Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias sábado, 06 de outubro de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 11 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA 11

Eno Teodoro Wanke

Ó rosa, nobre e bonita

Que encantamento trazeis!

Em vossa beleza habita

A majestade dos reis!


Poemas e Poesias sexta, 05 de outubro de 2018

JULIETA DOS SANTOS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

JULIETA DOS SANTOS

Cruz e Sousa

 

Tu passas rutilante em toda a parte

Oh! Sol de nossa pátria, oh! Sol da arte!...

Virgílio Várzea

 

Quando eu te vi pela primeira vez no palco

Avassalando as almas,

N'um referver de palmas,

Cheia de vida e cândido lirismo!

Senti na mente uns divinais tremores...

 

E louco e louco,

A pouco e pouco

Vi rebentar o inferno cataclismo!...

 

Mil pensamentos galoparam, céleres

Por minha fronte

E do horizonte

Quis arrancar os astros diamantinos,

Para arrojá-los a teus pés mimosos

E arrebatado,

Fanatizado

Por entre um mar de cintilantes hinos!...

 

Esse teu busto, a genial cabeça

Tão bem talhada

E burilada

Com o escopro límpido da arte,

Tem umas puras fulgurações suaves

E a tu'alma

Ardente ou calma

Os corações arrasta por toda a parte!...

 

A encarnação tu és das maravilhas,

A doce aurora,

Branda e sonora

Das teatrais e lúcidas ideias!...

Tens no olhar o filtro que arrebata

E és profética

E magnética,

Possuis na voz o som das melopeias!...

 

És a escolhida para as grandes lutas

Esplendorosas

E majestosas!...

E sobre os débeis, delicados ombros,

Bem como Homero a sua lira d'ouro,

Resplandecente,

Trazes pendente

O Infinito enorme dos assombros!...

 

Quando apareces tudo ri e chora,

Se endeusa, agita,

Como que palpita

N'uma explosão de férvidos louvores!

E o potentado mais febril da terra

Gagueja um bravo,

E faz-se escravo

O mais severo e nobre dos senhores!...

 

A Dejaset, uma Favart, Rachel,

O João Caetano

Como um arcano

Imperscrutável, hórrido, terrível!...

Quebram as louças sepulcrais e frias

E te louvando

Vão recuando...

Dizem que é sonho, é mito, é impossível!

 

Oh! Tu nasceste para suplantar, JULIETA

Os grandes mundos,

Os mais profundos

D'ess'arte bela, magistral, divina!...

E esse olhar tão expressivo e terno

Já eletriza

E cauteriza...

É como um raio que a corações fulmina!...

 

Que sol é este, vão bradando os polos,

Tão sobranceiro,

Que o brasileiro

O vasto império confundindo está?!...

Venham teólogos, venham sábios... todos

Venham troianos,

Venham germanos,

Venham os vultos da Caldéia, lá!...

 

Oh! Resolvei o mais atroz problema,

Fundo mistério,

Alto, sidéreo

Do gênio altivo na criança, ali!...

Vamos, natura, rasga o véu dos medos,

Dizei ó mares,

Falai luares,

Sombras dos bosques, respondei-me aqui!...

 

Astros da noite, tempestades, ventos

Erguei as vozes,

Falai velozes

N’um som estranho, n’um clangor audaz!...

E respondei-me e explicai ao orbe

Se essa menina,

Que nos fascina

É um fenômeno ou outro tanto mais!...

 

Tudo emudece na natura imensa

E desde os Andes,

Dos cedros grandes

Ao verme, à pedra, às amplidões do mar!...

Tudo se oculta na invisível raia

No espaço a bruma,

No mar a espuma

Vão-se esgarçando também, a se ocultar!...

 

Tudo emudece na natura imensa

Quando na cena

Surges serena

Como a visão das noites infantis!

Dos olhos vivos dos que são-te adeptos

Bem como prata

Eis se desata

A aluvião de lágrimas febris!...

 

É que tu tens esse poder superno

Real, sublime

Que até ao crime

Faz arrastar o mísero mortal!

É que tu és a embrionária horrível,

Mística, ingente

Que de repente

Fazes de um ser estúpido animal!...

 

Tudo emudece na natura imensa

Desde nos campos

Os pirilampos

Até as grimpas colossais do céu!...

Tudo emudece e até eu JULIETA,

Já delirante

Vou vacilante

Cair-te aos pés como um servil, um réu!!...

 


Poemas e Poesias quarta, 03 de outubro de 2018

TIRANA (7ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

TIRANA 

TIRANA (7ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO  CASTRO ALVES)

 

 

"Minha Maria é bonita,

Tão bonita assim não há;

O beija-flor quando passa

Julga ver o manacá.

 

"Minha Maria é morena,

Como as tardes de verão;

Tem as tranças da palmeira

Quando sopra a viração.

 

"Companheiros! o meu peito

Era um ninho sem senhor;

Hoje tem um passarinho

P'ra cantar o seu amor.

 

"Trovadores da floresta!

Não digam a ninguém, não!...

Que Maria é a baunilha

Que me prende o coração.

 

"Quando eu morrer só me enterrem

Junto às palmeiras do val,

Para eu pensar que é Maria

Que geme no taquaral . . ."


Poemas e Poesias terça, 02 de outubro de 2018

A VOZ DO RIO - NUM ÁLBUM (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU

A VOZ DO RIO

NUM ÁLBUM

Casimiro de Abreu

 

 

Nosso sol é de fogo, o campo é verde,

O mar é manso, nosso céu azul!

– Ai! Por que deixas este pátrio ninho

Pelas friezas dos vergéis do sul?

 

Lá nessa terra onde o Guaíba chora

Não são as noites, como aqui, formosas,

E as duras asas do Pampeiro iroso

Quebra as tulipas e desfolha as rosas.

 

A lua é doce, nosso mar tranquilo,

Mais leve a brisa, nosso céu azul!...

– Tupá! Quem troca pelo pátrio ninho

As ventanias dos vergéis do sul?!

 

Lá novos campos outros campos ligam

E a vista fraca na extensão se perde!

E tu sozinha viverás no exílio

– Garça perdida nesse mar que é verde! –

 

Nossas campinas como doces noivas

Vivem c’os montes sob o céu azul!

– Há vida e amores neste pátrio ninho

Mais rico e belo que os vergéis do sul!

 

Essas palmeiras não têm tantos leques,

O sol das Pampas marcou seu brilho,

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Nem cresce o tronco que susteve um dia

O berço lindo em que dormiu teu filho!

 

Nossas florestas sacudindo os galhos

Tocam c’os braços este céu azul!...

– Se tudo é grande neste pátrio ninho

Porque deixai-o p’ra viver no sul?!...

 

Embora digas – essa terra fria

Merece amores, é irmã da minha –

Quem dar-te pode este calor do ninho,

A luz suave que o teu berço tinha?!

 

Eu – Guanabara – no meu longo espelho

Reflito as nuvens deste céu azul;

– Ó minha filha! Acalentei-te o sono,

Porque me deixas p’ra viver no sul?!...

 

Lá, quando a terra s’embuçar nas sombras

E o sol medroso s’esconder nas águas,

Teu pensamento, como o sol que morre,

Há de cismando mergulhar-se em mágoas!

 

Mas se forçoso t’é deixar a pátria

Pelas friezas dos vergéis do sul,

Ó minha filha! Não t’esqueças nunca

Destas montanhas, deste céu azul.

 

Tupá bondoso te derrame graças,

Doce ventura te bafeje e siga,

E nos meus braços – ao voltar do exílio –

Saudando o berço que teu lábio diga:

 

“Volvo contente para o pátrio ninho,

“Deixei sorrindo esses vergéis do sul;

“Tinha saudades deste sol de fogo...

“Não deixo mais este meu céu azul!...

 


Poemas e Poesias segunda, 01 de outubro de 2018

SONETO 101 - AH! MINHA DINAMENE! ASSIM DEIXASTE (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

POEMA 101

AH! MINHA DINAMENE! ASSIM DEIXASTE

Luís de Camões

 

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste? 


Poemas e Poesias domingo, 30 de setembro de 2018

SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO (POEMA DO PORTUGUÊS BOCAGE)

SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO

Manuel Maria Barbosa Du Bocage

Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás:

A espada do membrudo Ferrabrás
De certo não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações:

De Vênus não desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.

 


Poemas e Poesias sábado, 29 de setembro de 2018

VERSOS A UM CÃO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

VERSOS A UM CÃO

Augusto dos Anjos

 

Que força pôde adstrita e embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!

Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é, para provar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.

Cão! - Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...

E irás assim, pelos séculos, adiante, 
Latindo a esquisitíssima prosódia 
Da angustia hereditária dos teus pais!


Poemas e Poesias sexta, 28 de setembro de 2018

LUIZ GAMA (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

LUIZ GAMA

Raimundo Correia

 

A Raul Pompéia


Tantos triunfos te contando os dias,
Iam-te os dias descontando e os anos,
Quando bramavas, quando combatias
Contra os bárbaros, contra os desumanos;

Quando a alma brava e procelosa abrias
Invergável ao pulso dos tiranos,
E ígnea, como os desertos africanos
Dilacerados pelas ventanias...

Contra o inimigo atroz rompeste em guerra,
Grilhões a rebentar por toda a parte,
Por toda a parte a escancarar masmorras.

Morreste!... Embalde, Escravidão! Por terra
Rolou... Morreu por não poder matar-te!
Também não tarda muito que tu morras!


Poemas e Poesias quinta, 27 de setembro de 2018

A MORTE DE NANÃ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

A MORTE DE NANÃ

Patativa do Assaré

 

Eu vou contá uma históra

Que eu não sei como comece,

Pruquê meu coração chora,

A dô do meu peito cresce,

Omenta o meu sofrimento

E fico uvindo o lamento

De minha arma dilurida,

Pois é bem triste a sentença

De quem perdeu na isistença

O que mais amou na vida.

 

Já tou véio, acabrunhado,

Mas inriba deste chão,

Fui o mais afurtunado

De todos fios de Adão.

Dentro da minha pobreza,

Eu tinha grande riqueza:

Era uma quirida fia,

Porém morreu muito nova.

Foi sacudida na cova

Com seis ano e doze dia.

 

Morreu na sua inocença

Aquele anjo incantadô,

Que foi na sua isistença,

A cura da minha dô

E a vida do meu vivê.

Eu bejava, com prazê,

Todo dia, demenhã,

Sua face pura e bela.

Era Ana o nome dela,

Mas, eu chamava Nanã.

 

Nanã tinha mais primô

De que as mais bonita jóia,

Mais linda do que as fulô

De um tá de Jardim de Tróia

Que fala o dotô Conrado.

Seu cabelo cachiado,

Preto da cô de viludo.

Nanã era meu tesôro,

Meu diamante, meu ôro,

Meu anjo, meu céu, meu tudo.

 

Pelo terrêro corria,

Sempre sirrindo e cantando,

Era lutrida e sadia,

Pois, mesmo se alimentando

Com fejão, mio e farinha,

Era gorda, bem gordinha

Minha querida Nanã,

Tão gorda que reluzia.

O seu corpo parecia

Uma banana-maçã.

 

Todo dia, todo dia,

Quando eu vortava da roça,

Na mais compreta alegria,

Dentro da minha paioça

Minha Nanã eu achava.

Por isso, eu não invejava

Riqueza nem posição

Dos grande deste país,

Pois eu era o mais feliz

De todos fio de Adão.

 

Mas, neste mundo de Cristo,

Pobre não pode gozá.

Eu, quando me lembro disto,

Dá vontade de chorá.

Quando há seca no sertão,

Ao pobre farta fejão,

Farinha, mio e arrôis.

Foi isso o que aconteceu:

A minha fia morreu,

Na seca de trinta e dois.

 

Vendo que não tinha inverno,

O meu patrão, um tirano,

Sem temê Deus nem o inferno,

Me dexou no desengano,

Sem nada mais me arranjá.

Teve que se alimentá

Minha querida Nanã,

No mais penoso matrato,

Comendo caça do mato

E goma de mucunã.  

 

E com as braba comida,

Aquela pobre inocente

Foi mudando a sua vida,

Foi ficando deferente.

Não sirria nem brincava,

Bem pôco se alimentava

E inquanto a sua gordura

No corpo diminuía,

No meu coração crescia

A minha grande tortura.

 

Quando ela via o angú,  

Todo dia demenhã,

Ou mesmo o rôxo bejú

Da goma da mucunã,   

Sem a comida querê,   

Oiava pro dicumê,    

Depois oiava pra mim

E o meu coração doía,

Quando Nanã me dizia:

Papai, ô comida ruim!

 

Se passava o dia intêro

E a coitada não comia,

Não brincava no terrêro

Nem cantava de alegria,

Pois a farta de alimento

Acaba o contentamento,

Tudo destrói e consome.

Não saía da tipóia

A minha adorada jóia,

Infraquecida de fome.

 

Daqueles óio tão lindo

Eu via a luz se apagando

E tudo diminuindo.

Quando eu tava reparando

Os oinho da criança,

Vinha na minha lembrança

Um candiêro vazio

Com uma tochinha acesa

Representando a tristeza

Bem na ponta do pavio.

