível inicialmente, mas, de toda forma, a mudança começará.

Em 2019, como tem ocorrido há alguns anos, as despesas com aposentadorias e pensões determinaram o resultado primário – isto é, sem juros – das contas do governo central. A soma de resultados do Tesouro Nacional e do BC foi um superávit primário de R$ 124,29 bilhões. Esse valor foi mais que superado pelo déficit da Previdência, de R$ 213,18 bilhões, e o balanço final mostrou um buraco de R$ 88,90 bilhões. Esse déficit foi compensado parcialmente pelos números de Estados, municípios e estatais.

Feita a soma, o resultado primário do setor público foi um saldo negativo de R$ 61,87 bilhões. Calculado pelo BC, esse valor indica a necessidade de financiamento. Não se confunde esse conceito com a diferença entre receitas fiscais e despesas de custeio e de investimento do setor governo.

Somados os juros, o chamado resultado nominal do setor público foi um déficit de R$ 429,16 bilhões, correspondente a 5,91% do PIB. Essa proporção é bem superior à média dos países emergentes, próxima de 4%, e dos avançados, em torno de 2,5%. Mas a melhora foi inegável. Um ano antes o déficit nominal correspondeu a assustadores 7,07% do PIB, apesar do esforço de ajuste, igualmente inegável, iniciado na gestão do presidente Michel Temer. A redução dos juros básicos, possibilitada pela inflação contida, tem diminuído os custos do Tesouro e facilitado a gestão da dívida, contribuindo para frear seu crescimento.

A continuação do trabalho será complicada, principalmente porque o Orçamento Geral da União, já muito rígido, se tornou ainda menos flexível com a legislação recente. Novas normas aprovadas pelo Congresso tendem a limitar o arbítrio do Executivo quanto à programação dos gastos. Dificuldades políticas devem somar-se às complexidades técnicas. O Ministério da Economia enfrentará um teste no começo de fevereiro, quando anunciar, cumprindo a rotina fiscal, a primeira reprogramação de despesas de 2020, com o primeiro contingenciamento.

A enorme dívida pública de R$ 5,50 trilhões ainda é preocupante, mas sinaliza uma vitória do ministro da Economia, Paulo Guedes. Conter o rápido endividamento do setor governo foi uma das principais façanhas da equipe econômica em seu primeiro ano. Essa é mais uma boa mensagem para o mercado, especialmente para os investidores e financiadores internacionais. A melhor notícia, até agora, havia sido a aprovação da reforma da Previdência. A saúde fiscal e as condições de solvência são componentes muito importantes da imagem de qualquer país. Podem ajudar ou prejudicar a absorção de capitais, assim como atrair ou afastar parceiros de todos os tipos de negócios.

Estadão quinta, 30 de janeiro de 2020

O CORONAVÍRUS E OS DÓLARES

 

O coronavírus e os dólares

O coronavírus é mais um risco para a economia global e, portanto, para o Brasil, que enfrenta um quadro de enfraquecimento evidente de suas exportações

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

30 de janeiro de 2020 | 03h00

Uma queda de 6,30% nas exportações brasileiras, de US$ 239,54 bilhões em 2018 para US$ 224,44 bilhões em 2019, deveria ser um desses motivos. A trajetória declinante das vendas externas apenas foi mantida no ano passado.

A perda continuada é em parte explicável pelo enfraquecimento do comércio global e pela recessão na Argentina, importante compradora, em anos normais, de manufaturados brasileiros. Mas é atribuível também ao escasso poder de competição e à limitada presença internacional da indústria brasileira. Esses problemas decorrem de vários fatores internos combinados. Os mais visíveis são a proteção excessiva, a diplomacia comercial equivocada, o investimento insuficiente em tecnologia, inovação e capital humano, as deficiências do financiamento e o famigerado custo Brasil.

 Nos últimos anos, o enfraquecimento do comércio global, em boa parte atribuível à disputa entre Estados Unidos e China e a outras tensões internacionais, agravou as dificuldades da exportação brasileira. A prolongada recessão argentina, sem perspectiva de grande mudança nos próximos meses, tem sido um importante fator de complicação.

Uma das poucas notícias animadoras, nas últimas semanas, foi a conclusão da fase 1 de um acordo entre Estados Unidos e China. Mas o acordado até agora, como observou o diretor-geral da OMC, foi a parte fácil. Isso foi suficiente, acrescentou, para deter a sequência de retaliações, mostrar a possibilidade de um acordo e permitir uma distensão do mercado. Falta a parte mais difícil e sobre essa nada foi claramente informado até agora pelos governos envolvidos.

Além disso, o sistema internacional é menos seguro e menos eficiente quando falha, ou pode falhar, o mecanismo formal de solução de conflitos. Paralisado o Órgão de Apelação, por causa do impasse em torno da nomeação de novos juízes, o sistema fica seriamente prejudicado. Felizmente, nem todas as disputas, lembrou o diretor-geral da OMC, vão parar no nível mais alto de apreciação.

Além disso, ele reafirmou a disposição de continuar negociando com o governo americano e avaliando suas queixas quanto ao funcionamento da organização. As queixas envolvem os critérios de aplicação das normas e os padrões de disciplina impostos pela entidade aos emergentes.

Qualquer fator de instabilidade internacional, mesmo um risco ainda mal definido, como o de uma nova pandemia, é relevante para o Brasil. O déficit em transações correntes aumentou 22,20% em 2019 e atingiu US$ 50,76 bilhões, soma equivalente a 2,76% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não são ainda números alarmantes, porque o buraco foi coberto folgadamente com investimento estrangeiro direto. Ingressaram US$ 78,56 bilhões, valor quase igual ao de 2018. Mas qualquer susto maior pode afetar os fluxos de capital. A valorização do dólar em todos os mercados, nos últimos dias, foi um lembrete desse risco. Mas o detalhe mais preocupante, num quadro de muita incerteza global, é o enfraquecimento evidente das exportações brasileiras. Alguém se preocupa, em Brasília, com o custo possível de um novo choque externo?

O coronavírus é mais um risco para a exportação e, portanto, para a economia brasileira – um risco aparentemente menor, neste momento, mas nada desprezível. Outros sinais de alerta são bem visíveis no mercado internacional e nas contas externas do Brasil. Seria irresponsabilidade negligenciar qualquer nova ameaça. É cedo para medir o impacto da nova epidemia no crescimento global, disse o diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, em entrevista à rádio CBN. Ele concentrou seus comentários em desafios mais concretos e muito próximos, como as tensões comerciais – apenas atenuadas neste momento – e o impasse com os Estados Unidos a respeito do Órgão de Apelação da OMC. Em Brasília, o Ministério da Economia tem motivos especiais, ou deveria ter, para estar muito atento a essas questões e a qualquer nova possível ameaça.

Estadão quarta, 29 de janeiro de 2020

OS SINAIS DAS CONTAS EXTERNAS

 

Os sinais das contas externas

O resultado do balanço de pagamentos indica que as dificuldades enfrentadas pela balança comercial devem continuar a pressionar as contas externas do País

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

29 de janeiro de 2020 | 03h00

resultado do balanço de pagamentos que acaba de ser divulgado pelo Banco Central indica, porém, que as dificuldades crescentes enfrentadas pela balança comercial – que fazem prever redução das vendas externas nos próximos meses, ao mesmo tempo que se espera o crescimento das importações em razão do reaquecimento mais intenso da atividade econômica – devem continuar a pressionar as contas externas do País.

