“Em Mato Grosso, a paralisação afetou principalmente os produtores de soja”, escrevemos na pág. 7. Viva! Mato Grosso, como Mato Grosso do Sul, dispensa o artigo: Vem de Mato Grosso. Vem de Mato Grosso do Sul.
“Em Mato Grosso, a paralisação afetou principalmente os produtores de soja”, escrevemos na pág. 7. Viva! Mato Grosso, como Mato Grosso do Sul, dispensa o artigo: Vem de Mato Grosso. Vem de Mato Grosso do Sul.
Qual a letra com maior número de pronúncias em português? É o xis. Em certas palavras, pronuncia-se ch (enxoval). Em outras, z (exame). Em outras, ainda, s (excelência). Chega? Não. Há os casos em que a gloriosa soa ks (táxi). Ufa!
O verbo da vez? É faltar. A paralisação dos caminhoneiros fez os brasileiros tremerem nas bases. Combustível podia sumir das bombas. Remédios desaparecerem das farmácias. Comida escassear nos supermercados. O noticiário espalhava terror. Não pelas informações, mas pelos maus-tratos na língua. Era um tal de “falta frutas”, “faltou medicamentos”, “faltou táxis”. Cruz-credo.
Olho vivo! O dissílabo tem o hábito pouco saudável de armar ciladas. Quando o sujeito vem depois do verbo, o danado dá a impressão de que se trata do objeto. Aí, não dá outra. Descuidados tropeçam na armadilha. Como escapar? Basta pôr o sujeito na frente do verbo: Frutas faltam. Faltam frutas. Medicamentos faltaram. Faltaram medicamentos. Táxis faltaram. Faltaram táxis.
Sem confusão
Germano não é gênero humano. Faltar é verbo. Falta, substantivo. Ao falar na falta de, nada de flexão: falta de combustível, falta de combustíveis, falta de recursos, falta de amigos, falta de boas notícias.
“O relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP) declarou que o governo federal terá R$ 3 bilhões em ganhos tributários”, escrevemos na pág. 3. Cadê a vírgula que isola o aposto? Usamos a primeira, mas esquecemos a segunda. (Os parênteses não dispensam o sinal de pontuação.) Melhor devolver a César o que é de César: O relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), declarou que o governo federal terá R$ 3 bilhões em ganhos tributários.
“Segundo o IBGE, dos 11,5 milhões de pessoas vivendo em favelas em todo o Brasil, cerca de 12,5% estão no Rio de Janeiro”, escrevemos na pág. 15. Nota 10. Milhão é substantivo masculino e não abre. Muitos, quando ele vem seguido de nome feminino, lhe mudam o gênero. Bobeiam. As milhões de declarações? Nem pensar. Os milhões de declarações.
A violência faz estragos. Um deles: traz de volta o debate sobre o armamento da população. Outro: causa estragos na língua. Muitos dizem sem corar “arsenal de armas”. Baita pleonasmo. Todo arsenal é de armas. Basta arsenal.
O Brasil é autossuficiente em petróleo? Auto-suficiente? Auto– pede hífen quando seguido de h e de o (duas letras iguais se rejeitam). No mais, é tudo colado. Para manter a pronúncia, dobram-se o r e o s quando forem seguidos de palavra iniciada por essas letrinhas: auto-higiene, auto-obrigação, autodidata, autossuficiente, autorrepressão.
“Ontem, os ministros Edson Fachin e Celso de Mello votaram, mas a sessão foi encerrada logo após o parecer do decano”, escrevemos na pág. 4. Ops! Tropeçamos na propriedade vocabular. Quem emite parecer é o Ministério Público. Juiz, desembargador ou ministro proferem sentença. A Justiça condena, absolve, ordena, determina, impõe.
A origem de barato? Só podia ser ela. A palavra vem da língua do povo que mais sabe negociar no mundo. É o árabe. Na língua de Maomé e na de Camões, mantém o significado: baixo preço. Ora, o bolso é a parte mais sensível do corpo. Daí por que nasceu a expressão “o maior barato”. Eta coisa boa!
“Genu se entrega à PF e irá à Papuda”, escrevemos na pág. 6. Bobeamos. O responsável pelo tropeço é o verbo ir. Ele tem duas regências. Uma: ir a — é ir e voltar, rapidinho (foi ao clube, ao cinema, à aula). A outra: ir para, ida por longo tempo. É o caso de Genu. Ele vai cumprir pena de 9 anos e 4 meses. Melhor: Genu se entrega à PF e irá para a Papuda.
Foi manchete do Correio de ontem: “Candidatos outra vez, 18 dos 24 deputados distritais têm problemas na Justiça”. Ao escrever o texto, pintou a dúvida. Justiça deve ser grafada com inicial maiúscula ou minúscula?
Use Justiça com letra grandona significa Poder Judiciário. Com a pequenina, nos demais casos: Candidatos outra vez, 18 dos 24 deputados distritais têm problemas na Justiça. A Justiça ordenou o pagamento dos servidores. Não agiu com justiça. Fez justiça com as próprias mãos.
A ceguinha
A expressão balança de Têmis remete à mitologia grega. Têmis é a deusa da Justiça. Aprece sempre com uma venda nos olhos, símbolo de quem distribui sentenças sem olhar a quem. Daí dizer-se que a Justiça é cega. Outra marca é a balança nas mãos. Com ela, a deusa pesa as razões de cada um. Ambas as marcas – a venda e a balança – representam a imparcialidade. Em bom português: a verdadeira justiça.
Hora ou ora? Olho vivo! Uma letra faz a diferença. Hora quer dizer 60 minutos. Ora significa agora, neste momento. Veja: Ganha R$ 10 por hora de trabalho. Por ora, estou desempregado.
Superdica
Na dúvida, seja esperto. Troque seis por meia dúzia: Ganha R$ 10 por 60 minutos de trabalho. Por agora, estou desempregado.
É isso. O h é letra muda. Não fala, mas ajuda. Ou atrapalha.
Quem aguenta? Os combustíveis dão um susto atrás do outro. Num dia e noutro também, encher o tanque exige mais e mais notas do nosso desvalorizado dinheirinho. Mas a dor não se restringe ao bolso. Afeta também os ouvidos. Repórteres de tevês abertas e fechadas, de rádios AM e FM, de jornalões e jornalinhos anunciam que “o preço da gasolina está mais caro”. Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! É otite na certa.
Caro e barato
Preço caro? Nem pensar. É redundância. Caro e barato encerram a ideia de preço. Produtos e serviços são caros ou baratos. Preço é alto, baixo, elevado. A moçada mereceria banda de música e tapete vermelho se tivesse dado a informação assim: Opreço da gasolina está mais alto. Também poderia ser assim: A gasolina está mais cara.
Times diferentes
Caro e barato jogam em dois times. Podem ser adjetivos ou advérbios. Como lidar com eles?
1. Se pertencerem à classe dos advérbios, mantêm-se invariáveis — sem feminino e sem plural. No caso, a oração se constrói com os verbos custar, pagar ou similares e o complemento do verbo pode ser substituído pelos advérbios pouco ou menos: Nos Emirados Árabes, a gasolina custa barato (pouco). Paguei caro (pouco) pelo litro da gasolina. Em Natal, as lagostas custam mais barato (menos) que em Campina Grande.
2. Se forem adjetivos, variam em gênero e número. No caso, a frase será construída com verbo de ligação (ser, estar, ficar, permanecer, continuar, andar): Com a elevação do preço do petróleo no mercado internacional, a gasolina ficou mais cara. Graças à safra generosa, a cesta básica está mais barata. Produtos de primeira necessidade deveriam ser mais baratos. Como as verduras estão caras!