 

E, numa noite de agosto,

Noite escura e sem luá,  

Eu vi crescê meu desgosto,

Eu vi crescê meu pená.    

Naquela noite, a criança

Se achava sem esperança

E quando vêi o rompê

Da linda e risonha orora,

Fartava bem pôcas hora

Pra minha Nanã morrê.   

 

Por ali ninguém chegou,

Ninguém reparou nem viu

Aquela cena de horrô    

Que o rico nunca assistiu,

Só eu e minha muié,    

Que ainda cheia de fé

Rezava pro Pai Eterno,

Dando suspiro maguado

Com o seu rosto moiado

Das água do amô materno.

 

E, enquanto nós assistia

A morte da pequenina,

Na menhã daquele dia,

Veio um bando de campina,

De canaro e sabiá

E começaro a cantá

Um hino santificado,

Na copa de um cajuêro

Que havia bem no terrêro    

Do meu rancho esburacado.

 

Aqueles passo cantava,

Em lovô da despedida,

Vendo que Nanã dexava

As misera desta vida,

Pois não havia ricurso,

Já tava fugindo os purso,

Naquele estado misquinho,

Ia apressando o cansaço,

Seguido pelo compasso

Da musga dos passarinho.

 

Na sua pequena boca

Eu via os laibo tremendo

E, naquela afrição loca,

Ela também conhecendo

Que a vida tava no fim,

Foi regalando pra mim

Os tristes oinho seu,

Fez um esforço ai, ai, ai,

E disse: “abença, papai!”

Fechô os óio e morreu.

 

Enquanto finalizava

Seu momento derradêro,

Lá fora os passo cantava,

Na copa do cajuêro.

Em vez de gemido e choro,

As ave cantava em coro.

Era o bendito prefeito

Da morte de meu anjinho.

Nunca mais os passarinho

Cantaro daquele jeito.

 

Nanã foi, naquele dia,

A Jesus mostrá seu riso

E omentá mais a quantia

Dos anjo do Paraíso.

Na minha maginação,

Caço e não acho expressão

Pra dizê como é que fico.

Pensando naquele adeus

E a curpa não é de Deus,

A curpa é dos home rico.

 

Morreu no maió matrato

Meu amô lindo e mimoso.

Meu patrão, aquele ingrato,

Foi o maió criminoso,

Foi o maió assarsino.

O meu anjo pequenino

Foi sacudido no fundo

Do mais pobre cimitero

E eu hoje me considero

O mais pobre deste mundo.

 

Soluçando, pensativo,

Sem consolo e sem assunto,

Eu sinto que inda tou vivo,

Mas meu jeito é de defunto.

Invorvido na tristeza,

No meu rancho de pobreza,

Toda vez que eu vou rezá,

Com meus juêio no chão,

Peço em minhas oração:

Nanã, venha me buscá!


Poemas e Poesias quarta, 26 de setembro de 2018

NOTURNO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

NOTURNO

Olavo Bilac

 

Já toda a terra adormece.
Sai um soluço da flor.
Rompe de tudo um rumor,
Leve como o de uma prece.


A tarde cai. Misterioso, 
Geme entre os ramos e o vento, 
E há por todo o firmamento
Um anseio doloroso.


Áureo turíbulo imenso,
O ocaso em púrpuras arde,
E para a oração da tarde 
Desfaz-se em rolos de incenso.


Moribundos e suaves,
O vento na asa conduz
O último raio da luz
E o último canto das aves.


E Deus, na altura infinita,
Abre a mão profunda e calma,
Em cuja profunda palma
Todo o Universo palpita.


Mas um barulho se eleva...
E, no páramo celeste,
A horda dos astros investe
Contra a muralha da treva.


As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a voar,
Enchem de cânticos o ar...
E vão passando... passando...


Agora, maior tristeza,
Silêncio agora mais fundo;
Dorme, num sono profundo,
Sem sonhos, a natureza.


A flor-da-noite abre o cálix...
E, soltos, os pirilampos
Cobrem a face dos campos,
Enchem o seio dos vales:


Trêfegos e alvoroçados,
Saltam, fantásticos Djins,
De entre as moitas de jasmins,
De entre os rosais perfumados.


Um deles pela janela
Entra do teu aposento,
E pára, plácido e atento
Vendo-te, pálida e bela.


Chega ao teu cabelo fino,
Mete-se nele: e fulgura,
E arde nessa noite escura, 
Como um astro pequenino.


E fica. Os outros lá fora
Deliram. Dormes... Feliz,
Não ouves o que ele diz,
Não ouves como ele chora...


Diz ele: "O poeta encerra
Uma noite, em si, mais triste
Que essa que, quando dormiste,
Velava a face da terra...


Os outros saem do meio
Das moitas cheias de flores:
Mas eu saí de entre as dores
Que ele tem dentro do seio.


Os outros a toda parte
Levam o vivo clarão,
E eu vim do seu coração
Só para ver-te e beijar-te.


Mandou-me sua alma louca,
Que a dor da ausência consome,
Saber se em sonho o seu nome
Brilha agora em tua boca!


Mandou-me ficar suspenso
Sobre o teu peito deserto,
Por contemplar de mais perto
Todo esse deserto imenso!"


Isso diz o pirilampo...
Anda lá fora um rumor
De asas rufladas... A flor
Desperta, desperta o campo...


Todos os outros, prevendo
Que vinha o dia, partiram,
Todos os outros fugiram...
Só ele fica gemendo.


Fica, ansioso e sozinho, 
Sobre o teu sono pairando...
E apenas, a luz fechando,
Volve de novo ao seu ninho,


Quando vê, inda não farto
De te ver e de te amar,
Que o sol descerras do olhar,
E o dia nasce em teu quarto...


Poemas e Poesias terça, 25 de setembro de 2018

A UMA SENHORA QUE PEDIU MEUS VERSOS (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

A UMA SENHORA QUE PEDIU MEUS VERSOS

Machado de Assis

 

Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.

Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.

Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.

Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.


Poemas e Poesias segunda, 24 de setembro de 2018

A FUNDA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

A FUNDA

Humberto de Campos

 

O verso é a funda de uma ideia. À teia
Dos fios trá-la, sem calhaus, pendida;
Mas, se a tomares, que lhe emprestes vida,
E a tornes digna da atenção alheia.
Funda é o verso. Faiscando, balanceia
No ígneo cérebro a pedra incandescida;
E ao futuro, de súbito impelida,
Caminhando veloz, relampagueia.
O verso é a funda que uma ideia lança.
A pedra passa pela nossa frente
E no giro dos séculos não cansa.
E tu, que és perta e sonhador austero,
Lembra as pedras em funda resistente
Alto lançadas pela mão de Homero!


Poemas e Poesias sábado, 22 de setembro de 2018

O ARSENAL (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

O ARSENAL

Ferreira Gullar

 

A ferrugem abre suas flores

É uma sinistra botânica

E as abelhas vêm

Filhas do ar frio

 

Certos pássaros descem

Neste campo de armas

Que os Heróis espiam

 

Quem aproveita

O arroz

Daquele aço?

 

Coronel

Um arsenal disponível

Guerreia sempre


Poemas e Poesias sexta, 21 de setembro de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 10 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA 10

Eno Teodoro Wanke

 

Ao criar o amor materno

Ficou Jesus tão contente

Que, deixando o Trono Eterno

Desceu à Terra e foi gente

 


Poemas e Poesias quinta, 20 de setembro de 2018

SONETO 8 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

SONETO 8 

Cruz e Sousa

À Julieta dos Santos

 

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos

Que rebentais das cobras do mistério!

Aves azuis do manto auri-sidéreo...

Raios de luz, fantásticos, divinos!...

 

Astros diáfanos, brandos, opalinos,

Brancas cecéns do Paraíso etéreo,

Canto da tarde, límpido, aéreo,

Harpa ideal, dos encantados hinos!...

 

Brisas suaves, virações amenas,

Lírios do vale, roseirais do lago,

Bandos errantes de sutis falenas!...

 

Vinde do arcano n’um potente afago

Louvar o Gênio das mansões serenas,

Esse Prodígio singular e mago!!...


Poemas e Poesias terça, 18 de setembro de 2018

LUCAS (6ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

LUCAS

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

Quem fosse naquela hora,

Sobre algum tronco lascado

Sentar-se no descampado

Da solitária ladeira,

Veria descer da serra,

Onde o incêndio vai sangrento,

A passo tardio e lento,

Um belo escravo da terra

Cheio de viço e valor...

Era o filho das florestas!

Era o escravo lenhador !

Que bela testa espaçosa,

Que olhar franco e triunfante!

E sob o chapéu de couro

Que cabeleira abundante!

De marchetada jibóia

Pende-lhe a rasto o facão...

E assim... erguendo o machado

Na larga e robusta mão...

Aquele vulto soberbo,

— Vivamente alumiado, —

Atravessa o descampado

Como uma estátua de bronze

Do incêndio ao fulvo clarão.

Desceu a encosta do monte,

Tomou do rio o caminho...

E foi cantando baixinho

Como quem canta p'ra si.

Era uma dessas cantigas

Que ele um dia improvisara,

Quando junto da coivara

Faz-se o Escravo — trovador.

Era um canto languoroso,

Selvagem, belo, vivace,

Como o caniço que nasce

Sob os raios do Equador.

Eu gosto dessas cantigas,

Que me vem lembrar a infância,

São minhas velhas amigas,

Por elas morro de amor...

Deixai ouvir a toada

Do — cativo lenhador —

E o sertanejo assim solta a tirana,

Descendo lento p'ra a servil cabana...


Poemas e Poesias segunda, 17 de setembro de 2018

NA REDE (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

NA REDE 

Casimiro de Abreu

 

Nas horas ardentes do pino do dia 
Aos bosques corri; 
E qual linda imagem dos castos amores, 
Dormindo e sonhando cercada de flores 
Nos bosques a vi! 
 
Dormia deitada na rede de penas 
– O céu por dossel, 
De leve embalada no quieto balanço 
Qual nauta cismando num lago bem manso 
Num leve batel! 
 
Dormia e sonhava – no rosto serena 
Qual um serafim; 
Os cílios pendidos nos olhos tão belos, 
E a brisa brincando nos soltos cabelos 
De fino cetim! 
 
Dormia e sonhava – formosa embebida 
No doce sonhar, 
E doce e sereno num mágico anseio 
Debaixo das roupa batia-lhe o seio 
No seu palpitar! 
 
Dormia e sonhava – a boca entreaberta 
O lábio a sorrir; 
No peito cruzados os braços dormentes, 
Compridos e lisos quais brancas serpentes 
No colo a dormir! 
 
Dormia e sonhava – no sonho de amores. 
Chamava por mim, 
E a voz suspirosa nos lábios morria 
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia 
De algum bandolim! 
 
Dormia e sonhava – de manso cheguei-me 
Sem leve rumor; 
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido, 
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido 
Falei-lhe de amor! 
 
Ao hálito ardente o peito palpita... 
Mas sem despertar; 
E como nas ânsias dum sonho que é lindo, 
A virgem na rede corando e sorrindo... 
Beijou-me – a sonhar!


Poemas e Poesias domingo, 16 de setembro de 2018

SONETO 114 - AH! FORTUNA CRUEL! AH! DUROS FADOS! (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

POEMA 114

AH! FORTUNA CRUEL! AH! DUROS FADOS!

Luís de Camões

Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes;
Agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
Para mor dor da dor que me ordenastes;
Então núa hora juntos mos levastes,
Deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto milhor fora não vos ver,
Gostos, que assi passais tão de corrida
Que fico duvidoso se vos vi.

Sem vós já me não fica que perder,
Senão se for esta cansada vida
Que, por mor perda minha, não perdi.


Poemas e Poesias sábado, 15 de setembro de 2018

SONETO DO EPITÁFIO (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DO BOCAGE

SONETO DO EPITÁFIO

Bocage

 

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole “sub-venites” em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro”.


Poemas e Poesias sexta, 14 de setembro de 2018

SONETO, AO PRIMEIRO FILHO, NASCIDO MORTO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

SONETO

Augusto dos Anjos

 

 

 

 Ao meu primeiro filho nascido

morto com 7 meses incompletos

2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,

Fruto rubro de carne agonizante,

Filho da grande força fecundante

De minha brônzea trama neuronial,

 

Que poder embriológico fatal

Destruiu, com a sinergia de um gigante,

Em tua morfogênese de infante

A minha morfogênese ancestral?!

 

Porção de minha plásmica substância,

Em que lugar irás passar a infância,

Tragicamente anônimo, a feder?...

 

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,

Panteisticamente dissolvido

Na noumenalidade do NÃO SER!

 


Poemas e Poesias quinta, 13 de setembro de 2018

PLENA NUDEZ (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

PLENA NUDEZ

Raimundo Correia

 

Eu amo os gregos tipos de escultura: 
Pagãs nuas no mármore entalhadas; 
Não essas produções que a estufa escura 
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura 
Os corpos nus; as linhas onduladas 
Livres: de carne exuberante e pura 
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela 
De luxuriantes formas, entrevê-la 
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios, 
Os braços nus, o dorso nu, os seios 
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!


