Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias terça, 28 de abril de 2020

ADORMECIDA (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

ADORMECIDA 

Vicente de Carvalho

 

Ela dormia... Sobre o alvor do leito
Desenhava-se, esplêndida miragem,
Seu lindo corpo, escultural, perfeito.

Encrespado das rendas da roupagem,
Seu seio brandamente palpitava
Como a lagoa no tremor da aragem.

Solto, o cabelo se desenrolava
Sobre os lençóis, em plena rebeldia,
Como um revolto mar que os alagava.

Como no céu, quando desponta o dia,
A aurora raia, de um sorriso a aurora
Pelo seu meigo rosto se expandia.

E ela dormia descuidada... Fora,
O mar gemia um cântico plangente
Como uma alma perdida que erra e chora.

Um raio de luar, branco e tremente,
Pela janela mal cerrada veio
Entrando, surda, sorrateiramente...

Ia beijá-la em voluptuoso anseio;
Mas, ao vê-la dormindo entre as serenas
Ondas daquele sono sem receio,

Hesitou em beijar-lhe as mãos pequenas,
E humildemente, e como ajoelhando,
Beijou-lhe a fímbria do vestido apenas...

E o lindo quadro, estático, fitando,
Senti não sei que mística ternura
Por toda a alma se me derramando

Porque acima daquela formosura
Do corpo, os seus quinze anos virginais
Envolviam-lhe a angélica figura
Na sombra de umas asas ideais.


Poemas e Poesias segunda, 27 de abril de 2020

RUI MORTO (POEMA DO CEARENSE QUINTINO CUNHA)

RUI MORTO

Quintino Cunha

 

 

Cerebração complexa e o primeiro
dos grandes homens nacionais em tudo.
Continente a viver do conteúdo
de si mesmo, na Pátria e no estrangeiro.

De virtudes, um másculo pioneiro;
da nossa Liberdade, eterno escudo;
deram-lhe tudo, menos sobretudo,
a direção do povo brasileiro!

Vivo, não fora a tanto necessário...
Morto, é tão grande, é tão extraordinário,
que encontra, em cada Estrela, um cemitério!

De onde passo a ilagir, um tanto aflito:
ou o Rui foi menos do que se tem dito,
ou este nosso Brasil é um caso sério...


Poemas e Poesias domingo, 26 de abril de 2020

A UMA BAILARINA (POEMA DO MINEIRO PAULO MENDES CAMPOS)

A UMA BAILARINA

Paulo Mendes Campos

Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.

Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pássaros sutis do movimento.

Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,

Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas não fica,
A tentação alegre da pureza.


Poemas e Poesias sábado, 25 de abril de 2020

MINHA SERRA (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

MINHA SERRA

Patativa do Assaré

 

Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.
 
Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.
 
Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.
 
Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

 


Poemas e Poesias sexta, 24 de abril de 2020

DESENGANOS (POEMA DO CEARENSE PADRA ANTÔNIO TOMÁS)

DESENGANOS

Padre Antônio Tomás

 

Muitas vezes sonhei nos tempos idos  
Acalentando sonhos de ventura,  
Então a voz da lira suave e pura  
Era-me um gozo d'alma e dos sentidos. 
 
Hoje, vejo meus sonhos convertidos  
Num acervo de dores e de amargura  
E percorro da vida a estrada escura 
Recalcando no peito os meus gemidos
 
E se tento cantar como remédio  
Minhas mágoas ao sombrio tédio  
Que lentamente as forças me quebranta  
 
Os sons de lira que arranco agora  
Mais parecem soluços de quem chora  
Do que a doce toada de quem canta.


Poemas e Poesias quinta, 23 de abril de 2020

REI DESTRONADO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

REI DESTRONADO

Olavo Bilac

 

O teu lugar vazão!... E esteve cheio,
Cheio de mocidade e de ternura!
Como brilhava a tua formosura!
Que luz divina te doirava o seio!

Quando a camisa tépida despias,
- Sob o reflexo do cabelo louro,
De pé, na alcova, ardias e fulgias
Como um ídolo de ouro.

Que fundo o fogo do primeiro beijo,
Que eu te arrancava ao lábio recendente!
Morria o meu desejo... outro desejo
Nascia mais ardente.

Domada a febre, lânguida, em meus braços
Dormias, sobre os linhos revolvidos,
Inda cheios dos últimos gemidos,
Inda quentes dos últimos abraços...

Tudo quanto eu pedira e ambicionara,
Tudo meus dedos e meus olhos calmos
Gozavam satisfeitos nos seis palmos
De tua carne saborosa e clara:

Reino perdido! glória dissipada
Tão loucamente! A alcova está deserta,
Mas inda com o teu cheiro perfumada,
Do teu fulgor coberta...


Poemas e Poesias quarta, 22 de abril de 2020

BELEZA (POEMA DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

BELEZA 

Menotti Del Picchia

 

 

A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contundo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.

E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.

A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção (sempre a primeira e nunca
repetida) que conduz

o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.


Poemas e Poesias terça, 21 de abril de 2020

DA FELICIDADE (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

DA FELICIDADE

Mário Quintana

 

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!


Poemas e Poesias segunda, 20 de abril de 2020

AMOR (POEMA DA MARANHENSE MARIA FIRMINA DOS REIS), NA VOZ DE SOCORRO LIRA


Poemas e Poesias domingo, 19 de abril de 2020

ARTE DE AMAR (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

ARTE DE AMAR

Manuel Bandeira

 

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Poemas e Poesias sábado, 18 de abril de 2020

DESEJAR SER (POEMAS DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

DESEJAR SER

Manoel de Barros

Nasci para administrar o à-toa
                                  o em vão
                                  o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
                              de pessoas com rãs
                              de pessoas com pedras
                              etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral.


Poemas e Poesias sexta, 17 de abril de 2020

PERGUNTAS SEM RESPOSTA (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

PERGUNTAS SEM RESPOSTA

Machado de Assis

 

Vênus Formosa, Vênus fulgurava
No azul do céu da tarde que morria,
Quando à janela os braços encostava
Pálida Maria.

Ao ver o noivo pela rua umbrosa,
Os longos olhos ávidos enfia,
E fica de repente cor-de-rosa
Pálida Maria.

Correndo vinha no cavalo baio,
Que ela de longe apenas distinguia,
Correndo vinha o noivo, como um raio...
Pálida Maria!

Três dias são, três dias são apenas,
Antes que chegue o suspirado dia,
Em que eles porão termo às longas penas...
Pálida Maria!

De confusa, naquele sobressalto,
Que a presença do amado lhe trazia,
Olhos acesos levantou ao alto
Pálida Maria.

E foi subindo, foi subindo acima
No azul do céu da tarde que morria,
A ver se achava uma sonora rima...
Pálida Maria!

Rima de amor, ou rima de ventura,
As mesmas são na escala da harmonia.
Pousa os olhos em Vênus que fulgura
Pálida Maria.

E o coração, que de prazer lhe bate,
Acha no astro a fraterna melodia
Que à natureza inteira dá rebate...
Pálida Maria!

Maria pensa: "Também tu, decerto,
Esperas ver, neste final do dia,
Um noivo amado que cavalga perto.
Pálida Maria?"

Isto dizendo, súbito escutava
Um estrépito, um grito e vozeria,
E logo a frente em ânsias inclinava
Pálida Maria.

Era o cavalo, rábido, arrastando
Pelas pedras o noivo que morria;
Maria o viu e desmaiou gritando...
Pálida Maria !

Sobem o corpo, vestem-lhe a mortalha,
E a mesma noiva, semimorta e fria,
Sobre ele as folhas do noivado espalha.
Pálida Maria!

Cruzam-se as mãos, na derradeira prece
Muda que o homem para cima envia,
Antes que desça à terra em que apodrece.
Pálida Maria!

Seis homens tomam do caixão fechado
E vão levá-lo à cova que se abria;
Terra e cal e um responso recitado...
Pálida Maria!

Quando, três sóis passados, rutilava
A mesma Vênus, no morrer do dia,
Tristes olhos ao alto levantava
Pálida Maria.

E murmurou: "Tens a expressão do goivo,
Tens a mesma roaz melancolia;
Certamente perdeste o amor e o noivo,
Pálida Maria?"

Vênus, porém, Vênus brilhante e bela,
Que nada ouvia, nada respondia,
Deixa rir ou chorar numa janela
Pálida Maria.


Poemas e Poesias quinta, 16 de abril de 2020

BICO DA TORRE (POEM ADO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

BICO DA TORRE

Luís Turiba

 

A sombra do bico da Torre na terra
faz o ponteio
que marca o preciso momento e o destino
da gente se amar
São flocos de nuvens que pairam
no céu de Brasília
dão na vista textura arquitetura obra de artista
São blocos caiados de branco
banhados de chuva e de luz
necessidade nessa cidade
de afeto é o que conduz
Me induzo a ficar a pensar
que sou o céu
e o bico da torre é a antena
que marca o momento apenas


Poemas e Poesias quarta, 15 de abril de 2020

ESTÃO AQUI AS POBRES COISAS (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

ESTÃO AQUI AS POBRES COISAS

Jorge de Lima

 

Estão aqui as pobres coisas: cestas
esfiapadas, botas carcomidas, bilhas
arrebentadas, abas corroídas,
com seus olhos virados para os que

as deixaram sozinhas, desprezadas,
esquecidas com outras coisas, sejam:
búzios, conchas, madeiras de naufrágio,
penas de ave e penas de caneta,

e as outras pobres coisas, pobres sons,
coitos findos, engulhos, dramas tristes,
repetidos, monótonos, exaustos,

visitados tão só pelo abandono,
tão só pela fadiga em que essas ditas
coisas goradas e órfãs se desgastam.