“Salário, que pode chegar a R$ 15 mil no fim da carreira, foi um dos elementos que mais chamaram a atenção dos concurseiros”, escrevemos na pág. 7. Viva! A expressão chamar a atenção exige sempre o artigo. Dizer chamar atenção? Nãooooooooo! O trio fica desequilibrado.
Cuidado com o modismo. Use chamado só quando você falar de algo cujo nome não é o referido, mas é conhecido como tal. Não há por que escrever, por exemplo, os “chamados exames preventivos”. Exame preventivo é exame preventivo. O cinema não é a “chamada” sétima arte. É a sétima arte. As praças onde se reúnem os drogados não é a “chamada” cracolândia. É a cracolândia. As ONGs não são o “chamado” terceiro setor. São o terceiro setor.
O verbo chamar tem diferentes regências:
1. Na acepção de mandar vir, é transitivo direto: chamar o médico, chamar o secretário, chamar Maria, chamar os filhos.
2. No sentido de dar nome é transitivo direto ou indireto: Chamaram o candidato salvador da pátria. Chamaram ao candidato salvador da pátria.
3. Na acepção de invocar, transitivo indireto com preposição por : Chamou por Deus. Chamou pelo filho antes de desaparecer.
Balança = instrumento que serve para pesar (pessoas, bichos, coisas). Balanço = entre tantas acepções, é a forma preferida da economia – balanço comercial, balanço de pagamento.
Curiosidade
A expressão balança de Têmis remete à mitologia grega. Têmis é a deusa da Justiça. Aprece sempre com uma venda nos olhos, símbolo de quem distribui sentenças sem olhar a quem. Daí dizer-se que a Justiça é cega. Outra marca é a balança nas mãos. Com ela, a deusa pesa as razões de cada um. Ambas as marcas – a venda e a balança – representam a imparcialidade. Em bom português: a verdadeira justiça.
Descrição é o ato de descrever (descreve-se uma pessoa, uma roupa, um ambiente). Discrição opõe-se a saliência. Significa reserva, modéstia: O professor pediu aos alunos que apresentassem uma descrição do vestido da noiva. A mãe da noiva vestiu-se com discrição. Apresentou o projeto com discrição, sem o esperado oba-oba.
Superdica
O substantivo que dá origem à qualidade de discreto se grafa com dois ii — discrição. Muitos misturam alhos com bugalhos. Mantêm o primeiro i e trocam o segundo pelo ede discreto. Criam um mostrengo, filho de jacaré com elefante. Cruz-credo!
Discrição sofre outra concorrência. Dessa vez, com o substantivo descrição. A trissílaba, grafada assim, com o e na primeira sílaba, refere-se à forma de redação, como narração e dissertação.
Olho nas afinidades! Carecer pertence à gangue de precisar e necessitar. Os três pedem a preposição de: O partido carece de líderes. O trabalhador precisa de oportunidades. Necessito de mais tempo para concluir a pesquisa.
“Ah, que preguiça!”, repete Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. O personagem de Mário de Andrade não nasceu do nada. Inspirou-se na língua. Nós, falantes, adoramos apelar para a lei do menor esforço. Daí por que generalizamos. É o caso de carioca. Sem cerimônia, englobamos no trissílabo os moradores do estado do Rio. Nada feito. Carioca se refere à cidade do Rio de Janeiro. Fluminense, ao estado. O mesmo vale para paulistano e paulista. Paulistano é o carioca de São Paulo. Paulista, o fluminense.
Atenção, apressado! Não caia na supercorreção. Carrossel, como bandeja e beneficência, costumam ser brindados com uma vogal a mais. A letrinha torna-os pesados. Xô! Escreva carossel, bandeja, beneficência. O plural? Carrosséis, bandejas, beneficências.
Mal humor? Mau humor? Na dúvida, não arranque os cabelos. Seja sabido. Recorra ao macete. Substitua mal e mau pelos antônimos. O de mau é bom. O de mal, bem. O troca-troca dá 100% de certeza: mau humor (bom humor), lobo mau (lobo bom), mau funcionário (bom funcionário), mal-humorado (bem humorado), mal e porcamente (bem e caprichosamente), comeu mal (comeu bem). O bem vence o mal.
Junho nem chegou. Mas os balões começam a causar estragos. Grandes ou pequenos, as belezuras luminosas respondem, até agora, por 500 incêndios no Rio. Restringir-lhes a subida provoca esperneios. Adultos e crianças não concebem festas juninas sem colorir o céu.
A discussão trouxe à tona assunto pra lá de sofisticado. Trata-se do plural de balãozinho. É balãozinhos? Balõezinhos? Balõesinhos?
Ops! Alguns plurais de diminutivos exigem três etapas. Uma: o plural da palavra primitiva. Duas: o corte do s. A última: o acréscimo do s no diminutivo. Assim:
balão — balões — balõezinhos
botão — botões — botõezinhos
animal — animais — animaizinhos
papel — papéis — papeizinhos
mulher — mulheres — mulherezinhas
pão — pães — pãezinhos
Jefferson Peres deu adeus à vida. O Senado está de luto. Nós também. Ao comentar a ida do colega, muitos senadores não gostam de pronunciar o vocábulo morte. Ela choca, causa dor ou provoca imagens desagradáveis. Recorrem, então, a eufemismos. Adoçam o termo. Falam em falecer.
O medo da bruxaria da palavra não é só deles. Manuel Bandeira chamou a morte de “a indesejada das gentes”. Outros preferem passamento, falecimento, viagem, ida para a companhia do Senhor, passagem desta pra melhor.
Os malandros escondem o pânico atrás de gozações. Personagens de Jorge Amado & gente como nós riem pra não chorar. Falam em espichar a canela, vestir paletó de madeira, bater as botas. E por aí vai. É tudo eufemismo.
A morte de Jefferson Péres pegou todo mundo de surpresa. “O que houve?”, perguntaram eleitores, conterrâneos e brasileiros em geral. A imprensa respondeu. O senador acordou lá pelas 6h. Sentiu forte dor no peito. O coração o traiu. “Foi infarto fulminante”, disseram uns. “Enfarto”, frisaram outros. “Enfarte”, afirmaram outros tantos.
“E daí?”, perguntaram os ouvintes confusos. “Quem está certo?” Todos. Infarto, enfarto e enfarte figuram no dicionário. O vocábulo é dose tripla. Cada um escolhe a forma que lhe soa melhor. O resultado é um só — acertar ou acertar.
“É forro pra todo lado”, escrevemos na Capa. Bobeamos. Forró, como vovó e cipó, mantém o acento. Trata-se de oxítona terminada em o. A reforma ortográfica, vale lembrar, só atingiu as paroxítonas.
“De acordo com os especialistas, os preços administrados serão os vilões do índice de preços neste ano”, escrevemos na pág. 8. Palmas pra nós. Na indicação de tempo presente, o demonstrativo este pede passagem. Bem-vindo.
Atenção, gente fina. Muitos caem no modismo. Usam opção e alternativa como sinônimos. Mas sinônimos não são. A precisão vocabular impõe a diferença. Veja:
Opção = saída, possibilidade, recurso: Antes de decidir, avaliou as opções que lhe ofereciam. Na prova com cinco possibilidades de respostas, duas opções eram muito parecidas. Fiquei em dúvida.
Alternativa = escolha entre duas opções. Por isso, fuja de outra alternativa ou única alternativa. Por quê? A alternativa é sempre outra. Se não há outra, só pode ser única: Perdi o voo. A alternativa foi esperar o próximo. Não havia alternativa para o problema. E agora? Qual a alternativa?
As duas palavras são parentes próximas. Mas pertencem a classes diferentes. A menor é adjetivo. A maior, advérbio:
Independente = livre: O Brasil ficou independente de Portugal em 1822. Paulo começou a trabalhar cedo. Ficou independente da tutela dos pais antes dos irmãos.
