Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 28 de setembro de 2020

A DANÇA DO SOBE E DESCE

 

A DANÇA DO SOBE E DESCE

A pesquisa do Ibope foi uma das melhores que Bolsonaro já teve: 40% de aprovação, 29% de reprovação. Se a eleição presidencial fosse hoje, não apenas estaria no segundo turno: teria chance de vencer no primeiro. Mas a eleição não é hoje. E outra pesquisa, publicada praticamente ao mesmo tempo pela Exame, é bem pior para ele: desaprovação de 42%, aprovação de 35%. As duas pesquisas chegam a resultados diferentes por causa dos mesmos fatores: basicamente, a ajuda de emergência a pessoas carentes, iniciada com R$ 600 mensais e que, agora, cai a R$ 300. A coronavoucher explicaria a alta dos índices do presidente, embora no Nordeste, onde se concentra boa parte dos eleitores mais carentes, esse crescimento não tenha sido tão acentuado. A mesma coronavoucher, caindo para R$ 300, com a promessa de Bolsonaro de não pensar em Renda Brasil até o ano que vem, e aliada à subida da cesta básica, estaria puxando seu prestígio para baixo.

Bolsonaro, ao dizer que só pensaria em Renda Brasil no ano que vem, não quis dizer que a ajuda vai parar: está garantida até dezembro, e janeiro já é o ano que vem. Mas era fácil ser mal interpretado. Como é fácil interpretar mal as propostas de Paulo Guedes de substituir alguns impostos por outros. Num país como o nosso, supõe-se que vão criar impostos sem eliminar nenhum.

E as pesquisas? Serão úteis ao Governo e à oposição para definir táticas e estratégias. Para as eleições, não querem dizer nada. Estão longe demais.

Pesquisa mais próxima

Em São Paulo, informa o DataFolha, Bolsonaro é rejeitado por 46% dos eleitores, pouco acima do empate técnico com o governador João Dória, que 39% rejeitam. Ou seja, no momento, o apoio público de um ou de outro não é bom para candidato nenhum. Claro que o mundo é diferente: o apoio de um governador ou um presidente vai-se refletir de outra maneira na força de seus candidatos. As máquinas oficiais e partidárias existem e ajudam. Mas, com campanha curta, quem está bem atrás terá um caminho muito difícil.

Covid menos, Covid mais

Os índices da Covid no Brasil estão mais amenos. São Paulo teve forte redução em contaminações e mortes. Há perspectivas reais de que, em pouco tempo – janeiro, talvez – haja vacinas disponíveis. Ótima notícia. Mas em outros países, o vírus, após um período de menor atividade, voltou com tudo. Israel fechou de novo, há forte aumento de casos na Espanha. É preciso tomar cuidado – até agora, a melhor maneira de enfrentar a pandemia foi não contrair a Covid. E esperar que as vacinas (já são onze na terceira e última etapa de testes) sejam apresentadas, aprovadas e aplicadas tão logo possível.

Carnaval, desengano

A Liga Independente de Escolas de Samba, Liesa, decidiu suspender os desfiles de Carnaval no Rio. A associação de blocos decidiu suspender o carnaval de rua. Pode ser que, proclamado o fim da pandemia, haja nas ruas um Carnaval espontâneo (foi o que ocorreu há cem anos, quando terminou a epidemia de gripe espanhola). Pode ser que se designe uma nova data para os desfiles e a festa nas ruas. Mas isso depende da vacinação em massa.

Sem fantasia

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que odeia Carnaval, poderia comemorar – ele nem apareceu no Sambódromo, nem entregou as chaves da cidade ao Rei Momo, como ocorre todos os anos. Mas está preocupado em se livrar dos tribunais: condenado por uso da máquina pública em favor da candidatura de seu filho, Marcelo Hodges Crivella, foi declarado inelegível por oito anos. Certo, aqui é Brasil, talvez mesmo assim ele continue sendo candidato à reeleição. Mas os partidos oposicionistas já pediram que seja impedido de se candidatar, embora haja a possibilidade de recurso.

Dançando

Já o governador Wilson Witzel está ameaçadíssimo: está afastado do Governo, o pedido de seu impeachment foi aceito, não tem apoio na Assembleia e depende de uma decisão do Supremo para ganhar uma chance de voltar ao cargo. Bolsonaro, que foi seu aliado e hoje é inimigo, já comemorou as dificuldades do governador fluminense. Mas o mundo gira.

Tá faltando um

O advogado Frederick Wassef, de longa relação com a família Bolsonaro – até recentemente era advogado do presidente e de seu filho 01, Flávio – foi denunciado por peculato e lavagem de dinheiro pela Lava Jato. Com Wassef, foram denunciados Orlando Diniz, ex-presidente da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, Marcelo Cazzo, responsável pela aproximação dos dois, e as advogadas Marcia Carina Zampiron e Luiza Nagib Eluf.

E tem mais

O Antagonista informou que Bolsonaro se reuniu com o concessionário do aeroporto de Viracopos, que tinha problemas com o Governo. O encontro, diz a revista, após conversa do presidente com Wassef, foi produtivo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 14 de setembro de 2020

AS APARÊNCIAS ENGANAM

 

AS APARÊNCIAS ENGANAM

São duas notícias boas, são duas notícias ruins.

As duas boas: apesar das pressões sobre a Lava Jato, apesar – chamemos as coisas pelo nome – da queda de Deltan Dallagnol, a Polícia Federal, com ordem judicial, promoveu gigantesca operação de busca e apreensão, tendo como alvos 74 escritórios e pessoas, incluindo filhos de importantes juízes e ex-juízes, empresas de porte, advogados de primeiro time; e a operação foi apartidária, atingindo gente de múltiplos setores políticos, de Lula a Bolsonaro, passando por áreas como a de Sérgio Cabral e chegando bem perto de Queiroz e do senador Flávio, o filho 01 do presidente.

As duas ruins: aparentemente, houve buscas e apreensões com base só numa delação premiada, uma denúncia que pode ou não ser verdadeira (já se disse que houve casos em que o candidato a delator se sentiu pressionado a revelar algo contra alguém em especial); em resumo, pode ter ocorrido o lançamento de uma rede ao mar, para tentar pescar algo sem ninguém se dar ao trabalho de investigações preliminares. Segundo, algo de extremo perigo, a violação de inúmeros escritórios de advocacia. As invasões de escritórios de advocacia não ocorreram nem durante a ditadura militar, com ministros da Justiça como Gama e Silva e Alfredo Buzaid, que eram ditatoriais mas entendiam de Direito. Comunicações entre advogados e clientes são, por lei, sigilosas. Uma operação dessas abre as comunicações, rompe o sigilo legal.

E dai?

Digamos que o caro leitor queira se separar e tenha pedido ao advogado um cálculo da divisão dos bens do casal e da pensão que terá de receber ou pagar. Uma operação causada por suspeita de propina em que esteja envolvido outro cliente romperá o sigilo do caso do caro leitor. Diz a lei que documentos não relacionados com o caso que motivou a busca serão devolvidos, com o sigilo preservado. A quantidade de casos em segredo de justiça que caem nas mãos da imprensa (“documentos a que este jornal teve acesso…”) mostra a fragilidade das garantias. Vamos mais longe? Imaginemos um casal que consulta o advogado por ser vítima de extorsão.

Como agir?

Quem inaugurou as buscas e apreensões em escritórios de advocacia foi o ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos. Foi criticadíssimo por isso. Mas mesmo ele, que criou a moda, achava que a medida exigia cuidado extremo. Assim de baciada, de baleia a lambari, nem Márcio ousou propor.

Palpites

Com mais de 70 alvos, com certeza haverá descobertas interessantes. Já no mesmo dia das buscas, anunciava-se que tinham sido achados R$ 100 mil em dinheiro vivo e um cheque de R$ 700 mil no escritório de Eduardo Martins. Seu pai, ministro Humberto Martins, assumiu há duas semanas a presidência do Superior Tribunal de Justiça, STJ. Não é proibido ter dinheiro e cheques em casa, desde que com origem legítima; mas não é comum. Caso o dinheiro seja irregular, pode haver processo. E, no caso, se for comprovado que a origem da busca e apreensão foi apenas uma delação, abre-se campo para que todo o processo seja contestado e, eventualmente, até anulado.

Em baixa

De acordo com as últimas pesquisas, o juiz Sérgio Moro é um candidato forte à Presidência: se as eleições fossem hoje, estaria em condições de, no segundo turno, desafiar o presidente Bolsonaro. Isso significa que, hoje, a Lava Jato tem bom número de adeptos. Mas está em baixa política, e pelos mais diversos motivos: o maior deles é que tanto Lula quanto Bolsonaro não querem saber de Moro, nem querem a Lava Jato por perto. Parlamentares se proclamam lavajatistas e defendem o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Proclamam-se; mas não são. Ninguém quer correr o risco de tomar uma denúncia e iniciar o cumprimento da pena sem esgotar todos os recursos possíveis, e mais alguns. Muita gente sabe o que fez no verão passado e prefere processos demorados, embora diga que quer abolir as longas tramitações. Fora Bolsonaro e Lula, fora boa parte dos parlamentares, nenhum ministro do STF esqueceu a ideia da Lava Toga. Se todos os que se dizem defensores da Lava Jato a defendessem, Moro ainda seria o ministro da Justiça e a segunda instância já seria o final dos processos.

Levantando a bola

É maldade dizer que o ministro do Meio-Ambiente não percebeu que, no vídeo segundo o qual a Amazônia não está queimando, desmente-se um órgão oficial, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que apontou quase 30 mil focos de calor na área amazônica só no mês passado – um número espantoso. É maldade dizer que Sua Excelência não percebeu que, no bucólico vídeo a respeito da Amazônia, a calma floresta que aparece é a Mata Atlântica, bem distante, com mico-leão dourado e tudo. Não pense que o ministro quis nos iludir. É que não deve saber a diferença entre uma e outra.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 10 de setembro de 2020

DINHEIRO ENTRA, DINHEIRO SAI

 

DINHEIRO ENTRA, DINHEIRO SAI

Os R$ 600,00 de ajuda de emergência já caíram para R$ 300,00; não havia possibilidade de manter os R$ 600,00 sem estourar o caixa do Governo. Mas quem já se havia acostumado com R$ 600,00 vai gostar bem menos dos R$ 300,00. E, ao mesmo tempo em que a ajuda cai pela metade, as despesas sobem muito: arroz, feijão, milho e trigo subiram dramaticamente. O arroz de primeira qualidade, que era vendido por pouco mais de R$ 15,00 o pacote de cinco quilos, já não é encontrado por menos de R$ 20,00. E, conforme o local, já atinge os R$ 40,00. Os preços não subiram por maldade de ninguém: com a alta do dólar, os produtos brasileiros de exportação ficaram bem mais baratos, e sobrou pouco para o mercado interno. Traduzindo, preço mais alto.

E que é que o Governo pode fazer? A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que vem fazendo bom trabalho, diz que o arroz subiu mas vai baixar. Como? “No ano que vem, se Deus quiser, teremos uma supersafra”. Ótimo: e até lá, seguindo sua infeliz frase do ano passado, as famílias mais carentes vão comer mangas? O presidente Bolsonaro fez um apelo para que os comerciantes sejam patriotas e reduzam sua margem de lucro, chegando o mais próximo possível do zero, para manter os preços acessíveis. É isso aí!

Sarney, que chegou a ser popularíssimo na época do Plano Cruzado, não convenceu ninguém a tomar prejuízo em nome do patriotismo. Pode ser que hoje haja patriotas mais convictos, por que não? Tudo em nome do Mito.

Por que parou?

O fato é que houve Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Sarney, mas os preços sempre subiram de aeroplano. Só conhecemos a estabilidade com o Plano Real, o controle de gastos, a convicção de que os preços são formados pelo mercado e não pelo patriotismo ou por safras do ano seguinte. Nem medo controla preços: basta lembrar que no Cruzado a Polícia Federal caçou bois no pasto e nem assim eles chegaram ao açougue no preço previsto.

Comandante fresquinho

Em Penedo, Alagoas, o dono da lanchonete Mr. Burg foi preso pela PM por batizar seus sanduíches com nome de patentes militares. O comandante da PM considerou que o batismo era uma ofensa à corporação. Alberto Lira, 38 anos, dono da lanchonete, disse que era uma estratégia de marketing. Mas o delegado de plantão decidiu que não havia motivo para prisão e soltou-o. Ponto final? Não: Lira insiste em manter o nome que deu aos sanduíches – o “coronel” é filé com presunto; o “comandante”, calabresa frita; e assim por diante, quanto menor a patente mais barato é o sanduíche – e o comandante da PM continua irritado. Por via das dúvidas, o advogado Francisco Guerra pediu habeas corpus preventivo, para evitar nova prisão; e prepara denúncia por abuso de autoridade contra o comandante da PM. Deve entrar também com ação de danos morais contra o Estado de Alagoas. Um dos argumentos que utiliza: não há lei que impeça a casa de ter no cardápio lula a milanesa, ou filé a cavalo, ou coronel mal passado. E, afinal de contas, se a tese do comandante da PM fosse válida, festa de criança não poderia ter brigadeiro.

Nada na mão

A Real JG Serviços Gerais ganhou a licitação do Superior Tribunal de Justiça para fornecer ascensoristas por dois anos, cobrando $ 3.002,721,80. Os ministros estão liberados por mais algum tempo daquela tarefa horrorosa, cansativa, humilhante, de apertar o botão do elevador para ir a seu andar.

É vendaval

Mas os elevadores do STJ são até baratos. A Câmara dos Deputados, há um mês, assinou o quarto termo aditivo do contrato para prestação de serviço de ascensoristas. De 2014 até o mês que vem, poupar Suas Excelências do nefando trabalho de apertar o botão do elevador custou R$ 14 milhões. Uns dois milhões de reais por ano, quantia ínfima para garantir que os deputados cheguem a seus gabinetes com toda a energia, sem tê-la gasto no elevador.

