25 de dezembro de 2019 | 03h00
Entre as reformas estruturantes necessárias para que o País entre na rota do desenvolvimento sustentável, a mais decisiva, não apenas do ponto de vista fiscal ou da eficiência da máquina estatal, mas da moralidade pública, é a reforma administrativa. Cada vez que vêm à tona novos dados – seja sobre as assimetrias entre a esfera pública e a privada ou entre a elite e a base da própria administração pública, seja sobre o desempenho do serviço público ou sobre o seu descontrole orçamentário – isso fica mais claro.
Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado antecipado pelo Estado mostra que nos últimos seis anos a União teria economizado R$ 32 bilhões com folha de pagamento se os reajustes aos funcionários públicos tivessem acompanhado os da iniciativa privada.
Entre 2013 e 2018, enquanto a massa salarial dos empregados privados encolheu 0,7%, os vencimentos e benefícios dos agentes públicos cresceram 12%. A perversidade do patrimonialismo estrutural do Estado brasileiro salta aos olhos quando se considera que a maior disparidade dos reajustes entre os trabalhadores privados e os públicos aconteceu justamente na voragem da recessão. Em 2017, enquanto a variação de renda no setor privado foi de 1%, os vencimentos e vantagens dos servidores tiveram uma alta de 7%. Em outras palavras: o momento em que os salários e empregos dos trabalhadores privados, ou seja, de quem paga as despesas, eram devastados foi o mesmo em que o funcionalismo público, que gera as despesas e que foi em grande parte responsável pela crise, mais se beneficiou.
Um estudo do Banco Mundial mostra que entre 2003 e 2017 os gastos com pessoal nos Estados cresceram 80% acima da inflação. O resultado é o descalabro fiscal. No último ano, 12 Estados violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com a escalada das despesas com salários, o volume de investimentos do poder público foi o menor da série histórica. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Prefeitura já consome 100% do IPTU para bancar o funcionalismo.
Pelos cálculos do Banco Mundial, os servidores federais ganham em média 100% a mais que seus similares da iniciativa privada – a maior desproporção em 53 países pesquisados. Dois terços dos funcionários da União estão na faixa dos 10% mais ricos da população. A distorção entre o serviço público e o privado – que faz dos primeiros, à custa dos últimos, a elite do mercado de trabalho nacional – é ainda espelhada dentro da própria máquina pública: uma distorção dentro da distorção que abastece uma elite dentro da elite. Segundo um diagnóstico do Ministério da Economia, um grupo diminuto de 5% dos servidores da administração federal se apropria de 12% da folha da União.
De onde quer que venham, seja sob qual aspecto for, os números só fazem atestar que o Estado brasileiro drena recursos do contribuinte não apenas para bancar muitos serviços que poderiam ser mais bem prestados pela iniciativa privada, mas para enriquecer os servidores.
Lamentavelmente, a reforma administrativa, de todas a mais necessária, é justamente aquela que o governo mais tem procrastinado. Esta protelação é ela mesma a maior prova do poder do corporativismo, uma vez que de todas as reformas essa deveria ser a menos impopular, se ao menos fosse devidamente esclarecido e comunicado à população o quanto lhe custa bancar os cerca de 11,5 milhões de servidores (5,6% da população) que consomem cerca de 15% do PIB. Este corporativismo, o fator que mais trava a reforma, é a maior prova da sua urgência.