Independentemente = sem levar em conta: Saiu independentemente da proibição médica. Ganha o mesmo salário independentemente do número de horas trabalhadas.
Quem vê cara, não vê formação. Reaver que o diga. À primeira vista, o verbinho tem pinta de derivado de ver. Mas é só à primeira vista. Porque os dois nunca se viram nem de longe.
Reaver é filhote de haver. Significa haver de novo, recobrar, recuperar: A casa de Gilberto foi assaltada. Os ladrões levaram joias e dinheiro. A polícia os prendeu. Mas não conseguiu reaver os bens.
O verbo, de origem tão nobre, padece de grave enfermidade. É preguiçoso pra chuchu. Não se conjuga em todos os tempos e modos. Só dá as caras nas formas em que aparece o v de haver. No presente do indicativo, por exemplo, apenas o nós e o vós têm vez: reavemos, reaveis.
O indolente não tem presente do subjuntivo. Em compensação, exibe todas as formas do passado e futuro: reouve, reouvemos, reouveram; reavia, reavias, reavíamos; reaverei, reaverás; reaveria, reaveriam; reouver, reouveres, reouvermos; reouvesse, reouvéssemos. E por aí vai.
Não caia na tentação. Reavê, reaviu, reaveja não existem (seriam derivados de ver). Nem fazem falta. Recuperar ou recobrar estão aí pra quebrar o galho. Lembre-se: o inferno está pululando de insubstituíveis.:
A palavra mais ouvida nos últimos dias? É pesquisa. Ibope e Datafolha fazem mais sucesso que a novela das 9h. Pode? Pode. Tanta popularidade cobra preço alto. Ao escrever a trissílaba e respectiva filharada, muitos tropeçam na grafia. Dão a vez ao z em vez de s. Esquecem-se de pormenor pra lá de importante.
Na língua, impera uma regra: a família acima de tudo. Se o pai se grafa com s, os descendentes não têm saída. Conservam a letrinha. É o caso de pesquisa, pesquisar, pesquisador, pesquisado, pesquisinha, pesquisona. É o caso também de camisa, camisaria, camiseiro, camisinha, camisola. É o caso ainda de país, paisinho, paisão, paiseco.
Sem exceção
A regra não é privilégio do s. Vale para as demais letras. Viajar, por exemplo, se escreve com j. Todas as formas do verbo serão fiéis a ele: viajo, viaja, viajamos, viajam; viaje, viajes, viajemos, viajem.
Nariz, rapaz, capuz, raiz, juiz e vez exibem z. A lanterninha do alfabeto permanece firme e forte nos derivados: narizinho, rapazinho, rapazote, capuzinho, encapuzar, raizinha, enraizar, enraizado, juízo, ajuizar, vezinha, vezeiro.
Ciladas
Olho vivo! As palavras adoram pegar o bobo na casca do ovo. Basta um descuido e… adeus, nota 10. Atenção plena se impõe. O sufixo -ar tem de se colar ao s ou ao z do radical. Se não for possível, ele precisará de ponte. Aí, cessa tudo o que a musa antiga canta. Compare:
pesquisa — pesquisar
camisa — encamisar
juiz — ajuizar
raiz — enraizar
Viu? O sufixo -ar se cola ao s do radical.
Que coisa! catequese se escreve com s. Catequizar, com z. A razão: O sufixo -ar não se cola ao radical. Caso se colasse, teríamos “catequesar”. Nada feito. Entra em cartaz o sufixo -izar — escrito sempre, sempre mesmo, com z. É o caso de civil (civilizar), canal (canalizar), simpatia (simpatizar), anarquia (anarquizar). E por aí vai.
“O câmbio é flutuante e não há por que cometer os mesmos erros do passado”, escrevemos na pág. 9. Viva! O porquê, quando substituível por “a razão pela qual”, se escreve separadinho, um pedaço lá e outro cá.
“O presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulisses Guimarães, denominou-a de `Constituição Coragem´”, escrevemos na pág. 13. Bobeamos. A reforma ortográfica cassou o acento do ditongo aberto ei. Agora, ideia, panaceia,assembleia & cia. se escrevem livres e soltos, sem grampinho.
“Nuvens grandes de fumaça, grandes labaredas de fogo saindo pelas janelas, gritos por socorro, pessoas com panos no rosto para poder respirar”, escrevemos na pág. 21. Reparou no pleonasmo? Toda labareda é de fogo. Basta o substantivo. Assim: Nuvens grandes de fumaça, grandes labaredas saindo pelas janelas…
“Às 8h30, uma camareira ouviu gritos de socorro, mas ninguém interveio”, escrevemos na pág. 23. Viva! Nota 10 para a conjugação do verbo intervir. Derivado de vir, ele se flexiona do mesmo jeitinho do paizão: eu venho (intervenho), vem (intervém), vimos (intervimos), vêm (intervêm); vim (intervim), veio (interveio), viemos (interviemos), vieram (intervieram). E por aí vai.
O fogo está solto em Brasília. Primeiro, consumiu um apartamento em Águas Claras. Ontem, na Asa Norte. O fogaréu em prédios trouxe às manchetes o verbo incendiar. E, com ele, a gangue do MARIO. São cinco verbos que dão nó nos miolos dos falantes. A letra inicial de cada um forma o nome do grupo — m de mediar, a de ansiar, r de remediar, i de incendiar e o de odiar. O quinteto se conjuga do mesmo jeitinho. Segue o modelo de odiar: odeio (medeio, anseio, remedeio, incendeio), odeia (medeia, anseia, remedeia, incendeia), odiamos (mediamos, ansiamos, remediamos, incendiamos), odeiam (medeiam, anseiam, remedeiam, incendeiam). Etc. E tal.
Ora, ora! O STF concedeu habeas corpus a José Aparecido. Agora, o vazador do dossiê pode se recusar a responder a pergunas na CPI dos Cartões Corporativos. A decisão indignou brasileiros de norte a sul deste país tropical. Lúcia Hypólito, da GloboNews, comentou: “O ministro não teve outra alternativa senão conceder o habeas corpus”.
Ops! Ela jogou no time dos esbanjadores. Desperdiçou palavras. Ao falar em alternativa, uma coisa é certa. Alternativa é sempre outra. Logo, o outra sobra. Melhor: O ministro não teve alternativa senão conceder o habeas corpus.
Sérgio Pedro Schneider anda apreensivo. A razão: levou anos pra aprender as manhas dos porquês. Junto, separado, com acento, sem acento — são tantos os caprichos que não foi mole arranjar-lhes um lugar na cabeça. Agora, vem a reforma ortográfica.
Na semana passada, Portugal aderiu ao acordo. As mudanças, pelo andar da carruagem, devem entrar em vigor no ano que vem. Por isso, ele pergunta: com as novas regras, como ficarão os arteiros por que, por quê, porque e porquê?
Respire fundo, Sérgio. O acordo ortográfico não se meteu na vida das oxítonas. Só se preocupou com as paroxítonas. As alterações mandam plantar batata no asfalto:
a. os ditongos éi, ói: idéia e jóia se escreverão ideia, joia
Abra os olhos: só o grampinho das paroxítonas se vai. O das oxítonas e o dos monossílabos tônicos permancem firmes e fortes: papéis, herói, dói.
b. o chapéu do ditongo ôo: vôo, abençôo e perdôo viram vira voo, abençoo e perdoo.
c. o circunflexo do hiato ê.em que aparece na 3ª pessoa do plural dos verbos ler, ver, crer, dar e derivados: eles lêem, vêem, crêem, dêem, relêem & cia. se grafarão eles veem, creem, deem, releem.
d. Os acentos diferenciais usados em pêlo, pélo, pára, pólo, pêra. Eles ganharão forma mais leve — pelo, para, polo, pera.