Um político sincero

José Maria Monção, PTB, por três vezes prefeito de Cocal, no Piauí, disse neste domingo, durante a convenção municipal do aliado MDB, que Rubens Vieira, do PSDB, candidato à reeleição, “está afundando o Cocal”. Frase completa: “Fui prefeito três vezes, sei do sofrimento. Mas também não roubei o tanto que esse aí roubou, não. Esse é descarado. Eu posso até ter tirado alguma coisa, dado para os pobres. Na verdade, ninguém pode ser tão sincero. Se eu tivesse tanto direito, eu não tinha ido preso, né? Se eu fui preso, tem um motivo. Tem político que rouba, mas rouba pra dar pro povo. Esse daí (o adversário Rubens Vieira) não, roubou pra ele”. O senador Ciro Nogueira (PP) morreu de rir. Vieira se disse vítima de um discurso de ódio.

Templo é dinheiro

O presidente Bolsonaro decide, até depois de amanhã, se veta ou sanciona o perdão das dívidas das igrejas, principalmente evangélicas, com o Fisco. É algo como R$ 1 bilhão. O autor da lei é filho do missionário R. R. Soares.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 03 de setembro de 2020

TEM REFORMA, MAS SEM REFORMAR

 

TEM REFORMA, MAS SEM REFORMAR

Recordar é viver, cantava Gilberto Alves no Carnaval de 1955. E quem é que recorda os autores da marchinha, derivada de uma valsa vienense?

Recordar pode ser sofrer. Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, superministro da Economia, fazia promessas: zerar o déficit público no primeiro ano, tocar as privatizações, reformar a Previdência, reformar e simplificar impostos, reformar a Administração, atrair investimentos. Bolsonaro dizia que Guedes, com ideias novas, seria o chefe supremo da Economia. Guedes acreditou.

A pandemia atrapalhou? Sim: mas a pandemia começou mais de um ano após a posse, quando o Posto Ipiranga já era Imposto Ipiranga. A reforma da Previdência que passou não era a dele, mas a do Congresso, e quem tocou a aprovação não foi ele, mas Rodrigo Maia. Privatizações, bem – deixa pra lá. A reforma tributária mais provável – se houver – não é a de sua equipe, mas a do deputado Baleia Rossi, do MDB, coordenada pelo economista Bernard Appy. Ideias novas? Guedes trouxe a CPMF – tão nova que já foi aplicada, de 1997 a 2007, e não deu certo. Quanto à Reforma Administrativa, Bolsonaro guardou-a carinhosamente num arquivo. A promessa agora é do próprio Bolsonaro: enviará a reforma administrativa ao Congresso no dia 3, amanhã. Mas fez outra promessa, junto: “Que fique bem claro: não atingirá nenhum dos atuais servidores”. Depois que todos os atuais servidores se aposentarem, aí teremos uma administração mais eficiente. É só esperar.

Quem é quem

Os autores de Recordar é Viver são Aldacir Louro, Aluizio Marins e Adolfo Macedo. Quem decidiu desistir da luta pelas reformas foram alguns dos principais assessores de Guedes – que classificou as demissões de “debandada”. E quem disse claramente que as reformas não andam foi o próprio Guedes: “Eu, se pudesse, privatizava todas as estatais. Mas, para privatizar todas, tem de privatizar primeiro duas ou três. E nós não conseguimos privatizar duas ou três. É preocupante.”

As crises

A aprovação a Bolsonaro cresceu, as pesquisas mostram que, hoje, Sérgio Moro seria seu único rival sério no segundo turno, mas o clima no Governo continua tumultuado. Há crises em andamento, em vários setores:

*O vice-presidente, general Hamílton Mourão, não concorda com a tese de que os militares que participam do Governo recebam mais do que o teto constitucional de salários, perto de R$ 40 mil mensais, juntando vencimentos das Forças Armadas e dos cargos que ocupam. “É uma questão ética e moral. Sou contra, no momento que estamos vivendo. Se a situação fosse normal, o país com recursos sobrando, tudo bem. Não é o que está acontecendo”. Mas é o que o Ministério da Defesa sustenta. Quer somar os salários, e pronto.

*O ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, diante do corte de verbas, anunciou que seriam suspensos o combate ao desmatamento na Amazônia e aos incêndios no Pantanal. O Governo devolveu logo as verbas – mas dificilmente terá engolido o desafio. Não será surpresa se os militantes do Gabinete do Ódio começarem a divulgar ataques a Salles, como se já tivesse entrado no Governo para trair Bolsonaro. O general Mourão, responsável pela área amazônica, foi um dos que não gostaram da reação de Salles: acha que o ministro deveria ter conversado antes com ele, para que as verbas voltassem sem turbulência. Mas turbulência já houve – e agora?

*O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, está jogando abertamente no time do desenvolvimento com investimentos estatais (tem apoio do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho). Paulo Guedes, liberal, é contra. Onde irão buscar os recursos para investir? Tarcísio e Marinho têm apoio do general Braga Netto e acham que o projeto é um novo Plano Marshall. Guedes não reage, quer ficar ministro. Mas não gosta. E sabe que o Plano Marshall funcionou porque os EUA investiram nele.

Boa notícia

As ações da Polícia Federal contra o PCC, Primeiro Comando da Capital, maior esquema do crime organizado no país, já localizaram R$ 500 milhões, que podem ser bloqueados, mais carros, mansões e empresas ligadas a eles. É o maior golpe já sofrido pelo grupo, e o primeiro a atingir diretamente os recursos financeiros e empresariais que turbinam suas atividades.

Má notícia

De acordo com a Constituição, Título 8 (Da Ordem Social), Capítulo 5 (Da Comunicação Social), artigo 220, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Isso na teoria. Na prática: o jornal digital GGN, editado pelo jornalista Luís Nassif, foi censurado. Foi obrigado, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, a retirar matérias sobre a venda ao Banco BTG Pactual de carteiras de crédito do Banco do Brasil. Vão dar outro nome, mas é censura.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 31 de agosto de 2020

COSTAS NA PAREDE, ZÍPER NO BOLSO

 

COSTAS NA PAREDE, ZÍPER NO BOLSO

1 – Aquilo que começou com uma manobra contra Bolsonaro, os R$ 600 mensais de auxílio a quem não tinha como sobreviver, foi bom para ele: sua popularidade decolou, está forte até para, se quiser, detonar o Posto Ipiranga, e sabe que boa parte de sua força deriva do auxílio oficial a quem nada tem.

2- Bolsonaro, que nisso está absolutamente certo, disse que não se deve tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Dinheiro para a Renda Brasil tem de surgir de outro lugar e o Orçamento está no limite, sem folga.

3 – Dos ricos, como sabemos todos, ninguém vai tirar dinheiro, não. 

4 – Ninguém vai reduzir as despesas do Governo. O Centrão não deixa.

Se não há dinheiro no Orçamento, se não vão tirar dinheiro dos pobres (o que seria a solução para Paulo Guedes), se não vão tirar dinheiro dos ricos e o presidente precisa do Renda Brasil, o caro leitor que se prepare: é do seu inesgotável bolso que vai sair o dinheiro. Tudo será, como sempre, muito bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes: os bancos precisam ter bons lucros, para evitar “riscos sistêmicos”, os muito ricos precisam ser poupados para investir e gerar empregos, sobra a classe média para ordenhar. A nova CPMF atinge pouco os mais pobres, que quase não usam bancos; será compensada com desonerações e benefícios tributários para os que podem investir. Quem recebe salário e paga contas pelos bancos? Portanto, prepare-se. Mas um dia, promete Paulo Guedes, o Governo gastará menos. Então, tá.

Ministro quer ficar

O Ministério da Economia divulgou nota oficial negando que o ministro esteja pensando em deixar o cargo. Aliás, nem haveria motivo: o Imposto Ipiranga já mostrou que continuará usando seu conhecimento universitário para apoiar tudo o que o presidente quiser que ele apoie. Mas, num governo que afastou 183 colaboradores de primeiro ou segundo escalão em 20 meses, nunca se sabe (o levantamento é de O Globo, e não conta aquele ministro da Educação que caiu antes de tomar posse). Paulo Guedes, não esqueçamos, é um liberal extremado. É tão liberal que chega a ser permissivo.

E está prestigiado

O vice-presidente, general Mourão, disse que, em sua opinião, “o Guedes está firme”. Quem acompanha futebol sabe o que acontece logo depois que algum dirigente diz que o técnico está prestigiado: cai fora em poucos dias. Fazendo as contas de outro jeito, este Governo se livra de um colaborador do primeiro ou segundo escalão de três em três dias.

Tudo errado

O ministro do Supremo é um cidadão e tem direito a ter opinião, mas nem sempre de expressá-la. Deve evitar exprimir opiniões sobre casos e pessoas a quem possa ter de julgar um dia. Por isso o ministro Luís Roberto Barroso não deveria ter criticado o presidente Bolsonaro, lembrando que ele já louvou a ditadura e a tortura. É verdade; mas isso, no caso, não importa. Ministro do Supremo deve resguardar-se para dar seu veredito nos autos de um processo. Além do mais, está dando palpite sobre o que ocorre no Executivo, um outro Poder da República – um caso típico de intromissão. Outro ministro do STF, Marco Aurélio, rebateu Barroso, mas rebateu errado: disse que Bolsonaro foi eleito e é presidente de todos os brasileiros. É verdade; mas Barroso tinha dito a mesma coisa, que, apesar de tudo ninguém defendeu solução diferente da legalidade constitucional. O general Augusto Heleno também errou o tom: para ele, não adianta que parte da nação queira derrubar o presidente. É verdade – só que não leram direito para ele o que Barroso realmente disse.

Falam demais

Toda essa cascata surgiu porque Barroso esqueceu as limitações que lhe impõe a liturgia do cargo. Falou demais, ouviu demais. Tudo desnecessário. Ainda mais sabendo que Barroso é dos ministros mais moderados do STF.

Meu Brasil brasileiro

Como lembra a jornalista, escritora e assídua leitora Regina Helena de Paiva Ramos, neste país lindo e trigueiro, terra do samba e pandeiro, Brasil!

1 – a pastora Flordelis, acusada de mandante do assassínio de seu marido, continua sendo deputada federal. Não deveria pelo menos ser imediatamente suspensa da Câmara, até que houvesse o julgamento?

2 – O presidente só fala se a frase contiver palavrões.

3 – Paulo Guedes quer taxar livros e acabar com a Farmácia Popular.

4 – Os tribunais agora inocentam quem foi condenado por Sérgio Moro.

5 – O juiz que andava sem máscara, desacatou o guarda e rasgou a multa já foi punido: fica sem trabalhar e recebe salário integral, R$ 33 mil por mês.

Regina Helena só esqueceu de dizer que, por ordem do ministro Edson Fachin, do STF, a Polícia está proibida de operar nas favelas do Rio enquanto durar a pandemia (deve haver, creio, alguma relação entre operações policiais e a Covid). Já bandos armados podem operar à vontade e nesta semana andaram impondo o terror a todos enquanto guerreavam entre si.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 20 de agosto de 2020

A CULPA DA VÍTIMA

 

A CULPA DA VÍTIMA

Uma menina de dez anos de idade que há quatro era estuprada engravidou.

A Justiça liberou o aborto, na forma da lei. E que é que aconteceu? A menina de dez anos foi exposta ao público: Sara Geromini, por apelido Sara Winter, em prisão domiciliar com tornozeleira, divulgou nome e dados pessoais da menina, mais o endereço do hospital onde ocorreria o aborto, permitindo que uma turba ululante de fanáticos perturbasse a paz dos pacientes e médicos. Pior: aos berros, acusaram a menina de “assassina”. O nome do estuprador, ninguém se incomodou em descobrir e revelar. Em que país vivemos, no qual adultos fanatizados gastam seu tempo para insultar crianças e perturbar a vida de um hospital? Pois vivemos num país ainda pior: o presidente da CNBB, Confederação Nacional de Bispos do Brasil, d. Walmor de Oliveira, disse que interromper a gravidez de uma criança de dez anos, vítima de estupro, “é um crime hediondo”. Sua Eminência Reverendíssima que perdoe este colunista, mas no caso o crime que se configura é atribuir falsamente um crime a alguém. D. Walmor tem todo o direito de, como hierarca católico, condenar o aborto, do ponto de vista de sua religião. Mas qualificá-lo como crime? Crime é algo definido em lei. E a lei não considera crime interromper uma gravidez proveniente de estupro – ainda mais tratando-se de criança, ainda mais após a aprovação da Justiça. Tenho certeza de compartilhar esta posição não só com o papa Francisco como com o papa emérito Bento 16.

A religião

Apenas relembrando, as três Virtudes Teologais do catolicismo são a Fé, a Esperança e a Caridade – que também pode ser chamada de amor. Palavra de Jesus: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois delas é o Reino de Deus”.

A lei

A interrupção da gravidez em casos como este é legal. A Justiça a aprovou – ponto final. Todos têm o direito de defender opinião diferente, por quaisquer motivos, mas sem violência, e sem tentar imputar o crime à vítima. Não como fez Sara Geromini, que expôs a menina. Abusou da prisão domiciliar e se mostrou perigosa, lembra a deputada Perpétua Almeida, do PCdoB, que pediu ao STF que elimine o benefício e a ponha na cadeia.

Abaixo os livros!

Há uns 1.500 anos, quando o califa Omar conquistou o Egito, onde havia a notável Biblioteca de Alexandria, decidiu destruí-la: “Se os livros estiverem de acordo com o Corão, são inúteis. Se estiverem em desacordo, são nocivos”. Os livros foram distribuídos aos balneários, e usados como combustível para aquecer a água. Agora, um milênio e meio depois, o Egito tenta restaurar a Biblioteca de Alexandria, símbolo eterno de sua cultura.