Poemas e Poesias quarta, 12 de setembro de 2018

INGÉM DE FERRO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

INGÉM DE FERRO

Patativa do Assaré

 

Ingém de ferro, você

Com seu amigo motô,

Sabe bem desenvorvê,

É munto trabaiadô.

Arguém já me disse até

E afirmô que você é

Progressista em alto grau;

Tem força e tem energia,

Mas não tem a poesia

Que tem o ingém de pau.

 

O ingém de pau quando canta,

Tudo lhe presta atenção,

Parece que as coisa santa

Chega em nosso coração.

Mas você, ingém de ferro,

Com este horroroso berro,

É como quem qué brigá,

Com a sua grande afronta

Você tá tomando conta

Dos nossos canaviá.

 

Do bom tempo que se foi

Faz mangofa, zomba, escarra.

Foi quem expulsou os boi

Que puxava na manjarra.

Todo soberbo e sisudo,

Qué governá e mandá tudo,

É só quem qué sê ingém.

Você pode tê grandeza

E pode fazê riqueza,

Mas eu não lhe quero bem.

 

Mode esta suberba sua

Ninguém vê mais nas muage,

Nas bela noite de lua,

Aquela camaradage

De todos trabaiadô.

Um falando em seu amô

Outro dizendo uma rima,

Na mais doce brincadêra,

Deitado na bagacêra,

Tudo de papo pra cima.

 

Esse tempo que passô

Tão bom e tão divertido,

Foi você quem acabô,

Esguerado, esgalamido!

Come,come interessêro!

Lá dos confim do estrangêro,

Com seu baruio indecente,

Você vem todo prevesso,

Com históra de progresso,

Mode dá desgosto a gente!

 

Ingém de ferro, eu não quero

Abatê sua grandeza,

Mas eu não lhe considero

Como coisa de beleza,

Eu nunca lhe achei bonito,

Sempre lhe achei esquesito,

Orguioso e munto mau.

Até mesmo a rapadura

Não tem aquela doçura

Do tempo do ingém de pau.

 

Ingém de pau! Coitadinho!

Ficou no triste abandono

E você, você sozinho

Hoje é quem tá sendo dono

Das cana do meu país.

Derne o momento infeliz

Que o ingém de pau levou fim,

Eu sinto sem piedade

Três moenda de sodade

Ringindo dentro de mim.

 

Nunca mais tive prazê

Com muage neste mundo

E o causadô de eu vivê

Como um pobre vagabundo,

Pezaroso, triste e pérro,

Foi você, ingém de ferro,

Seu safado, seu ladrão!

Você me dexô à toa,

Robou as coisinhas boa

Que eu tinha em meu coração!


Poemas e Poesias terça, 11 de setembro de 2018

DORMINDO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

DORMINDO

Olavo Bilac

 

De qual de vós desceu para o exílio do mundo 
A alma desta mulher, astros do céu profundo? 
Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas, 
Cruzam-se numa prece as suas mãos pequenas. 
Para a respiração suavíssima lhe ouvir, 
A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir, 
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta, 
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta. 
Versos! podeis voar em torno desse leito, 
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito, 
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar... 
Dorme... Rimas febris, podeis febris voar... 
Como ela, num livor de névoas misteriosas, 
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas; 
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos, 
Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos... 
Dorme... Estrelas, velai, inundando-a de luz! 
Caravana, que Deus pelo espaço conduz! 
Todo o vosso dano nesta pequena alcova 
Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova: 
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça 
Como a da Virgem Mie repouse e resplandeça! 


Poemas e Poesias segunda, 10 de setembro de 2018

SAUDADE (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

SAUDADE

Machado de Assis

 

Por que sinto falta de você? Por que está saudade?
Eu não te vejo mas imagino suas expressões, sua voz teu cheiro.
Sua amizade me faz sonhar com um carinho,
Um caminhar, a luz da lua, a beira mar.
Saudade este sentimento de vazio que me tira o sono 
me fazendo sentir num triste abandono, é amizade eu sei, será amor talvez...
Só não quero perder sua amizade, esta amizade... 
Que me fortalece me enobrece por ter você.


Poemas e Poesias domingo, 09 de setembro de 2018

OS HIPERBÓREOS (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

 

OS HIPERBÓREOS

Humberto de Campos

 

Cabeça erguida, o céu no olhar, que o céu procura,
Baixa o humano caudal, dos desertos de gelo...
Em farrapos, ao sol, derrete-se a brancura
Da neve boreal sobre o ouro do cabelo.
Ulula, e desce; e tudo invade: a atra espessura
Dos bosques entra, a urrar e a uivar. E, uivando, pelo
Continente, a descer, ganha a úmida planura,
E a brenha secular, em sonoro atropelo.
Assustam-se os chacais pelas selvas serenas.
A turba ulula, o druida canta, enchendo os ares.
Entre os uivos dos cães e o grunhido das renas...
Escutando o tropel, rincha o poldro, e galopa.
Derrama-se, a rugir, das geleiras polares,
A semente feraz dos Bárbaros, na Europa...


Poemas e Poesias sexta, 07 de setembro de 2018

FORA DA LUZ (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

FORA DA LUZ

Ferreira Gullar

 

 

 

Derrubado em seu corpo na trevosa
boca doce da carne que o engole
como um sexo, dorme. E é lume o sono
que em vão se queima pelas torres jovens

Dorme fora da luz no velho esgoto
onde as harpas. Outubro flamabrando
Às suas portas de carne adormecidas
a corneta do mar abandonamos

Resta o teu rosto solto a terra sacra
as aranhas de sal tecendo um cubo
Treme em teu lábio do dia assassinado
O sol o girassol a flama surda

Resta o facho de borco a flor perdida
o homem mordendo a sombra desse facho
As coroas da terra dissipando
seu escuro clamor na luz. E resta

de tal fogo tal facho trabalhado
às portas desse homem a leste dele
Fogo poeira pó pólvora acesa
na epiderme comum. Bonjour, Madame!


Poemas e Poesias quinta, 06 de setembro de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 09 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA N 09

Eno Teodoro Wanke

 

Levanto essa trova em taça

A Itajubá,  Sul de Minas

Pedra de toque de graça

Presépio em meio às Colinas


Poemas e Poesias quarta, 05 de setembro de 2018

SONETO 7 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

SONETO 7

Cruz e Souza

 

À Julieta dos Santos

 

Quando apareces, fica-se impassível

E mudo e quedo, trêmulo, gelado!...

Quer-se ficar com atenção, calado,

Quer-se falar sem mesmo ser possível!.

 

Anda-se c'o a alma n'um estado horrível

O coração completamente ervado!...

Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,

Quer-se gritar, n'uma explosão temível!...

 

Sobe-se e desce-se ao país das fadas,

Vaga-se co’as nuvens das mansões doiradas

Sob um esforço colossal, titânio!...

 

E as ideias galopando voam...

Então lá dentro sem parar, ressoam

As indomáveis convulsões do crânio!!...

 


Poemas e Poesias segunda, 03 de setembro de 2018

A CAROLINA (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

A CAROLINA

Machado de Assis

 

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Poemas e Poesias domingo, 02 de setembro de 2018

SONETO 136 - A FERMOSURA DESTA FRESCA TERRA (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS CE CAMÕES)

POEMA 136

A FERMOSURA DESTA FRESCA TERRA

Luís de Camões

 

fermosura desta fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do Sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando,
nas mores alegrias, mor tristeza.



Poemas e Poesias sábado, 01 de setembro de 2018

SONETO NAPOLEÔNICO (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE

SONETO NAPOLEÔNICO

Manuel Maria Barbosa du Bocage

 

Tendo o terrivel Bonaparte à vista,
Novo Hannibal, que esfalfa a voz da Fama,
"Ó cappados heroes!" (aos seus exclama
Purpureo fanfarrão, papal sacrista):

"O progresso estorvae da atroz conquista
Que da philosophia o mal derrama?..."
Disse, e em fervido tom sauda, e chama, [férvido]
Sanctos surdos, varões por sacra lista:

Delles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarellas,
Cede triste victoria, que faz nojo!

O rapido francez vae-lhe às cannellas;
Dá, fere, macta: ficam-lhe em despojo
Reliquias, bullas, merdas, bagatellas.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 31 de agosto de 2018

A QUEIMADA (5ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

A QUEIMADA

Castro Alves

(Do Poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

Meu nobre perdigueiro! Vem comigo. 
Vamos a sós, meu corajoso amigo,
Pelos ermos vagar!
Vamos Já dos gerais, que o vento açoita, 
Dos verdes capinais n'agreste moita 
A perdiz levantar!...

Mas não!... Pousa a cabeça em meus joelhos... 
Aqui, meu cão!... Já de listrões vermelhos 
O céu se iluminou.
Eis súbito da barra do ocidente, 
Doudo, rubro, veloz, incandescente,
O incêndio que acordou!

A floresta rugindo as comas curva...
As asas foscas o gavião recurva,
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas
Se enrola de quebradas em quebradas,
Galopando no ar.

E a chama lavra qual jibóia informe, 
Que, no espaço vibrando a cauda enorme,
Ferra os dentes no chão...
Nas rubras roscas estortega as matas....
Que espadanam o sangue das cascatas
Do roto coração!...

O incêndio — leão ruivo, ensangüentado, 
A juba, a crina atira desgrenhado 
Aos pampeiros dos céus!...
Travou-se o pugilato e o cedro tomba...
Queimado... Retorcendo na hecatomba 
Os braços para Deus.

A queimada! A queimada é uma fornalha!
A irara — pula; a cascavel — chocalha...
Raiva, espuma o tapir!
... E às vezes sobre o cume de um rochedo 
A corça e o tigre — náufragos do medo —
Vão trêmulos se unir!

Então passa-se ali um drama augusto...
N'último ramo do pau-d'arco adusto
O jaguar se abrigou...
Mas rubro é o céu... Recresce o fogo em mares...
E após... Tombam as selvas seculares...
E tudo se acabou!...


Poetas Brasileiros quinta, 30 de agosto de 2018

SONETO DA FIDELIDADE (POEMA DE VINÍCIUS DE MORAES)

SONETO DA FIDELIDADE

Vinícius de Moraes

 

De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure.


Poetas Brasileiros domingo, 26 de agosto de 2018

NO ÁLBUM DE J. C. M. (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

NO ÁLBUM DE J. C. M.

Casimiro de Abreu

 

 

Nestas folhas perfumadas 
Pelas rosas desfolhadas 
Desses cantos de amizade, 
Permite que venha agora 
Quem longe da pátria chora 
Bem triste gravar: – saudade!

 


Poetas Brasileiros sábado, 25 de agosto de 2018

IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA

Augusto dos Anjos

 

 

Rugia nos meus centros cerebrais 
A multidão dos séculos futuros 
- Homens que a herança de ímpeto impuros 
Tornara etnicamente irracionais! -

Não sei que livro, em letras garrafais 
Meus olhos liam! No humus dos monturos, 
Realizavam-se os partos mais obscuros 
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários 
Meti todos os dedos mercenários 
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama 
Somente achei moléculas de lama 
E a mosca alegre da putrefação!


Poetas Brasileiros sexta, 24 de agosto de 2018

A MESA (POEMA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

A MESA

Bandeira Tribuzi

 

A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.

Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.

olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.

Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.


Poetas Brasileiros quinta, 23 de agosto de 2018

ONDAS (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

ONDAS

Raimundo Correia

 

Ilha de atrozes degredos!
Cinge um muro de rochedos
Seus flancos.  Grosso a espumar
Contra a dura penedia,
Bate, arrebenta, assobia,
Retumba, estrondeia o mar.

Em circuito, o Horror impera; 

No centro, abrindo a cratera 
Flagrante, arroja um volcão 
Ígnea blasfêmia às alturas... 
E, nas ínvias espessuras, 
Brame o tigre, urra o leão.

Aqui chora, aqui, proscrita,

Clama e desespera aflita
A alma de si mesma algoz,
Buscando na imensa plaga,
Entre mil vagas, a vaga,
Que neste exílio a depôs.

Se a vida a prende à matéria,

Fora desta, a alma, sidérea,
Radia em pleno candor;
O corpo, escravo dos vícios,
É que teme os precipícios,
Que este mar cava em redor.

No azul eterno ela busca,

No azul, cujo brilho a ofusca,
Pairar, incendida ao sol,
Despindo a crusta vil, onde
Se esconde, como se esconde
A lesma em seu caracol.

Contempla o infinito ... Um bando

De gerifaltos voando
Passou, desapareceu
No éter azul, na água verde...
E onde esse bando se perde,
seu longo olhar se perde...

Contempla o mar, silenciosa:

Ora mansa, ora raivosa,
Vai e vem a onda minaz,
E entre as pontas do arrecife,
Às vezes leva um esquife,
Às vezes um berço traz.

Contempla, de olhos magoados,

Tudo...  Muitos degredados
Findo o seu degredo têm;
Vão-se na onda intumescida
Da Morte, mas na da Vida,
Novos degredados vêm.

Ó alma contemplativa !

Vem já, decumana e altiva,
Entre as ondas talvez,
A que, no supremo esforço
Da morte, em seu frio dorso,
Te leve ao largo, outra vez.