Poemas e Poesias terça, 14 de abril de 2020

DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO

João Cabral de Melo Neto

 

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.


Poemas e Poesias segunda, 13 de abril de 2020

ALVORADA ETERNA (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

ALVORADA ETERNA

J. G. de Araújo Jorge

 



Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!


Poemas e Poesias domingo, 12 de abril de 2020

CINCO ELEGIAS - QUARTA (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

CINCO ELEGIAS - QUARTA

Hilda Hilst

 

Não te espantes da vontade
Do poeta
Em transmudar-se:
Quero e queria ser boi
Ser flor
Ser paisagem.
Sentir a brisa da tarde
Olhar os céus, ver às tardes
Meus irmãos, bezerros, hastes,
Amar o verde, pascer,
Nascer
Junto à terra
(À noite amar as estrelas)
Ter olhos claros, ausentes,
Sem o saber ser contente
De ser boi, ser flor, paisagem.
Não te espantes. E reserva
Teu sorriso para ops homens
Que a todo custo hão de ser
Oradores, eruditos,
Doutos doutores
Fronte e cerne endurecido.
Quero e queria ser boi
Antes de querer ser flor.
E na planície, no monte,
Movendo com igual compasso
A carcaça e os leves cascos
(Olhando além do horizonte)
Um pensamento eu teria:
Mais vale a mente vazia.

E sendo boi, sou ternura.
Aunque pueda parecer
Que del poeta
Es locura.


Poemas e Poesias sábado, 11 de abril de 2020

À MORTE (POEM DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

À MORTE

Florbela Espanca

 

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto!


Poemas e Poesias sexta, 10 de abril de 2020

CANTADA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

CANTADA

Ferreira Gullar

 

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça d’água
límpida
num lugar escondido
Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobras
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira da República Dominicana

Olha
você é tão bonita que o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana


Poemas e Poesias quarta, 08 de abril de 2020

TROVAS HUMORÍSTICAS - 02 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA - 02

Eno Teodoro Wanke

 

Eu li tando sobre o mal

Resultante de beber

Meus amigos, que afinal

Decidi parar de ler

 

 


Poemas e Poesias terça, 07 de abril de 2020

AD ME IPSUM (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

 

AD ME IPSUM

Da Costa e Silva

 

Homem fraco, de espírito covarde,
Não busques outro bem que te conforte,
Nem evites a dor, antes sê forte
Para sofrer sem grita, sem alarde...

Se, acalentando as cinzas frias, arde
Ainda a chama do amor vencendo a morte,
Não te aventures à mercê da sorte
Na ilusão de outro afeto, porque é tarde.

Conserva resignado o que tiveste,
E em teu ser, vivo e eterno, continua,
Pois, sendo humano, se tornou celeste.

E nunca outra mulher a substitua,
Que, se tua alma em vida tu lha deste,
A que vive contigo não é tua.

 


Poemas e Poesias segunda, 06 de abril de 2020

MORENA DOS OLHOS PRETOS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

MORENA DOS OLHOS PRETOS

Cruz e Sousa

 

Morena dos olhos pretos
Dos olhos pretos, morena,
Escuta os vagos duetos
Morena dos olhos pretos,
Faremos ambos, tercetos,
Com esta esfera serena,
Morena dos olhos pretos,
Dos olhos pretos, morena.


Poemas e Poesias domingo, 05 de abril de 2020

DAS PEDRAS (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

DAS PEDRAS

Cora Coralina

 

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.

Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.

Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida…
Quebrando pedras
e plantando flores.

Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.


Poemas e Poesias sábado, 04 de abril de 2020

HÁ MOMENTOS (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

HÁ MOMENTOS

Clarice Lispector

 

Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar,
porque um belo dia se morre.


Poemas e Poesias sexta, 03 de abril de 2020

COLAR DA CAROLINA (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

COLAR DA CAROLINA

Cecília Meireles

 

Para minha Carolina, que me fez

querer da vida o que ela tem de melhor.

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral

nas colunas da colina.


Poemas e Poesias quinta, 02 de abril de 2020

O CEGO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

Catulo da Paixão Cearense

 

DECLAMAÇÃO POR ROLANDO BOLDRIN


Poemas e Poesias quarta, 01 de abril de 2020

O BANDOLIM DA DESGRAÇA (26ª PARTE DO POEMA A CACHEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

O BANDOLIM DA DESGRAÇA

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

Quando de amor a Americana douda
A moda tange na febril viola,
E a mão febrenta sobre a corda fina
Nervosa, ardente, sacudida rola.

A gusla geme, sestorcendo em ânsias,
Rompem gemidos do instrumento em pranto...
Choro indizível... comprimir de peitos...
Queixas, soluços... desvairado canto!

E mais dorida a melodia arqueja!
E mais nervosa corre a mão nas cordas!...
Ai! tem piedade das crianças louras
Que soluçando no instrumento acordas! ...

"Ai! tem piedade dos meus seios trêmulos..."
Diz estalando o bandolim queixoso.
... E a mão palpita-lhe apertando as fibras...
E fere, e fere em dedilhar nervoso!...


Poemas e Poesias terça, 31 de março de 2020

QUANDO TU CHORAS (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

QUANDO TU CHORAS

Casimiro de Abreu

 

Quando tu choras, meu amor, teu rosto
Brilha formoso com mais doce encanto,
E as leves sombras de infantil desgosto
Tornam mais belo o cristalino pranto.

Oh! nessa idade da paixão lasciva
Como o prazer, é o chorar preciso:
Mas breve passa - qual a chuva estiva -
E quase ao pranto se mistura o riso.

É doce o pranto de gentil donzela,
É sempre belo quando a virgem chora:
- Semelha a rosa pudibunda e bela
Toda banhada do orvalhar da aurora.

Da noite o pranto, que tão pouco dura,
Brilha nas folhas como um rir celeste,
E a mesma gota transparente e pura
Treme na relva que a campina veste.

Depois o sol, como sultão brilhante,
De luz inunda o seu gentil serralho,
E às flores todas - tão feliz amante -
Cioso sorve o matutino orvalho.

Assim, se choras, inda és mais formosa,
Brilha teu rosto com mais doce encanto:
- Serei o sol e tu serás a rosa...
Chora, meu anjo, - beberei teu pranto!


Poemas e Poesias segunda, 30 de março de 2020

CHOPE (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

CHOPE

Carlos Pens Filho

 

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.

Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.


Poemas e Poesias domingo, 29 de março de 2020

A PUTA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

A PUTA

Carlos Drummond de Andrade

 

Quero conhecer a puta.
A puta da cidade. A única.
A fornecedora.
Na rua de Baixo
Onde é proibido passar.
Onde o ar é vidro ardendo
E labaredas torram a língua
De quem disser: Eu quero
A puta
Quero a puta quero a puta.

Ela arreganha dentes largos
De longe. Na mata do cabelo
Se abre toda, chupante
Boca de mina amanteigada
Quente. A puta quente.

É preciso crescer esta noite inteira sem parar
De crescer e querer
A puta que não sabe
O gosto do desejo do menino
O gosto menino
Que nem o menino
Sabe, e quer saber, querendo a puta.


Poemas e Poesias sábado, 28 de março de 2020

SONETO 120 - CÁ NESTA BABILÔNIA (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

CÁ NESTA BABILÔNIA

Soneto 120

Luís de Camões

 

Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;

Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!


Poemas e Poesias sexta, 27 de março de 2020

SONETO AO PECADOR MORTO (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA DU BOCAGE)

SONETO AO PECADOR MORTO

Bocage

 

(Grafia original)

Morreu Bocage, sepultou-se em Gôa!
Chorai, moças venaes, chorai, pedantes,
O insulso estragador dos consoantes.
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!

Por aventuras mil obteve a c′rôa
Que a fronte cinge dos heroes andantes;
Inda veio de climas tão distantes
Á toa vegetar, versar á toa:

Este que vês, com olhos macerados,
Não é Bocage, não, rei dos bregeiros.
São apenas seus olhos descarnados:

Fugiu do cemiterio aos companheiros;
Anda agora purgando seus peccados
Glosando aos cagaçaes pelos outeiros.


Poemas e Poesias quinta, 26 de março de 2020

UMA NOITE NO CAIRO, POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS

UMA NOITE NO CAIRO

Augusto dos Anjos

 

Noite no Egito. O céu claro e profundo 
Fulgura. A rua é triste. A Lua Cheia 
Está sinistra, e, sobre a paz do mundo, 
A alma dos Faraós anda e vagueia.
 
Os mastins negros vão ladrando à lua... 
O Cairo é de uma formosura arcaica. 
No ângulo mais recôndito da rua 
Passa cantando uma mulher hebraica.
 
O Egito é sempre assim quando anoitece! 
Às vezes das pirâmides o quêdo 
E atro perfil, exposto ao luar, parece 
Uma sombria interjeição de medo!
 
Como um contraste aqueles míseres 
Num quiosque em festa a alegre turba grita 
E dentro dançam homens e mulheres 
Numa aglomeração cosmopolita.
 
Tonto do vinho, um saltimbanco da Asia 
Convulso e rôto, no apogeu da fúria, 
Executando evoluções de razzia 
Solta um brado epiléptico de injúria!
 
Em derredor duma ampla mesa preta 
- Última nota do conúbio infando - 
Vêem-se dez jogadores de roleta 
Fumando, discutindo, conversando.
 