O nazismo lutou contra os livros, os comunistas soviéticos proibiram boa parte dos livros, Mao Tsé-tung fez o que pôde para evitar o contágio de novas ideias. Só eles? Não: Paulo Guedes, o Imposto Ipiranga, também propõe que os livros tenham fim. Em sua reforma tributária, os livros, hoje isentos de impostos, passarão a pagar 12% – o Governo ganhará mais que os autores, mais que os industriais gráficos, mais que os comerciantes, e sem se dar ao trabalho de gerar uma só ideia, um só emprego. Guedes deveria gostar de livros, já que fez uma boa Universidade americana, a de Chicago, e se gabou de ter lido toda a obra de Keynes no original, e três vezes. Talvez tenha de ler a quarta para ver se entende: tanto Keynes quanto Milton Friedman, guru de Guedes, embora defendam ideias diferentes, são defensores dos livros.

Este conhece

O professor Jayme Pinsky é autor, editor, intelectual de renome. Vejam o que pensa dessa ideia de jerico: O livro, esse subversivo!

O tempo passa

O ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ao Ministério da Saúde, em 21 de abril, um ofício com a lista de 81 imóveis da União, nos 26 Estados e no Distrito Federal, onde poderiam ser instalados hospitais de campanha. O general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, respondeu ao ofício em 31 de julho, três meses depois. Fazendo o cálculo de outro jeito, no dia em que o ofício foi enviado, havia no Brasil 2.700 mortos pela Covid. No dia em que o ofício foi respondido, já havia por aqui 91 mil mortos.

O brasileiro e os impostos

A pesquisa foi encomendada ao Ipespe pela corretora XP. Primeira conclusão: 10% dos entrevistados se julgam bem informados sobre a reforma tributária, 61% mais ou menos bem informados, 26% não estão informados.

A nova CPMF é rejeitada por 78%; mas se for ligada a um programa tipo Bolsa Família, para beneficiar mais pessoas, há empate, 43% a 43%. Se for para substituir outros impostos, 43% concordam e 37% discordam. Mas 59% dos ouvidos dizem não se lembrar de como era cobrada a CPMF. E, para 41%, a alta carga tributária é um dos principais problemas do país.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 13 de agosto de 2020

OS RATOS QUE RUGEM

 

OS RATOS QUE RUGEM

Há malfeitorias absurdas que muita gente comete, mas nega. E há também os que a confessam com orgulho. O deputado estadual Douglas Garcia, do PTB paulista, condenado a indenizar uma pessoa que incluiu no dossiê de militantes antifascistas (como se combater o fascismo fosse crime), excedeu-se: disse que o dossiê – 56 páginas, com dados pessoais, incluindo fotografias, de aproximadamente mil pessoas – foi entregue à Embaixada dos Estados Unidos pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro. Não que os Estados Unidos, ou China, ou Rússia, todos exímios na espionagem, precisem do auxílio do rapaz que disse ter sido fritador de hambúrguer numa lanchonete que não vendia hambúrgueres. Mas está dentro da lei entregar dossiês sobre cidadãos brasileiros a uma potência estrangeira? Os EUA são aliados do Brasil, Bolsonaro se considera meio que um genérico do presidente Trump, mas cada país tem interesses próprios – por exemplo, Trump ameaça taxar produtos brasileiros a menos que concordemos em importar etanol americano sem taxas. O Brasil, grande produtor de álcool, precisa comprar etanol americano tanto quanto precisa de açúcar de beterraba europeu ou de importar jabuticabas. Mas Trump quer votos de agricultores americanos e o Brasil é pressionado a pagar por eles.

Garcia diz que agiu em conjunto com o filho 03. Eduardo Bolsonaro não disse nada. Seu pai, Jair Bolsonaro, está quieto. “Brasil acima de tudo”?

Quem fica parado é Posto

No serpentário do Congresso, o superministro Paulo Guedes, o Imposto Ipiranga do presidente Bolsonaro, é conhecido como “semana que vem”. Das três reformas que considerava essenciais para que o país se recuperasse e voltasse a crescer, uma foi aprovada – mas não sua versão, que ele não conseguiu emplacar, e sim a do Congresso, puxada por Rodrigo Maia. A tributária levou um ano e meio, foi enviada ao Congresso e até agora nenhum especialista de fora do Governo a considerou à altura da reforma que já está lá em análise, coordenada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi, do PMDB paulista. A administrativa levou um ano para ficar pronta e o presidente Bolsonaro botou-a na gaveta. Mas, por fim, tomou uma decisão: só vai enviá-la no ano que vem, talvez em fevereiro. A estratégia é esperar a eleição para a Presidência da Câmara e do Senado.

A face oculta

Por que esperar a eleição? Ora, caro leitor, não faça perguntas difíceis.

O jocoso e o ridículo

Orlando Morando, prefeito de São Bernardo, SP, um ex-socialista que virou liberal e hoje é tucano, assumiu seu lugar no time que não gosta de imprensa livre: resolveu interpelar um talentoso chargista, Luiz Carlos Fernandes, do Diário do Grande ABC, por charge publicada em 19 de julho. A charge trata de um assunto incômodo para Sua Excelência, uma empresa de sua propriedade denunciada à Polícia Federal por comprar imóveis beeem baratinhos, abaixo até do valor venal. Mas Morando não fala nisso: acusa o chargista de tê-lo desenhado “de maneira jocosa”. Curioso: Sua Excelência prefere charges “macabras”, “soturnas”, “mal-humoradas”? Ora, ou charge é engraçada ou não é nada. No pedido de explicações a Fernandes, Morando ameaça processá-lo por calúnia e difamação. E não se limitou a ele: acionou o editor de Política do jornal, Raphael Rocha, autor da matéria (nada como culpar o mensageiro quando a mensagem é ruim) e ainda citou o diretor de Redação, Evaldo Novelini, e o editor-chefe do jornal, Wilson Moço.

Resolvendo a questão

Este colunista sugere que o prefeito se dedique a cuidar melhor da cidade.

Mais perseguição

O ataque à imprensa não se limita ao prefeito de São Bernardo: o famoso grupo JBS, de Joesley Batista, pressiona o ótimo repórter Cláudio Tognolli, que escreveu três livros sobre a empresa: “Nome aos bois”, “Traidores da Pátria” e “A CPI do BNDES” – no qual, além da JBS, ou JF, é citado também um grupo nacional que enquanto dava lucro era privado, e foi virando estatal à medida que os lucros caíam, até que, ao fechar, tinha o BNDES como sócio principal. O delegado Ronaldo Augusto Comar Marão Sayeg, da Divisão Antissequestro da Polícia Civil de São Paulo, pediu a prisão preventiva de Tognolli. O juiz Xisto Albarelli Rangel Neto rejeitou o pedido.

Bolsonaro atende os trans

Um acordo entre a Advocacia Geral da União, a Secretaria do Trabalho e Previdência do Ministério da Economia e a Defensoria Pública da União vai permitir que travestis e transexuais incluam seu nome social na Carteira de Trabalho. O acordo foi celebrado em Roraima, mas valerá para todo o país, já que a Carteira de Trabalho digital é um sistema único, nacional. A partir de agora, a Secretaria do Trabalho e Previdência tem seis meses para tomar todas as providências necessárias para implementar a alteração.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 10 de agosto de 2020

E VOLTA À LIDERANÇA

 

DE VOLTA À LIDERANÇA

Com pandemia e tudo, Bolsonaro parou de cair nas pesquisas, recuperou intenções de voto e hoje, de acordo com pesquisa Poder 360, seria o primeiro colocado no primeiro turno. No segundo, empataria com Sérgio Moro.

Pesquisa é retrato do dia. Dois anos antes das eleições, não significa nada. Mas, para os adversários, é melhor não subestimar Bolsonaro: tem um núcleo fiel de eleitores, que por ele sentem saudades até de Weintraub, manteve sua popularidade mesmo depois de declarações que indicavam pouco caso pelas vítimas da Covid, sustenta-se até com novos recordes de desmatamento e de queimadas na Amazônia, que já provocam reações de clientes internacionais.

Ainda é cedo, mas qual, de seus possíveis adversários, vem-se tornando uma alternativa viável? O governador do Rio, candidato declarado, tem de lutar para evitar o impeachment. O governador João Dória tem boa avaliação, deve sair candidato, comanda o PSDB, partido bem estruturado em todo o país, mas isso ainda não se refletiu em índices nacionais. Sempre se considerou que um governador de São Paulo é candidato forte, pelo cargo que ocupa, mas Geraldo Alckmin em duas ocasiões desmoralizou essa tese. E o PT – bem, esperava-se que Lula, ao sair da prisão, liderasse seu partido numa campanha nacional de oposição, apresentando-se como perseguido político, vítima de um sistema que deturpou a Justiça para afastá-lo do poder. Esperava-se. Mas o novo Lula parece muito diferente do Lula de sempre.

Quem sobra?

Lula se recolheu, raramente fala, parece ter perdido o gás. Continua a liderar políticos como Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Washington Quaquá. Mas sua fraqueza atual já foi percebida por aliados que até agora eram incondicionais: já apoiam Manuela d’Ávila em Porto Alegre, pensam em lançar um candidato a presidente saído do PCdoB, eventualmente podem flertar até com Ciro Gomes. Nada impede que o realismo político predomine e haja quem possa esquecer o passado e aliar-se a Sérgio Moro. Mas Moro, que acumulou amplo capital político, nem escolheu um partido. E será que, daqui a dois anos, não terá sido esquecido por muitos que hoje o apoiam?

Sozinho na raia

Em dois anos muita coisa pode mudar. Haverá os descontentes com o alto desemprego, haverá quem lembre as mortes da pandemia, haverá até mesmo empresários hoje simpáticos a Bolsonaro que correrão riscos pela compulsão do presidente em brigar com a China, por ideologia, e com a União Europeia, por demonstrar pouco caso com o desmatamento e os incêndios da Amazônia e com os problemas indígenas. Mas haverá também quem goste dos $ 600,00 mensais, que de alguma forma se eternizarão na Renda Brasil. Lembre-se: o Nordeste por muito tempo foi reduto do PFL/DEM. A Bolsa Família levou o eleitorado a votar sistematicamente no PT. Em resumo, se a oposição quiser chegar ao poder, tem de montar sua estratégia, em vez de só confiar em novos erros de Bolsonaro. Ele erra, sim, e muito. Mas está na frente.

As rachadinhas

Há incômodos no caminho de Bolsonaro – investigações sobre seu filho Flávio, pressão sobre divulgadores de notícias falsas, cerco ao Gabinete do Ódio. Há o Queiroz, com os depósitos na conta da mulher do presidente. Mas Lula, com todo o caso Mensalão/Petrolão, seria um candidato forte se não tivesse sido condenado e impedido de disputar pela Lei da Ficha Limpa.

Todos quietos

Lembra do ministro Osmar Terra Plana, dizendo que a Covid iria matar menos gente que as gripes de inverno? E do general Luiz Eduardo Ramos, o coordenador político do Governo, dizendo que o trânsito também mata muita gente e não provoca pânico? Com cem mil mortos no Brasil, silenciaram. Pena que o preço por esse bem-vindo silêncio tenha sido tão alto. Bolsonaro não se calou: “A gente lamenta todas as mortes. Mas vamos tocar a vida”.

Pois é

Todos os dias, aqui no Brasil, morre nove vezes o número de vítimas da explosão de Beirute, que abalou o mundo. E nosso Governo não se abala.

Procurando briga

Bolsonaro briga com a China por ideologia, com os europeus porque condenam suas teses sobre Amazônia e meio-ambiente, com vizinhos porque não gosta de seus dirigentes. O ministro Paulo Guedes vai mais longe: foi puxar briga com os principais aliados de Bolsonaro, os EUA. Motivo: empresários questionaram a política ambiental do Brasil. O Imposto Ipiranga acusou os americanos por desmatar suas florestas, pela escravidão, pelas guerras civis, pela morte de índios. É verdade: também dizimaram rebanhos de bisões, muitas vezes só para praticar tiro ao alvo. Claro que conhecemos um outro país que desmatou muito, teve escravidão, enfrentou guerras civis, matou índios. Paulo Guedes, que já disse que leu três vezes as obras de Keynes em inglês, talvez não se preocupe tanto com História em português.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 06 de agosto de 2020

CALA A BOCA HÁ DE MORRER

 

CALA A BOCA HÁ DE MORRER

Uma ministra do STF, Carmen Lucia, repetiu há não muito tempo uma frase popular: “Cala a boca já morreu”. Outro ministro do STF, Dias Toffoli, diz agora que é preciso editar as informações que a população recebe. Não há discussão possível: Carmen Lúcia tem razão. E a Constituição proíbe a censura – e não adianta fingir que censura não é censura. Censura é censura.

Não é questão de discutir se os censurados merecem ser censurados. Não é esse o problema. O problema é que opinião não é crime e expressá-la é parte essencial de nossos direitos. Concordar ou não com o que dizem os censurados faz parte do jogo: quem julgar que se excederam que os processe.

Ah, mas são antidemocráticos. Alguns, efetivamente, são. Mas ser contra a democracia não é proibido. Proibido é agir contra a democracia. Se algum deles estiver pondo em risco a democracia, que seja processado na forma da lei. Mas, cá entre nós, achar que uma jovem, que tirava a roupa para protestar, e um grupo, cuja principal crença é que o presidente da República é Messias e incapaz de errar, ameaçam a Constituição, é fazer pouco da democracia.

Um bom político baiano, Otávio Mangabeira, comparava a democracia a uma plantinha tenra, que exige cuidados. Estava certo. Só que cuidar não é sufocar. Cuidar da democracia exige tolerar o adversário, dispor-se ao diálogo, reconhecer seus direitos. Exige considerar os oponentes como adversários, não inimigos. Sufocar em nome do bem é o outro nome do mal.

