18 de novembro de 2019 | 03h00
Governadores com juízo podem estar dando os primeiros passos para levar os Estados ao bom caminho, abandonado há alguns anos num grande surto de irresponsabilidade fiscal. Pelo menos 14 governos estaduais cuidam da reforma da Previdência, com projetos prontos ou em estudo, sem esperar a aprovação final da PEC paralela, ainda em tramitação no Congresso. O projeto elaborado pelo Executivo paulista poderá proporcionar uma economia de R$ 32 bilhões em dez anos, segundo anunciou o governador João Doria. Pelo menos em alguns Estados o realismo e a prudência parecem sobrepor-se às conveniências políticas de curto prazo. Se essa disposição se mantiver, poderá marcar o retorno à modernização iniciada nos anos 1990, com a renegociação das dívidas estaduais, e reforçada a partir de 2000 com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Pelo menos tão importante quanto essa inovação – e talvez mais – será a proibição de socorro federal a governos estaduais atolados nos próprios erros. Se essa limitação prevalecer, o Brasil ficará muito mais parecido com uma verdadeira federação. O caráter federativo da república brasileira ainda vai depender de alguns detalhes, como o novo desenho do sistema tributário.
Por enquanto, a agenda deve ser de recuperação das qualidades e oportunidades perdidas. A perda ocorreu quando foram negligenciados, em benefício de acertos populistas, alguns importantes objetivos do Plano Real. As metas desse plano foram muito além do combate à inflação disparada e da razoável estabilidade assegurada por alguns ajustes. Nem todos se lembram, mas a renegociação das dívidas estaduais, sustentada com recursos da União, impôs medidas como o fechamento ou reforma de bancos estaduais e severa disciplina quanto ao endividamento. Essas mudanças foram complementadas com a legislação sobre Responsabilidade Fiscal.
Essa legislação introduziu, entre outras alterações, critérios para as despesas públicas em anos de eleição, com efeitos fiscais e políticos.
A disciplina começou a romper-se com o relaxamento, na fase petista, das normas para endividamento. O abandono da disciplina incluiu a concessão de aval da União para contratos de financiamento incompatíveis com a prudência financeira. Com os governos estimulados a gastar e a se endividar sem cuidado, vários Estados logo escorregaram para a virtual insolvência. Operações de socorro impediram ou retardaram desastres, mas ao mesmo tempo criaram mais incentivos à irresponsabilidade.
Em alguns Estados a irresponsabilidade foi potencializada pela corrupção, com efeitos catastróficos principalmente para os mais dependentes dos serviços públicos de saúde e de educação. A tragédia do Rio de Janeiro é a ilustração mais notável dessa história.
Também há exemplos de administração socialmente benéfica e financeiramente responsável. Mas a mistura de irresponsabilidade, populismo e frouxidão dos princípios federativos tem marcado mais fortemente o quadro brasileiro e, de modo especial, o sistema de relações entre poder central e governos estaduais e municipais. Isso prejudica as finanças públicas, degrada a administração e sacrifica a maior parte dos 210 milhões de brasileiros. A pauta de reformas contém algumas saídas para um cenário mais promissor. Seria terrível deixar de aproveitá-las.