Atenção, atenção! Mantém-se o chapéu de pôde e do verbo pôr (monossílabo).
e. o agudão do u tônico dos verbos apaziguar, averiguar, argüir S.A: apazigúe, averigúe, argúem se grafarão apazigue, averigue, arguem.
f. o i e u antecedidos de ditongo perdem o grampo. Feiúra vira feiura.
Resumo da opereta
Viu, Sérgio? Os porquês não foram atingidos. Os acentos dos manhosos que você tanto ama caem nas oxítonas (o porquê) e nos monossílabos. A reforma os ignorou. Só botou olho grande nas paroxítonas. Por isso, continue a esnobar:
E as meninas por que não vieram conosco ?
Só levantou agora por quê?
Não foi à aula porque estava com febre.
Não sei o porquê de atitude tão grosseira.
Por falar em reforma…
As outras mudanças? Ei-las:
1. O alfabeto engorda. Com a entrada do k, w e y, passa a ter 26 letras.
2. O trema some.
3. O hífen troca seis por meia dúzia. Mantém a confusão.
Jane Santana joga no time dos concurseiros. Ela, como milhares de pessoas, quer entrar no serviço público pela porta da frente. Não é fácil. Com a concorrência, o desafio não é se sair bem. É se sair melhor que os outros. O primeiro passo: entender o edital.
O Supremo Tribunal Federal publicou o edital para técnico judiciário. No item requisito, o texto deu nó nos miolos dos candidatos. É este:
“REQUISITO: certificado, devidamente registrado, de curso de nível médio (antigo segundo grau) ou de curso técnico equivalente, expedido por instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), com habilitação específica em cursos de Tecnologia da Informação que somados apresentem carga horária mínima de 120 horas/aula.”
A dúvida: os que têm apenas o 2º grau podem se inscrever ou somente os que têm curso técnico em tecnologia da informação?
O texto diz que dois grupos de pessoas estão habilitadas a disputar uma vaga no STF. Um: os que concluíram o nível médio. O outro: os que concluíram curso técnico com as especificações definidas. A conjunção ou marca a alternativa. Uns e outros estão em condições de correr atrás do sonho. Vá em frente.
O assunto do momento? É a falta de alimentos. Mais pessoas passaram a comer. Sem aumento da produção, entrou em cartaz a velha lei da oferta e da procura. E, de carona, a lanterninha do alfabeto. Por que escassez se escreve com z? Porque é substantivo abstrato derivado de adjetivo:
Quer exemplos? Ei-los: escasso (escassez), límpido (limpidez), grávido (gravidez), embriagado (embriaguez), sensato (sensatez), polido (polidez), malvado (malvadez), pálido (palidez).
E por aí vai.
Marina Silva deixou o Ministério do Meio Ambiente. Cansada de lutar contra os famintos por crescer a qualquer preço, pediu o boné. Ela perdeu várias batalhas. Entre elas, a dos transgênicos e a das hidrelétricas. A pior: perdeu a defesa da floresta amazônica para Mangabeira Unger. Disseram as más línguas que a ministra foi derrotada pelos madeireiros, loucos pra devastar aquele verdão todo.
Será que o desenvolvimento sustentável cedeu lugar à motosserra? Pelo sim, pelo não, vale a pena aprender a manha do elemento moto-. Ele não aceita hífen nem a pedido dos pajés (mototáxi, motoboy, motocontínuo). Pra manter a pronúncia do s, a letrinha aparece em dose dupla na palavra motosserra & cia.
A febre amarela matou nove pessoas. Elas moravam em Brasília, Minas, Mato Grosso. Exerciam profissões diferentes. Mantinham contas bancárias de peso e tamanho variados. Apesar da diversidade, todas praticaram um ato antes de perder a vida — passaram por Goiás. Ali, o mosquito Aedes aegypti as picou. Infectado, transmitiu a doença.
O noticiário trouxe o estado às manchetes. E suscitou dúvidas. Alguns dizem Goiás. Sou de Goiás. Morei em Goiás. Passei por Goiás. Outros, o Goiás. Sou do Goiás. Morei no Goiás. Passei pelo Goiás. Eta confusão! Afinal, o nome pede ou não pede o ozinho?
Acredite: Goiás tem alergia ao artigo. Diante dele, fica vermelho, inchado, cheio de erupções cutâneas. Por isso, pede piedade. Por que não atendê-lo? Livre-o do indesejado. Sem ele, o estado exibe todo o charme e lembra os ilustres da terra.
Conhece? Cora Coralina morou em Goiás. Carolina Ferraz nasceu em Goiás e se mudou para o Rio. Leonardo deixou Goiás para ganhar o Brasil.
Os goianos não lamentam a debandada das celebridades locais. Aplaudem-nas estejam onde estiverem. Eles sabem de pormenor pra lá de importante. Goiano que é goiano sai de Goiás, mas Goiás não sai dele.
Como saber?
O nome de outros estados também provoca confusão. É o caso de Mato Grasso, Mato Grosso do Sul, Tocantins. Eles pedem artigo? As dúvidas são muitas. As respostas, difíceis. Como safar-se? Há um caminho infalível pra chegar lá. Chama-se dicionário. A gente procura o verbete do gentílico. O paizão dirá “natural de, do, da”. Se aparecer de, o artigo não tem vez. Se do, da, o pequenino terá passagem franca. Veja:
Mato-grossense — o natural ou habitante de Mato Grosso
Mato-grossense-do-sul — o natural ou habitante de Mato Grosso do Sul
Tocantinense — o natural de Tocantins
Baiano — o natural da Bahia
Amazonense — o natural do Amazonas
Pernambucano — o natural de Pernambuco
E por aí vai.
Na prática
Quer exemplos? Ei-los:
Mato Grosso fica na Região Centro-Oeste. Visitei Mato Grosso.
Trabalho em Mato Grosso. Cheguei de Mato Grosso.
Mato Grosso do Sul já foi Mato Grosso. Estudei em Mato Grosso do Sul. Na viagem, você passou por Mato Grosso do Sul?
Quem vai passar o carnaval na Bahia? Você já foi à Bahia? Caetano nasceu na Bahia.
O Amazonas é o estado que melhor preserva a floresta. Vamos passar as férias no Amazonas?
Outra súplica
Sergipe está no mesmo barco de Goiás. O pobre estado, sem saber por que nem pra que, passou a ser chamado de “o Sergipe”. Inimigo incondicional do artigo, ele esperneia, arranca os cabelos, chora e grita. Em desespero, suplica aos falantes da língua portuguesa:
— Lembrem-se, por favor. Eu me chamo Sergipe. Tenho belas praias e recebo muito bem os turistas. Venham a Sergipe.
Carlos Santos, de Samambaia, escreve: “Quantas horas é? Quantas horas são? Sempre que pergunto, me bate a dúvida”.
Nós somos escravos do tempo, não é? Temos hora pra pegar o ônibus, hora pra chegar ao trabalho, hora pra levar o filho à escola, hora pra isso, hora praquilo. Ufa! É importante, pois, fazer a pergunta como manda o figurinho: que horas são?
Viu? Use o pronome que e o verbo sempre no plural. Na resposta, o verbo concorda com o número: É meio-dia e meia. É uma hora. São duas horas. São oito horas.
É isso. Com a pergunta certa, você terá a resposta certa. E será conhecido por sua pontualidade britânica. Pra lá de chique, não? Vá em frente!
Lourdes, de Belô, escreve: “Minha mãe anda aflita. A causa da apreensão é o verbo trazer. Ora ela ouve `eu devia ter trago a sombrinha´. Ora, `eu devia ter trazido a sombrinha´. Eu e ela temos a quase certeza de que a segunda opção é a correta, mas, como normalmente ouvimos a primeira , ficamos em dúvida. Pode nos ajudar?
