23 de março de 2020 | 03h00
Salvar vidas, manter empregos e ajudar os mais pobres a atravessar a crise devem ser as maiores preocupações, neste momento, e o governo decidiu enfim reconhecê-las, apesar da resistência inicial do presidente Jair Bolsonaro. A proteção de empregos e a distribuição de dinheiro aos mais necessitados – como os mais de 40 milhões de informais – são algumas das medidas mais importantes anunciadas nos últimos dias pela equipe econômica. Complementam as normas de segurança indicadas pelas autoridades sanitárias e encampadas por prefeitos e governadores. É preciso limitar a circulação e a aglomeração de pessoas para frear o contágio e defender a vida, mas pode-se ir além disso.
O enorme custo econômico das medidas preventivas é preferível aos efeitos da contaminação sem controle. Qualquer pessoa sensata e responsável pode entender e admitir esse raciocínio. Autoridades municipais e estaduais têm ido na direção certa, procurando limitar a difusão do coronavírus. Agora, as medidas propostas ou decididas pelo Executivo federal podem atenuar, no aspecto econômico, os efeitos colaterais da prevenção sanitária. A política de juros do Banco Central (BC), com nova redução pelo Copom, tem o mesmo objetivo de dar algum impulso aos negócios.
Para ações de maior alcance a equipe econômica abandonou, por algum tempo, severos compromissos fiscais. Muito dificilmente, mesmo sem as novas medidas, o déficit primário ficaria no limite de R$ 124,1 bilhões neste ano. A pandemia poderá impor uma perda de arrecadação de uns R$ 60 bilhões, informou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, numa entrevista à Rádio CBN.
Na base do novo quadro fiscal há expectativas muito baixas de desempenho econômico. No mercado, as novas projeções têm ficado entre números ligeiramente negativos (contração próxima de 0,5%) e ligeiramente positivos, em geral inferiores a 1%. Hoje no Ministério da Economia o crescimento agora esperado fica entre zero e 0,5%, informou o secretário.
Para lançar as medidas de emergência e romper os limites orçamentários o governo teve de pedir ao Congresso uma declaração de estado de calamidade. A solicitação foi recebida com boa vontade, assim como algumas propostas dependentes de aprovação legislativa. Entre estas se inclui a autorização para redução de jornadas e de salários, apresentada como forma de preservação de empregos.
De modo geral, parlamentares de todo o espectro político reagiram favoravelmente às novas iniciativas. O pacote inclui também facilidades fiscais, como diferimento de impostos e contribuições. Quando a maior parte das novas medidas foi apresentada, na quarta-feira, já se esperavam também ações de socorro às empresas aéreas.
O novo corte dos juros básicos, na quarta-feira, foi um complemento político sem surpresa. Desde muito antes da pandemia o Banco Central vem trabalhando para estimular a atividade.
As apostas no mercado oscilavam entre 0,25 e 1 ponto de porcentagem. A decisão ficou no meio, em 0,5 ponto, e a taxa básica, a Selic, passou a 3,75%, o menor nível de sua história. Mas o Copom, ainda prudente, indicou a disposição de manter esse patamar, se nenhuma grande surpresa ocorrer.
Facilidades para renegociação de empréstimos já haviam sido apresentadas pelo BC. Além disso, o Executivo orientou os bancos federais a facilitar a concessão de capital de giro, para diminuir o aperto das empresas. Nos bancos privados a renegociação depende dos cálculos e da boa vontade dos banqueiros. Na área pública trata-se de executar uma política. Financiamento e refinanciamento podem tornar-se cruciais em pouco tempo. Sem isso, a reconstrução será muito mais difícil, porque a devastação terá sido muito maior. Prudência, neste caso, é assumir o risco de socorrer as empresas, grandes ou minúsculas.