Quanto esplendor!  São aquelas

As regiões de luz, que anelas,
Rompe os rígidos grilhões,
Com que à Carne de agrilhoa
O instinto vital!  E voa,
e voa àquelas regiões!...


Poetas Brasileiros quarta, 22 de agosto de 2018

MARIA TETÊ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

MARIA TETÊ

Patativa do Assaré

(A história da mulher que tinha muita sorte na vida)

 

Dotô, meu sinhô dotô,

Eu nunca gostei de inredo

Mas vou lhe dizê quem sou

Mesmo sem pedi segredo.

Sou um cabôco sem sorte,

Naci nas terra do Norte

E se de lá vim me imbora

E tô no Sú do país,

É somente pruque fiz

Um casamento caipora.

 

Nunca quis questão nem briga

Nem com quem já me ofendeu

Não sei pruque Deus castiga

Um home bom como eu

Que não maltrata ninguém.

Pro sinhô conhecê bem,

Meu nome é Jorge Sutinga,

Sou honesto e sou honrado

E nunca fui viciado,

Não fumo, nem bebo pinga.

 

Promode vivê tranquilo

Não gosto de censurá,

Só acredito naquilo

Que vejo a prova legá

E é por isto que eu tou certo

Que o mundo é cheio de isperto

Iganando a boa fé;

O dotô vai já sabê

Quem foi Maria Têtê

A minha ingrata muié.

 

Têtê era uma morena

Destas que sabe laçá

Que infeitiça e que invenena

Logo do premêro oiá:

Lôco por ela eu vivia

E ela tombém me queria

Nós dois tava apaxonado

Com o mesmo pensamento

Até que veio o momento

Do casamento azalado.

 

Casei com munto prazê,

Pois com certeza lhe digo,

Nunca Maria Têtê

Se aborrecia comigo.

Além de sê munto bela,

Minha vontade era a dela,

Sua vontade era minha.

A nossa vida eu cumparo

Duas conta do rosaro

Correndo na mesma linha.

 

No meu vivê de marido,

Fiz inveja a munta gente,

De Tetê sempre querido,

Mas como sou decendente

De famia de agregado,

Com dois ano de casado

Por capricho do destino,

Ao lado da minha prenda

Eu fui morá na fazenda

Do coroné Virgulino.

 

A fazenda era um colosso

De terra, miunça e gado

E o coroné, belo moço

Lôro, dos óio azulado.

Recebeu nóis satisfeito,

Com tenção e com respeito,

Com delicada manêra,

Com inducação e brio,

Como quem recebe um fio

Qui vem das terra istrangêra.

 

E me dixe: seu Sutinga,

Pode morá sossegado,

Tem baxio e tem catinga

Pro sinhô botá roçado.

Mode o sinhô trabaiá,

Toda vez que precisá,

Posso lhe arrumá dinhêro

E in suas arrumação,

Se achando com precisão,

Pode matá um carnêro.

 

Com o que ele dixe a mim,

Eu falei para a Têtê:

Patrão delicado assim,

É custoso a gente vê,

Com esta grande franqueza

Já quage tenho a certeza

De nóis miorá depois,

Este é patrão de verdade;

Repare a felicidade

Correndo atrás de nós dois.

 

As promessa que ele fez

Correto desempenhava,

E com seis ou sete mês

Que nóis na fazenda tava,

Quando foi um certo dia

No caminho que descia

Pra cacimba de bebê,

Têtê achou um tesôro,

Era um rico cordão de ôro,

Valia a pena se vê.

 

Eu lhe dixe com razão:

- Grande preço a jóia tem,

Acho bom guardá o cordão

Que o dono a percura vem.

Mas Têtê me arrespondeu:

- Esta jóia arguém perdeu,

Ela tava no abandono

Perdida inriba do chão,

Vou usando este cordão

Inté aparecê dono.

 

Com mais uns tempo pra frente

Que isto tinha acunticido,

Tetê achou novamente

Ôtro objeto perdido.

Da cidade eu tinha vindo,

Quando ela me oió se rindo

Com seu oiá feiticêro

E dixe: quirido Jorge

Hoje eu achei um reloge

Que vale munto dinhêro.

 

Vendo que ela tinha sorte,

O dito era verdadêro

Proque passava trensporte

Bem perto do meu terrêro,

Dixe com sinceridade

Sem um pingo de mardade

Batê no meu coração:

Este reloginho é

De arguma rica muié

Que passou no caminhão.

 

Logo um jurgamento eu fiz,

De prazê todo repreto.

Eita, que Têtê feliz

Promode achá objeto!

Foi tanta felicidade,

Que pra dizê a verdade

Inté dinhêro ela achô.

E com tanta coisa achada,

Têtê andava infeitafa

Que nem muié de dotô.

 

Ela já tinha pursêra

Ané, reloge e cordão,

Mas de minha companhêra

Eu não censurava não!

Pois delicada, tão boa,

Eu não podia mardá.

Meu coração é tranquilo,

Só acredito naquilo

Que veio prova legá.

 

O tempo alegre corria

E nóis alegre vivendo,

Quando uma coisa eu queria,

Têtê já tava querendo.

Causava admiração

A nossa grande união,

Sem ninguém se aborrecê.

Tudo era amô e carinho,

Mas porém nóis dois sozinho

Sem famía aparecê.

 

Ia dia, vinha dia,

E a união a crecê

Inté que chegou o dia

De Maria adoecê.

A pobre fazia pena,

Sua cô que era morena

Tava ficando amarela,

Um fastio, uma murrinha

E sintindo uma coisinha

Friviando dentro dela.

 

Com esta situação

Eu fiquei triste e sem graça,

Pedi um burro ao patrão,

Fui batê lá na farmaça

E contei tudo ao dotô;

Ele um caderno pegou

E logo que o istudo fez

Me garantiu que Maria

Ia sê mãe de famia

No prauzo de nove mês.

 

Não era coisa medonha,

O dotô logo deu fé

Que era uma tal de cegonha,

Que mexe com as muié

Eu sinti grande alegria

Quando sube que Maria

Ia sê a mãe de um fio,

E tanto que da viage

Só truxe uma beberage

Mode ela acabá o fastio.

 

A gente fica contente

Que só mesmo deus conhece

Quando o desejo da gente

Na nossa vida acontece.

Eu vivia a maginá

Aqui, ali e acolá,

No mato, in casa e na roça;

Os nove mês eu contava,

Quanto mais dia passava,

Mais Têtê ficava grossa.

 

Deus é grande e tem bondade

Ele é o nosso Pai Celeste

Que defende a humanidade

De fome, de guerra e peste.

Mas é preciso que eu diga,

Não sei pruquê Deus castiga

Um homem bom cumo eu.

Dotô, veja o meu azá,

Agora é que eu vou contá

O que foi que aconteceu.

 

Certo dia da sumana,

Eu chegando da cidade,

Vi que na minha chupana

Tinha grande nuvidade,

Tudo in rubuliço tava,

Muié saía e entrava,

Muié entrava e saía

No maió contentamento;

Têtê naquele momento

Já era mãe de famia.

 

Eu que tudo já sabia

Sinti naquele segundo,

A mais maió alegria

Que si pode tê no mundo.

Mas veja a sorte misquinha:

Quando eu entrei na cuzinha,

Uvi no pé do fogão

Arguém, baixinho, dizê:

O minino da Têtê

Tem a cara do patrão.

 

Com esta conversa feia,

Que arguém cuchichou dizendo,

Com um fogo nas urêia

Saí pro quarto correndo

E vi lá Têtê deitada

Na cama toda imbruiada,

O corpo todo cuberto

E a cara também ocurta,

Como a pessoa qui furta

E o robô vai discuberto.

 

Quando naquele minino,

Eu vi a cópias fié

Da cara do Virgulino,

O traidô coroné,

Vi que o tiro da desgraça

Bateu in minha vifraça

E a minha luz apagou.

A coisa tava sem jeito,

O coração no meu peito

Virou um bolo de dô.

 

Meu trumento e meu castigo

Naquela criança eu via

Não parecia comigo

Nem com a mãe parecia.

Têtê da cô de canela;

Tombém o cabelo dela

Cô de pena de jacu

E o capeta do minino,

Lôro, do cabelo fino

Além disto, os óio azu!

 

Foi grande a minha caipora

E foi maió o meu desgosto,

Eu saí de porta afora

Com as duas mão no rosto

Andando sem dereção;

E fui me sentá no chão

Lá pru detrás do currá.

E pensando in meu distino

Chorei mais de que minino

Quando chora pra mamá.

 

Sinti minha arma firida,

Não pude istancá meu choro,

Pruquê Têtê nesta vida

Era todo o meu tesôro,

E eu vi naquele momento

Disonrado o juramento

Mais sagrado deste mundo;

Vi naquela hora misquinha

Que a minha requeza tinha

Virado um cheque sem fundo.

 

Com o corpo ardendo in brasa,

Eu vortei de pé manêro

E entrando dentro de casa

Como o gato treiçoêro

Quando qué jogá o bote

Arrumei meus cafiote,

Botei no borso uns vintém

E como negro fugido

Saí de casa escondido,

Sem dizê nada a ninguém.

 

Dotô, derne aquele istante,

Eu virei um vagabundo

E hoje do torrão distante

Ando na lasca do mundo,

Sempre de ruim a pió,

Sem ninguém de mim tê dó,

Vagando com sacrifiço

Todo dia da sumana

Como abêia intaliana

Quando não acha curtiço.

 

Muié farsa é um castigo

E dela ninguém iscapa,

Têtê foi farsa comigo

Dibaxo de sete capa

Com a cara do seu fio

Discubrio o trocadio,

Vi que o reloge e os ané,

A pursêra, o cordão de ôro

E todo aquele tesôro,

Quem deu foi o coroné.

 

Veja dotô minha sorte,

Sou vagabundo infeliz

Longe das terra do Norte,

Aqui no Sú do país,

Coberto de sofrimento,

Só proquê meu casamento

Com a Maria Têtê

Foi triste e foi azalado

Foi mesmo que eu tê comprado

Cartia pro ôtro lê.


Poetas Brasileiros terça, 21 de agosto de 2018

PRIMAVERA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

PRIMAVERA

Olavo Bilac

 

Ah! quem nos dera que isto, como outrora, 
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera 
Que inda juntos pudéssemos agora 
Ver o desabrochar da primavera! 

Saíamos com os pássaros e a aurora. 
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera, 
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora: 
"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!" 

E esse corpo de rosa recendia, 
E aos meus beijos de fogo palpitava, 
Alquebrado de amor e de cansaço. 

A alma da terra gorjeava e ria... 
Nascia a primavera... E eu te levava, 
Primavera de carne, pelo braço! 


Poetas Brasileiros segunda, 20 de agosto de 2018

POEIRA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

POEIRA

Humberto de Campos

 

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.
Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.
Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:
Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.


Poetas Brasileiros sábado, 18 de agosto de 2018

A AVENIDA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

 

A AVENIDA

Ferreira Gullar

 

16

O relógio al alto,

As flores que o vento subjuga

A grama a crescer

Na ausência dos homens.

Não obstante,

As praias não cessam.

Simultaneidade!

Diurno milagre, fruto de

Lúcida matéria – Imputrescível!

O claro contorno elaborado sem descanso.

Alegria limpa, roubada

Sem qualquer violência

Ao trabalho doloroso das coisas!

2

Matéria! Esta avenida é eterna!

Que fazem os galhos

Erguidos no vazio

Se não garantem sua permanência?

O relógio ri.

O canteiro é um mar sábio

Contido, suicidado.

Na luz desamparada,

As corolas desamparadas.

3

Precárias são as praias dos homens:

Praias que morrem na cama com ódio

E o sexo: perde- no pó sem voz.

A importância das praias para o mar!

Praias, amadurecimento:

Aqui o mar crepita e fulgura

Fruto trabalhado dum fogo seu,

Aceso das águas,

Pela faina das águas.


Poetas Brasileiros sexta, 17 de agosto de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 08 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA -08 

Eno Teodoro Wanke

Felicidade, vantagem

Que todos querem ganhar

Não é bem um fim de  viagem

É um modo de viajar

 


Poetas Brasileiros quinta, 16 de agosto de 2018

SONETO - 6 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

SONETO - 6 

Cruz e Sousa

Quando apareces, fica-se impassível

E mudo e quedo, trêmulo, gelado!...

Quer-se ficar com atenção, calado,

Quer-se falar sem mesmo ser possível!...

 

Anda-se c'o a alma n'um estado horrível

O coração completamente ervado!...

Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,

Quer-se gritar, n'uma explosão temível!...

 

Sobe-se e desce-se ao país das fadas,

Vaga-se co’as nuvens das mansões doiradas

Sob um esforço colossal, titânio!...

 

E as ideias galopando voam...

Então lá dentro sem parar, ressoam

As indomáveis convulsões do crânio!!...


Poetas Brasileiros terça, 14 de agosto de 2018

NA MARGEM (4ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

NA MARGEM

Castro Alves

(Do Poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

 

"Vamos! Vamos! Aqui por entre os juncos
Ei-la a canoa em que eu pequena outrora
Voava nas maretas... Quando o vento,
Abrindo o peito à camisinha úmida,
Pela testa enrolava-me os cabelos,
Ela voava qual marreca brava
No dorso crespo da feral enchente!

