02 de abril de 2020 | 03h00
Dinheiro acabou, desespero chegou e empresas pedem socorro ao governo para pagar pelo menos as contas mais urgentes. Não adianta ir aos bancos, porque só algumas têm acesso ao crédito. Falta converter em realidade as medidas, muito bonitas no papel, adotadas pelo Banco Central (BC) para facilitar empréstimos. Além de curto, o financiamento continua mais caro do que sugerem as falas oficiais. A ansiedade dos empresários, principalmente dos médios, foi ontem mostrada em reportagem do Estado. O pacote de ajuda aos menores empreendimentos, com receita anual na faixa de R$ 360 mil a R$ 10 milhões, pode garantir algum alívio. Mas é insuficiente, como se previa, até porque os bancos ainda se recusam a entrar no jogo para valer.
Medidas ontem anunciadas, como a liberação de R$ 51 bilhões para complementar salários de quem tiver redução de jornada, apenas dão sequência, com atraso, a providências já prometidas. No começo da tarde, ontem, o presidente Jair Bolsonaro nem havia sancionado, ainda, a lei sobre ajuda mensal de R$ 600 a trabalhadores informais e intermitentes e a microempreendedores individuais. Enquanto o governo falha na ação de pronto-socorro, agrava-se a emergência.
Sem receita, só metade das maiores empresas teria caixa para aguentar três meses, como havia mostrado outra reportagem. A outra metade teria muito menos fôlego. Ainda mais dramática seria a condição das micro, pequenas e médias, mesmo com promessas de ajuda financeira pelos bancos oficiais. Quando se lançou o programa de empréstimos do BNDES, para empresas com até R$ 300 milhões de faturamento, falou-se em juros anuais de 3,75%. Foi mais uma bela abstração. Na ponta, segundo informam empresários, as taxas podem ser o dobro ou o triplo, e até mais, em alguns casos.
O governo deu o primeiro passo para uma ação mais eficaz quando reconheceu, com atraso, a gravidade da nova crise. Mas esse foi um segundo atraso. Os efeitos da pandemia atingiram uma economia já muito fraca – muito vulnerável, portanto, a qualquer novo golpe. A produção industrial cresceu 0,5% em fevereiro, dando continuidade, em ritmo mais lento, à recuperação iniciada com a expansão de 1,2% no mês anterior.
Mas 2019 havia terminado com queda acumulada de 2,5% em novembro e dezembro. O saldo dos quatro meses, portanto, ainda foi negativo. Além disso, o total produzido em janeiro e fevereiro foi 0,6% menor que de um ano antes. O acumulado em 12 meses ficou 1,2% abaixo do contabilizado no período anterior, como informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Alguma recuperação havia começado, mas era menos intensa do que pareciam crer os mais otimistas. Descontado qualquer exagero, é possível apontar nesse quadro alguns detalhes positivos. Além do crescimento pelo segundo mês consecutivo, o balanço mostra reação em 15 das 26 atividades pesquisadas. Mas a produção industrial ainda continuou, em fevereiro, 16,6% abaixo do pico alcançado em maio de 2011.
Se houve impacto do surto de coronavírus, ficou limitado a segmentos dependentes de insumos chineses, como os de informática e de equipamentos de transporte. Agora, no entanto, a pandemia afeta uma economia já muito débil, com expansão de apenas 1,1% em 2019 e lenta reação no primeiro bimestre – um caso claro de comorbidade. Isso torna mais perigosa qualquer hesitação do governo.