Vocês estão certas. O particípio do verbo trazer é trazido. Com ele se formam os tempos compostos (tenho trazido, havia trazido). Trago é o presente do indicativo (eu trago, ele traz). O dissílabo não tem nada a ver com os tempos compostos.
Oba! Alguém conseguiu furar o bloqueio do blog. É Vinicius. Ao comentar a notinha sobre as manhas das horas, ele sugeriu: “Outra coisa boa de esclarecer é o uso da palavra óculos. Tem gente que não enxerga. `Meu óculos caiu´, dizem. Aiiiiiiiiiiiiii! É plural, gente. É com você, Dad. Explique aí”.
Pedido de leitor é ordem. Óculos joga no time de pêsames e exéquias. Usa-se sempre, sempre mesmo, no plural: Meus óculos caíram. Você viu meus óculos? Comprei óculos escuros pra enfrentar a claridade de Brasília. Cadê os óculos do João Marcelo? O gato comeu.
(Esta coluna circula no caderno Ga,barito do Correio Braziliense, às segundas-feiras.)
Eles disseram:
“Os mortos não se reconheceriam se pudessem ler seus necrológios.”
Carlos Drummond de Andrade
Verbo, o senhor da fala
54 — pôr, ver, reter
O maltratado
Não há escapatória. Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come. Os jornais esnobam o futuro do subjuntivo há algum tempo. A TV provoca um arrepio depois do outro. Os charmosos apresentadores dizem com a maior sem-cerimônia “quando ele pôr, se ele ver, assim que ele reter”.
Os produzidos personagens das novelas não ficam atrás. Erram todas. O futuro do subjuntivo está lá, confundido com o infinitivo. “Afinal, o que aconteceu?”, perguntam os amigos. “Uma grande confusão”, reconhecem. O futuro morreu da insidiosa moléstia chamada semelhança.
Em muitos verbos, ele se parece com o infinitivo (a forma que dá nome ao verbo: cantar, vender, partir). Os simplistas acham que ele é o filho do infinitivo (quando eu chegar, você chegar, nós chegarmos, eles chegarem). Mas o pai dele é outro. É o pretérito perfeito do indicativo. Mais precisamente a 3ª pessoa do plural. Sem o -am final.
Vem, paizão
Quando eu pôr ou puser? Se eu vir ou ver? Se eu vier ou vir? Assim que ele reter ou retiver? Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas. Qual a saída? Só há uma. Recorrer ao pai. Conjugar o verbo no pretérito perfeito, velho conhecido de todos. Depois, fixar-se só na 3ª pessoa do plural. Sem o am final, temos o filho legítimo. Sem disfarces.
Quando ele pôr ou puser? Pretérito perfeito: eu pus, ele pôs, nós pusemos, eles puser(am).
Futuro do subjuntivo: quando eu puser, você puser, nós pusermos, vocês puserem.
Se eu vir ou vier? O pai: eu vim, você veio, nós viemos, eles vier(am).
O filho: se eu vier, ele vier, nós viermos, eles vierem.
Assim que nós virmos ou vermos? O primitivo: eu vi, ele viu, nós virmos, eles vir(am).
O derivado: assim que eu vir, ele vir, nós virmos, eles virem.
Se eu ter ou tiver? Sem preguiça, conjuguemos o pretérito perfeito: eu tive, ele teve, nós tivemos, eles tiver(am).
O futuro do subjuntivo: se eu tiver, ele tiver, nós tivermos, eles tiverem.
“Hillary está a fim de de abandonar a campanha na terça-feira”, disse o Jornal das Dez, da GoboNews. A declaração deixou os telespectadores ouriçados. A agitação não se deveu a razões políticas. Mas linguísticas. Afim ou a fim? Eis a questão.
As duas formas existem. Como os macacos, cada uma fica no seu galho:
Afim não se escreve coladinha por acaso. É que os iguais se atraem. A casadinha significa que tem afinidade, semelhança: Marina Silva e Carlos Minc têm idéias afins. História e literaura são matérias afins. O espanhol é língua afim ao português. Cunhado é parente afim. Sogro também.
A fim, desse jeito, um pedaço lá e outro cá, faz parte a locução a fim de. Quer dizer para: Lula convidou Carlos Minc a fim de (para) substituir Marina Silva. Vou tirar férias a fim de (para) estudar para as provas. Hillary desembolsou alguns milhões de dólares a fim de (para) se manter na corrida pela Casa Branca.
Na linguagem da brotolândia, a fim ganha sentido coloquial, sem cerimônia. Vira com vontade de:
–Vamos ao cinema?
— Não.
— Por quê?
— Não estou a fim.
“As milhares de pessoas? Os milhares de pessoas? A dúvida pintou aqui na redação. Repórteres se preparavam pra escrever matéria sobre a tragédia da China. No Oriente, os filhos cuidam dos pais na velhice. Com a ida precoce das crianças, põe-se em xeque a política do filho único imposta pelo governo. “E agora?”, perguntam os idosos. “Estamos duplamente desamparados.”
Convenhamos. Nosso drama é nada diante da tragédia chinesa. Nós vamos ao dicionário, e o paizão diz com todas as letras — milhar é substantivo masculino. Daí: os milhares de pessoas, dois milhares de jovens, muitos milhares de crianças.
“Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Que dor!”, reclama João Marcelo. Ele ouve, com indesejável frequência, as pessoas dizerem “vou banhar” no sentido de “vou tomar banho”. A dúvida: banhar, no caso, não tem acepção de banhar uma peça de ouro?
Trata-se da velha cilada dos verbos versáteis. Banhar é transitivo direto. Alguém pratica a ação. É o sujeito. Outro a sofre. É o objeto. A mãe (sujeito) banha o filho (objeto). Às vezes, a porca torce o rabo. O sujeito e o objeto são as mesma pessoa. Repetir o nome? Pode ser, mas fica muito esquisito (A mãe banha a mãe).
Comprometida com a clareza e a elegância, a língua oferece saída. Põe à disposição do falante os pronomes. Eles dão o recado com galhardia. A mãe banha o filho. O filho se banha. Eu me banho. Ele se banha. Nós nos banhamos. Eles se banham. Os médicos recomendam: banhe-se à noite com água morna.
Colômbia, Equador e Venezuela estão com as relações azedadas. A razão: a Interpol confirmou o já sabido. Quito e Caracas protegem os guerrilheiros das Farc. Pra evitar conflitos na América do Sul, a turma do deixa-disso busca um jeito de dar um jeito. Reunida em Lima, quer encontrar um mediador que saiba conjugar o verbo mediar. A tarefa não é fácil. Um a um, os candidatos tropeçaram na flexão. Talvez a tarefa caia no colo do Brasil.
Pra desemepnhar bem o honroso papel, o Itamaraty precisa conhecer a gangue do MARIO. Ela é composta de cinco verbos. A letra inicial de cada um forma o nome da galera: m de mediar, a de ansiar, r de remediar, i de incendiar e o de odiar.
O mais complicado é justamente mediar. Depois, remediar. A moçada é useira e vezeira em dizer “ele media, ele remedia”. Nada feito. Pra acertar sempre, vale a pena recorrer ao odiar. Ele é velho conhecido e todos terminam do mesmo jeitinho. Veja:
Presente do indicativo: odeio (anseio, medeio, remedeio, incendeio), odeia (anseia, medeia, remedeia, incendeia), odiamos (ansiamos, mediamos, remediamos, incendiamos), odeiam (anseiam, medeiam, remedeiam, incendeiam)
Pretérito perfeito: odiei (ansiei, mediei, remediei, incendiei), odiou (ansiou, mediou, remediou, incendiou), odiamos (ansiamos, mediamos, remediamos, incendiamos), odiou (ansiou, mediou, remediou, incendiou).
