BALADAS ROMÂNTICAS (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)
BALADAS ROMÂNTICAS
Olavo Bilac
I
Branca...
Vi-te pequena: ias rezando
Para a primeira comunhão:
Toda de branco, murmurando,
Na fronte o véu, rosas na mão.
Não ias só: grande era o bando...
Mas entre todas te escolhi:
Minh’alma foi te acompanhando,
A vez primeira em que te vi.
Tão branca e moça! o olhar tão brando!
Tão inocente o coração!
Toda de branco, fulgurando,
Mulher em flor! flor em botão!
Inda, ao lembrá-lo, a mágoa abrando,
Esqueço o mal que vem de ti,
E, o meu ranços estrangulando,
Bendigo o dia em que te vi!
Rosas na mão, brancas... E, quando
Te vi passar, branca visão,
Vi, com espanto, palpitando
Dentro de mim, esta paixão...
O coração pus ao teu mando...
E, porque escrevo me rendi,
Ando gemendo, aos gritos ando,
— Porque te amei! porque te vi!
Depois fugiste... E, inda te amando,
Nem te odiei, nem te esqueci:
— Toda de branco... Ias rezando...
Maldito o dia em que te vi!
II
Azul...
Lembra-te bem! Azul-celeste
Era essa alcova em que amei.
O último beijo que me deste
Foi nessa alcova que o tomei!
É o firmamento que a reveste
Toda de um cálido fulgor:
— Um firmamento, em que puseste
Como uma estrela, o teu amor.
Lembras-te? Um dia me disseste:
"Tudo acabou!" E eu exclamei:
"Se vais partir, por que vieste?"
E às tuas plantas me arrastei...
Beijei a fímbria à tua veste,
Gritei de espanto, uivei de dor:
"Quem há que te ame e te requeste
Com febre igual ao meu amor?"
Por todo o mal que me fizeste,
Por todo o pranto que chorei,
— Como uma casa em que entra a peste,
Fecha essa casa em que fui rei!
Que nada mais perdure e reste
Desse passado embriagador:
E cubra a sombra de um cipreste
A sepultura deste amor!
Desbote-a o inverno! o estio a creste!
Abale-a o vento com fragor!
— Desabe a igreja azul-celeste
Em que oficiava o meu amor!
III
Verde...
Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!...
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho...
Como me pesa a solidão!
Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
— Verde também, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Ta palpitava o coração...
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidão!
Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
— Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar...
E digo a cada passarinho:
"Não cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exílio desta solidão!"
No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mão!
Como inda é verde este caminho...
Mas como o afeia a solidão!
IV
Negra...
Possas chorar, arrependida,
Vendo a saudade que aqui vai!
Vê que linda, negro, da ferida
Aos borbotões o sangue cai...
Que a nossa história, assim relida,
O nosso amor, lembrado assim,
Possam fazer-te, comovida,
Inda uma vez pensar em mim!
Minh’alma pobre e desvalida,
Órfã de mãe, órfã de pai,
Na escuridão vaga perdida,
De queda em queda e de ai em ai!
E ando a buscar-te. E a minha lida
Não tem descanso, não tem fim:
Quanto mais longe andas fugida,
Mais te vejo eu perto de mim!
Louco! e que lúgubre a descida
Para a loucura que me atrai!
— Terríveis páginas da vida,
Escuras páginas, — cantai!
Vim, ermitão, da minha ermida,
Morto, do meu sepulcro vim,
Erguer a lápida caída
Sobre a esperança que houve em mim!
Revivo a mágoa já vivida
E as velhas lágrimas... a fim
De que chorando, arrependida,
Possas lembrar-te inda de mim!