Redação Divirta-se
25 de abril de 2020 | 05h00
Danilo Casaletti, ESPECIAL PARA O ESTADO
CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: No simples e despretensioso Ô de Casas, a cantora está lado a lado com nomes como Teresa Cristina, Dori Caymmi, João Cavalcanti e Joyce
“Ô de casa!” A simpática expressão anuncia aquela visita que, às vezes de surpresa, chega para papear, reunir amigos, trazer uma notícia ou se juntar em uma roda de música. Em tempos de pandemia, essas reuniões são desaconselhadas pelas entidades médicas a fim de evitar a propagação da doença. Mas o afastamento não impediu a vontade da cantora paulistana Mônica Salmaso de continuar a se encontrar com seus amigos músicos e até cantar com eles – cada um em sua casa. E a inspiração veio justamente desse jeito informal, descontraído e carinhoso de chegar à casa de um conhecido.
Batizada de Ô de Casas, a série publicada por Mônica em seu perfil no Instagram (@monicasalmasooficial) quase que diariamente, há cerca de um mês, já conta com 30 duetos virtuais (a cantora diz ter outros 10 já engatilhados). “Eu queria oferecer algo de bom para as pessoas nesse período difícil que estamos passando. Decidi não fazer live, pois não toco nenhum instrumento harmônico. Fazer algo sozinha não seria interessante, por isso chamei os amigos”, diz Mônica, que teve a ideia depois de fazer uma participação improvisada na live do cantor e compositor fluminense Alfredo Del-Penho.
“Mandei um comentário que estava assistindo e cantando tudo de casa. Alguém sugeriu que cantássemos juntos. Ele me adicionou na transmissão. Foi gostoso, mas nossas vozes não ficaram sincronizadas”, conta. Ela, então, resolveu gravar duetos com cada um fazendo sua parte separadamente.
O marido de Mônica, o músico Teco Cardoso, sugeriu que os vídeos fossem registrados como se cada um estivesse olhando para o outro, para aumentar a sensação de interação. O próximo passo foi encontrar um programa disponível – o escolhido foi o iMovie – para juntar os vídeos e deixar vozes e instrumentos sincronizados – algo não tão fácil para uma pessoa que se julga “ignorante” até na dinâmica das redes sociais. No fim, deu certo.
Depois da repercussão do primeiro dueto, feito com o próprio Del-Penho, músicos passaram a procurar Mônica para elogiar a iniciativa e manifestar o desejo de participar. A cantora convidou outros tantos. A lista de encontros conta com nomes como Joyce, Zélia Duncan, Chico César, Dori Caymmi, Guinga, Cristovão Bastos, Teresa Cristina, entre outros. A série atravessou continentes e encontrou o pianista português Mário Laginha, com quem Mônica dividiu Mãos na Parede, composição dele. Também inaugurou parceiras, a exemplo com a que fez com o sambista Moacyr Luz, a quem a cantora não conhecia pessoalmente, em Rainha Negra, uma parceria dele com Aldir Blanc que homenageia a cantora Clementina de Jesus.
“O mérito do Ô de Casas é abrir espaço não só para artistas consagrados, mas também para aqueles que não têm tanta notoriedade. Mônica, sempre atenta a tudo, abraça a todos. São vídeos de dois minutos que trazem afeto, generosidade e reverência aos mestres do passado”, diz Del-Penho.
O cantor e compositor carioca João Cavalcanti também aceitou o convite de Mônica para um dueto. A música escolhida foi Garimpo, composição dele com Antonia Adnet, que ele lançou no álbum homônimo, de 2018. “Mônica é uma das maiores cantoras do Brasil. Ao se expor tão despida da qualidade técnica que um estúdio oferece, e com tanta sensibilidade, ela mostra que o conteúdo é o que importa, mais do que o invólucro que lançamos mãos”, diz. O bate-bola musical entre os dois foi compartilhado pelo padre Fabio de Melo, que o classificou como “pura e genuína expressão da simplicidade”.
Refugiada no sítio da família em Sarapuí, no interior de São Paulo, onde se isolou ao lado do marido e dos filhos, Mônica aguarda o desenrolar da pandemia no Brasil e diz não ter a menor ideia do que pode acontecer com o mercado da música daqui para frente. Antes da interrupção dos shows, ela tinha três projetos em andamento.
Um era a turnê do álbum Caipira, lançado em 2017, que rendeu a ela os prêmios de melhor álbum regional e melhor cantora no Prêmio da Música Brasileira de 2018. O outro era um show em homenagem ao centenário da cantora Elizeth Cardoso, que estava em fase final de ensaios. Havia ainda o lançamento de um disco que ela gravou no Japão ao lado dos músicos Teco Cardoso, Guinga e Nailor Proveta, que foi adiado para o segundo semestre. “Não faltam projetos. Mas agora é esperar. Estou com muita saudade de encontrar com os músicos, com o público’, diz.
Sem pretensão comercial. Na contramão das lives patrocinadas, Mônica afirma que a série Ô de Casas não tem qualquer objetivo comercial. A cantora evita, inclusive, chamá-la de projeto. Mônica conta que recebeu propostas de levar o dueto para as plataformas digitais ou monetizar seu canal no YouTube, onde os vídeos também estão sendo postados, mas negou. “Primeiro, não tenho como administrar tudo isso. Segundo, as gravações não têm qualidade técnica comercial. Por fim, eu não quero, não estou fazendo para me promover. A remuneração é o retorno dos fãs”, garante.
A série Ô de Casas idealizada pela cantora não redefine conceitos ou cria algo que a música ainda não tenha visto – duetos. Tampouco é pioneira em juntar encontros virtuais. Mas, ao sair da ideia convencional das lives, de maneira despretensiosa, acompanhada por artistas que conversam com seu universo musical, Mônica se mantém ativa em meio a um cenário de incertezas, criando um conteúdo disponível sem hora marcada e que cria expectativa para o próximo encontro. Além disso, sem um plano comercial e, sobretudo, sem descaracterizar seu trabalho, encontrou seu espaço nas redes sociais, onde tinha atuação até então discreta.
Tiago Costa,maestro e arranjador
Música: Eu Sambo Mesmo
(Janet de Almeida)
“Janet é um compositor fantástico. A gente conhece a obra dele pela gravação do João Gilberto. Sugeri duas músicas para a Mônica e ela escolheu essa que tem uma mensagem mais para cima, solar, que é algo que as pessoas precisam atualmente. Fiz um arranjo despretensioso, bem caseiro. Sugeri que o Teco (Cardoso, flautista) participasse. Quando mandei a gravação, já deixei os espaços para que ele pudesse tocar.”
Teresa Cristina,cantora e compositora
Música: Candeeiro
“Mônica é uma amiga que eu tenho. A gente brinca que somos quase irmãs. Ela nasceu dia 27 de fevereiro, eu, dia 28. Eu estava observando ela fazer essas gravações, até que ela me convidou e escolheu minha música para cantar. Como não sabia direito como funcionava, gravei o vídeo e, quando ela postou, fiquei muito contente. Todos os comentários foram positivos. Fiquei emocionada. Gosto de aproximar minha voz da voz da Mônica, me faz um bem tremendo.”