E por aí vai.
Na língua, como na vida, nem todos são iguais perante a lei. Há exceções e concessões que os tornam mais iguais. Um dos privilegiados é o verbo ser. Expressões com ele construídas podem ir contra a regra da concordância. O predicativo, simplesmente, não concorda com o sujeito.
Você conhece os manhosos? Para acertar no diagnóstico, faça o teste. Leia a frase com cuidado. Está certinha da silva? Brinde-a com um V, de verdadeiro. A danada não está com nada? Assinale-a com um baita F, de falso. Depois, assinale a opção pra lá de certa:
( ) Banana é bom para a saúde.
( ) Banana é boa para a saúde.
( ) Esta banana é bom para a saúde.
( ) Esta banana é boa para a saúde.
( ) Aquelas bananas não são boas para a saúde.
F, V, F, V, V
V, F, F, V, V
F, V, V, F, F
V, F, F, V, F
Marcou a letra b? Puxa, você está cobra que só! As concordâncias privilegiadas não pegam você pelo pé. Vá em frente.
Preferiu outra letra? Bobeou. Mas não é nada grave. Dê uma estudadinha no assunto a seguir. Você vai desvendar um segredo. O diabo só assusta enquanto for desconhecido. Quando o descobrimos, vira gente boa.
Banana é bom
Examine a frase:
Banana é bom para a saúde.
Banana funciona como sujeito da oração. É um substantivo feminino. Mas o predicativo – bom—não concorda com ele. Está no masculino. Por quê?
É bom goza de privilégios na língua. Quando o sujeito é genérico, apresentado sem artigo ou pronome, fica neutro. Não obriga o adjetivo a concordar com ele. Sabe por quê? No fundo, há um verbinho escondido:
(Comer) banana é bom para a saúde.
Quer mais exemplos? Ei-los:
Gelatina é bom para os músculos.
Leitura é bom para melhorar a redação.
Natação é bom para manter a forma.
Esta banana é boa para a saúde
O privilégio tem limite. Quem o impõe é o pronome ou o artigo. Se o sujeito estiver acompanhado de um deles, cessa tudo que a musa antiga canta. O predicativo põe o rabinho entre as pernas e concorda com o sujeito:
Aquela banana é boa para a saúde.
A banana é boa para a saúde.
Qualquer gelatina é boa para os músculos.
A leitura de bons textos é boa para melhorar a redação.
A natação é boa para manter a forma.
Palavras de Molière
“Não há piores surdos que os que não querem ouvir.”
Molière
Zélia Gatai partiu. No andar de cima, encontrou o maridão, Jorge Amado. Ele a esperava ansioso. Morto de saudade, queria revê-la vestida de mexicana. Não se decepcionou.
Enquanto eles passeiam de mãos dadas como fizeram durante 40 anos em Europa, França e Bahia, cá embaixo a família e os amigos se despedem da escritora que se foi. Daqui a algumas horas, o corpo de Zélia será cremado. A torcida: espera-se que ninguém diga que Zélia será cremada. O corpo é que será.
Expulsaram o latim da escola. Não adiantou. Ele vive assombrando a língua. Agora é a vez de habeas corpus. Advogados de Alexandre Nardoni e Ana Carolinna Jatobá impetraram habeas corpus pra tirar os dois do xilindró. José Aparecido, o do dossiê, ajuizou habeas corpus no STF pra ter o direito de se manter calado na CPI. Os juízes disseram não aos dois.
Vale, de qualquer forma, conhecer a intimidade da latina mágica. Expressão jurídica, habeas corpus quer dizer “que tenhas o corpo para apresentá-lo ao tribunal”. Na prática, tem duas funções. Uma: pôr em liberdade quem esteja ilegalmente preso. A outra: garantir a liberdade de quem esteja ameaçado de perdê-la. Não é pouco.
Sabia? Censura pertence à família de censo. Na antiga Roma, o censor tinha duas atividades. Uma: fazia o censo da população. A outra: policiava os usos e costumes dos romanos.
Olho vivo! Confundir é proibido:
Censor = pessoa que censura.
Sensor: = aparelho (radar, sonar) que detecta alvos ou mudanças no ambiente.
Em anexo é locução adverbial. Equivale a anexamente. Apresenta-se sempre com a mesma cara: Em anexo, encaminho os documentos. Em anexo, encaminho a correspondência.
Sempre com vírgula? Não. A vírgula depende da colocação do termo na frase. Em anexotem o lugar dele. É no fim da oração. Se estiver lá, nada de vírgula: Encaminho os documentos em anexo.
Mas, como criança arteira, vive mudando de lugar. Ora aparece no começo da oração, ora no meio. Deslocado, vírgula nele: Em anexo, encaminho os documentos solicitados. Encaminho, em anexo, os documentos solicitados.
Anexo pertence a outra gangue. Adjetivo, flexiona-se segundo o substantivo: Anexa, encaminho a carta. Anexas, encaminho as cartas. Anexo, encaminho o ofício. Anexos, encaminho os ofícios.
A pontuação? Se anexo vem antes do objeto, não duvide. É vez da vírgula: Anexa, encaminho a carta. Encaminho, anexa, a carta.
Na ordem direta, fica assim: Encaminho a carta anexa. Reparou? É ambígua. Parece que anexa é qualidade permanente da carta. Na verdade, o recado é este — encaminho a carta que está anexa. A carta não é anexa. Está anexa. A clareza é a maior qualidade do estilo. Anexa, na ordem direta, compromete-a. Dá duplo sentido à frase. Xô!
A palavra vocativo vem do latim vocare. Significa chamar. Pertence à mesma família de vocação (chamamento do coração). Seguir a vocação é atender a voz interior. Ouvir o apelo da alma. “É feliz quem faz aquilo de que gosta”, dizem os psicólogos.
Olá!
Sempre que você se dirigir a alguém, não duvide. Estará usando o vocativo. “Paulo, tome banho”, manda a mãe. Paulo é o vocativo. “Alô, Sílvio, tudo bem?”, diz Maria ao telefone.Sílvio é o vocativo. “Senhor Diretor”, começa o ofício com o vocativo.
Truque
Há um truque para identificar esse termo arredio. Antepor-lhe o ó: (ó) Maria, vamos conversar? Vem cá, (ó) meu filho. (ó) Presidente, posso lhe fazer uma sugestão? Acreditem, (ó) leitores, ser claro é a maior qualidade do estilo.
Literatura
A literatura usa e abusa do chamamento. “Deus, ó Deus, onde estás que não me escutas?”, pergunta Castro Alves em Vozes d’África. “Tu choraste em presença da morte? Em presença de estranhos choraste? Não descende o covarde do forte. Tu, covarde, meu filho não és”, escreve Gonçalves Dias em I-Juca Pirama. “Entra, minha filha, senão vais virar prostituta”, ameaça a experiente senhora. “Deus te ouça, minha mãe, Deus te ouça”, responde a moça assanhada do poema de Ascenso Ferreira.
Correspondência
Nas cartinhas, nos e-mails, nos bilhetes, o vocativo está presente: Olá, Paulo, Oi, Maria, Caro Luís, Meu amor. Na redação oficial também. O ato de correspondência se abre com ele:Senhor Presidente da República, Senhor Chefe, Senhor Diretor.
Redação oficial
Houve tempo em que a correspondência do governo dava margem à criatividade. O redator podia separar o vocativo por dois pontos (Senhor Diretor:), vírgula (Senhor Diretor,) ou simplesmente não usar nada (Senhor Diretor). Hoje, as coisas mudaram. O Manual de redação da Presidência da República recomenda o emprego da vírgula.
E a letra maiúscula depois da vírgula? Sempre que iniciar parágrafo, usa-se a grandona — mesmo depois da vírgula do vocativo. Assim se convencionou. Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.
