A CRUZ DA ESTRADA
Euclides da Cunha
A meu amigo E. Jary Monteiro
Se vagares um dia nos sertões,
Como hei vagado – pálido, dolente,
Em procura de Deus – da fé ardente
Em meio das soidões…
Se fores, como eu fui, lá onde a flor
Tem do perfume a alma inebriante,
Lá onde brilha mais que o diamante
A lágrima da dor…
Se sondares da selva e entranha fria
Aonde dos cipós na relva extensa
Noss’alma embala a crença.
Se nos sertões vagares algum dia…
Companheiro! Hás de vê-la.
Hás de sentir a dor que ela derrama
Tendo um mistério, aos pés, de um negro drama,
Tendo na fronte o raio de uma estrela!…
Que vezes a encontrei!… Medrando calma
A Deus, entre os espaços
No desgraçado, ali tombado, a alma
Que tirita, quem sabe?, entre os seus braços.
Se a onça vê, lhe oculta a asp'ra, ferrenha
Garra, estremece, para, fita-a, roja-se,
Recua trêmula, e fascinada arroja-se,
Entre as sombras da brenha!…
E a noite, a treva, quando aos céus ascende
E acorda lá a luz,
Sobre os seus braços frios, frios, nus,
– Tecido de astros em brial estende…
Nos gélidos lugares
Em que ela se ergue, nunca o raio estala,
Nem pragueja o tufão… Hás de encontrá-la
Se acaso um dia nos sertões vagares…