A conta corrente do balanço de pagamentos resume o saldo das transações do Brasil com os demais países na área comercial (saldo da balança comercial) e de serviços (que incluem receitas e despesas com viagens, seguros e aluguel de equipamentos, entre outros itens) e nos fluxo de rendas (por meio de operações como pagamento de juros e remessas de lucros). O principal fator de alta do déficit na conta corrente no ano passado foi a balança comercial. Com exportações de US$ 224,436 bilhões e importações de US$ 185,032 bilhões, o saldo comercial alcançou US$ 39,404 bilhões. Embora tenha alcançado um valor muito expressivo, o superávit comercial do ano passado foi US$ 13,643 bilhões menor do que o de 2018.

 A conta de serviços, por sua vez, registrou déficit de US$ 35,141 bilhões, praticamente o mesmo resultado de 2018 (déficit de US$ 35,734 bilhões). A conta de renda primária teve saldo negativo de US$ 55,989 bilhões, pouco menor do que o do ano anterior (US$ 58,825 bilhões). O resultado desses dois outros componentes das transações correntes do balanço de pagamentos deixa claro o papel da balança comercial na deterioração em 2019.

A despeito da reação nervosa observada nos principais mercados mundiais pelo surto de coronavírus, é difícil projetar os efeitos da doença sobre a economia mundial nos próximos meses. Provavelmente a economia da China sofrerá o que os analistas internacionais chamam de “impacto significativo” do vírus cujo desenvolvimento está sendo rápido. Se isso ocorrer, também a balança comercial brasileira sentirá algum efeito, pois a China vem sendo o principal parceiro comercial do País. Antes mesmo do surgimento do coronavírus, porém, a economia mundial apresentava sinais de desaceleração, o que já fazia prever alguma queda nas exportações brasileiras nos próximos meses.

No plano interno, vão se somando sinais de que a recuperação da atividade econômica, embora ainda lenta, tende a se consolidar e, sobretudo, se acelerar nos próximos meses. Isso faz prever aumento das importações de matérias-primas, insumos e bens de consumo final. Isso também tenderá a reduzir o superávit da balança comercial e, mantido o comportamento dos demais componentes do balanço de pagamentos, a pressionar o déficit em transações correntes.

Há, nesse cenário, um dado animador, que é o fluxo de investimentos diretos no País. No ano passado, esse fluxo foi muito mais do que suficiente para cobrir o déficit em transações correntes. Depois de atingir seu ponto mais baixo da década em 2015 – ano em que já surgiam os sinais da recessão causada pelos erros da política econômica da presidente Dilma Rousseff –, os investimentos estrangeiros no setor produtivo começaram a se recuperar. No ano passado, de acordo com relatório recente da Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o fluxo desses investimentos para o Brasil foi impulsionado em boa parte pelo programa de desestatização. A aceleração desse programa em 2020 pode favorecer ainda mais o País nesse aspecto.

O déficit de US$ 50,762 bilhões registrado na conta corrente do balanço de pagamentos em 2019 é o maior desde 2015 (quando alcançou US$ 54,472 bilhões), mas não surpreende, pois vinha se desenhando ao longo de todo o ano passado, nem chega a causar preocupações. Há dois importantes fatores que, mantidos nos níveis atuais, asseguram relativa tranquilidade no front externo: um é a manutenção de reservas internacionais expressivas, de US$ 356,9 bilhões no fim do ano passado; outro é o ingresso constante de investimentos diretos no País, que no ano passado somaram US$ 78,559 bilhões.

Estadão segunda, 27 de janeiro de 2020

ABERTURA NECESSÁRIA

 

Abertura necessária

Processo de adesão ao Acordo Internacional de Compras Governamentais é caminho para modernizar diversos setores da economia nacional

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

27 de janeiro de 2020 | 03h00

Firmado originalmente em 1994 no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), o GPA está em vigor desde abril de 2014. Atualmente, o acordo tem 20 partes, com a participação de 48 países. Entre eles estão Estados Unidos, Japão e os membros da União Europeia. Há outros 34 países que participam do Comitê do GPA como observadores, e 10 deles estão em processo de adesão ao acordo.

Em agosto de 2017, o governo de Michel Temer solicitou a participação como observador no Comitê do GPA. Na época, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão era o responsável pela operacionalização do sistema de compras públicas brasileiro. Na América Latina, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Paraguai e Peru são também países observadores do Comitê do GPA.

 O objetivo do acordo é assegurar o livre acesso e a concorrência justa e transparente nos mercados de compras governamentais, de forma a promover ganhos de eficiência econômica. Estima-se que o mercado de contratações públicas de bens, serviços e obras civis, regido pelo acordo, seja da ordem de US$ 1,7 trilhão ao ano.

O atual sistema de compras públicas do Brasil é manifestamente ruim, caracterizado por uma política protecionista e sujeito a pressões e ao lobby de vários setores. A consequência é que o poder público compra mal e compra caro, resumiu ao Estado um membro da equipe econômica. “O governo é um grande comprador de tecnologia, de insumos, de material de consumo diário, de peças de reposição. E quando dizemos governo, entende-se também empresas estatais, autarquias, fundações, Estados e municípios”, lembrou.

A abertura das licitações de bens, serviços e obras a empresas estrangeiras possibilitaria ao governo um leque mais amplo de fornecedores e melhores preços. Por isso, o anúncio de Paulo Guedes é muito positivo. Mas não é uma medida de aplicação imediata. É longo, podendo durar vários anos, o processo de adesão ao GPA. 

Último país a integrar o acordo de compras governamentais da OMC, a Austrália levou cinco anos para concluir o processo. A China, que ainda não aderiu ao GPA, está em negociação desde a década de 1990. As dificuldades para integrar o acordo variam em função das resistências de setores da economia e de órgãos do governo na definição dos itens que vão integrar a lista de bens e serviços do acordo.

No processo de adesão ao acordo plurilateral de compras governamentais da OMC, os países podem negociar exceções dentro de cada setor econômico. O que gera tensões e atrasos é precisamente a negociação sobre o que integra e o que fica de fora dos compromissos de cada país. No caso brasileiro, prevêem-se especiais dificuldades em relação aos setores de saúde e defesa.

A equipe econômica ainda não apresentou um cronograma relativo ao processo de adesão. O tema merece especial diligência. Além de representar melhores e mais eficientes compras públicas – o que significa melhor uso do dinheiro público –, a adesão ao GPA pode ser uma excelente ocasião de ampliar a abertura da economia nacional.

Mais do que meras exigências burocráticas, o processo de adesão ao GPA é caminho para modernizar diversos setores da economia nacional, integrando o País às cadeias globais de negócio. Aqui, uma vez mais, o governo Bolsonaro acerta ao dar continuidade às políticas iniciadas no governo do presidente Michel Temer.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou em Davos a intenção do governo de aderir ao Acordo Internacional de Compras Governamentais (Agreement on Government Procurement – GPA, na sigla em inglês), o que permitirá que o poder público compre bens e serviços de empresas estrangeiras. Trata-se de uma medida promissora, que pode reduzir custos, aumentar a eficiência e diminuir os riscos de corrupção. “O Brasil está querendo entrar para a primeira liga, para a primeira divisão de melhores práticas. Isso realmente é um ataque frontal à corrupção”, disse Paulo Guedes.