Dia 13 de maio traz à tona palavra pra lá de colorida. Trata-se de afro. A dissílaba joga em dois times. Ora é substantivo ou adjetivo. Ora, prefixo.
No primeiro caso, flexiona-se como qualquer nome. Tem gênero e número: o afro, a afra, os afros, as afras, povo afro, povos afros, cultura afra, culturas afras.
No segundo, pede hífen na formação dos adjetivos pátrios (afro-americano, afro-brasileiro, afro-latino). Nos demais casos é tudo colado: afrodescendente, afrolatria.
Marina Silva não agUentou as pressões. Pediu a bolsa e caiu fora. Com a saída da ministra seringueira, o Brasil conjuga o verbo perder. A floresta perde a defensora. O país perde prestígio no exterior.
Pra nós ficam duas lições relacionadas à grafia. Uma: meio ambiente se escreve soltinho, sem hífen. A outra: o prefixo eco- vem sempre juntinho com a palavra que o segue. Ambos parecem unha e carne: ecologia, ecolouco, ecossistema.
Melhor não tê-los.
Mas se não os temos
Como sabê-lo?”
“Toda a mulher acaba por ficar igual à própria mãe. Essa é a sua tragédia. Nenhum homem fica igual à própria mãe. Essa é a sua tragédia.” (Oscar Wilde)
“Mães judiciosas têm consciência de que são o primeiro livro lido e o último posto de lado na biblioteca dos filhos.” (Charles Lenox Remond).
Ser mãe não é uma profissão; não é nem mesmo um dever: é apenas um direito entre tantos outros. (Oriana Fallaci)
À medida que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme. (Clarice Lispector)
Amamos as nossas mães quase sem o saber e só nos damos conta da profundidade das raízes desse amor no momento da derradeira separação. (Guy Maupassant)
Uma mãe é capaz de ensinar mais do que cem professores. (ditado judaico)
O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão. (Honoré de Balzac)
Os filhos são para as mães as âncoras da vida. (Sófocles)
Algumas mães são carinhosas e outras são repreensivas, mas isso é amor do mesmo modo, e a maioria das mães beija e repreende ao mesmo tempo. (Pearl S. Buck)
“A mão que balança o berço é a mão que governa o mundo.” (William Ross Wallace).
“Os braços de uma mãe são feitos de ternura, e os filhos dormem profundamente neles.”(Victor Hugo).
“Quando se é mãe, nunca se está só nos pensamentos. Uma mãe sempre pensa em dobro — uma vez por ela e outra pelo filho.” (Sophia Loren).
Há um século, os Estados Unidos instituíram o Dia das Mães. O presidente Woodrow Wilson oficializou 9 de maio para a festa. O Brasil importou a ideia 82 anos depois. Getúlio Vargas introduziu a data (segundo domingo de maio) no calendário verde-amarelo em 1932. De lá pra cá, é só festa. Mães, shoppings e restaurantes batem palmas. Viva!
Futebol sem cerveja? Nem pensar! O script dos jogos está pronto. Primeiro passo: chamar os amigos. Segundo: comprar a lourinha. Terceiro: pipoquinha ao lado, cerveja na mão, torcer pelo time do coração.
As fábricas exploram a mania nacional. Investem pesado na publicidade. Aí, não dá outra. A Skol ocupa a telinha. Com ela, o slogan: ‘‘Skol, a cerveja que desce redondo’’. A frase intriga:
— Não deveria ser redonda?, pergunta a moçada.
Depende. Trata-se da velha história da bivalência do adjetivo. Às vezes ele funciona como adjetivo. Aí, refere-se ao substantivo. E, subalterno, concorda com ele: Eles estão indo lentos demais. Skol, a cerveja que desce redonda. Maria subiu a escada rápida.
Reparou? Nas frases, subentende-se o verbo estar. O danado está escondidinho. Mas conta como gente grande: Eles estão indo e (estão) lentos demais. Skol, a cerveja que desce (e está) redonda. Maria subiu a escada (e estava) rápida.
Outras vezes, o adjetivo se disfarça de advérbio. Olha pro verbo. E, piscando o olho com malícia, modifica o novo companheiro. No caso, deixa o sufixo — mente pra lá. Fica neutro, no masculino singular:
Eles estão indo muito lentamente. Eles estão indo muito lento.
Skol, a cerveja que desce redondamente. Skol, a cerveja que desce redondo.
Maria subiu a escada rapidamente. Maria subiu a escada rápido.
— Deus é pai, vibraram os cervejeiros.
Satisfeitos, os amigos beberam sem culpa. Esperaram a geladinha descer, descer e descer. Frustraram-se. A lourinha não desceu. Subiu. A cabeça girou.
Ordem direta
Na ordem direta, o adjunto adverbial (o termo que indica circunstância – causa, tempo, modo, lugar, comparação, conformidade) vem no fim da frase. Aí, não aceita vírgula.
• Infecção (sujeito) matou (verbo) 24 bebês (objeto) no hospital (adjunto adverbial de lugar).
• O homem (sujeito) está perdendo (verbo) a guerra contra a máquina (objeto) por enquanto (adjunto adverbial de tempo).
Ordem indireta
Nem todo adjunto adverbial é comportado. Irrequieto, o traquinas vive mudando de lugar. Ora vai para o começo da oração, ora para o meio. Aí, sim, vírgula nele. A vírgula indica o deslocamento do arteiro:
• No hospital, infecção matou 24 bebês.
• Infecção hospitalar, no hospital, matou 24 bebês.
• Por enquanto, o homem está perdendo a guerra contra a máquina.
• O homem, por enquanto, está perdendo a guerra contra a máquina.
O que é?
O termo explicativo tem várias caras. Uma é velha conhecida. Chama-se aposto. Lembra-se?
Pedro II, imperador do Brasil, morreu em Paris.
Os professores vivem dizendo que o aposto não faz falta.
Pode cair fora. Verdade? É. Ele facilita a vida do leitor. Mas a ausência dele não causa prejuízo ao entendimento da frase. Se eu não sei quem é D. Pedro II, tenho saída. Dou uma espiadinha no Google. Está tudo ali.
Chute?
Compare as frases:
O presidente da República, Michel Temer, cancelou a viagem.
O ex-presidente da República José Sarney presidiu o Senado.
Por que um nome vem entre vírgulas e outro não? As situações são tão parecidas. É chute?
Não. O segredo está no que vem antes do nome. No primeiro caso, é presidente da República. Quantos existem? Só um. Michel Temer é termo explicativo. Funciona como aposto. Daí as vírgulas.
Mas há mais de um ex-presidente. Se eu não disser a quem me refiro, deixo o leitor numa enrascada. Posso estar falando de Lula, Collor, Itamar Franco. Aí, só há um jeito: dar nome ao boi. José Sarney é termo restritivo. Não aceita vírgula.
Mais exemplos
A capital do Brasil, Brasília, tem 3 milhões de habitantes (o Brasil tem uma só capital).
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, deve pautar projetos espinhosos. (Só há um presidente do Senado).
O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero ficou famoso pela indiscrição parabólica (há um montão de ex-ministros da Fazenda).
Enrascada
Às vezes, a gente se vê numa enrascada:
Meu filho Marcelo estuda na universidade.
Restritivo ou explicativo? Depende. Do quê? Do antecedente do termo Marcelo. Eu tenho um filho ou mais de um filho? Se um, o termo é explicativo. Se mais de um, restritivo.
Minha mãe, Rosa, mora em São Paulo.
Minha tia Maria chega amanhã; minha tia Carla vem na próxima semana.
Viu? Eu só tenho uma mãe. Rosa é termo explicativo.
Tenho mais de uma tia. Maria e Carla são termos restritivos.