Resplandece a celeste superfície 
Dorme soturna a natureza sabia... 
Em baixo, na mais próxima planície, 
Pasta um cavalo esplêndido da Arábia.
 
Vaga no espaço um silfo solitário. 
Troam kinnors! Depois tudo é tranquilo... 
Apenas, como um velho stradivario, 
Soluça toda a noite a água do Nilo!

Poemas e Poesias quarta, 25 de março de 2020

MINHA ESCOLA (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

Ascenso Ferreira

MINHA ESCOLA

Ascenso Ferreira

 

A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova.


Poemas e Poesias terça, 24 de março de 2020

LINDAS CENAS (POEMA DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

LINDAS CENAS

Arthur Azevedo

 

É na varanda a cena, onde o trabalho

Ocupa três morenas,

Rosas do mesmo galho,

A quem desponta apenas

Um sol de primavera.

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão lindas cenas:

 

A primeira uma saia finaliza,

E a outra um cós pesponta,

E a terceira marcando uma camisa

Está, que já das mãos lhe saiu pronta.

 

Na pobre meassaba

(O canapé da mísera vivenda)

Das morenas a mãe ligeira acaba

Algumas varas de engenhosa renda.

Trabalho de encomenda.

 

A velha mão cansada

Dos bilros no vaivém parece nova,

Acompanhando a lânguida toada,

A invariável trova,

Entre dentes cantada.

 

De vez em quando cessa a cantilena,

E ao taquari sorvendo umas fumaças,

A velha mãe ordena

Mais ativo trabalho àquelas graças.

 

Meu Deus! que linda cena l

E que pintor pintá-la poderia!

 

A primeira das três, toda alegria,

Tem a feição brejeira;

A segunda é não menos prazenteira;

Mas que melancolia

Entenebrece o rosto da terceira!

 

A primeira, da mãe severa e dura

A distração aguarda,

Pois em baixo dos panos da costura

A Moreninha, de Macedo, guarda,

E, em rápido relance,

Fundo e furtivo olhar manda ao romance.

 

A segunda parece mais sensata:

As vistas em redor jamais espaça,

Mas a mana maltrata

Um beliscão que é dado em ar de graça

 

Si a felicidade só no rir consiste,

Que são felizes todas ires diviso;

Mas a terceira ri de um rir tão triste...

As lágrimas prefiro àquele riso.

 

Em vão simula calma...

Deixa dos dedos lhe cair a agulha.

Aquela cândida alma

Acaso se mergulha

Nalguma dor sincera?

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena!

 

A velha está serena.

— Que tens, sinhá, que tens? Te desconheço I

Tu bem sabes, pequena:

Quando eu te vejo triste, me entristeço J —

 

Disfarça a moça a comoção, o enleio,

Partindo a linha co'os formosos dentes,

Mas desfolha no seio

um rosário de lágrimas ardentes.

 

Desse modo acusada,

Ergue-se envergonhada,

E no eólio materno, abrigo santo,

Tenta esconder o resto do seu pranto.

 

As outras duas moreninhas belas,

Erguidas logo, serenar procuram

A dolorida irmã, bem sabem elas

Que são artes do amor que assim misturam

As lágrimas aos risos

Tristes, amargurados, indecisos:

Mas não sabem da missa nem metade...

 

Com que meiga piedade

Em beijos degenera

Aquela doce pena!

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena

 

A porta da varanda se escancara

E no lumiar a cara

De um velho se apresenta.

Carregando garboso os seus sessenta.

Dá-lhe um solene, venerando aspeito,

A barba branca que lhe cobre o peito.

 

Não está só o ancião: traz ao seu lado

Um bonito rapaz, tipo de poeta,

E vem acompanhado

Por um cão agitando a cauda inquieta.

 

Dirigindo-se a velha

Que, surpreendida, franze a sobrancelha,

— Minha senhora, diz o velho, queira

Perdoar-me entrar aqui desta maneira,

Sem me fazer anunciar; urgente

Caso me traz humilde e reverente:

Este moço é meu filho;

Saiu-me, por desgraça, um peralvilho!

De uma destas meninas

Alcançou entrevistas clandestinas.

 

E fugiu dela, calculando, injusto,

Que eu, que sou velho honrado, me oporia

Ao casamento. Só a muito custo

Me revelou essa patifaria,

Da qual me prevenira um bom amigo

Senhora, aqui o tem, trouxe-o comigo,

E peco-lhe, para este bigorrilha,

Com o seu perdão, a mão de sua filha,

Si o julga digno de casar com ela.

 

Nesta pálida tela

Não ponho, que o pincel me não ajuda,

A longa cena muda

Que se passou; da velha o grande espanto,

E da culpada o pranto,

E a surpresa das manas, e o enleio

Do sedutor, parado ali, no meio

Da casa, cabisbaixo, e o pai sisudo,

De barbas brancas e figura austera,

E o cão curioso, farejando tudo,

Indiferente à sorte da pequena.

 

Que lindo! ai, quem me dera

Saber reproduzir tão linda cena!

 

Quando a velha, passado o espanto imenso,

Lançou à moça um longo olhar magoado,

Esta, mordendo o lenço,

De lágrimas lavado,

— Mamãe, perdoa... murmurou apenas.

 

Ai, quem me dera, em verso aprimorado

Saber reproduzir tão lindas cenas l


Poemas e Poesias segunda, 23 de março de 2020

A TIGRE NEGRA (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA)

A TIGRE NEGRA

Ariano Suassuna

 

O Amor e o Tempo – Com Tema de Augusto dos Anjos

Da Cabeleira negra aleonada,

Tocha escura que o Sol transforma em Crina,

o crespo Capacete se ilumina,

em faíscas de Treva agateada.

 

Gata negra, Pantera-extraviada,

abres ao sol tua Romã felina.

Ao Dardo em fogo queima-se a Colina,

e há cascos e tropéis por essa Estrada.

Bebo, na Taça, o aroma da Sombria!

 

A vida foge, Amor, e a Sombra-tarda,

ao fogo, cresta a rosa da Paloma!

A Cega afia a sua Faca, afia,

e chega o Sono, a Morte-Leoparda,

Jaguar cruel para abrasar-te as Pomas.


Poemas e Poesias domingo, 22 de março de 2020

OCEANO NOX (POEMA DO PORTUGUÊS ANTERO DE QUENTAL)

OCEANO NOX

Antero de Quental

 

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...


Poemas e Poesias sábado, 21 de março de 2020

CANTIGA (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

CANTIGA

Álvares de Azevedo

 

 

I

Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
 
Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.


Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu;
Noite a noite a lua triste
Vem espreitá-la do céu.
 
Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.
 
E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
 
Dormem cheirosas, abrindo,
As roseiras em botão...
E dormem no seio dela
As rosas do coração.
 

II

A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,

Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.
 
— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.
 
Acorda, minha donzela,
Foi-se a lua, eis a manhã
E nos céus da primavera
É a aurora tua irmã.
 
Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.
 
Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
Acordaremos no céu.


Poemas e Poesias sexta, 20 de março de 2020

TERCEIRA DOR (POEMA DO MINEIRO ALPHONSUS GUIMARAENS)

TERCEIRA DOR

Alphonsus Gimaraens

 

É Sião que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas...
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas, 
Onde velam, nas noites infinitas, 
Mil guerreiros sombrios como ascetas, 
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas
Aromalizam com os unguentos brancos
Dos nigromantes de mortais aromas...

Jerusalém, em meio às Doze Portas, 
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.


Poemas e Poesias quinta, 19 de março de 2020

A IMPLOSÃO DA MENTIRA - FRAGMENTO 2 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT,ANNA)

A IMPLOSÃO DA MENTIRA

FRAGMENTO 2

Affonso Romano de Sant'Anna

 

                Evidente/mente a crer

               nos que me mentem

               uma flor nasceu em Hiroshima

               e em Auschwitz havia um circo

               permanente.


               Mentem. Mentem caricatural-

               mente.

               Mentem como a careca

               mente ao pente,

               mentem como a dentadura

               mente ao dente,

               mentem como a carroça

               à besta em frente,

               mentem como a doença

               ao doente,

               mentem clara/mente

               como o espelho transparente.

               Mentem deslavadamente,

               como nenhuma lavadeira mente

               ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem

               com a cara limpa e nas mãos

               o sangue quente. Mentem

               ardente/mente como um doente

               em seus instantes de febre. Mentem

               fabulosa/mente como o caçador que quer passar

               gato por lebre. E nessa trilha de mentiras

               a caça é que caça o caçador

               com a armadilha.

               E assim cada qual

               mente industrial?mente,

               mente partidária?mente,

               mente incivil?mente,

               mente tropical?mente,

               mente incontinente?mente,

               mente hereditária?mente,

               mente, mente, mente.

               E de tanto mentir tão brava/mente

               constroem um país

               de mentira

               —diária/mente.


Poemas e Poesias quarta, 18 de março de 2020

SEM TÍTULO (POEMA DO MARANHENSE ADELINO FONTOURA)

SEM TÍTULO

Adelino Fontoura 

 

        És como doce juriti da mata,
        Ligeira, esquiva, tímida e medrosa:
        Foges de mim tremente e suspirosa,
        Como quem de um perigo se recata.

        Mas não sei, afinal, criança ingrata,
        Porque foges: não sei porque amorosas
        Tua alma casta, angélica e bondosa,
        Com tão doce esquivança me maltrata.

        Abre as asas à luz serenamente
        E vem fugindo aos gelos do deserto
        Buscar o sol do meu amor ardente.

        Dirige para mim teu voto incerto,
        Pois tens meu coração, pomba inocente,
        Como um tépido ninho  sempre aberto.