Chegamos lá

Alguns exemplos? O STF já mandou censurar O Antagonista e Crusoé, o Grupo Tiradentes (rádio, TV, portal) de Manaus está proibido há um ano e meio de noticiar acusações da Lava Jato, e ordenou que Twitter e Facebook censurem notícias não só no Brasil, mas também no Exterior. Esquecem a história do general linha dura Albuquerque Lima. Quis ser presidente, foi vetado por não ter quatro estrelas. E a Censura agiu rápido para silenciá-lo.

Apocalypse now

Mais do que a jovem orgulhosa de um suposto treinamento na Ucrânia, mais do que blogueiros e jornalistas bolsonaristas, alguns fanatizados, as ações do Supremo contra eles ameaçam a democracia. Há quem ache que os ministros do Supremo que os investigam sabem de algo que exige uma ação rápida. OK, de que se trata? Ou vamos ficar no O Processo, de Kafka, em que o personagem é réu sem saber o motivo do processo? A “ala ideológica” do Governo, em seu delírio para livrar-se dos perigos vermelho e amarelo, já andou mais de uma vez no terreno da perseguição ideológica, acusando gente de quem não gosta de comunista, pedófilo, petista, traidor da Pátria e – terrível crime – até mesmo de gorda! O último episódio foi este em que o Ministério da Justiça preparou um dossiê ideológico de seus funcionários. Assim não dá: como no final do filme Apocalypse Now, é o horror, o horror.

Boas notícias 1

O Brasil teve superávit de US$ 8,06 bilhões em julho, o maior da História. As exportações foram lideradas por produtos agrícolas e carnes; um pouco mais da metade foi para a Ásia. Só a China importou 37,9% do total. Mesmo com o presidente e o chanceler falando mal da China sempre que puderam, o agronegócio ampliou as vendas em17,3%. De janeiro a julho, a exportação foi US$ 30,383 bilhões superior às importações. Claro que também houve queda das importações, por causa da recessão. Mas superávit sempre é bom.

Boas notícias 2

Numa só informação, duas boas notícias: o BNDES vendeu 2,5% do capital da Vale, contribuindo para a privatização total da empresa; e obteve no atacado o mesmo preço da venda no varejo, um excelente resultado. No total, pôs em seus cofres algo como R$ 8 bilhões.

Boas notícias 3

O Tribunal Superior Eleitoral aceitou proposta do Partido Novo e devolverá ao Tesouro a parcela do Fundo Partidário que caberia à legenda. O Novo é contra o uso de recursos públicos na campanha e anunciou que, na atual situação de crise sanitária, todo o dinheiro disponível deve destinar-se à saúde. E pede aos demais partidos que tomem a mesma iniciativa. Até agora nenhum outro partido demonstrou qualquer simpatia pela proposta.

Guerra universitária

Os estudantes de Medicina da Universidade Brasil, em Fernandópolis, SP, estão em guerra com a direção da escola. Motivo: a grade de disciplinas foi mudada retroativamente, obrigando os alunos a refazer períodos passados, e a pagar novamente por eles. A medida deve dobrar o faturamento da escola no semestre, mas estica o curso além do previsto e deixa os estudantes mais longe da formatura. A guerra já está no Judiciário: há alguns milhares de processos de estudantes contra a Universidade Brasil, por cobranças que consideram abusivas, por notas que não foram lançadas no sistema; há ainda processos de fornecedores que alegam não ter sido pagos.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 03 de agosto de 2020

HASTA LA VISTA, LULA

 

 

HASTA LA VISTA, LULA!

Lula está solto e dificilmente voltará à prisão, conciliaram-se adversários inconciliáveis para, digamos, moderar a ferocidade da Lava Jato, a notícia falsa de que o ex-presidente teria pedido ao STF que o autorizasse a viajar a Dubai, para passar a lua de mel com a namorada Rosângela, não provocou os esperados tsunamis nem de seus críticos mais raivosos. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas acontece que os mais fiéis aliados de Lula o desafiaram e desprezaram sua ideia básica de que qualquer união de esquerda terá de ser comandada pelo PT. Partidos tradicionalmente aliados a ele, como o PCdoB, artistas que sempre apoiaram o PT (mais do que isso, sempre foram lulistas), como Chico Buarque, Gilberto Gil, Sérgio Mamberti, ministros de seu governo, como Celso Amorim, professores como Laura Carvalho, ativistas como o coordenador-geral do MST, João Paulo, se uniram para lançar uma candidata à Prefeitura de Porto Alegre filiada ao PCdoB: Manuela d’Ávila.

Lula não consta da lista de apoiadores – em compensação, o manifesto fala de Leonel Brizola, que acabou aliado a Lula, mas antes disputou com ele o comando da esquerda brasileira (e dele disse, num memorável Roda Viva, que Lula não gostava de trabalhar). No mesmo Roda Viva, Brizola fala da necessidade de união das esquerdas. Ele mais tarde seria candidato a vice na chapa de Lula, mas Lula jamais aceitou ser o segundo em qualquer chapa.

Importante: é a primeira vez que lulistas desafiam a liderança de Lula.

O manifesto e os nomes

Manuela d´Ávila é esquerda puro sangue: foi vice da UNE, vereadora, deputada estadual, deputada federal, vice na chapa de Fernando Haddad em 2018, duas vezes candidata derrotada à Prefeitura de Porto Alegre, sempre pelo PCdoB. Era candidata à Presidência, mas aceitou ser vice para compor com o PT. A proposta que faz é, basicamente, “tô contigo”, em vez de “te vira”. O manifesto que, embora de esquerda, subverte a hegemonia petista, está na íntegra, com todos os nomes que o assinam, em Eleições 2020 

Má notícia

Neste momento, em que o Brasil precisa atrair investimentos estrangeiros, a situação é oposta: no primeiro semestre, foram retirados US$ 31,3 bilhões do país por investidores. Pior do que a notícia, em si, é o que ela sinaliza: grandes investidores não confiam na capacidade do país de se reerguer rapidamente. Sem essa confiança, para quem o Governo pretende vender empresas, nas quatro “grandes privatizações” anunciadas por Paulo Guedes?

Todos juntos…

Não se iluda: em Brasília, ninguém quer salvar a Lava Jato. O procurador-geral da República, Augusto Aras, utiliza os exageros e erros da Lava Jato para enfraquecê-la: é fato que os procuradores de Curitiba tentam impedir o compartilhamento daquilo que apuraram em vários anos de trabalho, embora, na verdade, o Ministério Público Federal seja uno; é estranho que a Lava Jato, sozinha, disponha de quase nove vezes o volume de dados de todo o MPF – despertando suspeitas de que tenham extrapolado a investigação de maneira não ortodoxa; certos comportamentos, como a grande quantidade de palestras remuneradas e a tentativa de usar dinheiro retomado de delatores para criar uma Fundação Lava Jato não são comuns. Aras tem apoio de boa parte dos ministros do Supremo, de parlamentares de diversos partidos e, o que é mais curioso, tanto do PT, atingidíssimo pela Lava Jato, quanto do PSDB, que se julga perseguido, como do presidente Bolsonaro.

…vamos

Todos têm interesses, sim: claros ou não, honrados ou não. O ministro Gilmar Mendes já disse há muito tempo que a Lava Jato exagerava no prazo das prisões preventivas, para forçar delações premiadas. Muito antes disso, o advogado José Roberto Batocchio falava em “delações a la carte”, em que, para obter o benefício, o detido teria de confessar aquilo que lhe era exigido. Ninguém imagina que parlamentares alvejados pela Lava Jato, ou que se sintam inseguros diante da possibilidade de ser escandalosamente levados, com TV e sirenes, mesmo que acabem soltos no mesmo dia, aceitem bem a situação. Parlamentar em geral diz que ama a Lava Jato, que uma Operação Lava Toga é urgente – mas depois avisa o Supremo de que nada passa, não.

Cipó de aroeira

Prepare-se: deve cair um temporal sobre Deltan Dallagnol, respingando em Sérgio Moro. A chuvarada virá da esquerda e da direita, de extremo a extremo, e com apoio de quem não quer Sérgio Moro na eleição presidencial.

Tribunal de Haia

Esqueça: as denúncias contra Bolsonaro têm efeito apenas publicitário. A Corte sabe, para começo de conversa, que quando há muita pressão para um julgamento, é provável que seja fruto de disputa partidária. Difícil dar certo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 30 de julho de 2020

FICA COMBINADO ASSIM

 

FICA COMBINADO ASSIM

Bolsonaro erguer uma caixinha de hidroxicloroquina com os braços estendidos acima da cabeça, como Bellini, que celebrizou o gesto ao festejar nossa primeira Copa do Mundo, é ridículo. Insistir em louvar a hidroxicloroquina para as emas é ainda mais ridículo. Devolver ao Governo Federal a hidroxicloroquina que receberam de presente, como fizeram alguns Estados, é tão ridículo quanto. E nocivo: a hidroxicloroquina é remédio padrão para malária, para lúpus, usada nestes casos há mais de 70 anos. Deixar os pacientes à míngua, ou pagando o triplo, é inaceitável, além de ridículo. Pode-se ir mais longe: se o médico prescreve hidroxicloroquina e o paciente concorda, por que impedi-los de combater a Covid de seu jeito?

Há uma explicação lógica para a devolução da hidroxicloroquina à União. Os três milhões de doses que o Brasil ganhou de Trump e da Novartis vieram em cartelas de cem comprimidos, que deveriam ser fracionadas em cartelas de menos de cinco comprimidos. É tarefa para um exército de farmacêuticos, e cara. Como não havia verba para o fracionamento, devolveu-se o remédio.

É uma explicação simples, lógica e imbecil. Se o remédio veio de graça, que se enviem as cartelas às farmácias populares para distribuição gratuita. E sejam entregues aos médicos que as solicitarem. O que não se admite é deixar sem remédio que dele necessita – para malária, lúpus ou coronavírus.

Chega de política partidária em Saúde. Deixem o médico trabalhar.

Risco visível

Esta coluna não discute Direito. Nem teria sentido: alguém que não sabe nem o endereço das faculdades não vai debater com mestres pós-graduados no Exterior, para os quais até a toga tem de vir embebida do saber de alfaiates vizinhos a escolas internacionais. Mas creio que está sendo violado um dos artigos basilares da Constituição americana, a Primeira Emenda, que inspirou todas as constituições democráticas: a proibição da censura.

Opinião sem censura

Cada pessoa é livre para dizer o que pensa, mas pode ser processada por quem se sentir atingido. Entendo a posição do Supremo, achincalhado por ministros na presença silente de Bolsonaro, ameaçado de fechamento por um dos filhos do presidente, com fundamentalistas chamando um ministro para a briga, perturbando a paz de seus vizinhos e ameaçando persegui-lo onde quer que esteja. Mas, se entender é fácil, justificar não é possível: que houve manifestações mal-educadas, grosseiras, injuriosas, isso houve, mas que os responsáveis sejam processados na forma da lei e não proibidos de falar.

Rolha nos outros

Calar Twitter, Facebook e outras redes é censura prévia, sim. Até mais, porque se censura a pessoa, e não o que ela iria dizer, se pudesse. Não diga que no caso a censura prévia é aceitável. Censura nunca é aceitável. Já fui proibido, no tempo da ditadura, de escrever o nome “Leonardo”. Era o nome do censor e ele temia ser ironizado sem perceber. Por isso, o grande artista era apenas “Da Vinci”. E não pense que os atingidos até que merecem. Pois censura começa com os outros, sempre. E a rolha termina em todos nós.

Bom exemplo

Donald Trump Jr., filho mais velho do ídolo de Bolsonaro, foi punido pelo Twitter com doze horas de bloqueio. O zero à esquerda de Trump pegou suspensão por ter defendido a hidroxicloroquina numa série de tuítes em que atacou adversários democratas e o Dr. Anthony Fauci, aliás assessor do pai, por rejeitarem o remédio. Incrível: pela Constituição, o Congresso não pode criar restrições à liberdade de expressão. Mas o Twitter pode? Como nos ensinou aquele ministro, se abrir uma brecha, por ela passa toda a boiada.

Nasce torto…

Esta coluna tem ótimas fontes na Bahia. Mas nem tinham de ser tão boas. Por mais escandalosa que seja a gastança, lá também estão providenciando. Agora é uma licitação do Tribunal de Justiça baiano, a quase R$ 1 milhão por mês, para contratar serviço de 116 motoristas para desembargadores, servidores e serviços gerais. São 61 motoristas para 61 desembargadores. Há mais 43 para coordenação de transportes, três para Varas da Criança e Juventude, dois para o Fórum, dois para o Fórum da Família, cinco para o Almoxarifado. Dizem que com isso se reduz o custo do transporte.

…morre torto

Este colunista tem outra sugestão para reduzir o custo do transporte. Só ficariam um ou dois carros na reserva, os demais seriam vendidos. Um app atenderia a Suas Excelências com carros de luxo e motoristas apreciados pela clientela, a preços normais. Como de hábito, manutenção e combustível ficariam a cargo do aplicativo. Quem quisesse um carro melhorzinho, sempre com o mesmo motorista, poderia comprar, com seu próprio dinheiro, talvez um Bentley (andei uma vez, gostei muito) e contratar, de seu bolso, aquele motorista em quem confia. Sabe que funciona? Nos Estados Unidos é assim.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 27 de julho de 2020

COMO MATARAM O NOSSO CACAU

 

COMO MATARAM O NOSSO CACAU

Por volta de 1979, o Brasil estava entre os maiores produtores de cacau do mundo, com exportações de algo como US$ 1 bilhão. Em 89, uma grande praga de vassoura de bruxa devastou os cacauais. Desfez fortunas, destruiu o poder político dos cacauicultores, liquidou empregos. A Bahia, tradicionalmente PFL, caiu nas mãos do PT. A destruição do cacau foi um ato deliberado. Sempre se desconfiou do PT, mas aqui temos o comprovante:

Luiz Henrique Tenório, à época militante do PT, confessa ter colhido mudas da vassoura de bruxa em Rondônia para destruir as plantações baianas. Hoje, arrependido, diz que não imaginava tamanha devastação, tamanha perda de emprego: achava que haveria um susto e, em pouco tempo, órgãos técnicos ligados ao PT resolveriam o problema e sairiam como heróis. O Brasil levou pouco mais de 30 anos para dar um jeito na vassoura de bruxa. Luiz Henrique Tenório demorou mas confessou. Disse estar pronto para assumir a destruição ambiental. Mas quer que os demais envolvidos também paguem pelo crime. “Tinha de confessar. Não o fiz antes de tantas ameaças que sofri. E a terra onde nasci, onde minha família vive, teve a economia destruída”.