Estadão sábado, 25 de janeiro de 2020

SÃO PAULO: EXEMPLO PARA O BRASIL

 

Exemplo para o Brasil

A cidade de São Paulo, que completa 466 anos, é um farol a indicar nosso melhor destino, e também é o livro do tombo de nossas mais renitentes mazelas

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

25 de janeiro de 2020 | 03h00

É em São Paulo que estão as maiores comunidades de italianos, japoneses e portugueses fora de seus países. A cidade é o que é hoje, em boa medida, pela contribuição riquíssima dada por esses imigrantes. A convivência pacífica e contributiva estabelecida entre paulistanos de nascença e de afeto transmite ao mundo um luminoso sinal de união e acolhimento no momento em que variadas nações têm de lidar com o recrudescimento dos episódios de intolerância e xenofobia.

Fora os estrangeiros, para São Paulo também afluem centenas de milhares de brasileiros vindos de outros Estados em busca de melhor qualidade de vida. Não raro a encontram, a despeito dos problemas que, como toda megalópole, aqui também podem ser observados, como as deficiências no transporte público, a violência urbana, entre outros. Mas ao sopesar os prós e os contras, o saldo ainda é muito positivo para a cidade de São Paulo.

 Um contingente desses, maior do que a população de países como Uruguai, Bolívia, Portugal, Bélgica ou Suécia, é atraído pelas oportunidades que não se oferecem a não ser em São Paulo. A cidade é tida como um dos mais importantes centros culturais, mercantis e financeiros da América Latina. Isso se traduz em melhores oportunidades de emprego, melhor remuneração, mais acesso a serviços públicos e a bens culturais. Mas, dada sua pujança, São Paulo retrata como nenhuma outra cidade brasileira os mais perversos contrastes da desigualdade que há séculos nos mantém aferrados ao atraso.

Um relatório elaborado no final do ano passado pela ONG Rede Nossa São Paulo expôs essas fraturas. Um de seus principais achados foi a relação estabelecida entre a desigualdade econômica e a desigualdade racial. Os distritos mais pobres da capital paulista concentram o maior porcentual da população de pretos e pardos. A maior taxa de emprego formal por dez habitantes participantes da População em Idade Ativa (PIA) que consta do Mapa da Desigualdade é a do distrito da Barra Funda (59,24%). Já o porcentual de pretos e pardos moradores do distrito da zona oeste é de apenas 15,71%. Em Jardim Ângela, distrito da zona sul, 60,11% dos moradores são pretos ou pardos e apenas 0,5% deles têm empregos formais (ver editorial Várias cidades em uma só, publicado em 13/11/2019).

Há pouco a ONG Rede Nossa São Paulo divulgou nova pesquisa Viver em São Paulo, que anualmente mede a qualidade de vida e a percepção de bem-estar dos paulistanos. Não houve mudança significativa no grau de satisfação dos paulistanos com a cidade. Em 2019, a nota, que vai de 0 a 10, ficou em 6,5 (em 2018 foi 6,3). É digno de registro, no entanto, o aumento de 5 pontos porcentuais – de 15% em 2018 para 20% no ano passado – do número de paulistanos que atribuíram notas 9 e 10 para a experiência de viver em São Paulo. Destes, 31% pertencem às classes D e E, um indicativo de que políticas públicas voltadas para os segmentos mais carentes da população têm sido bem percebidas por uma parcela significativa deles.

A pesquisa também mostrou que a esmagadora maioria dos paulistanos (79%) continua se orgulhando de sua cidade. Mas o número caiu 6% em relação ao sentimento apurado há dez anos (85%). Capturar as razões que levaram a essa queda e buscar caminhos para reverter essa curva é mais um dos grandes desafios que pairam sobre a mesa dos que se põem a serviço da administração da maior e mais complexa cidade brasileira.

São Paulo é um exemplo para o Brasil. É um farol a indicar nosso melhor destino, e também é o livro do tombo de nossas mais renitentes mazelas.

A cidade de São Paulo completa hoje 466 anos de fundação profundamente marcada pelos efeitos de seu gigantismo. No planalto seguro, de terra fértil e águas abundantes, que fora encontrado pelos jesuítas que subiram a Serra do Mar à procura do lugar ideal para estabelecer o colégio que serviria de núcleo do processo de evangelização dos índios na metade do século 16, cresceu a 10.ª cidade mais populosa do planeta, com 12,2 milhões de habitantes, milhares deles oriundos de mais de 150 países.

Estadão quinta, 23 de janeiro de 2020

UMA BOA INICIATIVA DO GOVERNO

 

Uma boa iniciativa

Criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental, se concretizada, tem tudo para ser um bom passo na direção da formulação de uma política ambiental realista

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

23 de janeiro de 2020 | 03h00

Trata-se do anúncio da criação do Conselho da Amazônia, cujo objetivo, segundo o presidente, será coordenar as ações de vários Ministérios em projetos para a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Na mesma linha, o governo informou que será criada uma Força Nacional Ambiental, em articulação com os Estados da região, destinada a combater o desmatamento e outros crimes ambientais.

São ações de quem parece ter entendido a gravidade do problema – mesmo que tenha sido mais por pressão do que por convicção. O desmatamento na Amazônia vem batendo recordes, mas esse desastre foi tratado com desdém pelo presidente Bolsonaro e por seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. As críticas ao governo foram interpretadas ou como intriga de países europeus interessados em prejudicar o agronegócio brasileiro ou simplesmente como invenções destinadas a alimentar uma conspiração internacional com o objetivo de violar a soberania nacional.

 O simples fato de que o governo tomou alguma atitude com contornos institucionais para enfrentar o problema deve ser, portanto, comemorado, ainda que quase nada se saiba sobre o formato do Conselho da Amazônia.

Até ontem, não havia informações sobre o que norteou a criação do Conselho nem como será composto ou como funcionará. Também não se sabia qual o volume de recursos necessários para bancar a empreitada. O que se sabe oficialmente é que o Conselho será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e que a estrutura da nova entidade ficará na própria Vice-Presidência.

Parece prudente entregar essa tarefa a Mourão, que conhece bem a região amazônica e ademais mostrou-se até aqui bem mais ajuizado que o ministro do Meio Ambiente. Pode soar estranho que uma iniciativa tão importante na área ambiental não tenha à testa o ministro da área, mas, nesse caso, a decisão faz todo o sentido, pois o ministro Ricardo Salles é um dos grandes responsáveis pela forte degradação da imagem do Brasil em relação à questão ambiental, graças principalmente a seu comportamento às vezes intempestivo em encontros internacionais sobre o clima. É preciso, portanto, aumentar o teor de serenidade no comando de ações governamentais destinadas a mitigar o desastre ambiental na Amazônia, e o vice-presidente Mourão em princípio atende a esse requisito.

Não parece ser coincidência que o anúncio da criação do Conselho da Amazônia tenha ocorrido no momento em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em Davos (Suíça), no Fórum Econômico Mundial, para apresentar a investidores estrangeiros oportunidades de negócios no Brasil. Como era esperado, esses investidores cobraram do governo brasileiro uma política ambiental séria, pois atualmente não se concebem negócios, em qualquer lugar civilizado do mundo, sem levar em conta a questão da preservação do planeta, hoje a principal preocupação de parte significativa dos consumidores.

O típico discurso bolsonarista adotado pelo ministro Guedes em Davos, segundo o qual “o pior inimigo da natureza é a pobreza, as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, tem cada vez menos espaço num mundo que rejeita a destruição das florestas em nome do desenvolvimento econômico dos países emergentes. E, no caso do Brasil, porque a devastação não é feita por famélicos, mas por criminosos em busca de ganhos fáceis e rápidos.