Poemas e Poesias quarta, 18 de março de 2020

SEM TÍTULO (POEMA DO MARANHENSE ADELINO FONTOURA)

 

 

        És como doce juriti da mata,
        Ligeira, esquiva, tímida e medrosa:
        Foges de mim tremente e suspirosa,
        Como quem de um perigo se recata.

        Mas não sei, afinal, criança ingrata,
        Porque foges: não sei porque amorosas
        Tua alma casta, angélica e bondosa,
        Com tão doce esquivança me maltrata.

        Abre as asas à luz serenamente
        E vem fugindo aos gelos do deserto
        Buscar o sol do meu amor ardente.

        Dirige para mim teu voto incerto,
        Pois tens meu coração, pomba inocente,
        Como um tépido ninho sempre aberto.


Poemas e Poesias terça, 17 de março de 2020

BILHETE DA OUSADA DONZELA (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

BILHETE DA OUSADA DONZELA

Adélia Prado

 

 

Jonathan,
há nazistas desconfiados.
Põe aquela sua camisa que eu detesto
- comprada no Bazar Marrocos -
e venha como se fosse pra consertar meu chuveiro.
Aproveita na terça que meu pai vai com minha mãe
visitar tia Quita no Lajeado.
Se mudarem de idéia, mando novo bilhete.
Venha sem guarda-chuva - mesmo se estiver chovendo -
Não aguento mais tio Emílio que sabe e finge não saber
que te namoro escondido e vive te pondo apelidos.
O que você disse outro dia na festa dos pecuaristas
até hoje soa igual música tocando no meu ouvido:
"Não paro de pensar em você."
Eu também, Natinho, nem um minuto.
Na terça, às duas da tarde,
hora em que se o mundo acabar eu nem vejo.

Com aflição,
Antônia.


Poemas e Poesias segunda, 16 de março de 2020

A POESIA SE ESFREGA NOS SERES E NAS COUSAS (POEMA DA CARIOCA ADALGISA NERY)

A POESIA SE ESFREGA NOS SERES E NAS COUSAS

Adalgisa Nery

 

Nunca sentiste uma força melodiosa

Cercando tudo que teus olhos vêem,

Um misto de tristeza numa paisagem grandiosa

Ou um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?

Nunca sentiste nostalgia na essência das cousas perdidas

Deparando com um campo devoluto

Semelhante a uma virgem esquecida?

Num circo, nunca se apoderou de ti, um amargor sutil

Vendo animais amestrados

E logo depois te mostrarem

Seres humanos imitando um réptil?

Nunca reparaste na beleza de uma estrada

Cortando as carnes do solo

Para unir carinhosamente

Todos os homens, de um a outro pólo?

Nunca te empolgastes diante de um avião

Olhando uma locomotiva, a quilha de um navio,

Ou de qualquer outra invenção?

Nunca sentiste esta força que te envolve desde o brilho do dia

Ao mistério da noite,

Na extensão da tua dor

E na delícia da tua alegria?

Pois então, faz de teus olhos o cume da mais alta montanha

Para que vejas com toda a amplitude

A grandeza infindável da poesia que não percebes

E que é tamanha!


Poemas e Poesias domingo, 15 de março de 2020

A CASA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A CASA

Vinícius de Moraes

 

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela, não
Porque na casa
Não tinha chão

Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali

Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero


Poemas e Poesias sábado, 14 de março de 2020

A VOZ DO SINO (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

A VOZ DO SINO

Vicente de Carvalho

 

 

Tarde triste e silenciosa
De vila de beira-mar:
Uma tarde cor-de-rosa
Que vai morrendo em luar...

(...)

De súbito, rumoreja
Violentamente o ar:
Na torrezinha da igreja
Rompe o sino a badalar.

Ponho-me atento, a escutá-lo:
Que diz, alto e repentino,
Esse bater de um badalo
Num sino?

Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Aves, já nenhuma voa:
Dormem; e vais acordá-las
À-toa...

Vais espantar quanta moça
Aí pelos arredores
Depois de um dia de roça,
De enxada e de soalheira,
Dedica a tarde ligeira
A tarefas bem melhores:

Pelas discretas beiradas
De alguma fonte; fiadas
Na proteção pitoresca
De ramagens, folha, flores;
Que fazem elas? Coitadas,
Bebem, nas mãos, água fresca...
Lavam as caras tostadas...
Ou cuidam dos seus amores...

Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Olha que vais espantá-las
À-toa...

Badalas... E eu que te falo
Não sei e nem imagino
Que pretendes tu, badalo,
A bater, bater no sino.

Talvez convoques à ceia
Pescadores que, lidando,
Nem viram que entardeceu;
Algum se estendeu na areia
A descansar; senão quando,
De cansado adormeceu...


Poemas e Poesias sexta, 13 de março de 2020

O MENTIROSO E O IGNORANTE (POEMA DO CEARENSE QUINTINO CUNHA)

O MENTIROSO E O IGNORANTE

Quintino Cunha

 

 

O mentiroso é consciente

da mentira que ele explora.

Mas o ignorante ignora,

que ignora o que fizer.

De onde suponho, com acerto,

ser natural que prefiras

um soltador de mentiras


a um ignorante qualquer.


Poemas e Poesias quinta, 12 de março de 2020

A MENINA MENDIGA (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

A MENINA MENDIGA

Patativa do Assaré

 

De pés descalços sobre o frio chão.
Roto o vestido, em desalinho a trança.
De porta em porta a mendigar o pão.
Vai pela rua uma infeliz criança.

O seu estado causa compaixão.
Ninguém lhe nota um riso de esperança.
Sempre a estender a sua magra mão.
Canta, pedindo com voz fraca e mansa:

- Ó nobre rico, tende piedade!
Vede como ainda no verdor da idade
são dolorosos os martírios meus!

Olhai a pobre que com fome cai:
Não tenho mãe nem conheci meu pai,
dai-me uma esmola pelo amor de Deus!


Poemas e Poesias quarta, 11 de março de 2020

DESENCANTO (POEMA DO CEARENSE PADRE ANTÔNIO TOMÁS)

DESENCANTO

Padre Antônio Tomás

 

Muitas vezes cantei, nos tempos idos,
Acalentando sonhos de ventura;
Então da lira a voz suave e pura
Era-me um gozo d’alma e dos sentidos.

Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e amargura,
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos.

E, se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta,

Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.


Poemas e Poesias terça, 10 de março de 2020

PECADOR (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

PECADOR

Olavo Bilac

 

Este é o altivo pecador sereno,
Que os soluços afoga na garganta,
E, calmamente, o copo de veneno
Aos lábios frios sem tremer levanta.

Tonto, no escuro pantanal terreno
Rolou. E, ao cabo de torpeza tanta,
Nem assim, miserável e pequeno,
Com tão grandes remorsos se quebranta.

Fecha a vergonha e as lágrimas consigo...
E, o coração mordendo impenitente,
E, o coração rasgando castigado,

Aceita a enormidade do castigo,
Com a mesma face com que antigamente
Aceitava a delícia do pecado.


Poemas e Poesias segunda, 09 de março de 2020

BANZO (POEMA DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

BANZO

Menotti Del Picchia

 

E por que deixou na areia do Congo
a aldeia de palmas;
e porque seus ídolos negros
não fazem mais feitiços;
e porque o homem branco o enganou com missangas
e atulhou o porão do navio negreiro
com seu desespero covarde;
e porque não vê mais de ânfora ao ombro
a imagem do conga nas águas do Kuango,
ele fica na porta da senzala
de mão no queixo e cachimbo na boca,
varado de angústia,
olhando o horizonte,
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.


Poemas e Poesias domingo, 08 de março de 2020

DA DISCRIÇÃO (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

DA DISCRIÇÃO

Mário Quintana

 

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...


Poemas e Poesias sábado, 07 de março de 2020

AH! NÃO POSSO (POEMA DA MARANHENSE MARIA FIRMINA DOS REIS)

AH! NÃO POSSO

Maria Firmina dos Reis

 

Se uma frase se pudesse

Do meu peito destacar;

Uma frase misteriosa

Como o gemido do mar,

Em noite erma, e saudosa,

De meigo, e doce luar;

Ah! se pudesse!… mas muda

Sou, por lei, que me impõe Deus!

Essa frase maga encerra,

Resume os afetos meus;

Exprime o gozo dos anjos,

Extremos puros dos céus.

Entretanto, ela é meu sonho,

Meu ideal inda é ela;

Menos a vida eu amara

Embora fosse ela bela.

Como rubro diamante,

Sob finíssima tela.

Se dizê-la é meu empenho,

Reprimi-la é meu dever:

Se se escapar dos meus lábios,

Oh! Deus, ─ fazei-me morrer!

Que eu pronunciando-a não posso

Mais ─ sobre a terra viver.

 


Poemas e Poesias sexta, 06 de março de 2020

ANDORINHA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

ANDORINHA

Manuel Bandeira

 

Andorinha lá fora está dizendo:
— "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa . . .


Poemas e Poesias quinta, 05 de março de 2020

CAMINHADA (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

CAMINHADA

Manoel de Barros

 

Eu vinha aquela tarde pela terra
fria de sapos...
O azul das pedras tinha cauda e canto.

De um sarã espreitava meu rosto um passarinho.
Caracóis passeavam com róseos casacos ao sol.
As mãos cresciam crespas para a água da ilha.

Começaram de mim a abrir roseiras bravas.
Com as crinas a fugir rodavam cavalos
investindo os orvalhos ainda em carne.