Voga, minha canoa! Voga ao largo!
Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos
Como na mata os caititus bravios...

Filha das ondas! andorinha arisca!
Tu, que outrora levavas minha infância
— Pulando alegre no espumante dorso
Dos cães-marinhos a morder-te a proa, —
Leva-me agora a mocidade triste
Pelos ermos do rio ao longe... ao longe..."

Assim dizia a Escrava...
Iam caindo
Dos dedos do crepúsclo os véus de sombra,
Com que a terra se vela como noiva
Para o doce himeneu das noites límpidas ...

Lá no meio do rio, que cintila,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa.
Parecia, assim vista ao sol poente,
Esses ninhos, que tombam sobre o rio,
E onde em meio das flores vão chilrando
— Alegres sobre o abismo — os passarinhos!...

............................................

Tu — guardas algum segredo?...
Maria, stás a chorar!
Onde vais? Por que assim foges,
Rio abaixo a deslizar?
Pedra — não tens o teu musgo?
Não tens um favônio — flor?
Estrela — não tens um lago?
Mulher — não tens um amor?


Poetas Brasileiros segunda, 13 de agosto de 2018

JURITI (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

JURITI

Casimiro de Abreu

Na minha terra, no bulir do mato, 
A juriti suspira; 
E como o arrulo dos gentis amores, 
São os meus cantos de secretas dores 
No chorar da lira. 

De tarde a pomba vem gemer sentida 
À beira do caminho; 
– Talvez perdida na floresta ingente – 
A triste geme nessa voz plangente 
Saudades do seu ninho. 

Sou como a pomba e como as vozes dela 
É triste o meu cantar; 
– Flor dos trópicos – cá na Europa fria 
Eu definho, chorando noite e dia 
Saudades do meu lar. 

A juriti suspira sobre as folhas secas 
Seu canto de saudade; 
Hino de angústia, férvido lamento, 
Um poema de amor e sentimento, 
Um grito d’orfandade! 

Depois... o caçador chega cantando. 
À pomba faz o tiro... 
A bala acerta e ela cai de bruços, 
E a voz lhe morre nos gentis soluços, 
No final suspiro. 

E como o caçador, a morte em breve 
Levar-me-á consigo; 
E descuidado, no sorrir da vida, 
Irei sozinho, a voz desfalecida, 
Dormir no meu jazigo. 

E – morta – a pomba nunca mais suspira 
À beira do caminho; 
E como a juriti, – longe dos lares – 
Nunca mais chorarei nos meus cantares 
Saudades do meu ninho!


Poetas Brasileiros domingo, 12 de agosto de 2018

O LÁZARO DA PÁTRIA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

O LÁZARO DA PÁTRIA

Augusto dos Anjos

 

 

Filho podre de antigos Goitacases, 
Em qualquer parte onde a cabeça ponha, 
Deixa circunferências de peçonha, 
Marcas oriundas de úlceras e antrazes. 
 
Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha, 
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes. 
 
Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos
Há um cansaço no Cosmos... Anoitece. 
 
Riem as meretrizes no Cassino, 
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!


Poetas Brasileiros sábado, 11 de agosto de 2018

O HOMEM EM PELE E OSSO (POEMA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

 

O HOMEM EM PELE E OSSO

Bandeira Tribuzi

 

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.


Poetas Brasileiros sexta, 10 de agosto de 2018

CONSELHOS (POEMAS DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

 

 CONSELHOS 

Raimundo Correia

Vogar mais não vale a pena,
Amarra o barco a esta boia;
Não traves por outra Helena
Segunda guerra de Troia.

Ouve um conselho de amigo:
Deixa de muito escolher;
Eu das mulheres só digo
O que ouço a todos dizer.

Dizem de Cora que, quando
Entra nos bailes, namora,
Valsa demais, e, valsando
A perna mostra, e... não cora;

Nem por ver, dessa maneira,
Que a perna que mostra, em vão,
Não é de osso e carne inteira,
Mas metade de... algodão.

De Pacífica, que à toa
Sem razão se assanha e briga;
E de Modesta (perdoa)!
Que traz o rei na barriga...

Prudência — em nada é cordata;
Benigna — maus modos tem;
E ao noivo de Fortunata
A sorte grande não vem.

Os papalvos certos ficam
De que não são, nem metade
Do que seus nomes indicam,
Severa e Felicidade:

Aquela — vale um pagode;
E desta outra o vulgo diz,
Que é feliz, como se pode
Na desgraça ser feliz;

Plácida — é plácida e mansa,
Como onça ou como leoa;
E é, bem sabes, Esperança
O desespero em pessoa.

Inocência — de pecados
Está cheia, como vês;
Diferentes namorados
Tem Constância, em cada mês;

Muito avara é — Generosa;
Angélica — é muito ingrata;
E até, com língua maldosa,
Dizem que Branca é... mulata.

Rosa é bela? Embora o seja,
(Se nos espinhos não for)
Semelhante, há lá quem veja,
Mulher-rosa à rosa-flor?!

E pois, que inda em tempo chego
Com meus conselhos: — se queres
Ter na vida mais sossego,
Deixa em sossego as mulheres.

Ao pé da letra as não tomes,
Porque as mulheres estão,
Até com seus próprios nomes,
Em viva... contradição.


Poetas Brasileiros quinta, 09 de agosto de 2018

CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

 

CANTE LÁ QUE  EU CANTO CÁ

Patativa do Assaré

Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.

Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.


Poetas Brasileiros quarta, 08 de agosto de 2018

SONHO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

SONHO
Olavo Bilac
 

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho… Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite… A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço… O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa…


Poetas Brasileiros terça, 07 de agosto de 2018

CONSCIÊNCIA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

CONSCIÊNCIA

Humberto de Campos

 

 

Prefira afrontar o mundo servindo à sua consciência

A afrontar sua consciência servindo ao mundo.


Poetas Brasileiros sexta, 03 de agosto de 2018

AS PERAS (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

AS PERAS

Ferreira Gullar

 

As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede a sua morte?
Paremos o pêndulo.
Deteríamos, assim, a
morte das frutas?

Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de sua doçura!
As peras, concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio não mede.
Trabalha no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.

Tudo é o cansaço de si.
As peras se consomem no seu doirado sossego.
As flores, no canteiro diário, ardem,
ardem, em vermelhos e azuis.
Tudo desliza e está só.
O dia comum, dia de todos, é a
distância entre as coisas.
Mas o dia do gato, o felino e sem palavras
dia do gato que passa entre os móveis é passar.
Não entre os móveis. Passar como eu passo: entre nada.

O dia das peras é o seu apodrecimento.
É tranquilo o dia das peras?
Elas não gritam, como o galo.
Gritar para quê? Se o canto é apenas um arco
efêmero fora do coração?

Era preciso que o canto não cessasse nunca.
Não pelo canto (canto que os homens ouvem)

Mas porque cantando o galo é sem morte.


Poetas Brasileiros quinta, 02 de agosto de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 07 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA 07

Eno Teodoro Wanke

Não sei de melhor processo

Não sei de nenhum atalho:

Os caminhos do progresso

São estradas de trabalho

 


Poetas Brasileiros quarta, 01 de agosto de 2018

SONETO - 5 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

SONETO - 5

Cruz e Sousa

À Julieta dos Santos

  

Imaginai um misto de alvoradas

Assim com uns vagos longes de falena,

Ou mesmo uns quês suaves de açucena

C'os magos prantos bons das madrugadas!...

 

Imaginai mil cousas encantadas...

O tímido dulçor da tarde amena,

As esquisitas graças de uma Helena,

As vaporosas noites estreladas...

 

Que encontrareis então em Julieta

O tipo são, fiel da Georgeta

Nos dois brilhantes, primorosos atos!...

 

E sentireis um fluido magnético

Trêmulo, nervoso, mórbido, patético,

Bem como a voz dos langues psicattos!...


Poetas Brasileiros segunda, 30 de julho de 2018

O BAILE NA FLOR (3ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO)

O BAILE NA FLOR

Castro Alves

(Do Poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

Que belas as margens do rio possante,
Que ao largo espumante campeia sem par!...
Ali das bromélias nas flores doiradas
Há silfos e fadas, que fazem seu lar...
E, em lindos cardumes,
Sutis vaga-lumes
Acendem os lumes
P’ra o baile na flor.
E então — nas arcadas
Das pet’las doiradas,
Os grilos em festa
Começam na orquesta
Febris a tocar...
E as breves
Falenas
Vão leves,
Serenas,
Em bando
Girando,
Valsando,
Voando
No ar!...

 


Poetas Brasileiros domingo, 29 de julho de 2018

ROSA MURCHA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

ROSA MURCHA

Casimiro de Abreu

 

Esta rosa desbotada 
Já tantas vezes beijada, 
Pálido emblema de amor; 
É uma folha caída 
Do livro da minha vida, 
Um canto imenso de dor! 

..................................

Há que tempos ! Bem me lembro... 
Foi num dia de Novembro: 
Deixava a terra natal, 
A minha pátria tão cara, 
O meu lindo Guanabara, 
Em busca de Portugal. 


Na hora da despedida 
Tão cruel e tão sentida 
P’ra quem sai do lar fagueiro; 
Duma lágrima orvalhada, 
Esta rosa foi-me dada 
Ao som dum beijo primeiro. 

Deixava a pátria, é verdade, 
Ia morrer de saudade 
Noutros climas, noutras plagas; 
Mas tinha orações ferventes 
Duns lábios inda inocentes 
Enquanto cortasse as vagas. 

E hoje, e hoje, meu Deus?! 
– Hei de ir junto aos mausoléus 
No fundo dos cemitérios, 
E ao baço clarão da lua 
Da campa na pedra nua 
Interrogar os mistérios! 

Carpir o lírio pendido 
Pelo vento desabrido... 
Da divindade aos arcanos 
Dobrando a fronte saudosa, 
Chorar a virgem formosa 
Morta na flor dos anos! 

Era um anjo! Foi pr’o céu 
Envolta em místico véu 
Nas asas dum querubim; 
Já dorme o sono profundo, 
E despediu-se do mundo 
Pensando talvez em mim!

..................................

Oh! esta flor desbotada, 
Já tantas vezes beijada, 
Que de mistérios não tem! 
Em troca do seu perfume 
Quanta saudade resume 
E quantos prantos também!

 


Poetas Brasileiros sábado, 28 de julho de 2018

A IDEIA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

A IDEIA

Augusto dos Anjos

 

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?! 
 
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
 
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica...
 
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!


Poetas Brasileiros sexta, 27 de julho de 2018

NA PENUMBRA (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

NA PENUMBRA

Raimundo Correia

 

 

Raiava, ao longe, em fogo a lua nova, 
Lembras-te?... apenas reluzia a medo, 
Na escuridão crepuscular da alcova 
O diamante que ardia-te no dedo...

Nesse ambiente tépido, enervante, 
Os meus desejos quentes, irritados, 
Circulavam-te a carne palpitante, 
Como um bando de lobos esfaimados...

Como que estava sobre nós suspensa 
A pomba da volúpia; a treva densa 
Do teu olhar tinha tamanho brilho!

E os teus seios que as roupas comprimiam, 
Tanto sob elas, túmidos, batiam, 
Que estalavam-te o flácido espartilho!


Poetas Brasileiros quinta, 26 de julho de 2018

O POETA DA ROÇA (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O POETA DA ROÇA

Patativa do Assaré

 

Sou fio das mata, cantô da mão grossa, 
Trabáio na roça, de inverno e de estio. 
A minha chupana é tapada de barro, 
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé 
De argum menestré, ou errante cantô 
Que veve vagando, com sua viola, 
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei, 
Apenas eu sei o meu nome assiná. 
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre, 
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça, 
Não entra na praça, no rico salão, 
Meu verso só entra no campo e na roça 
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada, 
Da lida pesada, das roça e dos eito. 
E às vez, recordando a feliz mocidade, 
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada, 
Nas noite assombrada que tudo apavora, 
Por dentro da mata, com tanta corage 
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro, 
Brigando com o tôro no mato fechado, 
Que pega na ponta do brabo novio, 
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo, 
Coberto de trapo e mochila na mão, 
Que chora pedindo o socorro dos home, 
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente, 
Eu vivo contente e feliz com a sorte, 
Morando no campo, sem vê a cidade, 
Cantando as verdade das coisa do Norte.

 


Poetas Brasileiros quarta, 25 de julho de 2018

INCONTENTADO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

INCONTENTADO

Olavo Bilac

Paixão sem grita, amor sem agonia, 
Que não oprime nem magoa o peito, 
Que nada mais do que possui queria, 
E com tão pouco vive satisfeito. 

Amor, que os exageros repudia, 
Misturado de estima e de respeito, 
E, tirando das mágoas alegria, 
Fica farto, ficando sem proveito. 

Viva sempre a paixão que me consome, 
Sem uma queixa, sem um só lamento! 
Arda sempre este amor que desanimas! 