Pouco importa se a intenção de Bolsonaro, ao anunciar a criação do Conselho da Amazônia, seja a de tentar melhorar a imagem brasileira no exterior, desgastada pelo próprio presidente em reiteradas declarações hostis ao lidar com o problema ambiental desde que tomou posse. O que interessa é que a iniciativa, se passar do discurso à prática, tem tudo para ser um bom passo na direção da formulação de uma política ambiental realista, conjugando os interesses econômicos com os imperativos climáticos, condição sem a qual é impossível pensar em desenvolvimento sustentável.

Depois de um ano de bravatas, caneladas e falta de rumo na área ambiental, o governo de Jair Bolsonaro afinal tomou uma iniciativa que, se for conduzida com propriedade, pode ajudar a reverter o desastroso desempenho do Brasil nessa seara, considerada crucial para o desenvolvimento.

Estadão quarta, 22 de janeiro de 2020

ÓLEO E GÁS: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?

 

Óleo e gás: problema ou solução?

Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia buscou responder em um estudo recém-publicado

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

22 de janeiro de 2020 | 03h00

A análise partiu de três considerações: 1) a demanda crescente por energia de uma população e uma economia em expansão; 2) a consciência do papel crítico que o óleo e o gás têm no presente e terão no futuro; e 3) o imperativo categórico de reduzir emissões em conformidade com objetivos climáticos consensuais, como os do Acordo de Paris.

O desafio para a indústria de óleo e gás é equilibrar os ganhos de curto prazo com a sua permissão para operar a longo prazo. Grosso modo, a sua prosperidade depende da capacidade de desenvolver tecnologias de baixo carbono. Isso não se fará sem custo e sacrifícios para toda a cadeia.

 Algumas empresas têm investido em energia eólica e solar. Outras, na produção e distribuição de energia elétrica. Até o momento, contudo, esse investimento tem sido menor do que 1% do capital total empregado, muito menos do que o necessário para acelerar consistentemente as transições de energia. A IEA estima que elas podem fazer muito mais. “Há amplas oportunidades economicamente viáveis para diminuir a intensidade das emissões do óleo e do gás minimizando a combustão do gás associado e a liberação de CO2, combatendo as emissões de metano, e integrando fontes renováveis e eletricidade de baixo carbono às novas fórmulas de gás liquefeito.” De todas as medidas, a mais importante é a redução de vazamentos de metano na atmosfera.

A parcela de 20% da eletricidade no consumo global de energia tem aumentado. Mas a eletricidade não pode ser o único vetor de transformação no setor de energia. É vital investir em fontes capazes de fornecer sistemas energéticos de hidrocarbonetos sem as emissões de carbono, como hidrogênio de baixo carbono, biometano e biocombustíveis.

Os recursos financeiros e técnicos do segmento de óleo e de gás podem ter um papel central na reelaboração de alguns dos setores poluentes mais difíceis de enfrentar. Isso inclui o desenvolvimento de sistemas de captura, armazenamento e utilização de carbono, hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis e energia eólica.

São atividades que exigem financiamento, engenharia e capacidade de gerenciamento em larga escala, como poucas empresas poderiam prover. Se as companhias de óleo e gás forem capazes de estabelecer parcerias com governos e outros interessados para criar modelos de negócios viáveis, poderiam fornecer um grande impulso ao mercado de energia limpa.

Na expressão da IEA, “uma mudança do ‘óleo e do gás’ para ‘energia’ tira as companhias de sua zona de conforto, mas oferece um modo de administrar os riscos de transição”. A chave para a sustentabilidade destas companhias está na habilidade de equilibrar retornos e dividendos com diversificação – seja em setores consolidados, mas distantes de seus negócios tradicionais, como eletricidade, seja nos afins, mas ainda incipientes, como a energia eólica.

São desafios portentosos para as empresas multinacionais e especialmente para as nacionais (como a Petrobrás), porque menos diversificadas. Mas não há alternativa a enfrentá-los, se não por idealismo, por mero pragmatismo: ainda que elas conseguissem se evadir da responsabilidade pelos custos ao meio ambiente, a conta para seus acionistas não tardará a chegar.

Nos últimos dois séculos a expectativa de vida global cresceu de 30 anos para mais de 70, a faixa de pessoas na miséria caiu de 80% para 8% e a alfabetização ultrapassou 80% – e isso enquanto a população mundial se multiplicava de 100 milhões para 6,5 bilhões. À frente deste processo, a revolução industrial avançava como uma locomotiva e em seus motores queimava o combustível fornecido pelas indústrias de óleo e gás. Mas hoje, dada a consciência dos impactos do gás carbônico, elas são pressionadas a esclarecer o seu papel na transição para as energias limpas. Em outras palavras: elas são a pior parte do problema ou serão cruciais para a sua solução? Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.

Estadão segunda, 20 de janeiro de 2020

ANO DE REFORMAS

 

Ano de reformas

Para uma retomada da economia consistente, apta a gerar confiança e emprego e a aumentar a produtividade, o governo federal precisa tornar 2020 um ano de efetivas reformas 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

20 de janeiro de 2020 | 03h00

Em 2019, o Congresso aprovou, mesmo sem o apoio integral do Palácio do Planalto, uma importantíssima reforma da Previdência. Mas neste ano, com as eleições municipais de outubro, será difícil que o Poder Legislativo leve adiante uma agenda reformista sem a ajuda efetiva, de negociação e coordenação, do Poder Executivo. Além disso, por óbvio, neste ano, é mais que necessário que o presidente Jair Bolsonaro e seu entourage se abstenham de produzir crises e instabilidades políticas.

Recentemente, o Estado mostrou o alto risco que as eleições municipais representam para a tramitação das reformas no Congresso. Em toda campanha eleitoral, tem-se forte pressão para postergar a discussão e a aprovação de temas considerados espinhosos, mesmo que sejam prioritários para o País. É como se todos os temas que não geram imediatos efeitos positivos perdessem urgência e relevância, dando a equivocada impressão de que os grandes desafios nacionais podem esperar. E aí está a grande ameaça para um 2020 produtivo: que o presidente Jair Bolsonaro assuma uma atitude eleitoreira, de cálculo imediatista, em cada decisão e negociação.

 De certa forma, neste ano o presidente Jair Bolsonaro terá uma verdadeira prova de fogo. O eleitor poderá avaliar se ele, ao contrário de Lula e sua trupe, é capaz de governar o País com um olhar além das eleições ou se, tal como Lula e sua companhia, veja tudo através de lentes eleitoreiras, num exercício do poder que, perseguindo exclusivamente votos, seja indiferente ao interesse público.

Não é demais lembrar que Jair Bolsonaro foi eleito pelo povo para impedir que o PT, com suas práticas, retornasse ao poder. Seria, portanto, tremendamente frustrante para o eleitor dar-se conta de que, por concessão presidencial, os maus hábitos petistas continuam de alguma forma vigentes no Palácio do Planalto.

O Congresso tem dado sinais de que precisa da proximidade do Executivo para que a agenda de reformas possa avançar. A expectativa do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-CE), é de que os principais assuntos do Congresso neste ano sejam o marco legal do saneamento e o Plano Mais Brasil, composto de três Propostas de Emenda à Constituição (PECs): a do pacto federativo, a PEC emergencial e a PEC dos fundos públicos. Mas para que isso ocorra não pode haver distanciamento – e menos ainda enfrentamento – por parte do Palácio do Planalto em relação ao Congresso.