De meu rosto viam ribeiros...

Limpando da casa-do-vento os limos
no ar minha voz pisava...


Poemas e Poesias quarta, 04 de março de 2020

PÁSSAROS (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

PÁSSAROS

Machado de Assis

Je veux changer mes pensées en oiseaux.
C. MAROT

Olha como, cortando os leves ares,
Passam do vale ao monte as andorinhas;
Vão pousar na verdura dos palmares,
Que, à tarde, cobre transparente véu;
Voam também como essas avezinhas
Meus sombrios, meus tristes pensamentos;
Zombam da fúria dos contrários ventos,
Fogem da terra, acercam-se do céu.

Porque o céu é também aquela estância
Onde respira a doce criatura,
Filha do nosso amor, sonho da infância,
Pensamento dos dias juvenis.
Lá, como esquiva flor, formosa e pura,
Vives tu escondida entre a folhagem,
Ó rainha do ermo, ó fresca imagem
Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!

Vão para aquela estância enamorados,
Os pensamentos de minh'alma ansiosa;
Vão contar-lhe os meus dias gozados
E estas noites de lágrimas e dor.

Na tua fronte pousarão, mimosa,
Como as aves no cimo da palmeira,
Dizendo aos ecos a canção primeira
De um livro escrito pela mão do amor.

Dirão também como conservo ainda
No fundo de minh'alma essa lembrança
De tua imagem vaporosa e linda,
Único alento que me prende aqui.

E dirão mais que estrelas de esperança
Enchem a escuridão das noites minhas.
Como sobem ao monte as andorinhas,
Meus pensamentos voam para ti.


Poemas e Poesias terça, 03 de março de 2020

AVISO PRÉVIO (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

AVISO PRÉVIO

Luís Turiba

 

meu coração é uma uva

pulsa explode abusa pluga

 

meu coração é rebelde

vive ameaçando greve

 

meu coração trapezista

dá nó nas próprias tripas

 

meu coração maiakóvski

quanto mais sofre mais love

 

o cardiologista dá as cartas

— todo cuidado, meu chapa

ou se sinquadra ou infarta!


Poemas e Poesias segunda, 02 de março de 2020

ESSA PAVANA (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

ESSA PAVANA

Jorge de Lima

 

Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos

de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre sem descanso,

sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra

a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.


Poemas e Poesias domingo, 01 de março de 2020

COISAS DE CABECEIRA - SEVILHA(POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

COISA DE CABECEIRA - SEVILHA

João Cabral de Melo Neto

 

Diversas coisas se alinham na memória
Numa prateleira com o rótulo: Sevilha.
Coisas, se na origem apenas expressões
De ciganos dali; mas claras e concisas.
A um ponto de se condensarem em coisas,
Bem concretas, em suas formas nítidas.
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Algumas delas, e fora as já contadas:
não esparramar-se, fazer na dose certa;
por derecho, fazer qualquer que fazer,
e o do ser, com a incorrupção da reta;
con nervio, dar a tensão ao que se faz
da corda de arco e a retensão da seta;
pies claros, qualidade de quem dança,
se bem pontuada a linguagem da perna.
(Coisas de cabeceira somam: exponerse,
fazer no extremo, onde o risco começa).


Poemas e Poesias sábado, 29 de fevereiro de 2020

AGORA (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

 

AGORA

J. G. de Araújo Jorge

Agora
já frio o coração
(mas a alma, entretanto,ainda ferida)
resta-me a amarga e silenciosa convicção,
de só tão tarde ter percebido
que nem sequer existi em tua vida.


Poemas e Poesias sexta, 28 de fevereiro de 2020

CANTARES DE PERDA E PREDILEÇÃO (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

CANTARES DE PERDA E PREDILEÇÃO

Hilda Hilst

 

Eu amo Aquele que caminha

Antes do meu passo

É Deus e resiste.

 

Eu amo a minha morada

A Terra triste.

É sofrida e finita

E sobrevive.

 

Eu amo o Homem-luz

Que há em mim.

É poeira e paixão

E acredita.

Amo-te, meu ódio-amor

Animal-Vida.

És caça e perseguidor

E recriaste a Poesia

Na minha Casa.

(XXIII)

 

 * * *

 

Vida da minha alma:

Um dia nossas sombras

Serão lagos, águas

Beirando antiqüíssimos telhados.

De argila e luz

Fosforescentes, magos,

Um tempo no depois

Seremos um só corpo adolescente.

Eu estarei em ti

Transfixiada. Em mim

Teu corpo. Duas almas

Nômades, perenes

Texturadas de mútua sedução.


Poemas e Poesias quinta, 27 de fevereiro de 2020

A MINHA DOR (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

A MINHA DOR

Florbela Espanca

A você


A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal ...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias ...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ...


Poemas e Poesias quarta, 26 de fevereiro de 2020

PERDE E GANHA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

PERDE E GANHA

Ferreira Gullar

 

Vida tenho uma só
          que se gasta com a sola de meu sapato
          a cada passo pelas ruas
          e não dá meia-sola.

 

Perdi-a já
em parte
num pôquer solitário,
mas a ganhei de novo
para um jogo comum.

E neste jogo a jogo
inteira, a cada lance,
que a vida ou se perde ou se ganha com os demais
e assim se vive
que o mais é pura perda 


Poemas e Poesias terça, 25 de fevereiro de 2020

AZUL, OU VERDE, OU ROXO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

AZUL, OU VERDE, OU ROXO

Fernando Pessoa

 

Azul, ou verde, ou roxo quando o sol
O doura falsamente de vermelho,
O mar é áspero (?), casual (?) ou mol(e),
É uma vez abismo e outra espelho.
Evoco porque sinto velho
O que em mim quereria mais que o mar
Já que nada ali há por desvendar.

Os grandes capitães e os marinheiros
Com que fizeram a navegação,
Jazem longínquos, lúgubres parceiros
Do nosso esquecimento e ingratidão.

Só o mar às vezes, quando são
Grandes as ondas e é deveras mar
Parece incertamente recordar. Mas sonho...

O mar é água, é água nua,
Serva do obscuro ímpeto distante
Que, como a poesia, vem da lua
Que uma vez o abate outra o levanta.
Mas, por mais que descante
Sobre a ignorância natural do mar,
Pressinto-o, vasante, a murmurar.

Quem sabe o que é a alma ? Quem conhece
Que alma há nas coisas que parecem mortas.
Quanto em terra ou em nada nunca esquece.
Quem sabe se no espaço vácuo há portas?
O sonho que me exortas
A meditar assim a voz do mar,
Ensina-me a saber-te meditar.

Capitães, contramestres - todos nautas
Da descoberta infiel de cada dia
Acaso vos chamou de igonotas flautas
A vaga e impossível melodia.
Acaso o vosso ouvido ouvia
Qualquer coisa do mar sem ser o mar
Sereias só de ouvir e não de achar?

Quem atrás de intérminos oceanos
Vos chamou à distância ou quem
Sabe que há nos corações humanos
Não só uma ânsia natural de bem
Mas, mais vaga, mais sutil também
Uma coisa que quer o som do mar
E o estar longe de tudo e não parar.

Se assim é e se vós e o mar imenso
Sois qualquer coisa, vós por o sentir
E o mar por o ser, disto que penso;
Se no fundo ignorado do existir
Há mais alma que a que pode vir
À tona vã de nós, como à do mar
Fazei-me livre, enfim , de o ignorar.

Dai-me uma alma transposta de argonauta,
Fazei que eu tenha, como o capitão
Ou o contramestre, ouvidos para a flauta
Que chama ao longe o nosso coração,
Fazei-me ouvir , como a um perdão,
Numa reminiscência de ensinar,
O antigo português que fala o mar!


Poemas e Poesias segunda, 24 de fevereiro de 2020

TROVAS HUMORÍSTICAS - 01 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA HUMORÍSTICA - 01

Eno Teodoro Wanke

 

A mulher,  no aniversário

Sempre deseja que a gente

Se esqueça do seu passado

Mas nunca do seu presente 

 

 


Poemas e Poesias domingo, 23 de fevereiro de 2020

A VIGÍLIA DO SILÊNCIO (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

A VIGÍLIA DO SILÊNCIO

Da Costa e Silva

 

Apraz-me ouvir, às horas vespertinas,
Quando o ocaso desmaia o azul sidéreo, 
O longo cantochão das casuarinas
Na religiosa paz do cemitério.

As árvores, em múrmuras surdinas,
De um rumor elegíaco e funéreo,
Falam de coisas mortas e divinas,
Veladas pelas sombras do mistério.

A perscrutar as vozes do arvoredo, 
Na ânsia inquietante e céptica do sábio, 
Tento, ó Morte! saber o teu segredo.

Mas vejo, no alvo mármore das urnas,
O Silêncio com o dedo sobre o lábio, 
Olhando as vagas solidões noturnas...


Poemas e Poesias sábado, 22 de fevereiro de 2020

Ó FLORA, Ó NINFA DAS ROSAS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ SOUSA)

Ó FLORA, Ó NINFA DAS ROSAS

Cruz e Sousa

 

Ó Flora, ó ninfa das rosas,
Ó frescura dos morangos,
Abre as pupilas radiosas,
Ó Flora, ó ninfa das rosas,
Dá-me as estrelas formosas
Do olhar repleto de tangos,
Ó Flora, ó ninfa das rosas,
Ó frescura dos morangos.


Poemas e Poesias sexta, 21 de fevereiro de 2020

O CORAÇÃO É TERRA QUE NINGUÉM VÊ (POEM ADA GOIANA CORA CORALINA)

O CORAÇÃO É TERRA QUE NINGUÉM VÊ

Cora Coralina

 

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...