A situação já melhorou: com cacau orgânico, plantado sob grandes árvores da Mata Atlântica, a produção se ampliou, e o cacau é de qualidade alta. A questão agora é tomar conta do cacau: já se sabe que há criminosos prontos a destruir grandes riquezas agrícolas do país por motivos partidários.

Eles são os bons

Nove milhões e meio de trabalhadores da iniciativa privada tiveram cortes pesados nos salários. Mas quem ganha mais manteve os salários em dia: Paulo Guedes, o feroz cortador de salários de trabalhadores, vetou qualquer possibilidade de reduzir vencimento de servidores públicos. E o Supremo vetou qualquer redução de verbas, tanto para o Legislativo quanto para o Judiciário, durante a pandemia. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pensou em reduzir as verbas, mas Paulo Guedes proibiu os cortes.

Mordoca da boa

A verba mensal de gabinete, de R$ 111 mil, e o cotão, que vai de R$ 30,7 mil a R$ 45,6 mil, continuam em pleno vigor.

Frase definitiva

A humanidade só é viável se conseguirmos manter a proporção dos idiotas militantes abaixo dos 20%.

Corrigindo

No domingo passado, esta coluna cometeu um erro: disse que, quando Fernando Henrique deixou o cargo para disputar a Presidência, quem liderou a implantação do Plano Real foi Ciro Gomes. Na verdade, foi o embaixador Rúbens Ricúpero. Ciro Gomes assumiu alguns meses mais tarde. Ricúpero não encheu a Fazenda de diplomatas: levou três ou quatro para trabalhar com ele, todos profissionais de alta qualidade técnica.

Me prende! Me prende!

Roberto Jefferson está em plena campanha para ser processado por algum ministro do STF. Dá entrevistas dizendo que são todos comunistas, que os dois que vieram da Justiça do trabalho são juízes meia-boca, que nove dos ministros têm o rabo preso e dois têm o rabo solto. Quer se colocar como vítima – o primeiro processo que sofrerá a não ser movido pela Lava Jato.

O horror aos comunistas

Roberto Jefferson, que nunca tinha sido disso, agora cismou que os ministros do Supremo são incompetentes, homossexuais, comunistas e sabe-se mais o que. Imaginemos, como diz Roberto Jefferson, que alguns sejam homossexuais. E daí? Isso anula sua capacidade de julgamento? Que tem a ver a eventual homossexualidade de algum ministro com sua capacidade de julgamento? Digamos que ser apanhado roubando seja algo mais grave. E o partido de Jefferson, o PTB, já circulou muito nos meios comunistas nos tempos de Brizola. Agora resolveram se afastar dos comunistas?

Em busca de proteção

O presidente Bolsonaro resolveu que, embora tenha contraído a Covid, deve circular pelas ruas como se infectado não estivesse.

E está: passa para outras pessoas vírus à vontade. E infecta pessoas que confiam em sua presença. Não usa máscara, e seus partidários pegam o que for preciso.

Quando se diz que para ele tanto faz a saúde dos outros, ainda fica bravo.

A hora da vacina

A Covid ganhou nova força – e, ao mesmo tempo, há muita gente na rua, se amontoando. É torcer para que as vacinas ganhem força e sejam colocadas à disposição do povo. Sejam chinesas, inglesas, americanas, serão vacinas que nos ajudarão a sobreviver.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 23 de julho de 2020

SAI, PESTE!

 

SAI, PESTE!

Chegou a hora: quatro meses de trabalho e alguns bilhões de dólares de investimentos estão a ponto de colocar a Covid 19 nas cordas. As vacinas da Pfizer, da China e do Imperial College de Oxford já entraram no teste final: são seguras, não apresentam efeitos colaterais significativos, provocam a criação de anticorpos em seres humanos; outra vacina chinesa, a SinoVac, desenvolvida em cooperação com o Instituto Butantan, entra hoje na fase final, com nove mil pessoas testadas no Brasil. Todas, até agora, demonstram eficácia semelhante, por volta de 96%. Correndo tudo bem, a vacinação em massa pode começar em novembro. Se houver contratempos, em janeiro.

Qual vacina? Tanto faz: a poliomielite é combatida por duas vacinas, a pioneira Salk, com injeção, e a Sabin, com a gotinha. Boa parte do mundo optou pela praticidade da Sabin. A Suécia optou pela Salk. Uma curiosidade: na pesquisa de duas das quatro vacinas, há brasileiros. A SinoVac coopera com o Butantan; o Imperial College tem, entre os líderes, o brasileiro Pedro Folegatti, responsável pela segurança de quem recebe a vacina no teste.

Haverá vacinação pública em seguida, pois a fase industrial está pronta para começar. A Pfizer promete um bilhão de doses – mais ou menos o mesmo que a AstraZeneca deve produzir da vacina do Imperial College. O Butantan já fez a venda de cem milhões de doses para o Governo paulista, que também negocia a compra da vacina inglesa em quantidade semelhante.

Degrau em degrau

Claro que não chegarão bilhões de doses ao mercado ao mesmo tempo. É de se esperar que a vacinação comece pelo pessoal da Saúde, mais exposto. Depois, os grupos de risco. A partir de certo ponto da vacinação, o risco de contágio irá se reduzindo, cada vez com menos espaço para a reprodução do vírus. E teremos mais duas pesquisas: uma, dos vacinados, para descobrir se a imunização é ou não permanente; outra, se o novo coronavírus é mutante o suficiente para, como no caso da influenza, exigir vacinas modificadas ano a ano, acompanhando as mutações do vírus. Mas, perto do que temos hoje, é moleza. Pense em como será bom sair de casa e abraçar de novo os amigos!

Calma no Brasil

Existe mundo além da política. O título da coluna, por exemplo, nada tem com política. E que ninguém fique imaginando que as vacinas chinesas vêm carregadas com substâncias que, daqui a alguns anos, provocarão doenças. As vacinas ou serão aprovadas pela respeitadíssima FDA americana ou serão rejeitadas pela maior parte do mundo. E, sejam de qual nacionalidade forem, só entram no Brasil após aprovadas pela Anvisa, órgão federal presidido pelo contra-almirante Antonio Barra Torres, nomeado por Bolsonaro, formado em Medicina, com residência em Cirurgia Vascular no Hospital Naval Marcílio Dias e trabalho na Santa Casa do Rio, Centro de Perícias Médicas e Centro Médico Assistencial da Marinha. Chega de teorias conspiratórias.

Ministério da Saúde

O General Cloroquina continua ministro e continua cloroquinando. Sabe aquele presente de Trump, dois milhões de doses de hidroxicloroquina? A Novartis, uma das maiores indústrias farmacêuticas do mundo, enviou um milhão a mais, outro presente. As três milhões de doses de hidroxicloroquina vieram em frascos de cem comprimidos, e a ideia do general é dividi-la em caixas com seis comprimidos de 400 mg ou 12 de 200 mg. É a dose que, sem trocadilho, será generalizadamente entregue às pessoas em tratamento, seja qual for sua idade, sexo ou peso. Dividir doses de remédio é mais complexo do que parece: a quantidade tem de ser embalada em caixas específicas e sem contato com o ambiente externo, tudo supervisionado por farmacêuticos.

Isso tem custo, que o General Cloroquina quer repassar aos Estados. Só?

Não! Tanto as doses doadas pela Novartis como pela Casa Branca são de fabricação da Novartis. E a Hidroxicloroquina Novartis não tem registro no Brasil. Que diz a empresa? Que “não endossa” o uso de nenhum de seus produtos fora do que está previsto na bula. Só que a bula não toca nisso. Quem sugere a hidroxicloroquina é o protocolo baixado no Ministério da Saúde pelo ministro, general Eduardo Pazuello, por ordem do presidente.

A História se repete

Lembra de “Caixinha, Obrigado”, sucesso de Juca Chaves há 60 anos? Tinha um versinho ótimo, “e até da bola nós já temos general”, referindo-se a Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória. O Brasil progride: hoje, “até da bula nós já temos general”.

Serra na mira

A denúncia da Polícia Federal tem muito caminho pela frente, pode ser ou não aceita, mas impressiona a dureza da acusação: “no topo da cadeia criminosa”. E liga Serra a José Seripieri Jr., fundador da Qualicorp, de planos de saúde coletivos, que tem histórico de favores a quaisquer governantes. Se a turma do “deixa-disso” demorar a agir, o ataque a Serra vai seguir pesado.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 20 de julho de 2020

OS MUDOS FALANTES

 

OS MUDOS FALANTES

As Forças Armadas, em tempos de normalidade, comportam-se como “O Grande Mudo”. E juiz, desde a Primeira Instância até aquilo que gostam de chamar de Pretório Excelso, só fala nos autos. Tudo tem lógica: as Forças Armadas e o Judiciário são instituições de Estado, não de Governo. Não têm de dar opinião sobre governos. E juiz, de qualquer instância, quando fala pode tocar em assunto que um dia terá de julgar. Não é saudável que as teses do juiz sejam conhecidas antes dos julgamentos. Nem é saudável que, a cada momento, ele precise se declarar impedido, por já ter falado sobre a questão.

Portanto, o debate entre o general Eduardo Pazuello e o ministro Gilmar Mendes só provocou polêmica porque nenhum deles deveria estar falando. O problema não é um general chefiar o Ministério da Saúde: Serra foi um bom ministro e não é médico. Fernando Henrique, sociólogo, chefiou o time que baixou dramaticamente a inflação – triunfou onde economistas notáveis, Bulhões, Mário Henrique Simonsen, Delfim, não tinham tido êxito. Quando deixou o cargo para disputar a Presidência, quem liderou a implantação do Plano Real foi o advogado Ciro Gomes. Mas Fernando Henrique não lotou sua equipe com sociólogos, nem Ciro com advogados. Apenas comandaram o processo. Não é o caso de Pazuello, que baixou um protocolo saudando a cloroquina (lembra Dilma com a mandioca, não?) e cobra do Fiocruz que dê cloroquina para todos. Como diria o técnico Tite, “fala muito!” E faz pouco.

Brasil

Este, definitivamente, não é um país para amadores. Gilmar Mendes, com sua toga de bela confecção, o General Cloroquina, com a farda a ser honrada, brigam como crianças. E quem estabeleceu a paz foi aquele sujeito belicoso, que aparece em público de chinelo e camisa não-oficial do Palmeiras. Resta uma pergunta: se cair com Gilmar alguma ação contra a gestão do General Cloroquina, se dará por impedido, privando-nos de seus argumentos?

Meu Brasil brasileiro

O presidente Bolsonaro disse que o ministro Pazuello é ótimo e fica no Governo. Mas, nos dois meses e pouco que o general está ministro da Saúde, Bolsonaro se reuniu duas vezes com ele. Afinal, embora muita gente esteja morrendo, “todos vamos morrer um dia”. Deve ter algo mais urgente a fazer.

Boa notícia…

O ministro Paulo Guedes está marcando reunião virtual com dirigentes do Congresso, para amanhã, segunda-feira. Tema: reforma tributária (aquela que seria encaminhada tão logo Bolsonaro tomasse posse, há pouco mais de um ano e meio). Guedes ainda não sabe o que fazer: Bolsonaro já rejeitou o imposto de Transações Financeiras, antigo CPMF, demitiu Marcos Cintra, o secretário da Receita que o defendia; mas o poderoso Guilherme Afif, muito ligado a Gilberto Kassab, que levou o Centrão a apoiar Bolsonaro, defende o novo imposto. De certa forma, conseguiu atrair o vice Mourão, para quem a questão tem de ser debatida no Congresso. No Congresso, já adiantado, há um elogiado projeto de reforma tributária, preferido pelos parlamentares, do economista Bernard Appy, apresentado pelo líder do MDB, Baleia Rossi.

…até certo ponto

O problema é que as reformas, que Guedes julga básicas para retomar o desenvolvimento, têm andado lentamente. A reforma do Congresso é adiada para esperar a proposta do Governo, que até hoje não se conhece. A reforma administrativa foi enviada a Bolsonaro há alguns meses, e o presidente está ainda sentado em cima. O Projeto de Emenda Constitucional que elimina o foro privilegiado está há quase 600 dias no Congresso, e Maia não a libera.

A hora do caçador

Lembra do Japonês da Federal? Foi condenado pelo juiz Sérgio Luis Ruivo a pagar multa de R$ 200 mil e a perder o cargo público, por facilitar contrabando. Newton Ishii, o Japonês da Federal, foi identificado em 2003, na Operação Sucuri. Dos 28 réus da Operação Sucuri, 24 foram condenados.

Enfim!

A Sabesp, estatal paulista de Águas e Esgotos, assinou na semana passada quatro contratos, no valor de R$ 459 milhões, para concluir a despoluição do Rio Pinheiros – poluidíssimo, correndo por alguns dos bairros mais caros de São Paulo. Os trabalhos devem ser concluídos até 2022. Desde o início da obra, foram investidos na limpeza do rio R$ 1,7 bilhão de reais. São Paulo luta há anos para despoluir seus principais rios, Tietê, Tamanduateí e Pinheiros. O Pinheiros deve ser o primeiro a ter o problema resolvido.

Estratégia tucana

Dos quatro governadores eleitos pelos tucanos em São Paulo, de 1994 até hoje, dois foram indiciados pela Polícia Federal. É algo bem preliminar: falta a opinião do Ministério Público, a aceitação do processo pela Justiça, o julgamento. Mas chama a atenção a tranquilidade tanto de Serra quanto de Alckmin. Nenhum dos dois manifestou indignação. Parecem sossegados.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 16 de julho de 2020

CRESCE QUEM NO ANO QUE VEM?