Quanto às outras reformas, a tributária e a administrativa, o senador Fernando Bezerra alerta. “As reformas tributária e administrativa também serão aprovadas, mas, pela complexidade das matérias, talvez só tenhamos chances de concluir (a votação) no final de novembro”, disse ao Estado. A presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) falou no mesmo sentido: “Há complexidade (das reformas tributária e administrativa) e há eleição. Ambas se complementam nesse caso”.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ao Estado que a agenda de reformas do governo será retomada nos próximos dias, e que a proposta de reforma administrativa deverá ser encaminhada à Câmara em fevereiro. Segundo Guedes, o presidente Bolsonaro está comprometido com as reformas. No final do ano passado, voltaram as dúvidas em relação à disposição reformista do presidente, após ter ele sustado o envio da reforma administrativa ao Congresso. “O presidente continua comprometido com as reformas. Uma coisa é o timing político, outra é o conteúdo das reformas”, disse Paulo Guedes. Este é precisamente o grande desafio de Jair Bolsonaro em 2020: não usar as eventuais dificuldades com o Congresso para se desinteressar pelas reformas. O País precisa do presidente da República trabalhando por elas.

Se o presidente Jair Bolsonaro pretende fazer de 2020 um ano de avanço econômico e social do País, será preciso não tratar esse período apenas como um ano de eleições e de campanha eleitoral. Para uma retomada da economia consistente, apta a gerar confiança e emprego e a aumentar a produtividade, o governo federal precisa ser capaz de tornar 2020 um ano de efetivas reformas.

Estadão domingo, 19 de janeiro de 2020

O DRAMA DA INDÚSTRIA

 

O drama da indústria

As reformas de Estado em curso são condição necessária mas não suficiente para a retomada econômica

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

19 de janeiro de 2020 | 03h00

Embora o declínio tenha sido dramaticamente intensificado pela recessão, ele começou antes, pelo menos desde 2012, quando o desgaste do setor, resultante de mazelas históricas e estruturais, atingiu um nível de saturação que tornou o desenvolvimento industrial insustentável. A política petista dos “campeões nacionais”, com seu protecionismo e sua distribuição arbitrária de anabolizantes fiscais, nada fez para sanar defasagens crônicas, como a logística e a infraestrutura precárias (com estradas malconservadas; ferrovias insuficientes; portos e aeroportos ineficientes), o sistema tributário intrincado, a burocracia excessiva, a mão de obra pouco qualificada ou a insegurança jurídica. Tudo isso veio à tona nos anos de recessão.

Somem-se a isso as transformações globais da 4.ª revolução industrial, mais do que qualquer outra impulsionada por investimentos em inovação, conhecimento, conectividade, novas tecnologias e outras áreas de conhecimento e especialização carentes no Brasil.

Nos países desenvolvidos, essa modernização, associada à expansão do setor de serviços, tem diminuído a proporção da indústria na composição do PIB. Mas o fenômeno das economias chamadas “pós-industriais” nada tem a ver com a retração da indústria em um país de industrialização recente como o Brasil. Países emergentes mais dinâmicos, como China, Coreia do Sul e Cingapura, investiram por décadas em educação e pesquisa, assim como na absorção e geração de tecnologias, e com isso alavancaram sua indústria e foram alavancados por ela.

Nesse sentido, salta aos olhos no Brasil o contraste entre a indústria e a agropecuária, onde o investimento em pesquisa, inovação e formação, combinado a políticas públicas e programas de crédito eficientes, potencializou a produtividade e a competitividade a ponto de, em meio século, o País deixar de depender da importação para se tornar o segundo maior exportador do mundo, em vias de se tornar o primeiro. Hoje o agro compõe mais de 20% do PIB nacional e é o maior responsável pelo superávit comercial. Prevê-se que a próxima safra será recorde.

Enquanto isso, a indústria, após ter retrocedido ao nível de 2009, está completamente estagnada. Como aponta a pesquisa da CNC, a média histórica do Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), que mede o quanto o parque industrial está sendo utilizado, é de 80%. Mas a última vez que o País esteve acima disso foi em 2014. Desde 2015 o nível de utilização oscila na casa dos 70%. O fato de a recessão na Argentina, principal importadora dos manufaturados brasileiros, especialmente automotivos, ter influenciado tão sensivelmente a queda acumulada de 1,3% do ano evidencia o quanto a indústria nacional é pouco diversificada e integrada aos mercados internacionais. Em 2020, as demandas da construção civil e o crescimento do consumo podem ajudar, mas as projeções são de fraco desempenho pelo menos até 2022.

Apesar disso, o problema tem sido pouco debatido na esfera pública, no mercado ou na academia. Não se veem em Brasília estratégias para a transição rumo à indústria 4.0 ou para a formação de capital humano, e a política industrial do governo não foi muito além de ensaiar benefícios fiscais, redução de custos trabalhistas e alguma desburocratização. As reformas de Estado em curso são condição necessária, mas não suficiente para a retomada econômica. Não haverá crescimento consistente e sustentável sem uma indústria dinâmica, com tudo o que ela implica: empregos, tecnologia, conhecimento e inovação. 

Entre 2015 e 2018, mais de 25 mil unidades industriais fecharam as portas no Brasil, uma média de 17 por dia. Em quatro anos o Rio de Janeiro perdeu 12,7% de suas unidades produtoras, São Paulo perdeu 7% e o País como um todo, 6,6%. A indústria nacional opera hoje 18,4% abaixo do pico alcançado no início de 2011. Estes dados, levantados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o Estado/Broadcast, evidenciam a desventura da indústria brasileira.

Estadão sábado, 18 de janeiro de 2020

BOLSONARO E SUA CIRCUNSTÂNCIA

 

Bolsonaro e sua circunstância

O assessor que se inspirou em Goebbels só foi exonerado porque houve uma grita generalizada. O conteúdo da fala é o que Bolsonaro já disse inúmeras vezes

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

18 de janeiro de 2020 | 03h00

O governo Bolsonaro parece se esforçar para inspirar em cada vez mais brasileiros a sensação de que suas decisões estapafúrdias, que carecem de lastro jurídico ou mesmo de racionalidade, não são meros acidentes ou fruto de circunstâncias passageiras, e sim reflexo preciso daquilo que o presidente é.

Não se trata apenas de despreparo para o cargo, dificuldade que se poderia amenizar com alguma dedicação aos livros e atenção aos conselhos de quem já viveu a experiência de governar; a esta altura, passado um ano de mandato, já está claro que Bolsonaro desacredita deliberadamente o exercício da Presidência porque não saberia fazer de outra forma e, graças a essa limitação insuperável, convenceu-se de que foi eleito para desmoralizar a política e sua liturgia institucional, algo que ele faz como ninguém. Vista em retrospectiva, a reunião ministerial em que o presidente apareceu de chinelos e camisa (falsificada) de time de futebol logo nos primeiros dias de governo parece hoje, perto do que já vimos, um encontro de estadistas.

 Num dia, o ministro da Educação aparece num vídeo dançando com um guarda-chuva, numa imitação circense do filme Dançando na Chuva, para acusar seus críticos de difundirem fake news; noutro, o secretário da Cultura toma emprestado trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, para anunciar o advento de uma cultura “nacional” financiada pelo Estado, causando horror e estupefação no País e fora dele. Entre um e outro desses momentos nada edificantes de seus assessores, o próprio presidente Bolsonaro achou tempo e oportunidade para fazer piadas de mau gosto sobre um vasto cardápio de temas grosseiros, como se estivesse em um churrasco com amigos.

