17 de fevereiro de 2020 | 03h00
Reportagem do Estado mostrou que os maiores partidos estão investindo em uma “virada digital” para recuperar relevância política e renovar seus quadros. É uma iniciativa alinhada com os tempos em que as redes sociais e os meios digitais dominam a comunicação e, por extensão, a mobilização política em todo o mundo.
Ao que parece, contudo, a “virada digital” restringe-se por ora ao fornecimento de ferramentas para ampliar o potencial eleitoral dos candidatos desses partidos. Pode até ser que muitos acabem sendo bem-sucedidos nas urnas a partir desse incremento de participação no mundo virtual, mas nada disso significará, em si mesmo, a redenção dos partidos como meios de representação política do eleitorado.
Faz todo sentido que os partidos busquem municiar seus filiados interessados em disputar cargos eletivos com cursos de formação online e instrumentos digitais de gerenciamento de campanhas. Os cursos servem, por exemplo, para orientar os aspirantes a candidatos sobre as atividades básicas de um parlamentar e como funciona a legislação eleitoral, o que a maioria provavelmente desconhece.
O problema é que os partidos parecem entender que perderam importância porque negligenciaram por muito tempo o universo das redes sociais, e não porque vêm progressivamente se desconectando dos verdadeiros interesses da sociedade e dos cidadãos.
Essa degradação da política partidária resulta de uma combinação de diversas crises. A primeira, e mais óbvia, é de representatividade, gestada também pela multiplicação desenfreada de partidos. Organizar uma agremiação partidária tornou-se um bom negócio, por franquear acesso a fundos públicos. Até a minirreforma eleitoral de 2017, mesmo legendas que não tinham nenhum parlamentar podiam usufruir de uma fração do fundo partidário. Agora, com a imposição de uma cláusula de desempenho, esse acesso será negado a partidos que só existem no nome, o que deve levar à sua extinção por falta de dinheiro. Mas o estrago já está feito: com mais de 30 partidos em atividade e outras dezenas na fila de espera da Justiça Eleitoral, grande parte do eleitorado está plenamente convencida de que eles nada representam além dos interesses de seus caciques, muito distantes dos anseios da coletividade.
A segunda crise é moral. Levará muito tempo ainda para que a política recupere seu prestígio como lugar da resolução de conflitos e da elaboração de soluções duradouras para o País. Os escândalos de corrupção e a prevalência de agendas paroquiais e francamente corporativas em detrimento das reais necessidades nacionais alienaram os cidadãos da política de maneira radical. Não será um punhado de tuítes bem elaborados que reverterá esse quadro.
Por fim, mas não menos importante, os partidos não têm nenhuma identidade. Mesmo grandes legendas com base ideológica reconhecível, como PT e PSDB, perderam-se em seus respectivos labirintos. A única ideologia do PT hoje é o lulismo, espécie de manifestação mística da vontade do demiurgo Lula da Silva. No PSDB, a histórica plataforma social-democrata derreteu, a tal ponto que tucanos flertaram abertamente na eleição passada com a extrema direita bolsonarista.
Se os partidos estão realmente interessados em se reinventar para sobreviver aos novos tempos, o primeiro passo é investir primeiro na mensagem, e só depois no meio de propagá-la. De nada adianta ter uma formidável rede de contatos e disseminação de ideias se o discurso é vazio ou meramente eleitoreiro. A depender das circunstâncias, mesmo rinocerontes são capazes de ganhar uma eleição; um verdadeiro partido político, contudo, deve ir muito além das urnas, palanques e redes sociais, oferecendo ao eleitorado a chance de interferir efetivamente nas grandes questões do País.