 

CRESCE QUEM NO ANO QUE VEM?

O presidente Bolsonaro vive sua pior hora: menosprezou a pandemia, fez pouco das mortes (“todo mundo morre”, “não sou coveiro”, “e daí?), achou que lotando o Ministério da Saúde de pessoas alheias aos problemas da área provaria que hidroxicloroquina curaria qualquer moléstia, desafiou os outros poderes e teve de engoli-los, posou de Super-Homem quando era Clark Kent. Enfrenta problemas que atingem gente próxima e ameaçam seus filhos. Sua política ambiental tende a gerar represálias internacionais. Levou pancada até do Facebook e do Twitter. O partido que quer organizar não anda. Vai mal na pesquisa, longe dos dias em que quase ganhou no primeiro turno.

Mas estamos em 2020 e a eleição presidencial, a única coisa que parece interessá-lo, é em 2022. Um dia a pandemia se acaba. O noticiário mostrará um imenso crescimento econômico, com grande ampliação do número de empregos (tudo verdadeiro: saindo do fundo do poço, cada metro vale muito, embora estejamos ainda longe da altura de onde caímos). E, principalmente, o Governo terá percebido a força eleitoral do atendimento direto aos mais pobres, com algo semelhante ao coronavoucher. Não devemos esquecer que o ministro Paulo Guedes é discípulo das ideias de Milton Friedman, o criador do Imposto de Renda Negativo. Algo do tipo “quem tem, paga; quem não tem, recebe”. Bolsa Família é bagatela perto disso.

Se conseguir deixar de provocar crises diárias, Bolsonaro pode crescer.

Mas…

O presidente tem um jeito bem pessoal de enfrentar problemas: ele os nega. O Covid é “uma gripezinha”, o desmatamento-recorde na Amazônia é prova de que nunca se desmatou tão pouco. E, se os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, confirmam o recorde, demite seus chefes. No ano passado, demitiu o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, e nomeou o interino que está lá até hoje; agora, demitiu a coordenadora dos programas de alerta sobre desmatamento, Lúbia Vinhas. O vice-presidente Mourão admite o desmatamento e promete reduzi-lo. Mourão, com Paulo Guedes, Roberto Campos Neto e Tereza Cristina, tenta acalmar investidores brasileiros e europeus, garantindo que as exportações saem de terras legais, sem “grilos”. Guedes levou essa garantia à reunião da OCDE, que reúne boa parte dos países que importam alimentos do Brasil e pensam em boicote.

… há crises no horizonte

É provável que o duelo entre o Ministério da Defesa e o ministro Gilmar Mendes, do STF, esfrie: a turma do deixa-disso já entrou em ação, o ministro já representou à Procuradoria-Geral da República, e talvez, após mostrar que aceitou o desafio, não faça pressão para que a coisa ande. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tem ótimas relações com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que trabalhou com ele no Supremo. As outras crises, referentes a inquéritos sobre notícias falsas e dinheiro ilegal para gerá-las, têm mais potencial de gerar problemas.

Sugestão de Mourão

O vice Mourão, em entrevista, disse que a criação de um imposto sobre transações financeiras terá de ser discutida. Esse tipo de imposto já causou a derrubada de um secretário da Receita, Marcos Cintra, por ordem direta do presidente Bolsonaro. A ideia terá dificuldades para passar no Congresso, mas é defendida também pelo superministro da Economia, Paulo Guedes.

Boa notícia

O Instituto Butantan, de São Paulo, iniciou ontem o recrutamento de nove mil voluntários, todos profissionais de saúde, para a última fase de testes da vacina contra o coronavírus desenvolvida pelos chineses do Sinovac Biotech e o próprio Butantan. Os testes ocorrerão em vários Estados brasileiros. Clique aqui e entre na página para seleção dos voluntários.

Lava Jato no Centrão

A Operação Lava Jato de São Paulo promoveu busca e apreensão em imóveis ligados ao deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, dirigente do Partido Solidariedade e integrante do Centrão, bloco de parlamentares que apoia Bolsonaro. De acordo com nota da Polícia Federal, diversas operações financeiras do parlamentar indicam a possibilidade de lavagem de dinheiro. Há pouco mais de um mês, Paulinho foi condenado no STF a dez anos de prisão, por crime de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ainda há possibilidade de recurso, no próprio Supremo.

Um ou outro

Comenta-se que o primeiro-ministro de Singapura, Lee Kwan Yew, disse que tinha dois caminhos possíveis como dirigente da nação: corromper-se, enriquecer a família e nada deixar à população, ou transformar o país numa potência econômica em que todos seriam mais prósperos. Escolheu a segunda opção. Muitos políticos brasileiros, como Lee Kwan Yew tinha já escolhido esse lugar, acharam que não havia saída exceto escolher o outro.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 13 de julho de 2020

DO TAMANHO DE UM COMETA

 

DO TAMANHO DE UM COMETA

O famoso Queiroz, amigo de Bolsonaro, arrecadador da rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, disse aos poderosos que tomassem cuidado e procurassem ajudá-lo, pois o Ministério Público “tinha uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente”. Bom, saiu uma medida em favor de Queiroz: por liminar do Superior Tribunal de Justiça, foi-lhe concedido o direito a prisão domiciliar. Sua mulher, foragida, também ganhou o direito à prisão domiciliar, para cuidar do marido. Mas os deuses, diziam os gregos, quando queriam destruir alguém, atendiam a seus desejos. O que Queiroz sabe, ou não, ainda não foi apurado; mas a crença geral é que sabe muito. Em casa, preso, com endereço conhecido, mais a tornozeleira informando o tempo todo onde está, Queiroz precisa de algo mais: uma vigilância armada, contínua, bem treinada. Não para impedi-lo de fugir, mas para garantir-lhe a vida. Quando prende alguém, o Estado assume responsabilidade pelo preso. E Queiroz, na condição presumida de arquivo vivo, corre risco efetivo, real. Arquivos são implacáveis, mas são também apagáveis.

O ex-PM Adriano, que foi colega de farda de Queiroz, era considerado também um arquivo vivo. Foi morto na Bahia e, entre as versões sobre o tiroteio em que morreu, está a de que não lhe foi dada a oportunidade de se render. É de se esperar que seja oferecida ampla proteção a Queiroz, seja ele culpado ou inocente. É horrível imaginar que, preso, estaria mais seguro.

Banho maria

Nenhuma das investigações até hoje realizadas no centro do poder chegou ao presidente Bolsonaro. Mas todas estão em áreas próximas a ele. A última chegou a poucos metros de seu gabinete: o Facebook, investigando as redes de desinformação em onze países, identificou no Brasil 88 contas, páginas e grupos que trabalhavam com identidade falsa em favor do atual Governo. Um dos alcançados trabalha com um dos filhos do presidente, Carluxo, o 02, no que se costuma chamar de Gabinete do Ódio. É Tércio Arnaud Queiroz, assessor especial da Presidência da República, colaborador antigo e fiel, que trabalha no Palácio do Planalto. Essas redes operam desde a campanha que levou Bolsonaro ao poder. E as informações levantadas pelo Face poderão ser solicitadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, que investiga as acusações de que houve abuso de poder econômico na campanha eleitoral. Claro que esse tipo de pena depende mais da temperatura política do que do problema legal. Mas a lei diz que pode levar à cassação da chapa e a novas eleições.

É coisa nossa

Bolsonaro se irritou e defendeu, em live, os acusados de criar falsos perfis no Face. Disse que há uma onda de dizer que há assessores que recebem dinheiro público para promover o ódio. “Me apontem um texto meu de ódio ou dessas pessoas que estão do meu lado. Apontem uma imagem minha de ódio, no meu Facebook, dos meus filhos. Não tem nada”. Mas o Face não retirou as páginas pelo conteúdo, mas pela falsificação de perfis. O presidente tomou outra iniciativa: afastou os vice-líderes mais belicosos e trocou-os por parlamentares do Centrão, mais afeitos a acordos. Neste momento, acossado, Bolsonaro tende mais ao amor do que à guerra.

Pau a pau

É provável que tenha sido coincidência, e não ação combinada entre duas empresas do mesmo grupo, Facebook e WhatsApp. Mas, há poucos dias, o WhatsApp cancelou dez canais administrados pelo PT. Segundo a empresa, os bloqueios ocorreram devido ao envio de mensagens em massa ou operadas por robôs. Um dos canais é administrado pelo gabinete da presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann. Outro é o grupo de divulgação oficial das notícias do partido, o Zap do PT. O partido, em nota, diz que não distribui mensagens em massa nem divulga desinformação. A deputada Gleisi Hoffmann diz que estuda as medidas judiciais cabíveis. O Zap do PT, de acordo com o partido, muda para o aplicativo Telegram.

Boa notícia 1

Enquanto o Governo brasileiro sofre pressão de investidores estrangeiros para cuidar do meio-ambiente, do desmatamento da Amazônia (que, diz o jornal francês Le Monde, bateu os recordes dos últimos onze anos) e para reduzir as emissões de carbono, a Advocacia Geral da União, AGU, obteve o bloqueio de R$ 570 milhões de bens de desmatadores da Amazônia. Este bloqueio serve para garantir a reparação de danos ambientais e o pagamento de indenizações por danos morais coletivos, em caso de condenação. Os recursos bloqueados são de seis desmatadores de Gaúcha do Norte, MT.

Boa notícia 2

A informação é da Serasa Experian: a busca de crédito cresceu 13,1% em maio, com relação ao mês anterior. É o primeiro aumento da série mensal em três meses, e atingiu todas as faixas de renda. Uma parte é renegociação de dívidas; mas há indicações de que parte é para a recuperação de consumo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 09 de julho de 2020

AGORA E NO GOGÓ

 

AGORA É NO GOGÓ

É entusiasmante ouvir o superministro Paulo Guedes, o Posto Ipiranga da Economia: disse à CNN (a propósito, é bom acompanhar a CNN: tem feito um belo trabalho, com a divulgação de notícias exclusivas) que “o Brasil já está saindo do buraco”, que as vendas para a China nos mantêm equilibrados, e que o Governo prepara quatro grandes privatizações no próximo trimestre.

É decepcionante acompanhar o destino de promessas anteriores. Há onze meses, Guedes apresentou lista de 17 estatais a ser vendidas de imediato. Há poucos dias, seu secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, disse que o Governo quer privatizar ao menos doze estatais. Destas, seis estavam na lista do Posto Ipiranga, de empresas a vender imediatamente em 2019. E quando Mattar espera privatizá-las? Em 2021. Isso se não houver problemas. A julgar pela propaganda oficial, talvez haja: diz a propaganda que em 2015, final do Governo Dilma, as estatais davam enorme prejuízo, e agora, com um ano e pouco de Bolsonaro, dão bilhões de lucro. A propósito, não podemos esquecer o Plano Marshall (ou PAC 2) oficialmente anunciado: por sua concepção, vai precisar de estatais para tomar conta dele. E há ainda a aproximação do Governo Bolsonaro com o Centrão: o presidente precisa dos parlamentares para manter-se no cargo, e os parlamentares precisam de cargos para reeleger-se. Estatais, pois. Prometer é fácil – tanto que Guedes, confiante na falta de memória, promete a mesma coisa várias vezes.

Como diria Tite…

Por falar em prometer, Guedes prometeu, em vídeo, que a aprovação da reforma tributária ocorrerá neste ano. Disse que o projeto está pronto para enviar ao Congresso e espera vê-lo aprovado em 90 dias. Mas o próprio Posto Ipiranga mostra que isso será muito difícil: gostaria, por exemplo, de propor um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 10 ou 11%, mas para isso precisaria ter a “tributação digital” (imposto sobre movimentação bancária), “e infelizmente o Congresso interditou esse debate”. No Congresso, diz, há propostas de IVA de até 30%, que, a seu ver, “quebra o comércio e o setor de serviços”. Como se vê, um debate difícil (e longo). Bolsonaro já disse que é contra a tal “tributação digital”, identificadíssima com a velha CPMF. Como debater com o Congresso sem apoio do Executivo? Indo mais longe: em novembro há eleições municipais, e o Congresso se esvazia. Depois das eleições, vêm as festas de fim de ano. Retoma-se o trabalho no ano que vem.

…fala muito!

Mas imaginemos que tudo fique prontinho a tempo de ir ao Congresso e torcer pela aprovação neste ano. A reforma administrativa de Guedes está pronta e com Bolsonaro desde meados de fevereiro. De lá não saiu até hoje.

O importante é ter saúde

O presidente Bolsonaro estar com coronavírus é algo a se lamentar. Saúde é o que todos devem desejar-lhe, sejam favoráveis ou contrários a ele. A vida de um ser humano, já ensinava o pastor John Donne há mais de 500 anos, é parte da vida de toda a Humanidade. E a quem o acuse de debochar da grave doença, um lembrete: se Bolsonaro errou, seja diferente, não repita este erro.

A volta do general

Lembra-se do general Santos Cruz, amigo de Bolsonaro, afastado do cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo depois de uma guerra que lhe foi movida pelos seguidores de Olavo de Carvalho, entre eles pelo menos um dos filhos do presidente? Santos Cruz está de volta, com disposição para briga. Abriu processo contra Olavo de Carvalho, o guru da “ala ideológica” do bolsonarismo, e dois militantes, acusando-os de ofensas nas redes sociais. Pede indenizações que, somadas, atingem R$ 140 mil, e irão para instituições de caridade. As investigações passarão, informa, pelo entorno de Bolsonaro.

Família é entorno?