Poemas e Poesias quinta, 20 de fevereiro de 2020

FILHA DA NATUREZA (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

FILHA DA NATUREZA

Clarice Lispector

 

"Sou uma filha da natureza:
quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isso lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo."


Poemas e Poesias quarta, 19 de fevereiro de 2020

CENÁRIO (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

CENÁRIO

Cecília Meireles

 

Passei por essas plácidas colinas
e vi das nuvens, silencioso, o gado
pascer nas solidões esmeraldinas.

Largos rios de corpo sossegado
dormiam sobre a tarde, imensamente,
— e eram sonhos sem fim, de cada lado.

Entre nuvens, colinas e torrente,
uma angústia de amor estremecia
a deserta amplidão na minha frente.

Que vento, que cavalo, que bravia
saudade me arrastava a esse deserto,
me obrigava a adorar o que sofria?

Passei por entre as grotas negras, perto
dos arroios fanados, do cascalho
cujo ouro já foi todo descoberto.

As mesmas salas deram-me agasalho
onde a face brilhou de homens antigos,
iluminada por aflito orvalho.

De coração votado a iguais perigos
vivendo as mesmas dores e esperanças,
a voz ouvi de amigos e inimigos

Vencendo o tempo, fértil em mudanças,
conversei com doçura as mesmas fontes,
e vi serem comuns nossas lembranças.

Da brenha tenebrosa aos curvos montes,
do quebrado almocafre aos anjos de ouro
que o céu sustêm nos longos horizontes,

tudo me fala e entende do tesouro
arrancado a estas Minas enganosas,
com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.

Tudo me fala e entendo: escuto as rosas
e os girassóis destes jardins, que um dia
foram terras e areias dolorosas,

por onde o passo da ambição rugia;
por onde se arrastava, esquartejado,
o mártir sem direito de agonia.

Escuto os alicerces que o passado
tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas
de muros de ouro em fogo evaporado.

Altas capelas cantam-me divinas
fábulas. Torres, santos e cruzeiros
apontam-me altitudes e neblinas.

Ó pontes sobre os córregos! ó vasta
desolação de ermas, estéreis serras
que o sol frequenta e a ventania gasta!

Armado pó que finge eternidade,
lavra imagens de santos e profetas
cuja voz silenciosa nos persuade.

E recompunha as coisas incompletas:
figuras inocentes, vis, atrozes,
vigários, coronéis, ministros, poetas.

Retrocedem os tempos tão velozes
que ultramarinos árcades pastores
falam de Ninfas e Metamorfoses.

E percebo os suspiros dos amores
quando por esses prados florescentes
se ergueram duros punhos agressores.

Aqui tiniram ferros de correntes;
pisaram por ali tristes cavalos.
E enamorados olhos refulgentes

— parado o coração por escutá-los
prantearam nesse pânico de auroras
densas de brumas e gementes galos.

Isabéis, Dorotéias, Heliodoras,
ao longo desses vales, desses rios,
viram as suas mais douradas horas

em vasto furacão de desvarios
vacilar como em caules de altas velas
cálida luz de trêmulos pavios.

Minha sorte se inclina junto àquelas
vagas sombras da triste madrugada,
fluidos perfis de donas e donzelas.

Tudo em redor é tanta coisa e é nada:
Nise, Anarda, Marília… — quem procuro?
Quem responde a essa póstuma chamada?

Que mensageiro chega, humilde e obscuro?
Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja?
Quem foge? Entre que sombras me aventuro?

Quem soube cada santo em cada igreja?
A memória é também pálida e morta
sobre a qual nosso amor saudoso adeja.

O passado não abre a sua porta
e não pode entender a nossa pena.
Mas, nos campos sem fim que o sonho corta,

vejo uma forma no ar subir serena:
vaga forma, do tempo desprendida.
É a mão do Alferes, que de longe acena.

Eloquência da simples despedida:
“Adeus! que trabalhar vou para todos!…”
(Esse adeus estremece a minha vida.)


Poemas e Poesias segunda, 17 de fevereiro de 2020

CREPÚSCULO SERTANEJO (25ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

CREPÚSCULO SERTANEJO

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo! Marulho gigante!
Tal vez um silêncio!... Tal vez uma orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo à estrêla... do verme - à floresta!...

As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas - da brisa ao açoite;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça coas penas da noite!

Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!...

 


Poemas e Poesias domingo, 16 de fevereiro de 2020

BORBOLETA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

BORBOLETA

Casimiro de Abreu

 

Borboleta dos amores,
como a outra sobre as flores,
por que és volúvel assim?
Por que deixas, caprichosa,
por que deixas tu a rosa
e vais beijar o jasmim?

Pois essa alma é tão sedenta
que um só amor não contenta
e louca quer variar?
Se já tens amores belos,
pra que vais dar teus desvelos
aos goivos da beira-mar?

Não sabes que a flor traída
na débil haste pendida
em breve murcha será?
Que de ciúmes fenece
e nunca mais estremece
aos beijos que a brisa dá?…

Borboleta dos amores,
como a outra sobre as flores,
por que és volúvel assim?
Por que deixas, caprichosa,
por que deixas tu a rosa
e vais beijar o jasmim?


Poemas e Poesias sábado, 15 de fevereiro de 2020

AS DÁDIVAS DO AMANTE (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

AS DÁDIVAS DO AMANTE

Carlos Pena Filho

 

Deu-lhe a mais limpa manhã
que o tempo ousara inventar.
Deu-lhe até a palavra lã,
e mais não podia dar.

Deu-lhe o azul que o céu possuía
deu-lhe o verde da ramagem,
deu-lhe o sol do meio dia
e uma colina selvagem.

Deu-lhe a lembrança passada
e a que ainda estava por vir,
deu-lhe a bruma dissipada
que conseguira reunir.

Deu-lhe o exato momento
em que uma rosa floriu
nascida do próprio vento;
ela ainda mais exigiu.

Deu-lhe uns restos de luar
e um amanhecer violento
que ardia dentro do mar.

Deu-lhe o frio esquecimento
e mais não podia dar.


Poemas e Poesias sexta, 14 de fevereiro de 2020

A PALAVRA MÁGICA (POEMA DOM O MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

A PALAVRA MÁGICA

Carlos Drumond de Andrade

 

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.


Poemas e Poesias quinta, 13 de fevereiro de 2020

SONETO 003 - BUSQUE AMOR NOVAS ARTES, NOVO ENGENHO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

BUSQUE AMOR, NOVAS ARTES, NOVO ENGENHO

Soneto 003

Luís de Camões

 

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei por quê.


Poemas e Poesias quarta, 12 de fevereiro de 2020

OUTRO SONETO AO VIL INSETO (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA DU BOCAGE)

 

OUTRO SONETO AO VIL INSETO

Bocage

 

Ha juncto do Parnaso um turvo lago,
Aonde em rans existem transformados
Os trovistas de cascos esquentados,
Cerebro frouxo, ou de miolo vago:

Por mais infamia sua, e mais estrago
Doou-lhe Phebo os animos damnados,
P'ra que exprimam em versos desasados
Os seus destinos vis, nos quaes eu cago:

Aqui Bocage, vive, e d'aqui ralha,
E co'a tartarea lingua ponctiaguda
Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha.

É vil insecto, e o genio atroz não muda,
Bem como a escura cor não muda a gralha,
E o hediondo fedor não perde a arruda.

 


Poemas e Poesias terça, 11 de fevereiro de 2020

ASA DE CORVO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

ASA DE CORVO

Augusto dos Anjos

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa própria casa...

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto à brasa,
Como os Goncourts, como os irmãos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indústria humana faz o pano preto
Que as famílias de luto martiriza...

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte - a costureira funerária -
Cose para o homem a última camisa!


Poemas e Poesias segunda, 10 de fevereiro de 2020

MARACATU (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

MARACATU

Ascenso Ferreira

Zabumba de bombos,
Estouro de bombas,
Batuques de ingonos,
Cantigas de banzo,
Rangir de ganzás…

– Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

As luas crescentes
De espelhos luzentes,
Colares e pentes,
Queijares e dentes
De maracajás…

– Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

A balsa do rio
Cai no corrupio
Faz passo macio,
Mas toma desvio
Que nunca sonhou…

– Luanda, Luanda, onde estou?
Luanda, Luanda, onde estou?


Poemas e Poesias domingo, 09 de fevereiro de 2020

INFANTILIDADE (POEMA DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

INFANTILIDADE

Arthur Azevedo

 

Que reboliço vai em casa de Marieta!

É que fugiu Mignonne, a gata favorita,

E tanto chora e chora a pobre pequenita,

Que o papai manda pôr anúncio na gazeta.

 

Da vizinhança alguém, com olho na gorjeta,

A trânsfuga encontrou, que andava de visita

Ao demo de um maltês filósofo que habita

De um canto de fogão a cálida saleta.

 

Marieta, ao ver Mignonne, estende-lhe os bracinhos.

Dá-lhe um banho de amor em beijos e carinhos,

Nervosa, a soluçar, e, ao mesmo tempo, a rir.

 

E entre afagos lhe diz: "Senhora, foi preciso

Pôr um anúncio! Veja o que é não ter juízo!"

E todo o anúncio lê para Mignonne ouvir...


