MARIA DE TODO JEITO
Patativa do Assaré
Sou um pobre vagabundo
Meu nome é Mané Preá,
Vivo vagando no mundo
Que nem bola de biá
Pelo taco sacudida;
A história de minha vida
É de arrupiá cabelo;
Vou contá pubricamente,
Pra todos ficá ciente
D’onde vem meu dismantelo.
Vou dá uma prova boa,
Por mintira ninguém tome.
A bondade da pessoa
Nada tem havê com nome.
Minha mãe era Maria,
Nome que lhe deu a pia
Numa abençoada hora;
Era carinhosa e bela.
Maria do jeito dela
Só mesmo a Nossa Senhora.
Divido a sua bondade
E o seu nome tão bonito,
Eu tinha grande vontade,
Uma esperança, um parpito
De quando ficá rapaz,
Pra omentá meu cartaz
Meu prazê, minha alegria
E a vida ficá mais boa,
Casá com uma pessoa
Com o nome de Maria.
E quando rapaz fiquei,
Foi sacrifício de morte
Andei, virei, revirei
E a coisa não dava sorte;
Foi um trabaio penoso,
Porém eu sempre teimoso,
Sem mudá meu pensamento,
Queria pruque queria,
Toda Maria que eu via
Lhe falava em casamento.
Naquele meu abandono,
Eu incabulado andava,
De noite não tinha sono,
De dia não trabaiava
E de tanto maginá
Naquele meu grande azá
Ainda uns dia passei
Leso, de cabeça tonta,
Não sei nem dizê a conta
Das malas que eu arrastei.
Lá mesmo no meu distrito
Morava umas dez Maria
Mas por parte do mardito
As mesmas não me quiria
Quando do assunto eu tratava,
Muntas inté se zangava.
Era um grande caipora.
E eu vendo que não achava
No lugá onde morava
Dei um broqueio pra fora.
A gente só desingana
Dispois que chega no fim;
Se deu no sitio Imburana
Um animado festim
E fui com munta alegria
Percurá uma Maria,
Porém, não deu risurtado,
Tive uma sorte misquinha
Na festa as moça já tinha
Cada quá seu namorado.
Porém dispois de hora e meia
Vi chegá perto de mim
Uma moça gorda e feia
Do cabelo pichuin;
Tinha aquela criatura
O corpo inguá, sem cintura.
O pescoço era incuído
Sua venta era achatada
Os óio munto cumprido
E as pestana bem faiada.
Como quem amô percura
Aquela rola de gente,
Com toda sua feiúra
Se sentou na minha frente
E eu fiz que não tava vendo
Dispois fiquei conhecendo
Que a gurducha da Imburana
Me arreparava e surria
Piscava os óio e batia
Aquelas quatro pestana.
Eu vendo aquela figura
Se atirando pra meu lado,
Divido a sua feiúra
Fiquei bastante acanhado
Com aquela arrumação;
Mas dixe com meus botão
Ela não tem um siná
De beleza e simpatia
Mais, porém, se fô Maria
Ainda vou me arriscá.
Casamento não se apela,
Por não ser isto brinquedo:
Me cheguei pra perto dela
Como quem fica com medo
Quando vê uma visage;
Dispois criando corage,
Preguntei com inergia
Que naci foi pra sê home:
Moça, me diga seu nome
E ela respondeu: – Maria
Com esta resposta bela,
Meu coração se buliu
E a feiúra da donzela
Depressa diminuiu;
Pois tinha o nome sagrado
Tão querido e abençoado
Da mamãe que Deus me deu.
E eu repreto de alegria
Preguntei logo: Maria,
Você qué casá com eu?
Ela não teve demora
Foi respondendo: pois não!
Graças a Deus eu agora
Descansei meu coração
Sempre sempre tinha andado
Percurando um namorado
E vivendo sempre só
No mundo do desengano
Já tou com trinta e dois ano
E nunca achei um xodó.
Eu, com o prazê que tive
Tratei logo de casá
O mais dipressa pussive,
Com medo de si acabá.
Falando com o vigaro,
Fui cuidá de meus preparo
Naquela mesma sumana,
E com doze ou quinze dia,
Eu já tava com Maria
Dentro da minha chupana.
Eu, com a minha Maria,
Fumo tratá de vivê;
Era uma amizade fria
Mas dava pra se ruê.
Porém veja o que ela fez,
Dispois de none ou dez mês
Que o casamento se deu,
Maria tava sisuda
Munto grossêra e bicuda
Sem querê falá com eu.
Mamãe munto me queria,
Era carinhosa e boa,
Mas minha muié Maria
Era o demônio in pessoa.
Tanta força que botei
Pra casá; quando casei
Não tive felicidade,
O maió desgosto tive,
Vivendo assim como vive
Um criminoso na grade.
Quando eu saía pra roça,
Maria ficava in casa,
Sisuda, de cara grossa,
Raivosa pisando em brasa,
E um certo jeito ela tinha
Que in vez de tá na cozinha
Se largava a passiá;
Quando eu vortava do roçado,
O fogo inda tava apagado
E o feijão sem cuzinhá
E se um jeitinho eu caçava,
Nas minhas arrumação
E uma carninha comprava
Pra misturá com feijão,
Pra mim de nada sirvia.
Quando pro roçado eu ia,
Munta vez aconteceu,
A safada na cuzinha
Cumê a carne suzinha
E largá o feijão pra eu.
Dimenhã quando eu dizia:
Maria, alevanta e faça o café,
Ela, bruta, respondia:
Faça ocê, se quizé
Não gosto de sê mandada
E nem sou sua empregada;
Era o que fartava agora!
Sua preguiça era tanta
Que merenda, armoço e janta
Tudo era fora da hora.
E assim Maria passava
Toda noite e todo dia;
Aquilo que eu preguntava
Munta vez não respondia.
Umas palavra de agrado
Não dizia pra meu lado
Tava sempre zuruó,
E além de sê priguiçosa
Bruta, grossêra e teimosa
Tinha farta mais pió.
Sem confiá no marido,
Muntas vez ela mandava
Arguém me botá sintido
Pra sabê se eu namorava.
E toda minha sentença,
Sofria com paciença,
Mas porém achava feio
Aquele seu mau custume,
Pois além de tê ciúme
Gostava dos home aleio.
Foi bem triste a vida minha
Foi bem triste o meu estado
Os objetos que eu tinha
Dentro da mala guardado
Maria dava sumiço.
Só Jesus sabe o supriço
Que eu sufri nas unha dela,
Filizmente, um missanguêro
Que passou no meu terrêro,
Um dia carregou ela.
E hoje, só, no meu caminho,
Vou pensando no ditado:
É mió vivê suzinho
Do que malacompanhado -
Foi esta a maió lição
Passada inriba do chão.
Não fiz meu prano direito,
E agora conheço bem
Que este mundo véio tem
Maria de todo jeito.