Eu eu tenha sempre, ao murmurar teu nome, 
O coração, malgrado o sofrimento, 
Como um rosal desabrochado em rimas. 


Poetas Brasileiros terça, 24 de julho de 2018

SEMENTE DO DESERTO (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

SEMENTE DO DESERTO

Humberto de Campos

No alto sertão da minha terra
Cai, misteriosa, uma semente
Que a outras sementes move guerra.

onde ela nasce, de repente,
— Seara de mão cruel e ignota —
A relva murcha, suavemente.

E nas planícies onde brota,
E onde nem sempre é conhecida,
Toda a campina se desbota...

(Semente bárbara e remota,
Quem te semeou na minha vida?)


Poetas Brasileiros domingo, 22 de julho de 2018

O TRABALHO DAS NUVENS (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

O TRABALHO DAS NUVENS

Ferreira Gullar

Esta varanda fica
à margem
da tarde. Onde nuvens trabalham

A cadeira não é tão seca
e lúcida, como
o coração.
Só à margem da tarde
é que se conhece
a tarde: que são as
folhas de verde e vento, e
o cacarejar da galinha e as
casas sob um céu: isso, diante
de olhos.

e os frutos?
e também os
frutos. Cujo crescer altera
a verdade e a cor
dos céus. Sim, os frutos
que não comeremos, também
fazem a tarde
(a vossa
tarde, de que estou à margem).

Há, porém, a tarde
do fruto. Essa não roubaremos:
tarde
em que ele se propõe a glória de
não mais ser fruto, sendo-o
mais: de esplender, não como astro, mas
como fruto que esplende.

E a tarde futura onde ele
arderá como um facho
efêmero!

Em verdade, é desconcertante para
os homens o
trabalho das nuvens.
Elas não trabalham
acima das cidades: quando
há nuvens não há
cidades: as nuvens ignoram
se deslizam por sobre
nossa cabeça: nós é que sabemos que
deslizamos sob elas: as
nuvens cintilam, mas não é para
o coração dos homens.

A tarde é
as folhas esperarem amarelecer
e nós o observarmos.

E o mais é o pássaro branco que
voa - e que só porque voa e o vemos,
voa para vermos. O pássaro que é 
branco
não porque ele o queira nem
porque o necessitemos:
o pássaro que é branco
porque é branco. 

Que te resta, pois, senão 
aceitar?
Por ti e pelo
pássaro pássaro.


Poetas Brasileiros sábado, 21 de julho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 06 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA 06

Eno Teodoro Wanke

Pinheio, dais a guarida

O fogo, o fruto, o conforto

No berço, trazeis a vida

No caixão, levais o morto

 


Poetas Brasileiros sexta, 20 de julho de 2018

SONETO - 4 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

SONETO - 4

Cruz e Souza

 

À Julieta dos Santos

 

É delicada, suave, vaporosa,

A grande atriz, a singular feitura...

É linda e alva como a neve pura,

Débil, franzina, divinal, nervosa!...

 

E d'entre os lábios cetinais, de rosa

Libram-se pérolas de nitente alvura...

E doce aroma de sutil frescura

Sai-lhe da leve compleição mimosa!...

 

Quando aparece no febril proscênio

Bem como os mitos do passado, ingentes,

Bem como um astro majestoso, helênio...

 

Sente-se n'alma as atrações potentes

Que só se operam ao fulgor do gênio,

Às rubras chispas ideais, ferventes!...


Poetas Brasileiros quinta, 19 de julho de 2018

MARIA (2ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

MARIA

Castro Alves

(Do Poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

 

Onde vais à tardezinha,
Mucama tão bonitinha,
Morena flor do sertão?
A grama um beijo te furta
Por baixo da saia curta,
Que a perna te esconde em vão...

Mimosa flor das escravas!
O bando das rolas bravas
Voou com medo de ti!...
Levas hoje algum segredo...
Pois te voltaste com medo
Ao grito do bem-te-vi!

Serão amores deveras?
Ah! Quem dessas primaveras
Pudesse a flor apanhar!
E contigo, ao tom d'aragem,
Sonhar na rede selvagem...
À sombra do azul palmar!

Bem feliz quem na viola
Te ouvisse a moda espanhola
Da lua ao frouxo clarão...
Com a luz dos astros — por círios,
Por leito — um leito de lírios...
E por tenda — a solidão!


Poetas Brasileiros quarta, 18 de julho de 2018

SAUDADES (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

SAUDADES

Casimiro de Abreu

 

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.

Então — proscrito e sozinho —
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra.
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
— Saudades — dos meus amores,
— Saudades — da minha terra !


Poetas Brasileiros terça, 17 de julho de 2018

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

PSICOLOGIA D EUM VENCIDO

Augusto dos Anjos


Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!


Poetas Brasileiros domingo, 15 de julho de 2018

IMAGEM (POEMA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

IMAGEM

Bandeira Tribuzi

 

Vista do mar, a cidade,
subindo suas ladeiras,
parece humilde presépio
levantado por mãos puras:
nimbada de claridade,
ponteia velhos telhados
com as torres das igrejas
e altas copas de palmeiras.
Seus dois rios, como braços
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem
flui a música do tempo,
cresce o musgo dos telhados
e a umidade das paredes
escorre pelos sobrados
o amargo sal dos invernos.
Tudo é doce e até parece
que vemos só o animado
contorno de iluminura
e não a realidade:
vista do mar, a cidade
parece humilde presépio
levantado por mãos puras
e em sua simplicidade
esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.


Poetas Brasileiros sábado, 14 de julho de 2018

CHUVA E SOL (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

 

CHUVA E SOL

Raimundo Correia

 

Agrada à vista e à fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada 
Do sol pelos venábulos radiantes...

Vais e molhas-te, embora os pés levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada 
Dos bicos metem nágua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada...

Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;

E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto, 
Rutilam tanto, como as verdadeiras...


Poetas Brasileiros sexta, 13 de julho de 2018

AOS POETAS CLÁSSICOS (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

 

 

 

AOS POETAS CLÁSSICOS

Patativa do Assaré

  

Poetas niversitário,

Poetas de Cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento

De um poeta camponês.

 

Eu nasci aqui no mato,

Vivi sempre a trabaiá,

Neste meu pobre recato,

Eu não pude estudá

No verdô de minha idade,

Só tive a felicidad

De dá um pequeno insaio

In dois livro do iscritô,

O famoso professô

Filisberto de Carvaio.

 

No premêro livro havia

Belas figuras na capa,

E no começo se lia:

A pá - O dedo do Papa,

Papa, pia, dedo, dado,

Pua, o pote de melado,

Dá-me o dado, a fera é má

E tantas coisa bonita,

Qui o meu coração parpita

Quando eu pego a rescordá.

 

Foi os livro de valô

Mais maió que vi no mundo,

Apenas daquele autô

Li o premêro e o segundo;

Mas, porém, esta leitura,

Me tirô da treva escura,

Mostrando o caminho certo,

Bastante me protegeu;

Eu juro que Jesus deu

Sarvação a Filisberto.

 

Depois que os dois livro eu li,

Fiquei me sintindo bem,

E ôtras coisinha aprendi

Sem tê lição de ninguém.

Na minha pobre linguage,

A minha lira servage

Canto o que minha arma sente

E o meu coração incerra,

As coisa de minha terra

E a vida de minha gente.

 

Poeta niversitaro,

Poeta de cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia,

Tarvez este meu livrinho

Não vá recebê carinho,

Nem lugio e nem istima,

Mas garanto sê fié

E não istruí papé

Com poesia sem rima.

 

Cheio de rima e sintindo

Quero iscrevê meu volume,

Pra não ficá parecido

Com a fulô sem perfume;

A poesia sem rima,

Bastante me disanima

E alegria não me dá;

Não tem sabô a leitura,

Parece uma noite iscura

Sem istrela e sem luá.

 

Se um dotô me perguntá

Se o verso sem rima presta,

Calado eu não vou ficá,

A minha resposta é esta:

- Sem a rima, a poesia

Perde arguma simpatia

E uma parte do primô;

Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma

E o coração sem amô.

 

Meu caro amigo poeta,

Qui faz poesia branca,

Não me chame de pateta

Por esta opinião franca.

Nasci entre a natureza,

Sempre adorando as beleza

Das obra do Criadô,

Uvindo o vento na serva

E vendo no campo a reva

Pintadinha de fulô.

 

Sou um caboco rocêro,

Sem letra e sem istrução;

O meu verso tem o chêro

Da poêra do sertão;

Vivo nesta solidade

Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.

Tudo meu é naturá,

Não sou capaz de gostá

Da poesia moderna.

 

Deste jeito Deus me quis

E assim eu me sinto bem;

Me considero feliz

Sem nunca invejá quem tem

Profundo conhecimento.

Ou ligêro como o vento

Ou divagá como a lesma,

Tudo sofre a mesma prova,

Vai batê na fria cova;

Esta vida é sempre a mesma.


Poetas Brasileiros quinta, 12 de julho de 2018

MATER (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

MATER

Olavo Bilac

 

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava, 
Para teus filhos és, no caminho da vida, 
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava 
À longe Terra Prometida. 

Jorra de teu olhar um rio luminoso. 
Pois, para batizar essas almas em flor, 
Deixas cascatear desse olhar carinhoso 
Todo o Jordão do teu amor. 

E espalham tanto brilho as asas infinitas 
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas, 
Que o seu grande dano sobe, quando as agitas, 
E vai perder-se entre as estrelas. 

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada, 
Fogem da humana dor, fogem do humano pó, 
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada, 
Que é como a escada de Jacó. 


Poetas Brasileiros quarta, 11 de julho de 2018

MIRITIBA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

MIRITIBA

Mumberto de Campos

 

É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...

De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranquila...
Botos no prea-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...

Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!


Poetas Brasileiros segunda, 09 de julho de 2018

P. M. S. L. (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

P. M. S. L.

Ferreira Gullar

 

Impossível é não sonhar

estas manhãs sem teto

e as valsas

que banalizam a morte.

 

 

Tudo que fácil se

dá quer negar-nos. Teme

o ludibrio das corolas.

Na orquídea busca a orquídea

que não é apenas fátuo

cintilar das pétalas: busca a móvel

orquídea: ela caminha em si, é

contínuo negar-se no seu fogo, seu

arder é deslizar.

 

 

Vê o céu. Mais

que azul, ele é nosso

sucessivo morrer. Ácido

céu.

 

 

Tudo se retrai, e a teu amor

oferta um disfarce de si. Tudo

odeia se dar. Conheces a água?

ou apenas o som do que ela

finge?

 

 

Não te aconselho o amor. O amor

é fácil e triste. Não se ama

no amor, senão

o seu próximo findar.

Eis o que somos: o nosso

tédio de ser.

 

 

Despreza o mar acessível

que nas praias se entrega, e

o das galeras de susto; despreza o mar

que amas, e só assim terás

o exato inviolável

mar autêntico!

 

 

O girassol

vê com assombro

que só a sua precariedade

floresce. Mas esse

assombro é que é ele, em verdade.

 

 

Saber-se

fonte única de si

alucina.

 

 

           Sublime, pois, seria

suicidar-nos:

trairmos a nossa morte

para num sol que jamais somos

nos consumir-mos.


Poetas Brasileiros domingo, 08 de julho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 05 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA N° 05

Eno Teodoro Wanke

 

Estilhaçando o negror

Da noite, longa e cansada

O sol é um beijo de amor

No lábio azul da alvorada


Poetas Brasileiros sábado, 07 de julho de 2018

SONETO - 3 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

SONETO 3

À JULIETA DOS SANTOS

Cruz e Souza

 

 

Um dia Gutemberg c'o a alma aos céus suspensa,

Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!

E fez do velho mundo um rútilo alcançar

Ao mágico clangor de sua ideia imensa!

 

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!

Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar...

Uniram-se n'um lago, o céu, a terra, o mar...

Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!...

 

Ergueram-se mil povos ao som das melopeias,

Das grandes cavatinas olímpicas da arte!

Raiou o novo sol das fúlgidas ideias!...

 

Porém, quem lança luz maior por toda a parte

És tu, sublime atriz, ó misto de epopeias

Que sabes no tablado subir, endeusar-te!...


Poetas Brasileiros sexta, 06 de julho de 2018

A TARDE (PRIMEIRA PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES

(DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO)

 A TARDE

Castro Alves

 

Era a hora em que a tarde se debruça

Lá da crista das serras mais remotas...

E d'araponga o canto, que soluça,

Acorda os ecos nas sombrias grotas;

Quando sobre a lagoa, que s'embuça,

Passa o bando selvagem das gaivotas ...

E a onça sobre as lapas salta urrando,

Da cordilheira os visos abalando.

Era a hora em que os cardos rumorejam

Como um abrir de bocas inspiradas,

E os angicos as comas espanejam

Pelos dedos das auras perfumadas ...

A hora em que as gardênias, que se beijam,

São tímidas, medrosas desposadas;

E a pedra... a flor... as selvas ... os condores

Gaguejam... falam... cantam seus amores!

Hora meiga da Tarde! Como és bela

Quando surges do azul da zona ardente!

... Tu és do céu a pálida donzela,

Que se banha nas termas do oriente...

Quando é gota do banho cada estrela.