Enquanto isso, sempre que pressionado a tomar decisões realmente relevantes para o País, como autorizar privatizações potencialmente polêmicas, cortar privilégios de servidores públicos e reduzir subsídios, o presidente hesitou. Mesmo a reforma da Previdência, que o governo celebra como um feito de Bolsonaro, foi sabotada em vários momentos pelo presidente, tendo sido aprovada graças à mobilização de parlamentares e alguns técnicos do governo. Preocupado em construir seu próprio partido e sua candidatura à reeleição, sobre a qual fala quase todos os dias, Bolsonaro dedica todo o seu tempo não a pensar em maneiras de promover o desenvolvimento do País, mas a alimentar polêmicas de cunho claramente eleitoreiro, enquanto assina medidas destinadas à irrelevância – mas só depois de causar tumulto e insegurança jurídica no País.

Quando confrontado pelos jornalistas a respeito disso ou a respeito dos cada vez mais volumosos problemas do clã Bolsonaro e de alguns de seus assessores mais próximos com a Justiça ou com a lisura administrativa, o presidente reage de forma truculenta. Mais recentemente, disse que os jornalistas são uma “espécie em extinção” e mandou que a imprensa tomasse “vergonha na cara” e tratasse de “deixar o governo em paz”. (Ver editorial A tenacidade da imprensa.)

Não são rompantes, e perde tempo quem acredita na possibilidade de que, com o tempo, Bolsonaro vá temperar seu comportamento. O assessor que se inspirou em Goebbels para anunciar o “renascimento da cultura nacional” só foi exonerado porque houve uma grita generalizada diante de tamanho absurdo. Noves fora o plágio nazista, o conteúdo da fala que custou o cargo ao tal secretário é essencialmente o que Bolsonaro já disse e repetiu inúmeras vezes, mesmo antes da eleição. Portanto, ninguém pode se dizer surpreendido, nem mesmo os eleitores mais ingênuos. Bolsonaro é Bolsonaro há muito tempo.

Não causa surpresa o derretimento acelerado da popularidade do presidente Jair Bolsonaro detectado por uma pesquisa XP/Ipespe recentemente divulgada. O levantamento mostrou que, em um ano, a expectativa positiva em relação ao desempenho do governo para o restante do mandato caiu nada menos que 23 pontos porcentuais, de 63% para 40%. O índice de entrevistados que consideram Bolsonaro “ruim” ou “péssimo” passou de 20% para 39% no mesmo período. Pode-se dizer que esses números refletem não um ou outro problema em especial, mas o conjunto da obra.

Estadão quinta, 16 de janeiro de 2020

CONSUMO, UM FOCO DE ÂNIMO

 

Consumo, um foco de ânimo

Os novos números do comércio varejista melhoram um cenário marcado pelo forte recuo da indústria e pela estagnação dos serviços em novembro

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

16 de janeiro de 2020 | 03h00

Turbinado pela Black Friday, o comércio varejista vendeu 0,6% mais em novembro e acumulou 3,3% de avanço em sete meses seguidos de expansão. Os novos números melhoram um cenário marcado por forte recuo da indústria e pela estagnação dos serviços em novembro. As vendas de lojas, farmácias e supermercados confirmaram de novo a reanimação do consumo. Essa é uma condição essencial para a continuidade e a aceleração da retomada econômica em 2020. O Ministério da Economia elevou de 2,32% para 2,4% sua estimativa de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. No ano passado, a expansão deve ter ficado em 1,12%, segundo a avaliação provisória da equipe econômica.

A animação dos consumidores em novembro é atribuível às promoções do varejo, inspiradas no modelo da Black Friday, e à liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Mais dinheiro do FGTS está sendo liberado neste ano. Os juros básicos, de 4,5%, permanecem no mais baixo nível da série histórica e isso também favorece as vendas de uma parte do comércio.

Mas a reativação do consumo, embora persistente, continua moderada. Apesar dos números positivos de 2019, o volume vendido pelo comércio varejista ainda ficou, em novembro, 3,7% abaixo do pico registrado em outubro de 2014, quando o País começava a cair na recessão. Mas há um detalhe positivo em relação a esse dado: essa é a menor distância em relação ao pico desde o início da recuperação econômica, há três anos.

Em novembro, o comércio varejista vendeu 2,9% mais que no mesmo mês do ano anterior. A comparação do período de janeiro a novembro com o de um ano antes também é positiva e mostra um ganho de 1,7%. Em 12 meses houve expansão de 1,6%. Houve perda de ritmo, porque no período encerrado em outubro o avanço acumulado havia sido de 1,8%. Além disso, as vendas do varejo ampliado – com inclusão de veículos, seus componentes e materiais de construção – diminuíram 0,5% de outubro para novembro, mas ainda acumularam ganhos de 3,8% no ano e de 3,6% em 12 meses. O recuo mensal decorreu da redução de vendas de automóveis.

A perda de vigor do setor automobilístico afetou outros segmentos industriais e prejudicou no fim do ano o desempenho geral da indústria, já insatisfatório em vários meses de 2018 e na maior parte de 2019. O pior dado de novembro foi a queda de 1,2% da produção industrial, depois de três meses de resultados positivos. Dezesseis das 26 categorias avaliadas na pesquisa tiveram produção menor que no mês anterior. O volume produzido em 12 meses foi 1,3% menor que o do período anterior. Além disso, em novembro a atividade industrial diminuiu em 11 dos locais pesquisados, incluídos os grandes núcleos da indústria no Sudeste e no Sul.

Não haverá efetiva e duradoura retomada do crescimento econômico sem a recuperação da indústria, especialmente da indústria de transformação, em crise há quase dez anos. Será necessário muito investimento em modernização e em capacidade produtiva, mas a curto prazo é preciso reduzir a ampla ociosidade das máquinas e equipamentos. Isso dependerá, em parte, de uma recuperação mais firme e mais intensa do consumo, ainda limitada por vários fatores, incluído o desemprego superior a 11% da força de trabalho.

A limitação do poder de consumo refletiu-se em novembro na estagnação da demanda de serviços. A produção de serviços diminuiu 0,1% de outubro para novembro e se manteve 9,8% abaixo do pico alcançado em novembro de 2014.

A redução de 1,5% nos serviços prestados às famílias ilustra as dificuldades ainda vividas pela maior parte dos brasileiros. A inflação das famílias de baixa renda, mais acentuada nos meses finais de 2019, agravou essas dificuldades e as tornou mais penosas.

Como pouco se fez pela redução do desemprego em 2019, as condições do mercado de trabalho ainda afetam a economia. Apesar de tudo, a retomada deve continuar


Estadão quarta, 15 de janeiro de 2020

ADMINISTRAÇÃO DE IMPROVISO

 

Administração de improviso

O governo decidiu executar uma 'operação de guerra' para pôr fim à fila no INSS. É quase sempre assim, uma administração incapaz de antever problemas

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

15 de janeiro de 2020 | 03h00

A mais recente manifestação dessa deficiência crônica vem ocorrendo desde a promulgação da Emenda Constitucional 103, em 12 de novembro do ano passado. Se a reforma da Previdência era fundamental para reequilibrar as finanças do País, ao menos pelos próximos dez anos, igualmente o era a realização de um bom planejamento para preparar o quadro funcional do INSS, bem como sua estrutura de atendimento, para o aumento de demanda para lá de previsível. Pois nada foi feito e hoje cerca de 1,3 milhão de pedidos de pensões, aposentadorias e outros benefícios repousam no sistema da autarquia enquanto os pobres dos cidadãos passam dias inteiros em filas sob sol e chuva ou padecem ao telefone em busca de uma nesga de informação correta sobre o andamento de seus processos.

