07 de outubro de 2019 | 03h00
O governo tem participação direta e indireta em 637 empresas, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Economia na quinta-feira passada. Até agora, o governo, em seus projetos de privatização, trabalhava com o número de 133 estatais, entre controladas e subsidiárias. Ou seja, o desafio de promover a ampla desestatização prometida na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que o previsto – e, a julgar pela lentidão do processo até agora, o governo poderá ter grandes dificuldades para conduzir o programa de privatização a um desfecho ótimo.
No caso do BNDES, a injeção de recursos públicos em empresas privadas teve como objetivo declarado estimular o desenvolvimento de setores então considerados estratégicos. Assim surgiram algumas das companhias chamadas de “campeãs nacionais”, famosas nos governos petistas por receber vultosos investimentos estatais para fazer delas grandes competidores internacionais e, em contrapartida, gerar muitos empregos no Brasil. Como se sabe, essa estratégia beneficiou basicamente os controladores das empresas.
“A União tem ação da Bombril. Não temos gaze nos hospitais, mas temos milhões de reais em empresas. Isso é ético?”, criticou o secretário Salim Mattar. “O Estado tem empresas que não faz sentido ter, estamos buscando transparência para que a sociedade saiba onde estamos investindo o dinheiro do pagador de impostos.”
É animador saber que o governo está consciente do absurdo da situação, e que deve passar das palavras à ação. Segundo o secretário Salim Mattar, o governo alcançou, entre janeiro e setembro, a meta de US$ 20 bilhões em desestatizações, desinvestimentos e vendas de ativos para este ano, mas admite que o processo está longe do ritmo ideal, especialmente diante das grandes expectativas criadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito da diminuição do papel do Estado como empresário. Como se recorda, durante a campanha eleitoral o então assessor para assuntos econômicos do candidato Bolsonaro prometeu amealhar R$ 1 trilhão com a venda imediata de “todas as estatais”. Tratava-se de um exagero – primeiro, porque nem todas as estatais podem ou devem ser vendidas; segundo, porque, mesmo na remota hipótese de conseguir se desfazer de todas as participações, o Estado arrecadaria bem menos que o trilhão anunciado nos palanques.
No mundo real, o secretário Salim Mattar reconheceu que o processo demanda ampla negociação política e respeito a um complexo conjunto de leis, o que torna tudo ainda mais difícil. Assim, o programa de privatizações do governo Bolsonaro, que prometia arrojo e celeridade, começou com o anúncio de venda de apenas nove estatais, e mesmo assim não se sabe bem qual será o modelo nem o cronograma de venda nesses casos. Sabe-se apenas, como declarou o secretário Salim Mattar, que Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil não serão vendidos.
É importante salientar que, a despeito das dificuldades do governo em colocar em prática seus planos de venda de estatais, o simples fato de que o tema esteja sendo tratado oficialmente como prioridade é promissor. Como lembrou o secretário Mattar, a criação de empresas estatais sem qualquer justificativa fere o artigo 173 da Constituição, que diz que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. É difícil ver como “relevante interesse coletivo” a produção de detergentes e palha de aço.