Poemas e Poesias sábado, 08 de fevereiro de 2020

A ONÇA, POR SER ESPERTA (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA)

A ONÇA, POR SER ESPERTA

Ariano Suassuna

 

A Onça, por ser esperta,
já começa o seu Caminho,
Fez da sua Furna o ninho
e esturra que está alerta!
Será a Cadeia aberta!
Quanto ao Porco, é muito certo:
Fugirá para o Deserto,
e a Onça, com seu bramido,
libertará O Ferido,
o nosso Prinspe-Encoberto!

A Onça vai esturrando
atrás do Porco-selvagem:
matá-lo-á na passagem,
com nosso Prinspe ajudando!
O Rei vai ressuscitando
no Prinspe, sua Criança
E a Espora da remonstrança,
Pedra do Reino e da Prata,
no sangue desta Escarlata


Poemas e Poesias sexta, 07 de fevereiro de 2020

OCEANO NOX (POEMA DO PORTUGUÊS ANTRO DE QUENTAL)

OCEANO NOX

Antero de Quental

 

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...


Poemas e Poesias quinta, 06 de fevereiro de 2020

C... (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

C...

Álvares de Azevedo

C...

Oh! não tremas! que este olhar, este
abraço te digam quanto é inefável - o de
abandono sem receio, os inebriamentos de
uma voluptuosidade que deve ser eterna.
GOETHE, Fausto

Sim! coroemos as noites
Com as rosas do himeneu...
Entre flores de laranja
Serás minha e serei teu!

Sim! quero em leito de flores
Tuas mãos dentro das minhas...
Mas os círios dos amores
Sejam só as estrelinhas.

Por incenso os teus perfumes,
Suspiros por oração
E por lágrimas... somente
As lágrimas da paixão!

Dos véus da noiva só tenhas
Dos cílios o negro véu...
Basta do colo o cetim
Para as Madonas do céu!

Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar...
Hei de embalar-te... do leito
Seja lâmpada o luar!

Sim!... coroemos as noites
Da laranjeira co'a flor...
Adormeçamos num templo
- Mas seja o templo do amor.

É doce amar como os anjos
Da ventura no himeneu:
Minha noiva, ou minh'amante,
Vem dormir no peito meu!

Dá-me um beijo, abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
És a minh'alma no céu!


Poemas e Poesias quarta, 05 de fevereiro de 2020

PUCHRA UR LUNA (POEMA DO MINEIRO ALPHONSUS GUIMARAENS)

PULCHRA UT LUNA

Alphonsus Guimaraens

 

Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.


Poemas e Poesias terça, 04 de fevereiro de 2020

A IMPLOSÃO DA MENTIRA - FRAGMENTO 1 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT,ANNA)

A IMPLOSÃO DA MENTIRA

FRAGMENTO 1

Affonso Romano de Sant'Anna

 

                Mentiram-me. Mentiram-me ontem

               e hoje mentem novamente. Mentem

               de corpo e alma, completamente.

               E mentem de maneira tão pungente

               que acho que mentem sinceramente.


               Mentem, sobretudo, impune/mente.

               Não mentem tristes. Alegremente

               mentem. Mentem tão nacional/mente

               que acham que mentindo história afora

               vão enganar a morte eterna/mente.


               Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases

               falam. E desfilam de tal modo nuas

               que mesmo um cego pode ver

               a verdade em trapos pelas ruas.


               Sei que a verdade é difícil

               e para alguns é cara e escura.

               Mas não se chega à verdade

               pela mentira, nem à democracia

               pela ditadura.


Poemas e Poesias segunda, 03 de fevereiro de 2020

PÁGINA DESCONHECIDA (POEMA DO MARANHENSE ADELINO FONTOURA)

PÁGINA DESCONHECIDA

Adelino Fontoura

 

À brisa, ao sol, à serra, à flor silvestre
Ao ribeiro que corre cristalino,
Ao canto alegre e doce, matutino,
Das aventuras no arvoredo agreste;

À campina que do orvalho a manhã veste,
Eu, sem de Homero for o alto destino,
Um conto fui pedir áureo, divino,
Radiante dessa luz alva e celeste!
 
Com ele ornar quisera, alegremente,
O teu álbum mimoso — onde o talento
Do teu gênio se curva ao foto ingente;
 
Mas, não tenho de Dante o pensamento,
Não acho inspiração na luz fulgente
Pra um canto te ofertar com sentimento.


Poemas e Poesias domingo, 02 de fevereiro de 2020

ARTEFATO NIPÔNICO (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

ARTEFATO NIPÔNICO

Adélia Prado

 

A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada.


Poemas e Poesias sábado, 01 de fevereiro de 2020

A ESPERA (POEMA DA CARIOCA ADALGISA NERY)

A ESPERA

Adalgisa Nery

Amado... Por que tardas tanto?
As primeiras sombras se avizinham
E as estrelas iniciam a noite.
Vem...
Pois a esperança que se acolheu em meu coração
Vai deixá-lo como um ninho abandonado nos penhascos.
Vem...Amado..
Desce a tua boca sobre a minha boca.
Para a tua alma levar a minha alma
Pesada de sofrimento!
Vem...
Para que, beijando a minha boca
Eu receba a sensação de uma janela aberta.
Amado meu...
Por que tardas tanto?
Vem...
E serás como um ramo de rosas brancas
Pousando no túmulo da minha vida...
Vem amado meu...
Por que tardas tanto?


Poemas e Poesias sexta, 31 de janeiro de 2020

A CACHORRINHA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A CACHORRINHA

Vinícius de Moraes

 

Mas que amor de cachorrinha!
Mas que amor de cachorrinha!

Pode haver coisa no mundo
Mais branca, mais bonitinha
Do que a tua barriguinha
Crivada de mamiquinha?

Pode haver coisa no mundo
Mais travessa, mais tontinha
Que esse amor de cachorrinha
Quando vem fazer festinha
Remexendo a traseirinha?


Poemas e Poesias quinta, 30 de janeiro de 2020

A TERNURA DO MAR (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

A TERNURA DO MAR

Vicente de Carvalho

 

No firmamento azul, cheio de estrelas de ouro

Ia boiando a Lua indiferente e fria.

De penhasco em penhasco e de estouro em estouro,

Em baixo, o mar dizia:

 

“Lua, só meu amor é fiel tempo em fora.

Muda o céu, que se alegra à madrugada, e pelas

Sombras do entardecer todo entristece, e chora

Marejado de estrelas;

 

Ora em pompas, a terra, ora desfeita e nua

— Como a folha que vai arrastada na brisa —

Aos caprichos do tempo inconstante flutua

Indecisa, indecisa.

 

Desfolha-se, encanece em musgos, aos rigores

Do céu mostra a nudez dos seus galhos mesquinhos,

A árvore que viçou toda folhas e flores,

Toda aromas e ninhos;

 

Cóleras de tufão, pompas de primavera,

Céu que em sombras se esvai, terra que se desnuda,

A tudo o tempo alcança, e a tudo o tempo altera...

— Só meu amor não muda!

 

Há mil anos que eu vivo a terra suprimindo:

Hei de romper-lhe a crosta e cavar-lhe as entranhas,

Dentro de vagalhões penhascos submergindo.

Submergindo montanhas.

 

Hei de alcançar-te um dia... Embalde nos separa

A largura da terra e o fraguedo dos montes.

Hei de chegar aí de onde vens nua e clara

Subindo os horizontes.

 

Um passo para ti cada dia entesouro,

Há de ter fim o espaço, e o meu amor caminha...

Dona do céu azul e das estrelas de ouro,

Um dia serás minha!

 

E serei teu escravo, à noite, pela calma

Rendilharei de espuma o teu berço de areias,

E há de embalar teu sono e acalentar tua alma

O canto das sereias.

 

Quando a aurora romper no céu despovoado,

Tesouros a teus pés estenderei, de rastros.

Ser amante do mar vale mais, sonho amado,

Que ser dona dos astros.

 

Deliciando-te o olhar, afagando-te a vista,

Todo me tingirei de mil cores cambiantes,

E abrir-se-á de meu seio a brancura imprevista

Das ondas arquejantes.

 

Levar-te-ei de onda em onda a vagar de ilha em ilha,

Tranquilas solidões, ermas como atalaias,

Onde o marulho canta e a salsugem polvilha

A alva nudez das praias.

 

Ao longe, de repente assomando e fugindo,

Alguma vela, ao sol, verás, alva de neve:

Teus olhos sonharão enlevados, seguindo

Seu voo claro e leve;

 

Sonharão, na delícia indefinida e vaga

De sentir-se levar sem destino, um momento,

Para além, para além, nos balanços da vaga,

Nos acasos do vento.

 

Far-te-ei ver o país, nunca visto, da sombra,

Onde cascos de naus arrombadas, a espaços

Dormem o último sono estendidos na alfombra

De algas e de sargaços.

 

Opulentos galeões, pelas junturas rotas,

Vertem ouro, troféus inúteis, vis monturos,

Que foram conquistar às praias mais remotas,

Pelos parcéis mais duros.

 

Flâmula ao vento, proa em rumo ao largo, velas

Desfraldadas, varando ermos desconhecidos,

Rudes ondas, tufões brutais, turvas procelas,

Sombra, fuzis, bramidos,

 

Todo o estranho pavor das águas afrontando,

Altivos como reis e leves como plumas,

Iam de golfo em golfo, em triunfo arrastando

Uma esteira de espumas.

 

Ei-los, carcaças vis d’onde o ouro em vão supura,

Esqueletos de heróis, dei-os em pasto à fome

Silenciosa e sutil da multidão obscura,

Dos moluscos sem nome.