A Nova Previdência alterou substancialmente as regras para requisição de benefícios. Antes de sua promulgação já era possível perceber o aumento significativo do número de pedidos de aposentadoria feitos por cidadãos que já tinham o direito de se aposentar e preferiam fazê-lo de acordo com as regras anteriores à reforma. Neste grupo estavam servidores do próprio INSS. De acordo com o governo federal, 6 mil deles se aposentaram no decorrer de 2019, número que corresponde a quase 25% do quadro funcional do INSS. Se um baque desta ordem já seria sentido por qualquer empresa privada bem administrada, o que dizer de uma autarquia há muito ineficiente?

 Aumento da carga de trabalho mais redução do quadro funcional e o resultado não haveria de ser outro: caos. Talvez seja esta uma das razões para a ausência de nada menos do que um quinto dos servidores do INSS por licença médica. Enquanto isso, beneficiários vivos são dados como mortos, estes são dados como vivos, mães que já amamentam seus filhos há seis meses ainda aguardam a liberação do auxílio-maternidade, afastados do trabalho não recebem o auxílio-doença, aposentados não recebem aposentadoria, a lista do desrespeito é longa.

Apenas agora, passados dois meses da aprovação da aguardada reforma da Previdência, o governo federal decidiu agir e executar uma “operação de guerra” para pôr fim à fila de processos no INSS. É quase sempre assim, uma administração pública eminentemente reativa, incapaz de antever problemas e pensar em soluções, seja por incompetência, seja por má vontade.

E já que se fala em “guerra”, nada mais previsível do que convocar os militares, sempre eles, para dar cabo de mais um problema cuja resolução não faz parte de sua expertise. De acordo com o Estadão/Broadcast, o governo federal pretende recrutar militares da reserva para integrar uma força-tarefa que atuará na redução da fila de atendimento no INSS. Com base na lei que reestruturou o regime das Forças Armadas, sancionada recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro, militares da reserva poderão ser empregados no serviço público de natureza civil, em caráter voluntário e temporário, em troca de um adicional de 30% em sua remuneração. A ideia do Palácio do Planalto é empregar os reservistas no atendimento de balcão e liberar os servidores do INSS para o processamento dos pedidos de benefícios que estão em fila. Ilegal, portanto, a medida não é, mas é retrato bem acabado do improviso que marca a administração pública no País em variadas situações.

Já seria um imperativo moral dar tratamento digno aos cidadãos que precisam recorrer ao INSS. Mas, além disso, a lei determina que nenhum segurado espere mais do que 45 dias para ter o seu pedido analisado. Resolver rapidamente a atual “crise” da autarquia é, portanto, uma obrigação legal.


Estadão terça, 14 de janeiro de 2020

A EDUCAÇÃO NÃO É DESCARTÁVEL

 

A educação não é descartável

É desconcertante a notícia de que o MEC estuda descartar 2,9 milhões de livros didáticos. Livros não são descartáveis. O futuro dos jovens não é descartável

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

14 de janeiro de 2020 | 03h00

É desconcertante a notícia, revelada pelo Estado, de que o Ministério da Educação (MEC) estuda descartar 2,9 milhões de livros didáticos, comprados por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e que nunca foram utilizados. Adquiridos para serem entregues a alunos de escolas públicas municipais e estaduais, esses livros correm o risco de serem destruídos sob a alegação de que estariam desatualizados e de que o custo de armazenamento seria alto demais. Vinculado ao MEC, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) alertou no ano passado para a necessidade de reduzir o estoque no depósito alugado dos Correios, em Cajamar (SP).

Se o descarte for de fato a medida mais adequada – por exemplo, se os livros estão realmente desatualizados, não fazendo sentido guardá-los para os anos seguintes –, a sua compra provavelmente terá sido um verdadeiro escândalo de má gestão do dinheiro público, a merecer rigorosa apuração. Recursos públicos que deveriam ter sido destinados à educação, ou seja, que deveriam ter contribuído para um melhor aprendizado dos alunos foram duplamente desperdiçados, seja pela compra de livros que nunca foram utilizados, seja pelo investimento em armazenamento de algo que não teve nenhuma serventia. Há exemplares que estão armazenados há 15 anos.

Se todo recurso público precisa ser acompanhado de perto, para avaliar se chegou ao destino devido e se produziu o resultado esperado, ainda mais rigoroso deve ser o controle em relação a recursos públicos destinados à educação. Não cabe o mínimo descuido em área absolutamente relevante para o desenvolvimento econômico e social do País. Com a educação pública no atual patamar, é um acinte desperdiçar recursos que, não fossem o descaso e a má gestão, poderiam ter contribuído para uma melhor educação e um melhor futuro das novas gerações.

 Se o descarte de quase 3 milhões de livros didáticos for realmente a solução mais razoável – estranhos tempos com tão estranhas soluções –, além de uma rigorosa apuração dos responsáveis por esse desperdício de dinheiro público, será necessário assegurar que nunca mais aquisições de livros tão mal feitas voltem a ocorrer. É preciso aprender com essa experiência, revendo os procedimentos e controles que desembocaram em tão má gestão da coisa pública.

Mas até o momento não há evidência de que a destruição dos 2,9 milhões de livros didáticos seja de fato a melhor solução. Falta informação segura e sobram dúvidas sobre o material armazenado. Descartar, sob essas circunstâncias, toda essa quantidade de livros – estima-se um custo médio de R$ 7 por exemplar, o que representaria um montante de R$ 20,3 milhões – seria ainda mais escandaloso.

O próprio FNDE, que alertou para a necessidade de reduzir o estoque de livros didáticos, reconhece não saber a quantidade total de exemplares armazenados. O órgão sugere, assim, montar uma comissão para levantar o número exato de livros e a validade desse material. Há aqui um ponto relevante. Dinheiro público foi gasto para comprar livros didáticos, mas o MEC não sabe o que tem no seu estoque de livros. No mínimo, tem-se uma gestão ineficiente.

Além disso, se o governo não sabe a quantidade de livros de que dispõe, muito provavelmente também não sabe o conteúdo desses livros. Supor que estão desatualizados simplesmente pelo transcorrer do tempo é uma atitude temerária. Segundo o Estado apurou, nesses 2,9 milhões de livros ainda embalados, há exemplares de todas as disciplinas e de todas as séries do ensino fundamental e do ensino médio. Ora, as leis da física, da matemática e da química não sofreram especiais alterações desde 2005. Destruir livros que tratam dessas matérias seria, portanto, um caro absurdo.

Seja qual for o melhor encaminhamento a ser dado ao estoque de livros didáticos, fica evidente a necessidade de aprimorar a gestão pública dos gastos com a educação. Livros não são descartáveis. Dinheiro público não é descartável. O futuro dos jovens que estudam na rede pública não é descartável.


Estadão segunda, 13 de janeiro de 2020

GOVERNO PERDIDO

 

Governo perdido

Não há tempo a perder. A situação econômica e social do País exige um governo capaz de enfrentar as prioridades nacionais, sem desperdiçar energias.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

13 de janeiro de 2020 | 03h00

No início de seu segundo ano, o governo de Jair Bolsonaro dá claros sinais de estar sem rumo definido. A cada semana surgem novas medidas e ações, absolutamente pontuais e sem um objetivo comum. Além de tirar eficácia da ação estatal, essa falta de coordenação provoca atritos e tensões absolutamente desnecessários entre órgãos do governo. Não há tempo a perder. A situação econômica e social do País exige um governo federal capaz de definir e enfrentar as prioridades nacionais, sem desperdiçar energias em ações que não apenas não trazem benefícios relevantes, como são, em muitos casos, atalhos para o atraso.

