FANTASIAS DO LUAR
Vicente de Carvalho
Entre nuvens esgarçadas
No céu pedrento flutua
A triste, a pálida lua
Das baladas.
Frouxo luar sugestivo
Contagia a natureza
Como de um ar de tristeza
Sem motivo.
Tem vagos tons de miragem,
De um desenho sem sentido,
Da paisagem.
A apagada fantasia
Do colorido - parece
De um pintor que padecesse
De miopia.
Tudo, tudo quanto existe,
Extravaga, e se afigura
Tomado de uma loucura
Mansa e triste.
O longo perfil do Monte
- Como um rio de água verde-
Corre ondulado, e se perde
No horizonte.
E sobre essa imaginária
Turva corrente, projeta
A alva igreja a sua seta
Solitária.
Assim, de um ermo barranco
A garça alonga no rio
O seu vulto, muito branco,
Muito esguio.
Sonha, imóvel... E acredito
Que de súbito desperte
Aquele fantasma inerte
De granito.
Dorme talvez... Qualquer cousa
No seu sono se disfarça
De asa encolhida de garça
Que repousa.
E eu cuido vê-la a cada hora,
Animar-se; e de repente
Subir sossegadamente
Céu afora...
Há um lirismo disperso
Nos ares... O próprio vento,
Esse bronco, esse praguento,
Fala em verso:
Voz forte, bruscas maneiras,
Pela boca pondo os bofes,
O vento improvisa estrofes
Condoreiras.
Beijam-se as frondes, arrulam,
Trocam afagos, promessas...
E as árvores secas, essas
Gesticulam.
Gesticulam, como espectros,
No vácuo, tentando abraços
Com seus descarnados braços
De dez metros.
Algum trovador de esquina
Canta a paixão que o devora;
E a sua voz geme, chora,
Desafina.
Ao longe um eco repete
O canto, frase por frase,
Em tom abrandado, quase
Sem falsete.
Tem o aspecto apalaçado
Da pedra cara e maciça
O muro, em simples caliça,
De um sobrado.
Nem castelã falta a esse
Castelo: na luz da lua,
Branca, airosa, seminua,
Resplandece.
Numa pose pitoresca
De romance ou de aquarela,
A burguesa que à janela
Goza a fresca.
O olhar, o ouvido, a alma inteira
Vê, ouve, acredita, sente
Quanto sonhe, quanto invente,
Quanto queira,
Quando, ó lua das baladas,
Forjas visões indistintas
Com esse aguado das tintas
Estragadas.