A CABREIRA
Júlio Dinis
Andava a pobre cabreira
O seu rebanho a guardar
Desde que rompia o dia
Até a noite fechar.
De pequenina nos montes
Não tivera outro brincar.
Nas canseiras do trabalho
Seus dias vira passar.
Sentada no alto da serra
Pôs-se a cabreira a chorar.
Porque chorava a cabreira
Ides agora escutar:
«Ai! que triste a sina minha,
Ai! que triste o meu penar,
Que não sei d e pai nem mãe
Nem de irmãos a quem amar,
«De pequenina nos montes
Nunca tive outro brincar.
Nas canseiras do trabalho
Meus dias vejo passar.»
Mas, ao desviar seus olhos
Viu coisa que a fez pasmar:
Uma cabra toda branca
Se lhe fora aos pés deitar
Branca toda, como a neve,
Que nem se deixa fitar,
Coberta de finas sedas
Que era coisa singular!
Nunca a tinha visto antes
No seu rebanho a pastar,
E foi a fazer-lhe festa…
E foi para a afagar…
Eis vai a cabra fugindo
Pelos vales sem parar ;
Ia a cabreira atrás dela
Mas não a pôde alcançar.
E andaram assim três dias
E três noites, sempre a andar!
Até que às portas de uns paços
Afinal foram parar.
Chorava o’ rei e a rainha
Há dez anos, sem cessar,
Que lhe roubaram a filha
Numa noite de luar.
E dez anos são passados
Sem mais dela ouvir falar;
Eis chega a cabreira à porta
À porta se foi sentar.
«Ai que bonita cabreira
Que lá em baixo vejo estar!
E uma cabra toda branca
Que nem se deixa fitar.
«Meus criados e escudeiros,
Ide a cabreira buscar.»
Isto dizia a rainha,
Este foi o seu mandar.
Foram buscar a cabreira
E a cabra de a acompanhar
Até às salas do paço
Onde o rei a viu chegar.
«Pela minha c’roa de ouro
Eu quero agora apostar,
Que é esta a filha roubada
Numa noite de luar.»
Milagre! quem tal diria!
Quem tal pudera contar!
A cabrinha toda branca
Ali se pôs a falar:
«Esta é a filha roubada
Numa noite de luar,
Andou dez anos no monte
Quem nasceu para reinar!»
Que alegrias vão nos paços!
E que festas sem cessar!
A filha há tanto perdida
No trono os pais vão sentar.
E vêm damas pra vesti-la
E vêm damas pra calçar;
E as mais prendadas de todas
Para as trancas lhe enfeitar.
Vão procurar a cabrinha…
Ninguém a pôde encontrar;
Mas um anjo de asas brancas
Viram aos Céus a voar.