Por exemplo, o presidente Bolsonaro deseja conceder subsídio na conta de luz para templos religiosos de grande porte, revelou o Estado. Para tanto, Bolsonaro solicitou ao Ministério de Minas e Energia a minuta de um decreto contendo o agrado às igrejas. A ideia é que os templos paguem tarifas mais baratas no horário de ponta, semelhantes às cobradas durante o dia. O valor que as igrejas deixariam de pagar seria custeado por outros consumidores.

Como era previsível, a equipe econômica manifestou resistência à proposta do subsídio na conta de luz para as igrejas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre defendeu a necessidade de reduzir esse tipo de benefício. A benesse às igrejas tem um impacto tarifário direto, sendo a energia um dos insumos fundamentais para a atração de investimentos e, consequentemente, para a retomada do crescimento econômico. Estima-se em R$ 22 bilhões anuais o total dos benefícios embutidos na conta de luz e repassados para os consumidores. Também contrário ao subsídio, o Tribunal de Contas da União (TCU) já orientou o Poder Executivo, em outras ocasiões, de que não pode ser criado benefício sem dotação orçamentária.

 Outra medida, absolutamente pontual e sem nenhuma conexão com as prioridades do País, foi a extinção do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), decretada por meio da Medida Provisória (MP) 904/19. O seguro oferece coberturas para danos por morte e invalidez permanente, bem como reembolso de despesas médicas e hospitalares, em razão de acidentes de trânsito.

Em dezembro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia da MP 904/19, por entender que a matéria deve ser regulada por lei complementar, não cabendo alterá-la por meio de MP. Agora, durante o período de recesso do Judiciário, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, deu outra liminar sobre o caso, reconhecendo a competência do Conselho Nacional de Seguros Privados para reduzir o valor do DPVAT.

Por iniciativa do governo, instaurou-se uma confusão absolutamente desnecessária sobre o DPVAT. Vale lembrar que a extinção do seguro também desorganizava a emissão dos papéis relativos à documentação de veículos em todo o País. Por força de convênio com o Denatran, a Seguradora Líder era responsável por emitir esses documentos. Com a MP 904/19 em vigência, não se sabia quem ficaria encarregado dessa atribuição.

O governo precisa ter cuidado com suas ações. Construir exige tempo, plano, recursos e execução adequada. Destruir ou desorganizar é muito mais fácil. Além disso, medidas descoordenadas produzem danos muito além de suas respectivas áreas.

No início do segundo ano de mandato, era de esperar que o presidente Jair Bolsonaro, com a experiência adquirida em um ano no Palácio do Planalto, estivesse mais apto a dar um rumo para o governo. Até agora, isso não foi visto. Jair Bolsonaro fez ultimamente várias ações; por exemplo, editou MP para aumentar benefício de alguns delegados federais; interferiu por MP nas regras de escolha dos dirigentes das universidades federais; comprometeu-se a dar reajuste aos agentes de segurança do DF. No entanto, tais medidas, em vez de mostrarem que o governo federal está enfrentando os problemas nacionais, transmitiram a mensagem inversa.

São abundantes os sintomas de que o governo está perdido. Mas há reformas a serem feitas, e este é o caminho óbvio que o País deve seguir. Há um país a ser governado. Basta querer fazê-lo.


Estadão sábado, 11 de janeiro de 2020

O PRESIDENTE E O CONGRESSO

 

O presidente e o Congresso

O presidente Jair Bolsonaro tem muito a aprender com a atuação de 2019 do Legislativo que, entre outros méritos, aprovou uma dificílima reforma da Previdência

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

11 de janeiro de 2020 | 03h00

O Legislativo, símbolo por excelência, num Estado Democrático de Direito, da representação da vontade popular, não esteve em grande sintonia com a pauta e as vontades do presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato. Segundo levantamento do Estado/Broadcast, o Congresso alterou em 2019 quase 30% dos vetos presidenciais apostos em projetos de leis aprovados pelo Legislativo. Trata-se de taxa recorde de resistência ao chefe do Executivo.

O presidente Jair Bolsonaro apôs vetos em 59 projetos de lei. Em 17 deles houve alterações. O Congresso derrubou o veto integral de 6 projetos e restaurou parcialmente vetos feitos em outros 11 textos legais.

Em números absolutos, Bolsonaro já superou, apenas em 2019, a quantidade total de vetos alterados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (3 alterações em 302 vetos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 alterações em 357 vetos) e Dilma Rousseff (7 alterações em 265 vetos).

 O presidente Bolsonaro também perdeu em números absolutos na comparação com o primeiro ano de governo de Michel Temer, bem como no porcentual de alterações durante todo o período de Temer na Presidência da República: taxa de alteração de vetos de 28,81% contra 16,4%.

Tal porcentual recorde revela o descuido do presidente Bolsonaro em seu relacionamento com o Congresso. Não apenas não trabalhou para incluir partidos na base de apoio ao governo, como se desentendeu com a própria legenda pela qual foi eleito. Além disso, parlamentares acusaram mais de uma vez o Palácio do Planalto de vetar pontos negociados com a liderança do governo. Havia, portanto, motivos de sobra para o Legislativo derrubar o veto presidencial.

Mas a resistência do Congresso não foi mera questão de revide aos métodos do governo. Houve situações de clara discordância com a pauta do Executivo. Isso ficou evidente, por exemplo, com as propostas do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A despeito da reiterada intenção do governo federal, o Congresso rejeitou a ampliação dos casos de excludente de ilicitude para beneficiar policiais que atuam com excesso de violência. A medida arbitrária não era um anseio da população e tampouco do Congresso, vindo apenas atender a um interesse corporativo dos agentes de segurança. Deputados e senadores rejeitaram tal licenciosidade.

Segundo levantamento feito pelo Estado, a rejeição dos parlamentares a alguns dos projetos do ministro Sérgio Moro em votações nominais chegou a 80%. Por exemplo, o governo perdeu nas votações sobre a manutenção do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça, no pedido de tramitação em regime de urgência do projeto sobre abuso de autoridade – o governo era contrário à urgência – e na criação do juiz das garantias.

O segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro é uma oportunidade para um maior e melhor alinhamento com o Congresso. Sendo um Estado Democrático de Direito, onde os Poderes não são absolutos, o exercício do cargo de presidente da República exige necessariamente negociação e articulação com o Legislativo. Desprezar esse aspecto do cargo é um atalho para a ineficiência e a inação. Exemplo disso são as várias medidas provisórias editadas pelo presidente Bolsonaro que o Congresso rejeitou ou deixou caducar.

Perante essa resistência do Legislativo, é uma desculpa inaceitável dizer que o presidente Bolsonaro tentou fazer o certo, mas o Congresso não deixou. Tal versão não corresponde aos fatos. Em primeiro lugar porque, se Jair Bolsonaro não se dispôs a negociar seriamente em alguns casos, em outros ele nem mesmo tentou. Foi apenas um jogo de cena para a plateia. Mas a segunda razão é ainda mais forte. Nos casos de resistência do Congresso aos planos de Bolsonaro, na imensa maioria das vezes quem estava certo era o Legislativo, que, sem se deixar levar por populismos e corporativismos poucos afeitos ao interesse público, soube dar respostas mais responsáveis e mais equilibradas. O presidente Jair Bolsonaro tem muito a aprender com a atuação do Legislativo de 2019 que, entre outros méritos, aprovou, sem dispor do apoio incondicional do Palácio do Planalto, uma dificílima reforma da Previdência.


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