Que te rola da espádua refulgente...

E, — prendendo-te a trança a meia lua,

Te enrolas em neblinas seminua!...

Eu amo-te, ó mimosa do infinito!

Tu me lembras o tempo em que era infante.

Inda adora-te o peito do precito

No meio do martírio excruciante;

E, se não te dá mais da infância o grito

Que menino elevava-te arrogante,

É que agora os martírios foram tantos,

Que mesmo para o riso só tem prantos! ...

Mas não m'esqueço nunca dos fraguedos

Onde infante selvagem me guiavas,

E os ninhos do sofrer que entre os silvedos

Da embaíba nos ramos me apontavas;

Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos

De amor do nenúfar que enamoravas...

E as tranças mulheris da granadilha!. . .

E os abraços fogosos da baunilha! ...

E te amei tanto - cheia de harmonias

A murmurar os cantos da serrana, —

A lustrar o broquei das serranias,

A doirar dos rendeiros a cabana...

E te amei tanto — à flor das águas frias

Da lagoa agitando a verde cana,

Que sonhava morrer entre os palmares,

Fitando o céu ao tom dos teus cantares! ...

Mas hoje, da procela aos estridores,

Sublime, desgrenhada sobre o monte,

Eu quisera fitar-te entre os condores

Das nuvens arruivadas do horizonte...

... Para então, — do relâmpago aos livores,

Que descobrem do espaço a larga fronte, --

Contemplando o infinito. . ., na floresta

Rolar ao som da funeral orquestra!!!

 


Poetas Brasileiros quinta, 05 de julho de 2018

O MORCEGO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

O MORCEGO

Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


Poetas Brasileiros terça, 03 de julho de 2018

ORDEM DO DIA (POEMA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

ORDEM DODIA

Bandeira Tribuzi

 

Há que remover a neve desta folha de papel!

 

Breve escutaremos o motor dos sentimentos

enchendo a manhã com sua algazarra. Eis a máquina se

movimentando! Da esquerda para a direita vão surgindo

os sulcos onde caem as sementes

da Emoção.

 

Na vasta planície

desvirginada

germina já o pólen da lírica.

 

Um vento de humana condição

(oh arte, coisa social!) faz voar até tuas mãos

esta lavoura mental.

Como bom descendente de um povo de camponeses

medes o rigor da semeadura,

sonhas as chuvas na raiz, o futuro pão...

Pão sonoro!

 

De repente,

as aves da poesia, que se alimentavam no campo semeado,

rompem voo para o céu de tua inteligência

e desfecham seu canto maravilhoso

contra tua surpresa.

 

Teu coração é a corda do violino!

Eis a geração do poema:

sua mecânica, seu plantio,

sua colheita.

Estás diante de uma safra eterna!

 

(Safra / 1960)


Poetas Brasileiros segunda, 02 de julho de 2018

NOITES DE INVERNO (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

 

NOITES DE INVERNO

Raimundo Correia

 

Enquanto a chuva cai, grossa e torrencial,

Lá fora; e enquanto, ó bela!

A lufada glacial

Tamborila a bater nos vidros da janela;

 

Dentro, esse áureo torçal

Do cabelo que, rico, em ondas se encapela,

Deslaça; e o alvor ideal

Do teu corpo à avidez do meu olhar revela;

 

Porque, à avidez do olhar

Do amante, é grato, ao menos,

Destas noites no longo e monótono curso,

 

— Claro como o luar —

Ver um busto de Vênus

Surgir dentre as lãs e dentre as peles de urso.


Poetas Brasileiros domingo, 01 de julho de 2018

A RISTE PARTIDA (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

A TRISTE PARTIDA

Patativa do Assaré

 

Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai

A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai

Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois a barra não tem
Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai

Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai

Nós vamos a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natá
Ai, ai, ai, ai

O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai

No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai

De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai

E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade lhe molho
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai

Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
À lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai

A TRISTE PARTIDA

Com Luiz Gonzaga

 


Poetas Brasileiros sábado, 30 de junho de 2018

MIDSUMMER,S NIGNT,S DREAM (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

MIDSUMMER'S NIGHT'S DREAM

Olavo Bilac

 

Quem o encanto dirá destas noites de estão?
Corre de estrela a estrela um leve calefrio,
Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só,
Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pé,
Para purificar o coração manchado,
Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...

Que esquisita saudade! — Uma lembrança estranha
De ter vivido já no alto de uma montanha,
Tão alta, que tocava o céu... Belo país,
Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,
Livre da ingratidão, livre da indiferença,
No seio maternal da Ilusão e da Crença!

Que inexorável mão, sem piedade, cativo,
Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo?
Louco, em vão, do profundo horror deste atascal,
Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal!
Por que, para uma ignora e longínqua paragem,
Astros, não me levais nessa eterna viagem?

Ah! quem pode saber de que outras vidas veio?...
Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio
Todo o mistério ver aberto ao meu olhar!
Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar
Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida,
— O cadáver de alguém de quem carrego a vida...


Poetas Brasileiros sexta, 29 de junho de 2018

ÁFRICA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

ÁFRICA

Humberto de Campos

 

Na partilha das sáfaras conquistas
Desta Líbia de mouros rancorosos,
O Deserto foi dado aos Poderosos
E o Oásis, florido e mínimo, aos Artistas.
E os felizes, quais são? Os mil sofistas
Da Ventura, a pedir, de olhos gulosos,
Terra e mais terra? Ou o que limita os gozos
E em sete palmos acomoda as vistas?
Certo, não sereis vós, ó Donatários
Do alvo Deserto, que velais, em guerra,
A áurea carga dos vossos dromedários.
Mas, tu, ó Poeta, que, por onde fores,
Teus sete palmos hás de achar na terra
Abrindo em trigo, rebentado em flores!


Poetas Brasileiros quarta, 27 de junho de 2018

A GALINHA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

A GALINHA

Ferreira Gullar

 

A Galinha

Morta

Flutua no chão

 Galinha.

Não teve mar, nem

Quis, nem compreendeu

Aquele ciscar quase feroz. Ciscava.

Olhava o muro.

Aceitava-o negro e absurdo.

 Nada perdeu. O quintal

 Não tinha

 Qualquer beleza.

 Agora

As penas são só o que o vento

Roça, leves.

 Apagou-se-lhe

Toda cintilação, o medo.

Morta. Evola-se do olho seco

O sono. Ela dorme.

Onde? Onde?


Poetas Brasileiros terça, 26 de junho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 04 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA - 04

Eno Teorodo Wanke

 

Senhor, que eu pratique o bem

Separe o joio do trigo

E tenha forças, também

De amar o irmão inimigo


Poetas Brasileiros segunda, 25 de junho de 2018

SONTO 2 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

SONETO 2

Cruz e Souza

 

À Julieta dos Santos

 

 Dizem que a arte é a clâmide de ideia                     

A peregrina irradiação celeste,                     

E d'isso a prova singular já deste                 

Sorvendo d'ela a divinal sabeia!.                  

 

Da “Georgeta” na feliz estreia,          5        


Asseverar-nos ainda mais vieste                  

Que és um gênio, que te vais de preste                    

Tornando o assombro de qualquer plateia!...           

 

Sinto uns transportes fervorosos, ledos                    

Quando nas cenas de sutis enredos    10      

Fulgem-te os olhos co'a expressão dos astros!...                  

 

E as turbas mudas, impassíveis, calmas                   

Sentem mil mundos lhes crescer nas almas...                      

Vão-te seguindo os luminosos rastros!...      


Poetas Brasileiros domingo, 24 de junho de 2018

A CACHOEIRA (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

A CACHOEIRA

Castro Alves

Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas...
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!...
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?...
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!...

Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra suc'ruiúba o cheiro imundo...
Mas já tarde silvando o monstro voa...
E o novilho preado os ares troa!

Então doido de dor, sânie babando,
Co'a serpente no dorso parte o touro...
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro...
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro...
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.

Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co'as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!...
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito...
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!...

Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto...
Atropela-se, empina, espuma o bando...
E em massa rui no precipício aberto...
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto...
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas...

A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.

Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!...
Do sacerdote o punho e a roxa fronte...
E as serpentes de Tênedos em sanha!...
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!...

 


Poetas Brasileiros sábado, 23 de junho de 2018

MINHA TERRA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

MINHA TERRA

Casimiro de Abreu

 

 

Todos cantam sua terra

Também vou cantar a minha

Nas débeis cordas da lira

Hei de fazê-la rainha.

— Hei de dar-lhe a realeza

Nesse trono de beleza

Em que a mão da natureza

Esmerou-se em quanto tinha.

Correi pras bandas do sul:

Debaixo de um céu de anil

Encontrareis o gigante

Santa Cruz, hoje Brasil.

— É uma terra de amores,

Alcatifada de flores,

Onde a brisa fala amores

Nas belas tardes de abril.

Tem tantas belezas, tantas,

A minha terra natal,

Que nem as sonha o poeta

E nem as canta um mortal!

— É uma terra encantada

— Mimoso jardim de fada –

Do mundo todo invejada,

Que o mundo não tem igual.

 


Poetas Brasileiros sexta, 22 de junho de 2018

AGONIA DE UM FILÓSOFO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

 

AGONIA DE UM FILÓSOFO

Augusto dos Anjos

 

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nele tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!
Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de polo a polo!
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático aeropago heterogêneo
Das ideias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!


Poetas Brasileiros quarta, 20 de junho de 2018

POEMA (POESIA DO MARANHENSE BANDEIRA TRIBUZI)

POEMA

Bandeira Tribuzi

 

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
Depois rompeu
a madrugada.


Poemas e Poesias terça, 19 de junho de 2018

BANZO (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

 

BANZO

Raimundo Correia

 

Visões que na alma o céu do exílio incuba,

Mortais visões! Fuzila o azul infando...

Coleia, basilisco de ouro, ondeando

O Niger... Bramem leões de fulva juba...

 

Uivam chacais... Ressoa a fera tuba

Dos cafres, pelas grotas retumbando,

E a estralada das árvores, que um bando

De paquidermes colossais derruba...

 

Como o guaraz nas rubras penas dorme,

Dorme em ninhos de sangue o sol oculto...

Fuma o saibro africano incandescente...

 

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme

Do baobá... E cresce na alma o vulto

De uma tristeza, imensa, imensamente. 

 

"


Poetas Brasileiros segunda, 18 de junho de 2018

INANIA VERBA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

INANIA VERBA

Olavo Bilac

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, 
O que a boca não diz, o que a mão não escreve? 
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, 
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... 

O pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: 
A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... 
E a palavra pesada abafa a Ideia leve, 
Que, perfume e dano, refulgia e voava. 

Quem o molde achará para a expressão de tudo? 
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas 
Do sonho? E o céu que foge à mão que se levanta? 

E a ira muda? E o asco mudo? E o desespero mudo? 
E as palavras de fé que nunca foram ditas? 
E as confissões de amor que morrem na garganta?! 


Poetas Brasileiros domingo, 17 de junho de 2018

TEMPESTADE AMAZÔNICA (POEMA DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

TEMPESTADE AMAZÔNICA

Humberto de Campos

 

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.

Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade... E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto, o trovão repousa e, em baixo, a mata brama.
Ruge em meio à amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama...


Poetas Brasileiros sexta, 15 de junho de 2018

GALO GALO (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

 

GALO GALO

Ferreira Gullar

 

O galo

no saguão quieto.        

 

 

Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.

 

 

De córneo bico e

esporões, armado

contra a morte,

passeia.

 

 

Mede os passos. Para.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio

– que faço entre coisas?

– de que me defendo?

 

 

                                      Anda

 

 

no saguão.

O cimento esquece

o seu último passo.

 

 

Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e o duro bico e as unhas e o olho

sem amor. Grave

solidez.

Em que se aposta

tal arquitetura?

 

 

Saberá que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora?

 

 

Como, porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório?

 

 

Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto, rubro, escoa.

 

 

Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.

Vê-se: o canto é inútil.

 

 

O galo permanece – apesar

de todo o seu porte marcial –

só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave guerreira!

 

 

Outro grito cresce,

agora, no sigilo

de seu corpo; grito

que, sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

              não seria tão rouco

e sangrento.

          

                  Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras.


Poetas Brasileiros quinta, 14 de junho de 2018

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 03 (TROVA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

Não há nada mais profundo

Mais belo e comovedor

Nem maior poder no mundo

Que um simples gesto de amor


Poetas Brasileiros quarta, 13 de junho de 2018

SONETO - 1 (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUZA)

 

SONETO (1)

Cruz e Souza

 

 – Os Trópicos pulando as palmas batem...               

Em pé nas ondas -O Equador dá vivas!...                 

 

 

 

Ao estrídulo solene dos bravos! Das plateias,                      

Prossegues altaneira, oh! Ídolo da arte!...                

– O sol para o curso p'ra bem de admirar-te            

– O sol, o grande sol, o misto das ideias!...              

 

A velha natureza escreve-te odisseias...                  

A estrela, a nívea concha, o arbusto... em toda a parte                    

Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te                

Assombro do ideal, em duplas melopeias!               

 

Perpassam vagos sons na harpa do mistério             

Lá, quando no proscênio te ergues imperando                    

– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidéreo!                    

