31 de março de 2020 | 22h33
BRASÍLIA – O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na noite desta terça-feira, 31, sobre a pandemia do coronavírus foi considerado um alívio para integrantes do governo e aliados. Eles temiam que o chefe do Executivo ficasse cada vez mais isolado ao confrontar publicamente medidas do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Nos últimos dias, ministros atuaram para convencer o presidente que era preciso baixar o tom e passar uma imagem de “serenidade” e “união” para a população. Um dos argumentos é que as proporções da covid-19 ainda são incalculáveis, assim como prejuízos políticos.
O discurso anterior em cadeia nacional de rádio e televisão, que foi ao ar há uma semana, teve a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e foi considerado um “desastre” pelos principais auxiliares do governo. Na ocasião, Bolsonaro chamou a covid-19 de “gripezinha” e defendeu que as pessoas voltassem à “normalidade” em suas rotinas.
Nesta tarde, durante a reunião ministerial no Palácio do Planalto, Bolsonaro ouviu seus ministros saírem em defesa de Mandetta, com quem vinha travando uma disputa particular e sistematicamente contrariando orientações do próprio Ministério da Saúde. O presidente aproveitou o encontro e submeteu um rascunho do pronunciamento a alguns auxiliares.
Além dos ministros Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que tomaram à frente nos últimos dias na condução da crise, foram consultados os ministros Fernando de Azevedo e Silva (Defesa), Jorge Oliveira (Secetaria-Geral), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e até Ricardo Salles (Meio Ambiente). O secretário de Assuntos Estratégicos (SAE), o almirante Flávio Rocha, também foi consultado.
De acordo com relatos feitos ao Estado, o presidente aceitou as sugestões em pontos que geraram desentendimento no próprio governo, como o isolamento vertical, no qual as medidas restritivas são aplicadas apenas a idosos e pessoas com doenças. Bolsonaro, por fim, se convenceu que deveria fazer a mudança no seu discurso.
Um auxiliar que acompanhou a gravação observou que Bolsonaro estava mais tranquilo que o discurso anterior, feito na véspera a reunião virtual com os governadores do Sudeste, que o colocou cara a cara com dois de seus principais adversários políticos, João Doria (PSDB), chefe do Executivo estadual de São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro.
A mudança no tom no mesmo dia em que Carlos ganhou uma sala no terceiro andar no Planalto foi considerado uma vitória para os auxiliares da ala mais moderada. Apesar disso, este grupo receia que a virulência nas redes seguirá sob o comando de Carlos, considerado o mais radical dos filhos do presidente. O vereador é o responsável pelo chamado “gabinete do ódio”, que controla os perfis do presidente na internet, e tem estado presente em reuniões sobre a covid-19.
O discurso também foi apontado como um resultado imediato de uma mudança na estratégia de comunicação do governo, comandada pela Casa Civil. Como o Estado antecipou, um comunicado interno determinou que toda e qualquer divulgação saia do Palácio do Planalto. Desde esta segunda, até mesmo as coletivas diárias do Ministério da Saúde, com dados diários sobre a pandemia no Brasil, também passaram a ser realizadas na sede do governo.
O objetivo da mudança é coordenar os esforços para que a população não tivesse a impressão que havia dois governos: o do presidente Bolsonaro e outro do ministro da Saúde. O protagonismo de Mandetta é um incômodo, mas é consenso no governo que não é o momento de se cogitar a afastar o ministro que conquistou a credibilidade da população.
Logo após o pronunciamento, Mandetta usou o Twitter para acenar com uma bandeira branca na guerra que trava com o presidente. “Ações integradas, união e patriotismo! Somos uma nação vencedora! Juntos venceremos o coronavírus!”, escreveu.