16 de abril de 2020 | 03h00
Quando a pandemia ceder e a mortandade cair, o Brasil começará a pagar a conta dos gastos emergenciais para proteção da vida e apoio aos trabalhadores. Até dezembro o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 600 bilhões, sem contar os juros. O buraco previsto no começo do ano será multiplicado por quatro ou cinco. O governo geral estará muito mais endividado. No fim de 2020 a dívida bruta poderá estar entre 85% e 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Em fevereiro, estava em R$ 611 bilhões e a proporção era de 76,5%. Com muito trabalho, a equipe econômica tentava mantê-la abaixo de 80%. Também se abandonou essa meta, quando foi preciso destinar mais dinheiro à saúde e atenuar os efeitos econômicos da covid-19. Mas a dívida será administrável, se o governo mantiver o compromisso com a seriedade fiscal e com a pauta de reformas, disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ao apresentar as novas estimativas. O recado implícito é claro: são condições para o governo preservar a confiança de quem o financia.
Além de matar, acuar populações e derrubar a economia, o coronavírus devastou as contas públicas, em todo o mundo, ampliando os déficits e as dívidas. Governos perderam receita e foram forçados a gastar muito mais que o previsto. Gastos adicionais e outras medidas para defesa da saúde e ajuda a empresas e famílias devem ter chegado a uns US$ 3,3 trilhões, globalmente, estima o Fundo Monetário Internacional (FMI). O total ainda cresce quando se adicionam operações de suporte financeiro. Os números estão no recém-divulgado Monitor Fiscal.
O governo brasileiro seguiu e continua seguindo, portanto, uma estratégia implantada em muitos países. “Ser liberal não significa ser estúpido”, disse o secretário Mansueto Almeida. “Não há dúvida de que temos de gastar mais, para ajudar o sistema de saúde, os trabalhadores que ganham pouco, os trabalhadores informais. Mas será um gasto temporário e não vai continuar nos próximos anos.” Por isso, acrescentou, esta será diferente de outras crises. Foi uma referência indireta aos gastos de emergência iniciados em 2009 e mantidos por vários anos.
Segundo o FMI, no Brasil a dívida bruta do governo geral – da União, de Estados e municípios – passará de 89,5% do PIB em 2019 para 98,2% em 2020. A média mundial aumentará de 83,3% para 98,4%. A dos países emergentes e de renda média crescerá de 38,3% para 45,8%.
No caso da dívida pública brasileira, os números do Fundo são normalmente maiores que os de Brasília, por diferença de critérios. Os cálculos do FMI, ao contrário dos brasileiros, incluem títulos do Tesouro na carteira do Banco Central. Isso resulta numa diferença às vezes superior a dez pontos, quando se trata da relação dívida/PIB.
Como é aplicado de forma geral, o critério do Fundo facilita a comparação entre a dívida brasileira e as de outros países. O endividamento do governo geral do Brasil é bem maior que o da média das economias emergentes e de renda média. No ano passado, a diferença ficava entre 89,5% e 38,3% do PIB. Mesmo na América Latina a diferença é sensível. Na média, a dívida pública latino-americana deve crescer de 45,3% no ano passado para 51,7% em 2020.
Em vários países avançados, a dívida é muito maior que no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o endividamento estimado para o fim deste ano é de 131,1%. Na Itália, a proporção deve atingir 155,5% em 2020. No Japão, há muito tempo campeão do endividamento público, a proporção deve subir de 237,4% para 251,9%. Mas em todos esses países o setor público obtém financiamento abundante a juros muito baixos, às vezes até negativos.
No Brasil, juros em queda têm atenuado os custos financeiros do governo. Neste ano podem ajudar a conter a expansão da dívida. Será um prêmio pela inflação contida e pelo esforço fiscal desde o governo anterior.