 

Então da imensidade, audaz vem reboando             

De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo                     

Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!...    


Poetas Brasileiros terça, 12 de junho de 2018

A BOA VISTA, POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES

 

 

A BOA VISTA

Castro Alves

 

 

  

Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado

No tosco assento da janela antiga,

Apoias sobre a mão a face pálida,

Sorrindo — dos amores à cantiga.

ÁLVARES DE AZEVEDO

 

ERA UMA TARDE triste, mas límpida e suave...

Eu — pálido poeta — seguia triste e grave

A estrada, que conduz ao campo solitário,

Como um filho, que volta ao paternal sacrário,

 

E ao longe abandonando o múrmur da cidade

— Som vago, que gagueja em meio à imensidade, —

No drama do crepúsculo eu escutava atento

A surdina da tarde ao sol, que morre lento.

 

A poeira da estrada meu passo levantava,

Porém minh'alma ardente no céu azul marchava

E os astros sacudia no voo violento

— Poeira, que dormia no chão do firmamento.

 

A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,

Procura os coruchéus da catedral antiga.

Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno,

Ia seguindo triste p'ra o velho lar paterno.

__________

 

Como a águia, que do ninho talhado no rochedo

Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,

— (P'ra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,

E o mar, — corcel que espuma ao látego do vento...)

Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,

Que aos raios do poente brilhante sol escorre!

Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito

Mergulhando o pescoço no seio do infinito

E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos

Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!...

 

Não! Minha velha torre! Oh! Atalaia antiga,

Tu olhas esperando alguma face amiga,

E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:

"Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?

Por que não vem sentar-se no banco do terreiro

Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,

E pensando no lar, na ciência, nos pobres

Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?

 

Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho

— Que se escondiam atrás do cipreste tristonho...

 

Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,

Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo

Ralha com um rir divino o grupo folgazão,

Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?..."

 

É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,

Vendo deserto o parque e solitária a estrada.

No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces —

No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

 

Oh! Deixem-me chorar!... Meu lar... meu doce ninho!

Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!

Passado — mar imenso!... Inunda-me em fragrância!

Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.

 

Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões

Lançaram misturadas glórias e maldições...

Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!

Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!

 

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda

Veio saltando a custo roçar-me a testa parda,

Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo

Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...

Como tudo mudou-se!... O jardim 'stá inculto

As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros

A ortiga silvestre enrola em nós impuros

Uma estátua caída, em cuja mão nevada

A aranha estende ao sol a teia delicada!...

Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,

As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...

E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,

Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas...

 

Oh! Jardim solitário! Relíquia do passado!

Minh'alma, como tu, é um parque arruinado!

Morreram-me no seio as rosas em fragrância,

Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância,

 

A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,

Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...

Ao menos como tu, lá d'alma num recanto

Da casta poesia ainda escuto o canto,

— Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,

E na gruta do seio murmura um treno oculta.

 

Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,

Nos longos corredores respondem-me à porfia!...

 

Oh! Casa de meus pais!... A um crânio já vazio,

Que o hóspede largando deixou calado e frio,

Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto

Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.

 

Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão

Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão!...

Povoam-se estas salas...

 

E eu vejo lentamente

No solo resvalarem falando tenuemente

Dest'alma e deste seio as sombras venerandas

Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...

 

Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,

Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,

Saudades e lembranças s'erguendo — bando alado —

Roçam por mim as asas voando p'ra o passado.

 

Boa Vista, 18 de novembro de 1867.

 


Poetas Brasileiros segunda, 11 de junho de 2018

A CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

A CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

Eu nasci além dos mares:

Os meus lares,

Meus amores ficam lá!

Onde canta nos retiros

Seus suspiros,

Suspiros o sabiá!

Oh! Que céu, que terra aquela,

Rica e bela

Como o céu de claro anil!

Que selva, que luz, que galas,

Não exalas,

Não exalas, meu Brasil!

Oh! Que saudades tamanhas

Das montanhas,

Daqueles campos natais!

Daquele céu de safira

Que se mira,

Que se mira nos cristais!

Não amo a terra do exílio,

Sou bom filho,

Quero a pátria, o meu país,

Quero a terra das mangueiras

E as palmeiras,

E as palmeiras tão gentis!

Como a ave dos palmares

Pelos ares

Fugindo do caçador;

Eu vivo longe do ninho,

Sem carinho,

Sem carinho e sem amor!

Debalde eu olho e procuro...

Tudo escuro

Só vejo em roda de mim!

Falta a luz do lar paterno

Doce e terno,

Doce e terno para mim!

Distante do solo amado

- Desterrado -

A vida não é feliz.

Nessa eterna primavera

Quem me dera,

Quem me dera o meu país!

 


Poetas Brasileiros domingo, 10 de junho de 2018

MONÓLOGO DE UMA SOMBRA (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

MONÓLOGO  DE UMA SOMBRA

Augusto dos Anjos

 

“Sou uma Sombra! Venho de outras eras,

Do cosmopolitismo das moneras...

Pólipo de recônditas reentrâncias,

Larva de caos telúrico, procedo

Da escuridão do cósmico segredo,

Da substância de todas as substâncias!

 

A simbiose das coisas me equilibra.

Em minha ignota mônada, ampla, vibra

A alma dos movimentos rotatórios...

E é de mim que decorrem, simultâneas

A saúde das forças subterrâneas

E a morbidez dos seres ilusórios!

 

Pairando acima dos mundanos tetos,

Não conheço o acidente da Senectus

— Esta universitária sanguessuga

Que produz, sem dispêndio algum de vírus,

O amarelecimento do papirus

E a miséria anatômica da ruga!

 

Na existência social, possuo uma arma

— O metafisicismo de Abidarma —

E trago, sem bramânicas tesouras,

Como um dorso de azêmola passiva,

A solidariedade subjetiva

De todas as espécies sofredoras.

 

Com um pouco de saliva quotidiana

Mostro meu nojo à Natureza Humana.

A podridão me serve de Evangelho...

Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques

E o animal inferior que urra nos bosques

É com certeza meu irmão mais velho!

 

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,

Amarguradamente se me antolha,

À luz do americano plenilúnio,

Na alma crepuscular de minha raça

Como uma vocação para a Desgraça

E um tropismo ancestral para o Infortúnio.

 

Ai vem sujo, a coçar chagas plebéias,

Trazendo no deserto das idéias

O desespero endêmico do inferno,

Com a cara hirta, tatuada de fuligens,

Esse mineiro doido das origens,

Que se chama o Filósofo Moderno!

 

Quis compreender, quebrando estéreis normas,

A vida fenomênica das Formas,

Que, iguais a fogos passageiros, luzem...

E apenas encontrou na idéia gasta,

O horror dessa mecânica nefasta,

A que todas as coisas se reduzem!

 

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,

Sobre a esteira sarcófaga das pestes

A mostrar, já nos últimos momentos,

Como quem se submete a uma charqueada,

Ao clarão tropical da luz danada,

O espólio dos seus dedos peçonhentos.

 

Tal a finalidade dos estames!

Mas ele viverá, rotos os liames

Dessa estranguladora lei que aperta

Todos os agregados perecíveis,

Nas eterizações indefiníveis

Da energia intra-atômica liberta!

 

Será calor, causa úbiqua de gozo,

Raio* X, magnetismo misterioso,

Quimiotaxia, ondulação aérea,

Fonte de repulsões e de prazeres,

Sonoridade potencial dos seres,

Estrangulada dentro da matéria!

 

E o que ele foi: clavículas, abdômen,

O coração, a boca, em síntese, o Homem,

— Engrenagem de vísceras vulgares —

Os dedos carregados de peçonha,

Tudo coube na lógica medonha

Dos apodrecimentos musculares!

 

A desarrumação dos intestinos

Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos

Dentro daquela massa que o húmus come,

Numa glutoneria hedionda, brincam,

Como as cadelas que as dentuças trincam

No espasmo fisiológico da fome.

 

É uma trágica festa emocionante!

A bacteriologia inventariante

Toma conta do corpo que apodrece...

E até os membros da família engulham,

Vendo as larvas malignas que se embrulham

No cadáver malsão, fazendo um s.

 

E foi então para isto que esse doudo

Estragou o vibrátil plasma todo,

À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...

Num suicídio graduado, consumir-se,

E após tantas vigílias, reduzir-se

À herança miserável dos micróbios!

 

Estoutro agora é o sátiro peralta

Que o sensualismo sodomista exalta,

Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...

Como que, em suas células vilíssimas,

Há estratificações requintadíssimas

De uma animalidade sem castigo.

 

Brancas bacantes bêbedas o beijam.

Suas artérias hírcicas latejam,

Sentindo o odor das carnações abstêmias,

E à noite, vai gozar, ébrio de vício,

No sombrio bazar do meretrício,

O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

 

No horror de sua anômala nevrose,

Toda a sensualidade da simbiose,

Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,

Corno no babilônico sansara,

Lembra a fome incoercível que escancara

A mucosa carnívora dos lobos.

 

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.

Negra paixão congênita, bastarda,

Do seu zooplasma ofídico resulta...

E explode, igual à luz que o ar acomete,

Com a veemência mavórtica do ariete*

E os arremessos de uma catapulta.

 

Mas muitas vezes, quando a noite avança,

Hirto, observa através a tênue trança

Dos filamentos fluídicos de um halo

A destra descarnada de um duende,

Que, tateando nas tênebras, se estende

Dentro da noite má, para agarrá-lo!

 

Cresce-lhe a intracefálica tortura,

E de su’alma na caverna escura,

Fazendo ultra-epiléticos esforços,

Acorda, com os candeeiros apagados,

Numa coreografia de danados,

A família alarmada dos remorsos.

 

É o despertar de um povo subterrâneo!

É a fauna cavernícola do crânio

— Macbeths da patológica vigília,

Mostrando, em rembrandtescas telas várias,

As incestuosidades sanguinárias

Que ele tem praticado na família.

 

As alucinações tactis* pululam.

Sente que megatérios o estrangulam...

A asa negra das moscas o horroriza;

E autopsiando a amaríssima existência

Encontra um cancro assíduo na consciência

E três manchas de sangue na camisa!

 

Míngua-se o combustível da lanterna

E a consciência do sátiro se inferna,

Reconhecendo, bêbedo de sono,

Na própria ânsia dionísica do gozo,

Essa necessidade de horroroso,

Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova

 

De que a dor como um dartro se renova,

Quando o prazer barbaramente a ataca...

Assim também, observa a ciência crua,

Dentro da elipse ignívoma da lua

A realidade de uma esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,

 

Abranda as rochas rígidas, torna água

Todo o fogo telúrico profundo

E reduz, sem que, entanto, a desintegre,

À condição de uma planície alegre,

A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento

 

Pelas grandes razões do sentimento,

Sem os métodos da abstrusa ciência fria

E os trovões gritadores da dialética,

Que a mais alta expressão da dor estética

Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:

 

— O homicídio nas vielas mais escuras,

— O ferido que a hostil gleba atra escarva,

— O último solilóquio dos suicidas —

E eu sinto a dor de todas essas vidas

Em minha vida anônima de larva!”

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,

 

Da luz da lua aos pálidos venábulos,

Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,

Julgava ouvir monótonas corujas

Executando, entre caveiras sujas,

A orquestra arrepiadora* * do sarcasmo!

Era a elégia* ** panteísta do Universo,

 

Na podridão do sangue humano imerso,

Prostituído talvez, em suas bases...

Era a canção da Natureza exausta,

Chorando e rindo na ironia infausta

Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres

 

Trovejando grandíloquos massacres,

Há de ferir-me as auditivas portas,

Até que minha efêmera cabeça

Reverta à quietação da treva espessa

E à palidez das fotosferas mortas!

 


Poemas e Poesias sábado, 09 de junho de 2018

HISTÓRIA DE UM CÃO (POEMA DE LUÍS GUIMARÃES FILHO)

 

HISTÓRIA DE UM CÃO

Luís Guimarães Filho


Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.

Recebi-o das mãos dum camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim — mau grado seu — o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o... o sol nas ondas se abismava...
"Adeus!" — me disse,— e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

"Trata-o bem. Verás como o rafeiro
Te indicará os mais sutis perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos."

Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda — caminhava errante
À luz da lua — tristemente uivando

ToussenelFiguier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo

Contendo a narração miúda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:

Gabava o steamer que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais — todas francesas.

Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.

Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.

Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e — creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, — e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre d’aquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! "Graças a Deus! Já posso"
Dizia eu "viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo".

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca cismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Senti que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abri. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E — de cansado — foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.

Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo; ele seguia-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo — e com furor remamos

Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento,
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei à terra — entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas moribundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei — oh grande dor! — haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: — eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caira além no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo!

Duas vidas tivera — duas vidas
Eu arrancaria àquela besta morta
E àquelas vis entranhas corrompidas.
Nisto senti uivar à minha porta.

Corri, — abri... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, — e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fora crível, oh Deus? — Ajoelhado
Junto do cão — estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.
 

 

 


Poetas Brasileiros quinta, 07 de junho de 2018

AS POMBAS (POEMA DO MARANHENSE RAIMUNDO CORREIA)

AS POMBAS

Raimundo Correia


Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

 


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