Flávio, o filho 01, Carluxo, o 02, Eduardo, o 03, enfrentam problemas que podem levá-los a julgamento. Santos Cruz não quer que ninguém lhe peça perdão, mas garante que não vai transigir. “Vou até o fim”, disse à revista Época, “com qualquer consequência. Não é só pela honra pessoal. É funcional também. Eu era ministro! Quem é que tem a ousadia de fabricar um documento grotescamente falso e fazer chegar ao presidente da República? É crime. É uma ousadia, porra! Quero saber como isso chegou ao celular do presidente. Quem enviou?” O presidente recebeu mensagens de WhatsApp atribuídas a Santos Cruz em que teria se referido desrespeitosamente a ele. Completa o general: “Esses vagabundinhos que fizeram isso foram tão amadores que sequer checaram que na hora da falsa mensagem eu estava em voo. São amadores, para minha sorte.” E para azar do presidente, que também não verificou esse pequeno detalhe.

Questão de utilidade

O Gabinete de Segurança Institucional não verifica currículos. Nem mensagens. Ou não é acionado para isso. Em qualquer caso, qual sua função?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 06 de julho de 2020

O PAÍS DO TIRIRICA

 

O PAÍS DO TIRIRICA

Há 50 anos, na ditadura que dizem que não houve, Carlos Lacerda estava preso na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio, e fazia greve de fome. Já passava mal, mas não desistia. Seu médico lhe disse: “Carlos, hoje é feriado, a praia está lotada, ninguém vai perceber se você morrer hoje. Você quer ser Shakespeare no país da Dercy Gonçalves”. Lacerda desistiu, voltou a comer.

*O presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, que cuida de atrair os turistas estrangeiros, tem inglês comparável ao do técnico Joel Santana.

*Gabinete do presidente Bolsonaro. O presidente da Embratur canta uma composição de louvor a seu chefe e se acompanha na sanfona. Deprimente.

*Ministro do STF, Alexandre de Moraes dança com índios (lembra de Chico Anysio, “Pezinho pra frente, pezinho pra trás”?) Deprimente.

*Lembra do sujeito que pôs fogo num ônibus em frente ao Palácio do Planalto, dia 25, gritando “Fora, Bolsonaro”? Foi detido. E libertado no dia 27. Segundo a Justiça, sua conduta foi grave, mas “não causou significativo abalo da ordem pública nem evidenciou periculosidade”. Sem comentários.

Então, tá

Mas ele, diz a Justiça, tem condições pessoais favoráveis. É primário, tem bons antecedentes, residência fixa, trabalho lícito. Mesmo assim, está proibido de sair do Distrito Federal por mais de 30 dias e mudar-se sem avisar à Justiça. Tem de comparecer a qualquer ato do processo. Sem moleza.

Serra na mira

A Operação Lava Jato denunciou o senador José Serra, ex-governador e ex-ministro, PSDB, por lavagem de dinheiro. Diz a denúncia que Serra, quando governador, recebeu propinas da Odebrecht em troca de benefícios na obra do Rodoanel, estrada que liga as rodovias que chegam a São Paulo e, quando pronta, terá 176 km de extensão. A Odebrecht teria pago a Serra R$ 27,8 milhões, via empresas no Exterior, para encobrir o destinatário da propina. A filha de Serra, Verônica, também foi denunciada.

Serra reage

O senador Serra reage de duas maneiras: nega ter recebido dinheiro ilegal e diz que a denúncia não poderia ter sido feita, porque o caso já foi julgado pelo STF, que decidiu pela prescrição. É verdade: fatos anteriores a 2010 já estavam prescritos. O inquérito nascido da delação da Odebrecht foi enviado à Justiça Eleitoral e lá arquivado (ou seja, não havia prova de culpa). Pela lei, uma pessoa não pode ser denunciada duas vezes pelo mesmo fato. Serra já tinha sido denunciado e recebido a decisão do Supremo e do TSE.

A brecha

A Lava Jato alega que, embora as propinas de que acusa o ex-governador tenham ocorrido antes de 2010, a movimentação do dinheiro, para escondê-lo, havia ocorrido até 2014, pelo menos. Desta maneira, a denúncia de agora não seria a mesma que já foi rejeitada pelo Supremo. É briga de porte.

Acredite se quiser

A Lava Jato de Curitiba incluiu, numa ação que investiga doações ilegais de campanha eleitoral, o nome dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre. Os dois têm foro especial e não podem ser julgados por juiz singular, de primeira instância. Mas o juiz aceitou receber a ação, por não reconhecer a maneira curiosa pela qual Maia e Alcolumbre foram citados: “Rodrigo Felinto” e “David Samuel”. Não está errado, mas não são os nomes que usam no dia a dia, nem seus nomes parlamentares. Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia é o nome completo de Maia, e David Samuel Alcolumbre Tobelem o de Alcolumbre. A Lava Jato alega que não usou os nomes truncados para que ficassem despercebidos e o processo fosse aceito: põe a culpa num “assistente inexperiente”, que não sabia os nomes e os truncou. O juiz que substituiu Sérgio Moro em Curitiba, Luiz Antônio Bonat, disse que não sabia de nada. Há um outro probleminha: a questão já estava no Supremo. Uma pessoa não pode ter duas denúncias por um só caso.

Voltando a Tiririca

A mulher do governador de São Paulo, Bia Dória, presidente do Fundo Social, destinado a amparar as pessoas mais pobres, disse em entrevista que não é correto dar comida ou roupa a moradores de rua. Bia Dória falou com Val Marchiori, estrela do reality Mulheres Ricas. E por que negar auxílio a moradores de rua? “Porque – disse Bia Dória – eles precisam saber que têm que sair da rua, um local que hoje é confortável para eles. A pessoa (…) quer receber comida, roupa, uma ajuda, e não quer nenhuma responsabilidade. Isso está muito errado”. João Dória (PSDB) quer ser candidato à Presidência.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 25 de junho de 2020

A HORA DA VACINA

 

A HORA DA VACINA

Ainda há tempo para 2020 terminar bem: a vacina inglesa desenvolvida pelo Imperial College de Oxford e os laboratórios Astra-Zeneca vai bem nos testes e está quase no ponto de ser produzida em todo o mundo, incluindo o Brasil. Nesta semana, disse o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, pode ser assinado o acordo do Laboratório de Manguinhos e da Fundação Oswaldo Cruz com os ingleses. A Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, e a Fundação Jorge Paulo Leman podem aplicar vacinas em voluntários. É a última etapa antes da produção em massa.

Simultaneamente, o Instituto Butantan, da Universidade de São Paulo, se apronta para produzir a vacina chinesa da Sinovac. Pelo menos mais duas vacinas estão no forno, criadas pelas americanas Gilead e Moderna. A OMS ainda estudará a taxa de imunização de cada vacina, para estabelecer os seus protocolos. Mas, enquanto os estudos tentam apontar a mais adequada, todas estarão à disposição para prevenir a doença. Nada impede que todas acabem sendo indicadas: no caso da paralisia infantil, a vacina mais usada no mundo é a Sabin (a da gotinha), mas a Suécia faz a vacinação com a pioneira Salk.

Quando começa a vacinação em massa, como será distribuída a produção mundial de vacinas? Não há resposta exata, ainda, mas a vacinação em massa está perto de começar. Espera-se ainda a aprovação de remédios para quem já pegou a doença. Enfim, o Covid poderá ser comparado a uma gripezinha.

Brasil prioritário

Reafirmando: ao se envolver diretamente nos testes com duas das vacinas, o Brasil estará na lista prioritária para importá-las e produzi-las. A prioridade é essencial: imaginemos que 25% da população mundial tenham de ser vacinados. Serão dois bilhões de doses, se a imunização pedir uma só dose. Produzir dois bilhões de vacinas leva tempo e muitos países ficarão para trás

O custo da vida

Comenta-se, sem maiores detalhes, que a vacina não deve ser cara e que, produzida em bilhões de doses, o custo tende a se reduzir. Mas chegar a ela custou caro: entraram no jogo fundações como a de Jorge Paulo Leman (um dos maiores acionistas da AB-Inbev, da Heinz, da Burger King) e a de Bill Gates, da Microsoft, além dos gigantes farmacêuticos mundiais. Trump pôs em dúvida, antes, a gravidade do Covid, e virou cloroquineiro – igualzinho, igualzinho. Mas mostrou que era diferente ao perceber a gravidade do Covid, e o Governo americano colocou algo como US$ 1 bilhão na Moderna, na busca da solução. Este colunista não se surpreenderá se for informado de que as despesas na busca da vacina e do remédio alcançaram uns US$ 10 bilhões.

Dúvida

O escritor Olavo de Carvalho gravou vídeo em que se queixa de não ter tido qualquer auxílio do Governo e ameaça derrubar Bolsonaro se não o receber. Quantificando, são R$ 2,8 milhões de multas à Justiça, mais recursos para que continue vivendo nos EUA. Disse que condecoraçõezinhas não quer e sugeriu que Bolsonaro as coloque num local que vive citando, até em reuniões ministeriais. A dúvida: já deram ajuda a Olavo de Carvalho? E, como não recebeu nenhuma condecoração, sua sugestão terá sido seguida?

Dia bom

O Senado deve votar hoje o Marco do Saneamento Básico, pelo qual a iniciativa privada terá papel preponderante em levar a toda a população do país os esgotos e a água potável até 2033. Hoje, mesmo cidades como o Rio e São Paulo dispõem de saneamento básico insuficiente – e o presidente até já apresentou isso como uma virtude, o brasileiro precisa ser estudado, pula no esgoto e não acontece nada. Saneamento básico para todos representará forte queda na mortalidade infantil, redução dos custos do SUS, facilidade para o combate a doenças transmitidas por insetos e por roedores. Mais: são obras razoavelmente simples, que empregam muita gente e que podem atrair investimentos calculados em R$ 700 bilhões. Aprovado (e implantado) este Marco do Saneamento Básico, a história do Brasil se dividirá em duas partes.

Números

Hoje, metade da população não tem água tratada. E 1/7 não têm esgotos.

Os extremos se tocam

A casa em Atibaia (que não é nem de Lula nem de Queiroz, mas de amigos deles) não é a única coisa comum a ambos os casos. As explicações são sempre curiosas: nas duas casas o dono não aparece, uma tem placa de escritório de advocacia, e um cavalheiro fica um ano morando lá sem que o dono saiba (isso na primeira versão: na segunda o dono sabe, mas prefere nada comentar para que outro de seus clientes, embora amigo do cavalheiro escondido, não se preocupe). E neste ano jamais conversaram. Normal, né?

Quem defende

Wasseff tinha procuração de Bolsonaro. Karina Kuffa disse que o cliente era dela. Ele então desistiu de defender Flávio. Mas a briga era pelo outro!


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 22 de junho de 2020

OS NOTÁVEIS JÁ COMANDAM

 

OS NOTÁVEIS JÁ COMANDAM

Há um importante grupo no Governo Federal (chamado genericamente de área militar, embora nem todos os militares que estão no Governo pertençam ao grupo, embora nem todos no grupo sejam militares) que se preocupa com o desgaste político do presidente. Quando até Olavo de Carvalho ameaça derrubar o Governo, quando a prisão de um tal Queiroz, confesso adepto de práticas pouco ortodoxas de arrecadação ameaça atingir a própria família do presidente, o grupo quer reverter a situação com um Ministério de Notáveis.

O nome foi criado no Governo Fernando Collor, com o mesmo objetivo, e houve a ocupação de ministérios por pessoas notáveis. Não adiantou: Collor sofreu impeachment (e mais tarde acusou os notáveis de traição).

Acontece que o presidente Bolsonaro já formou um Governo de notáveis. O ministro do Meio-Ambiente assistiu a uma bela afrouxada na fiscalização ambiental, os dois ministros da Educação que se sucederam foram notáveis pela despreocupação com problemas educacionais, o ministro da Saúde não tem experiência no assunto – mas tudo bem, ele aprende, basta esperar algum tempo e assistir a mais alguns milhares de mortes na pandemia – e até agora só se cercou de militares, sem se contaminar com a presença de especialistas em saúde pública. E há a ministra Damares – querem figura mais notável?

O chanceler pediu o apoio dos EUA ao candidato brasileiro ao BID, para derrotar a Argentina. Trump não deu apoio e ainda lançou candidato próprio. O Itamaraty agradeceu. Perdoa-me por me traíres, diria Nelson Rodrigues.

Posto notável

Há Paulo Guedes, o Posto Ipiranga. Das três reformas que achava essenciais e urgentes, uma, a da Previdência, foi aprovada graças a Rodrigo Maia, e era diferente da que propôs. A administrativa está passando numa boa – uma boa temporada nas gavetas de Bolsonaro, onde estão há um ano. A tributária será proposta algum dia.

O tempo passa

A propósito, não botemos a culpa da pandemia: de janeiro de 2019 a março de 2020, houve tempo. Mas Bolsonaro preferiu, entre outras coisas, analisar esteticamente a esposa do presidente francês. E o Posto Ipiranga se calou, posto em sossego.

As notáveis consequências

As ações do notável Ministério provocam problemas também notáveis: um dos mais graves é dificultar o acordo Mercosul-União Europeia e colocar em risco o comércio já existente entre europeus e o Brasil. Menos pelas queimadas na Amazônia e mais pelas declarações de que isso não tinha importância, o Brasil sofreu bloqueio de recursos europeus destinados à preservação. Some-se a isso frases de Bolsonaro sobre reservas indígenas e o afrouxamento da fiscalização ao desmate ilegal (antes, equipamentos usados em desmatamento ilegal eram incendiados. Agora, são devolvidos), e há restrições de parlamentos de países europeus ao acordo. A Europa se beneficiaria com ele – estima-se que suas empresas poupariam € 4 bilhões ao ano. Mas é fácil boicotar o acordo: a imagem internacional de Bolsonaro é ruim (basta ver como é tratado pela imprensa europeia), e o lobby dos agricultores europeus contra o agronegócio brasileiro, com o qual não conseguem competir, usa isso contra o Brasil. Tirando a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ninguém dialoga com os clientes.

