24 de agosto de 2019 | 03h00
A expectativa de novo corte dos juros foi reforçada quando o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se referiu a “riscos significativos” associados ao comércio internacional e à economia global, já em desaceleração. O presidente Donald Trump, no entanto, cobra mais do Fed e ainda perguntou, também ontem, se o maior inimigo do país seria o presidente chinês, Xi Jinping, ou Jerome Powell.
Também se espera um afrouxamento da política do Banco Central Europeu (BCE), já muito suave. Além de criar melhores condições de financiamento, a ação das duas mais importantes autoridades monetárias do mundo capitalista poderá atenuar, nos próximos meses, o risco de uma queda maior da atividade econômica.
A economia americana tem crescido e o desemprego é baixo, mas há sinais de menor atividade industrial e de redução do investimento produtivo. A inflação, ainda muito baixa, aproxima-se da meta de 2% ao ano. Embora o quadro geral ainda seja satisfatório, o cenário poderá piorar se houver uma nova intensificação do conflito comercial entre China e Estados Unidos.
O presidente Donald Trump prometeu novas medidas contra importações de produtos chineses, como resposta à anunciada imposição de maiores tarifas a US$ 75 bilhões de bens americanos por Pequim. As tensões entre as duas maiores economias dominaram os mercados no último pregão da semana. No Brasil, a bolsa de valores caiu, acompanhando o movimento internacional, e o dólar subiu, como em todo o mundo, atingindo R$ 4,13 no meio da tarde.
Jerome Powell vive uma situação particularmente difícil, pressionado e criticado publicamente, e com palavras cada vez mais duras, pelo presidente americano, Donald Trump, responsável por sua indicação para o Fed e que se mostra decepcionado e até indignado, como se o presidente do Fed lhe devesse fidelidade, talvez gratidão e certamente obediência.
Dirigentes do banco central dos Estados Unidos, no entanto, têm por lei autonomia operacional e mandato maior que o do presidente da República. O presidente da instituição só tem de prestar contas, periódica e publicamente, ao Congresso.
Em discurso no encontro anual de bancos centrais em Jackson Hole, Powell lembrou enfaticamente a função legal do Fed: favorecer a obtenção do maior nível de emprego compatível com a estabilidade monetária, vinculada a uma política de metas para os preços. A função vem sendo cumprida e o duplo objetivo tem de continuar guiando a política.
Não é papel do Fed, observou Powell, cuidar de comércio, atribuição do Congresso e do Executivo. Foi uma resposta indireta a Trump. Este vem acusando o governo chinês de depreciar o yuan para tornar os produtos da China mais baratos. Juros menores – este é um argumento implícito – poderiam facilitar a depreciação do dólar e ajudar as empresas americanas. Powell acenou, no entanto, com a possibilidade de ação mais firme do Fed se o emprego e a atividade ficarem comprometidos.
A autonomia, um dos ativos mais preciosos do Fed e de outros bancos centrais, é um importante fator de credibilidade. O Fed será severamente prejudicado se houver sinais de rendição a Trump.
No Brasil, a autonomia operacional do Banco Central ainda está para ser votada. Se o presidente Jair Bolsonaro de novo se inspirar em Trump, seu guru, poderá atrapalhar seriamente a imagem e o trabalho da autoridade monetária. O Brasil já pagou muito caro por intervenções desse tipo.