 

Essa estranha região nunca vista, hás de vê-la,

Onde, numa bizarra exuberância, a flora

Rebenta pelo chão pérolas cor de estrela

E conchas cor de aurora;

 

Onde o humilde infusório aspira às maravilhas

Da glória, sonha o sol, e, dos grotões mais fundos

De meu seio, levanta a pouco e pouco as ilhas,

Arquipélagos, mundos.

 

Lua, eu sou a paixão, eu sou a vida. Eu te amo,

Paira, longe, no céu, desdenhosa rainha!

Que importa? O tempo é vasto, e tu, bem que reclamo!

Um dia serás minha!

 

Embalde nos afastai, embalde nos separa

A largura da terra e o fraguedo dos montes:

Hei de chegar aí de onde vens, nua e clara

Subindo os horizontes.”

 

Na quietação da noite apenas tumultua

Quebrada de onda em onda a voz brusca do mar

Corta o silêncio, agita o sossego, flutua,

E espalha-se no luar.


Poemas e Poesias quarta, 29 de janeiro de 2020

TAPUIA (POEMA DO GAÚCHO RAUL BOPP)

TAPUIA

Raul Bopp

 

As florestas ergueram braços peludos para esconder-te
A tua carne triste se desabotoa nos seios
recém-chegados do fundo das selvas.

Pararam no teu olhar as noites do Amazonas
mornas e imensas
E no teu corpo longo.
ficou dormindo a sombra das cinco estrelas do Cruzeiro.

O mato acorda no teu sangue
sonhos de tribos desaparecidas
- filha de raças anônimas
que se misturam em grandes adultérios!

E erras sem rumo assim pelas beiras do rio
que os teus antepassados te deixaram de herança

O vento desarruma os teus cabelos soltos
e modela o vestido na intimidade do teu corpo exato.

À noite o rio te chama.

Chamam-te vozes do fundo do mato.

Então entregas à água
demoradamente
como uma flor selvagem
ante a curiosidade das estrelas.


Poemas e Poesias terça, 28 de janeiro de 2020

O GATO (POEMA DO CEARENSE QUINTINO CUNHA)

O GATO

Quintino Cunha

 

                    ― O Gato, se tem fome, é assim: procura,

                  todo brandura,

                  o dono seu, pedindo-lhe comida.

                  Mas de uma fórma, tão enternecida,

                  que nos parece Gato

                  a sombra fiel de um candidato

                 pedindo votos para ser eleito...

                E, quando o  apanha,

                que ao próprio dono ferozmente estranha,

                aí é que o retrato está perfeito!

 


Poemas e Poesias segunda, 27 de janeiro de 2020

O PEIXE (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O PEIXE

Patativa do Assaré

 

     Tendo por berço  o lago cristalino,
     Folga o peixe, a nadar todo inocente,
     Medo ou receio do porvir não sente,
     Pois vive incauto do fatal destino.

     Se na ponta de um fio longo e fino
     A isca avista, ferra-a inconsciente,
     Ficando o pobre peixe, de repente,
     Preso ao anzol do pescador ladino.

     O camponês também do nosso Estado
     Ante a campanha eleitoral, coitado!
     Daquele peixe tem a mesma sorte.

     Antes do pleito, festa riso e gosto,
     depois do pleito, imposto e mais imposto
     Pobre matuto do sertão do norte!


Poemas e Poesias domingo, 26 de janeiro de 2020

CONTRASTE (POEMA DO CEARENSE PADRE ANTÔNIO TOMÁS)

CONTRASTE

Padre Antônio Tomás

 

Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos,
Vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede exatamente

O contrário dos tempos de rapaz:
- Os desenganos vão conosco à frente
E as esperanças vão ficando atrás.


Poemas e Poesias sábado, 25 de janeiro de 2020

ESTÂNCIAS (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

ESTÂNCIAS

Olavo Bilac

 

 

I

Ah! finda o inverno! adeus, noites, breve esquecidas,
Junto ao fogo, com as mãos estreitamente unidas!
Abracemo-nos muito! adeus! um beijo ainda!
Prediz-me o coração que é o nosso amor que finda,
Há de em breve sorrir a primavera. Em breve,
Branca, aos beijos do sol, há de fundir-se a neve.
E. na festa nupcial das almas e das flores,
Quando tudo acordar para os novos amores,
Meu amor! haverá dois lugares vazios.
Tu tão longe de mim! e ambos, mudos e frios,
Procurando esquecer os beijos que trocamos,
E maldizendo o tempo em que nos adoramos...

II

Mas, às vezes, sozinha, hás de tremer, o vulto
De um fantasma entrevendo, em tua alcova oculto.
E pelo corpo todo, a ofegar de desejo,
Pálida, sentirás a carícia de um beijo.
Sentirás o calor da minha boca ansiosa,
Na água que te banhar a carne cor-de-rosa,
No linho do lençol que te roçar o peito.
E hás de crer que sou eu que procuro o teu leito,
E hás de crer que sou eu que procuro a tua alma!
E abrirás a janela... E, pela noite calma,
Ouvirás minha voz no barulho dos ramos,
E bendirás o tempo em que nos adoramos...

III

E eu, errante, através das paixões, hei de, um dia,
Volver o olhar atrás, para a estrada sombria.
Talvez uma saudade, um dia, inesperada,
Me punja o coração, como uma punhalada.
E agitarei no vácuo as mãos, e um beijo ardente
Há de subir-me à boca: e o beijo e as mãos somente
Hão de o vácuo encontrar, sem te encontrar, querida!
E, como tu, também me acharei só na vida,
Só! sem o teu amor e a tua formosura:
E chorarei então a minha desventura,
Ouvindo a tua voz no barulho dos ramos,
E bendizendo o tempo em que nos adoramos...

IV

Renascei, revivei, árvores sussurrantes!
Todas as asas vão partir, loucas e errantes,
A ruflar, a ruflar... O amor é um passarinho:
Deixemo-lo partir: - desertemos o ninho...
A primavera vem. Vai-se o inverno. Que importa
Que a primavera encontre esta ventura morta?
Que importa que o esplendor do universal noivado
Venha este noivo achar da noiva separado?
Esqueçamos o amor que julgamos eterno...
- Dia que iluminaste os meus dias de inverno!
Esqueçamos o ardor dos beijos que trocamos,
Maldigamos o tempo em que nos adoramos...


Poemas e Poesias sexta, 24 de janeiro de 2020

AVENIDA PAULISTA (POEMA DO PAULISTA MENOTTI DEL PICCHIA)

AVENIDA PAULISTA

Menotti Del Picchia

 

 

Todos os estilos ancoraram no cais mole
do asfalto fidalgo...
Dentro daquele parque
fuma goiano um califa enriquecido
com uma fábrica de alpargatas da rua 25 de Março.

O sr. Conde está bebendo Chianti
servido por um criado de libré.

Até as colunas de mármore são de cimento armado.

E domingo, em Roles Royce ou em Ford
passaremos em revista
na parada do corso
todos os candidatos à consagração da Avenida.


Poemas e Poesias quinta, 23 de janeiro de 2020

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Mário Quintana

 

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...


Poemas e Poesias quarta, 22 de janeiro de 2020

A UMA AMIGA (POEMA DA MARANHENSE MARIA FIRMINA DOS REIS)

A UMA AMIGA

Maria Firmina dos Reis

Eu a vi - gentil mimosa,
Os lábios da cor da rosa,
A voz um hino de amor!
Eu a vi, lânguida, e bela:
E ele a rever-se nela:
Ele colibri - ela flor.

Tinha a face reclinada
Sobre a débil mão nevada:
Era a flor à beira-rio.
A voz meiga, a voz fluente,
Era um arrulo cadente,
Era um vago murmúrio.

No langor dos olhos dela
Havia expressão tão bela,
Tão maga, tão sedutora,
Que eu mesmo julguei-a anjo,
Eloá, fada, ou arcanjo,
Ou nuvem núncia d'aurora.

Eu vi - o seio lhe arfava:
E ela... ela cismava,
Cismava no que lhe ouvia;
Não sei que frase era aquela:
Só ele falava a ela,
Só ela a frase entendia.

Eu tive tantos ciúmes!...
Teria dos próprios numes,
Se lhe falassem de amor.
Porque, querê-la - só eu.
Mas ela! - a outra ela deu
meigo riso encantador...
Ela esqueceu-se de mim
Por ele... por ele, enfim.


Poemas e Poesias terça, 21 de janeiro de 2020

A VIGÍLIA DE HERO (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

A VIGÍLIA DE HERO

Manuel Bandeira

 

Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida. E no entanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.
O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.
Oh, vem em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...

Não sei por que te falo assim de coisas que não são.
Esta noite, de súbito, um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!
Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...
Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me.

É como uma corrida, em minhas veias,
De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos
Que queriam tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
Mas faz sofrer... inquieta...
Ah, como poderei contentá-la, jamais!
Quisera calmá-la na música... Ouvir muito, ouvir muito...
Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga!
Sente o inefável! Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz!

Poemas e Poesias segunda, 20 de janeiro de 2020

CACIMBA DA SAÚDE (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

CACIMBA DA SAÚDE

Manoel de Barros

 

Descendo um trilheiro de pedras ladeado por cansanção
A gente dávamos na Cacimba
Na estrada à direita o casebre de Ignácio Rubafo, que
tinha esse nome porque se alimentava de lodo.
Aberta na grande pedra da cidade a Cacimba!
De águas milagrosas
Cheinhas de sapos.

A gente matávamos bentevi a soco.


Poemas e Poesias domingo, 19 de janeiro de 2020

OS DOIS HORIZONTES (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

OS DOIS HORIZOJTES

Machado de Assis

 

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou, 
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente, 
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
.
Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.


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