Serviço completo
Não fique pela metade. O termo explicativo vem presinho da silva. Ora, entre vírgulas. Ora, entre a vírgula e o ponto:
Dom Casmurro, de Machado de Assis, é obra-prima do Realismo brasileiro.
Veja:
O aluno estudioso tira boas notas.
O aluno que estuda, tira boas notas.
As frases dizem que há alunos e alunos. Não é qualquer um que tira boas notas. Só chega lá quem se debruça sobre os livros. Numa, o termo restritivo é adjetivo (estudioso). Noutra, oração adjetiva (que estuda). O tratamento mantém-se. Nada de vírgula.
Com as explicativas ocorre o mesmo:
O homem, mortal, tem alma imortal.
O homem, que é mortal, tem alma imortal.
Virtudes
Lembra-se do recado de Montaigne? “O estilo”, diz ele, deve ter três virtudes: clareza, clareza, clareza.” Saber identificar o termo explicativo e restritivo não constitui só problema de correção. Muitas vezes afeta a clareza.
Pegadinha
Esta cilada caiu no vestibular:
Os cinco filhos de José que chegaram do Rio estão no Recife.
A questão: quantos filhos tem José?
( ) Tem cinco. ( ) Tem mais de cinco.
E agora? Quem responde é a oração. Restritiva ou explicativa? Sem vírgulas, é restritiva. Então José tem mais de cinco filhos. Se fossem só cinco, “que chegaram do Rio” estaria cercadinha de vírgulas.
Chegou novo chefe. O mandachuva assinava a correspondência. Um pouco distraído, pediu a Freixeiras que tirasse certa vírgula de certo lugar. Freixeiras tremeu. Que ousadia! Ficou duas horas remoendo tira-a-vírgula-não tira-a-vírgula. Finalmente, decidiu-se. Foi à sala do diretor e intimou-o:
— Ou eu ou a vírgula.
A demissão do Virgulino obrigou os demais servidores a deixar o comodismo. Para garantir o emprego, resolveram estudar. Consulta daqui, pesquisa dali, descobriram que o diabo não é tão feio quanto o pintam. O emprego da tão temida pausa obedece a três regras. A vírgula separa sempre. Um: termos coordenados. Dois: termos explicativos. Três: termos deslocados. Esta é a lição dos coordenados. Vamos a ela.
Que bicho é esse?
Coordenado significa “ordenado ao lado do outro”. Imagine que você esteja no cinema. Há vários espectadores. Um é independente do outro. Cada um tem sua cabeça, suas pernas, seus olhos. Eles escolhem um lugar e sentam-se. Para não ficarem embolados, o descanso da poltrona os separa. Os cinéfilos ficam coordenados.
Imitação
A língua imita a vida. Na frase, também aparecem termos independentes. A única relação entre eles é estarem postos um ao lado do outro. Sempre que numa oração aparecer mais de um sujeito, mais de um objeto, mais de um adjunto, haverá termos coordenados. Como os espectadores do cinema, eles precisam ser separados. Como? Há dois jeitos. Um deles é recorrer à vírgula. O outro, pedir ajuda à conjunção:
Paulo, Luís, João e Maria (sujeito composto) foram ao cinema.
Gosto de cinema, teatro, música (objeto composto).
José viaja de trem, carro, ônibus, avião (adjunto adverbial composto).
Pras cucuias
Na separação dos termos compostos, o e brinca de esconde-esconde. Ora aparece. Ora some. É capricho? Não. Ele manda um recadinho aos leitores. Examine as duas frases:
Na feira, comprei laranja, pera, maçã, abacate e figo.
Na feira, comprei laranja, pera, maçã, abacate, figo.
Reparou? A presença do e diz: comprei só as frutas enumeradas. Nenhuma mais. A ausência significa que comprei outras frutas além das citadas. Funciona como o etc.
Aditivas: e, nem
Adversativas: mas, porém, todavia, contudo, no entanto
Alternativas: ou, ou; ora, ora; já, já
Explicativas: pois, que, porque
Conclusivas: pois, portanto, logo
Quase igual
Assim como existem termos coordenados, existem as orações coordenadas. Elas se dividem em dois grupos:
1. Assindéticas. Elas querem distância da conjunção. Ficam só com a vírgula: Cheguei, vi, venci. Trabalho, estudo, viajo.
2. Sindéticas. Essas são gulosas que só. Exigem a conjunção e a vírgula. É dose dupla:O senador falou muito, mas não convenceu. Ou estuda, ou trabalha. Feche a porta, que seu pai está dormindo. Penso, logo existo.
Caso especial
O e ficou de fora? Ficou. Ele detesta excessos. Por isso, dispensa a vírgula: Trabalho e estudo. Vou a Pernambuco e depois à Paraíba.
Só num caso vai de dose dupla. Aí, impõe duas condições. Uma: as orações têm que ter sujeitos diferentes. A outra: a possibilidade de provocarem confusão. Veja:
Os Estados Unidos atacaram a Síria e a Rússia reagiu.
Percebeu? O período tem orações com sujeitos diferentes. Um é Estados Unidos. O outro, Rússia. Uma leitura rápida dá a impressão de que os Estados Unidos atacaram a Síria e a Rússia. O que fazer? Usar a vírgula antes do e: Os Estados Unidos atacaram a Síria, e a Rússia reagiu.
Com os auxiliares ser e estar, é a vez do pequeno. Com ter e haver, do grandão: Ele já havia aceitado os termos do contrato quando soube das mudanças. O contrato foi aceito. Paulo tinha imprimido o nome em todos os cartões. O nome está impresso.
Curiosidade
Laissez-faire é a expressão-símbolo do liberalismo econômico. Prega: o mercado deve funcionar e se autorregular livremente, com legislação suficiente para proteger os direitos de propriedade. É parte da expressão
Outras francesas: laissez aller e laissez passer. A dupla significa, respectivamente, deixai ir, deixai passar.
Latino pede hífen na formação de adjetivos compostos (latino-americano, latino-eclesiástico, latino-eslavo, latino-helênico) e quando seguido de h e o. Nos demais casos, fica colado: latinofobia, latinofilia, latinomania.
História
Lá pelo século 18, os operários trabalhavam até 20 horas por dia. Não se falava em repouso aos domingos. Muito menos em semana inglesa. Com o tempo, houve melhoras aqui e ali. Mas a carga continuava pesada. Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe, veio a reação. Em 1º de maio de 1886, 110 mil operários de Chicago cruzaram os braços. Em três dias, a greve cresceu. A polícia reprimiu o movimento com violência. Não adiantou. Ele só crescia. A PM de lá atirou contra a multidão. Em resposta, os grevistas explodiram bombas. Depois de xilindrós e enforcamentos, as conquistas vieram em 1º de maio de 1890. Entre elas, a jornada de oito horas. A Segunda Internacional Socialista, da França, decidiu: o 1º de maio seria dedicado aos trabalhadores e às suas lutas.
Curiosidade
Os Estados Unidos não comemoram o Dia do Trabalho em 1º de maio. Fazem a festona na primeira segunda-feira de novembro.
Oxítona, pronuncia-se como também, ninguém, alguém.
Olho vivo! Trocar as preposições pode custar caro. Dizer “preciso tomar um remédio pra gripe”? Valha-nos, Senhor. A gripe ganha forças.
O uso dos termos jog e jogging como exercício vem do século 16, na Inglaterra. No romance My home run, de 1884, o australiano Rolf Boldrewood escreveu “your bedroom curtains were still drawn as I passed on my morning jog” (as cortinas do seu quarto ainda estavam fechadas quando eu passava em meu jog matinal). Atualmente, considera-se jogging a corrida feita na velocidade média de 9,7km por hora ou 6,2 minutos por quilômetro.