26 de fevereiro de 2020 | 03h00
Privados do Bolsa Família, milhões de pobres buscam ajuda de prefeituras, em todo o País, para conseguir o mínimo indispensável à sobrevivência. Muitas dessas prefeituras também são pobres e incapazes, portanto, de suportar essa sobrecarga. O problema se acumula – para as famílias e para os municípios – porque o governo federal deixou, desde o primeiro semestre do ano passado, de dar cobertura a milhões de pessoas no principal programa de transferência de renda. O crescimento da pobreza era previsível. O desemprego tem recuado muito devagar e permanece muito mais alto que nas demais economias emergentes e no mundo avançado. Mas os programas econômicos e sociais foram conduzidos como se a população de renda mais baixa estivesse em condições muito mais confortáveis, ou talvez nem passasse de uma ficção estatística. Na fila dos pobres sem assistência já se acumulam uns 3,5 milhões de pessoas, correspondentes a cerca de 1,5 milhão de famílias, segundo informe do Estado. A reportagem apresenta aqueles números como conservadores.
O quadro se agravou a partir de junho. Em maio, 264.159 famílias foram incluídas entre as beneficiárias do programa Bolsa Família. Em junho, o número caiu para 2.542. Os novos ingressos continuaram nesse patamar até outubro. Os últimos dados do cadastro de benefícios sociais do governo federal são daquele mês. Os novos problemas, segundo o Ministério da Cidadania, serão eliminados quando se concluírem os estudos de reformulação do programa Bolsa Família.
Essa resposta é no mínimo chocante. Milhões de pobres foram deixados sem assistência, no meio de uma economia frágil e com alto desemprego, enquanto se estudava a mudança do mais importante programa de ajuda social? Quem pode ter tido essa ideia quase inacreditável? Mas uma segunda explicação foi apresentada por técnicos ouvidos pela reportagem – e essa também é espantosa. Segundo essas fontes, a redução dos ingressos pode ter sido manobra para se acumular o dinheiro necessário a uma 13.ª parcela prometida pelo candidato Jair Bolsonaro. Se isso for verdade, alguém terá decidido deixar milhões ao relento para dar um agrado aos já incluídos no programa.
Falando à reportagem, prefeitos de municípios pequenos mostraram as dificuldades para socorrer as pessoas privadas do Bolsa Família. Não por acaso, a procura de ajuda cresceu de forma significativa nas áreas mais pobres do País.
Em grande parte do Brasil os piores efeitos da recessão persistiram, e provavelmente se agravaram, mesmo depois da retomada do crescimento em 2017. O desemprego permaneceu muito alto, apesar de alguma redução, e as perspectivas continuaram muito ruins principalmente para os trabalhadores menos qualificados. Nada poderia justificar o abandono dessas pessoas, especialmente numa fase de atividade ainda fraca e de perspectivas modestas de crescimento.
Uma expansão econômica na faixa de 2% a 2,3%, projetada para este ano por boa parte dos economistas, será insuficiente para mudar de forma significativa as condições de emprego. Os desocupados, subempregados e ocupados precariamente por conta própria continuarão muito numerosos. Mas esses ainda serão considerados felizardos, quando comparados com as pessoas de menores qualificações. Para fazer o mínimo necessário, o governo terá de cuidar de ajustes e reformas, de buscar meios de impulsionar o crescimento e de manter o socorro aos mais pobres. As eleições poderão ser um estímulo para fazer as coisas certas.