Duvidar é preciso

Fabricio Queiroz, amigo de Bolsonaro, assessor de seu filho Flávio, foi preso na casa de Atibaia de um advogado de Flávio. Não estava escondido, mas hospedado: não havia nenhuma ação legal contra ele. Mas o advogado, em várias entrevistas, disse não saber onde ele estava. Aliás, se é do Rio e se tratava de câncer em São Paulo (onde Veja o entrevistou, no Hospital Albert Einstein), por que foi morar em Atibaia, a 60 km de distância? O presidente Bolsonaro disse que é porque a casa do advogado ficava perto do hospital onde se tratava. Enganou-se: o Hospital Nova Atibaia, onde ele disse fazer o tratamento, negou a informação. E o Einstein fica longe: dá uns 80 km, com o trânsito paulistano no caminho. Outra dúvida: se Bolsonaro e Flávio não tinham contato com Queiroz, como o presidente sabia do hospital de Atibaia? E por que surgiriam a respeito dele tantas invenções? Questão de hábito?

O outro também

Boa parte da argumentação bolsonarista nas redes sociais se refere ao caso Queiroz como perseguição política. Havia 20 gabinetes parlamentares que, segundo o Coaf, tinham movimentação financeira atípica. Flávio Bolsonaro era o 19º da lista, com R$ 1,3 milhão (Queiroz era o operador). A lista era encabeçada pelo gabinete de um deputado petista, André Ceciliano, com 49,3 milhões. É natural que um assessor do filho do presidente eleito fosse mais citado que os demais. Mas o justo é que contra todos os envolvidos na lista haja um inquérito semelhante. Justiça é Justiça, sem perseguir ninguém.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 18 de junho de 2020

A BALA DE PRATA E O LENTO MOINHO

 

A BALA DE PRATA E O LENTO MOINHO

As afirmações de Sérgio Moro não foram a bala de prata que iria liquidar o Governo Bolsonaro. A grotesca reunião do Ministério em que se tratou de tudo, menos de administração e de combate à pandemia, também não foi o tiro decisivo. Bolsonaro buscou apoio nas Forças Armadas, lançou ameaças, disse várias vezes que sua paciência estava finda. Bem, há mais de cem anos o Leão da Metro ruge nas telas, e até hoje nunca feriu ninguém.

Empate? Não: a grande ameaça ao Governo Bolsonaro vem sendo forjada aos poucos. O moinho da Justiça mói lentamente, mas o que mói vira farinha. Bala de prata para que? O maior risco que Bolsonaro corre é ser corroído pelas beiradas, por inquéritos sobre apoiadores, financiadores e movimentos ilegais na campanha eleitoral. O general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, um dos primeiros a sentir a direção dos ventos, advertiu indiretamente o Tribunal Superior Eleitoral a “não esticar a corda”. O problema é que há mais de uma corda: o inquérito das fake news ameaça o Gabinete do Ódio, área de propaganda onde se movem com facilidade dois dos filhos do presidente; o inquérito no Rio sobre as rachadinhas, pelas quais um parlamentar se apropria de parte dos salários de assessores, é um risco para Queiroz – lembra-se dele? – que já disse que seu chefe Flávio Bolsonaro de nada sabia, mas que o dinheiro ilegal pagava mais gente para auxiliá-lo. Talvez surja uma bala de prata, mas não é essencial.

Em nome do filho

Até agora, sabia-se que no fim do arco-íris dos inquéritos estavam os filhos 01, 02 e 03 do presidente da República – mas isso não era dito por ninguém. O silêncio terminou: o procurador Sérgio Pinel, do Ministério Público do Rio, citou “fortes indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro” contra Flávio Bolsonaro. Segundo o jornal O Globo, desde 2003, quando assumiu seu primeiro mandato, Flávio comprou 19 imóveis.

O moinho mói

Há dois inquéritos em que o resultado das investigações é intercambiável: o do TSE, no qual corre o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, e o das fake news, do STF. Há quem conteste a legalidade do inquérito das fake news, por ter sido aberto no Supremo sem que alguém o acionasse. Mas, quando Sérgio Moro deixou escapar a gravação da conversa em que Dilma prometia a Lula que o “Bessias” lhe levaria a nomeação para o Ministério, evitando que os federais o incomodassem, estava na ilegalidade (a gravação foi feita fora do prazo permitido), tanto que pediu desculpas e foi advertido, mas Lula não virou ministro e o Governo Dilma acabou em impeachment. E quem julga a legalidade de um inquérito no Supremo? O próprio Supremo.

Virando farelo

A constatação de que Bolsonaro ocupou todo o espaço político, a ponto de fazer oposição a si mesmo, vale também para apoiadores e ministros. Sair disfarçado de Ku Klux Klan, grupo racista e criminoso dos EUA, jogar fogos de artifício no Supremo, desafiar um ministro do STF para uma briga de rua… nem se a oposição fosse competente desgastaria tanto o Governo. E aí vem o ministro Weintraub apoiar os desordeiros. Até Bolsonaro, sempre beligerante, disse que Weintraub se tornou um problema. Mas resolvê-lo é difícil. Os filhos do presidente e o escritor Olavo de Carvalho, a quem muito prezam, apoiam Weintraub. Há militares dentro do Governo que adorariam afastá-lo. Olavo ataca os militares, que não reagem publicamente. Curioso é que tanto os que querem manter Weintraub quanto os que querem afastá-lo não discutem seu desempenho na Educação (talvez porque não haja nada a discutir). Discute-se quem manda mais, quem são os favoritos de Bolsonaro.

Para as duas alas e para o ministro, Educação é apenas um detalhe.

Multa para poucos

Por decreto do governador Ibaneis Rocha, é proibido andar nas ruas de Brasília sem máscara facial. Bom, os vinte ou trinta ativistas comandados por Sara Winter montaram um acampamento em lugar proibido e ficaram lá por vários dias; quando desalojados, montaram tranquilamente as bases para o lançamento de fogos de artifício contra o edifício do Supremo. Nenhum jamais usou máscara, exceto quando se disfarçaram de Ku Klux Klan, com tochas e tudo, para manifestar-se contra o Supremo. O presidente Bolsonaro cansou de circular sem máscara pela cidade. Aliás, em um mês de vigência da obrigatoriedade da máscara, só três multas foram aplicadas. O terceiro dos multados foi Weintraub, quando se juntou a um grupo de manifestantes.

Por que só ele, e não os manifestantes também? Por que só ele, e não o presidente Bolsonaro, que deveria dar o exemplo? Parece perseguição. E é.

Sem fantasia

Cinco partidos (Cidadania, PSB, PDT, PV e Rede) apresentaram pedido de impeachment de Bolsonaro. Não é para valer. Rodrigo Maia vai deixá-lo em banho maria. Só anda se houver uma tremenda crise, além das atuais.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 15 de agosto de 2019

CADA QUARADO NO SEU QUADRADO

 

 

CADA QUADRADO NO SEU QUADRADO

Um economista que sabe das coisas diz que se você volta à Argentina vinte dias depois de ter saído, vê que tudo mudou. Se volta depois de vinte anos, vê que nada mudou.

Faz uns noventa anos que a Argentina, com raros intervalos, é peronista. Houve até luta armada e sangrenta entre peronistas de extrema direita e de extrema esquerda. Inimigos, inconciliáveis, mas todos peronistas.

É difícil de entender? Por isso mesmo o presidente Bolsonaro se coloca em má posição ao envolver-se na política interna de los hermanos. Põe em risco, por exemplo, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, importantíssimo para nosso futuro. Ameaça as boas relações com nosso terceiro maior parceiro comercial, que nos rende uns 4 bilhões de dólares ao ano de superavit. Esquece que a Argentina é o país que mais importa carros brasileiros. Não se diga que que lutar contra a esquerda é mais importante do que manter boas relações comerciais e de amizade com nosso vizinho. A China é uma ditadura comunista, que mantém fortes laços com um partido que faz oposição ferrenha a Bolsonaro, o PCdoB, mas com a China ninguém mexe. Será a Argentina mais esquerdista que a China? Não: essa história de fronteiras ideológicas é para boi dormir. Os argentinos são como são. E não querem nem aceitam conselhos.

Cartão amarelo

Se na eleição argentina se repetir o resultado da prévia, Macri estará derrotado no primeiro turno, e Alberto Fernandez, o poste escolhido por Cristina Kirchner (sua candidata a vice) será o próximo presidente. Se deixar a raiva de lado, Bolsonaro verá claramente o motivo da fraqueza de Macri: ele era a esperança de reverter o caos econômico do kirchnerismo. E não atendeu as expectativas. Seu liberalismo econômico foi para o brejo na primeira oportunidade: como a inflação não cedia, congelou os preços. E, como de costume, não deu certo. Ruim por ruim, escolheram o passado.

Manda pra nós

As incessantes declarações de Bolsonaro sobre qualquer tema que se apresente são levadas a sério no mundo desenvolvido. Já teve problemas com Noruega e Alemanha; e continua falando. A Alemanha cortou 150 milhões de dólares da ajuda à Amazônia como protesto pelo aumento da derrubada da floresta, e Bolsonaro disse que os alemães deixam de comprar a Amazônia em prestações e que não precisamos desse dinheiro. Mas é um dinheiro que faz falta, e que vem a fundo perdido: é dado, não emprestado.

Retrato do Brasil

Os cálculos são da Anefac, Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, instituição que há meio século se dedica a fazê-los. De março de 2013 até julho de 2019, considerando-se todas as mudanças na taxa básica Selic, os juros reais baixaram 17,24%, caindo de 7,25% ao ano para 6% ao ano. Já os juros cobrados de pessoas físicas subiram 29,05%, subindo de já espantosos 87,97% ao ano para 117,02%. As pessoas jurídicas também foram esfoladas, mas menos: no seu caso, os juros subiram 11,68%, passando de 43,58% para 48,67% ao ano.

Onde se gasta, e como

Vale a pena acompanhar a newsletter Don’t LAI to Me – um trocadilho bilingue que mistura o “não minta para mim” à LAI, Lei de Acesso à Informação. Nela estão os gastos dos diversos presidentes da República em seus cartões corporativos. Dá trabalho acompanhar, mas vale a pena. É grátis: basta entrar no Google em Don’t LAI to me e fazer a ficha. É uma fonte de informações inestimável – e tudo com dados oficiais.

Dinheiro não falta

O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia decidiu, no dia 9 último, conceder aposentadoria a um técnico de nível médio, com R$ 30.956,00 mensais. O salário do técnico de nível médio é de R$ 5.767,91 – o restante é penduricalho, tipo vantagem pessoal eficiência, vantagem pessoal AFI símbolo, função gratificada, etc. Como há o teto constitucional para quem recebe vencimentos do Tesouro, o técnico receberá R$ 30.471,10. Mas dá para viver. Reforma da Previdência só vale para nós, não para eles.

Chegando ao destino

A Reforma da Previdência deve estar pronta para votação na segunda quinzena de outubro. Com isso, o Governo ganha fôlego para investir e, se trabalhar direito, iniciar a recuperação da economia. Já está no forno a medida provisória da liberdade econômica, que reduz a interferência do Governo nas atividades privadas. A reforma tributária, a proposta pelo deputado Baleia Rossi (que se baseou em estudos do economista Bernard Appy), talvez combinada com a de Paulo Guedes, deve rapidamente ser submetida ao Congresso. Pois, como Macri está demonstrando na Argentina, se a economia não andar o Governo perde as eleições.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 12 de agosto de 2019

FELIZ DIA DE QUEM MATOU OS PAIS

 

 

FELIZ DIA DE QUEM MATOU OS PAIS!

Hoje é Dia dos Pais. Dia em que Suzane von Richthofen, condenada por assassínio de pai e mãe (foram mortos a pauladas), está de férias da prisão. Dia em que Alexandre Nardoni, sentenciado pelo assassínio de sua filha de 5 anos (de acordo com a condenação, a menina foi atirada da janela do sexto andar) está de férias da prisão. Mas, diga-se a bem da verdade, este “saidão” do Dia dos Pais (já houve, anteriormente, o “saidão” do Dia das Mães) não beneficia apenas os condenados pela morte de pais ou filhos: estende-se a alguns milhares de pessoas condenadas por crimes diversos. E não se limita ao Dia dos Pais: no total, são nove dias de liberdade – após os quais há sempre uma porcentagem que simplesmente não retorna à prisão.

Uma dúvida: se estas pessoas podem circular livremente em certos dias do ano, por que passam os outros dias na prisão? Se oferecem tanto perigo que precisam ficar presas, por que são libertadas em períodos festivos? Ou oferecem risco (e, nesse caso, o tal “saidão” é estranho) ou não oferecem risco – e, nesse caso, o absurdo é mantê-las presas, ocupando as vagas tão escassas no sistema penitenciário já superlotado.

Parafraseando o notável político baiano Otávio Mangabeira, por mais absurdo que seja o acontecimento, no Brasil há precedente. Mas o “saidão” só encontra precedente numa antiga piada, cuja graça é o absurdo da coisa: a do rapaz que mata o pai e a mãe porque queria ir ao baile de órfãos.

Forte…

Apesar de toda a campanha desencadeada contra ele, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, continua sendo a figura mais popular do Governo. Tem quase o dobro da popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Neste momento, este é seu único trunfo: o apoio do eleitorado. Pois até agora o Governo não se mexeu para ajudá-lo a aprovar uma sequer das medidas que propôs. Talvez ser mais popular do que Bolsonaro lhe custe este preço.

…mas fraco…

Bolsonaro prometeu-lhe o Coaf, que monitora a movimentação de recursos no país. A Câmara Federal rejeitou a mudança (sem que nenhum participante do Governo se movesse) e, diante da possibilidade de que o Senado revertesse a decisão dos deputados, Bolsonaro resolveu deixar tudo por isso mesmo – e prometeu a Moro que Roberto Leonel, indicado por ele para a presidência do Coaf, continuaria no cargo. O Coaf ficaria na Economia mas Paulo Guedes seguiria a política de Guedes.

…e encolhendo

Agora, Guedes e Bolsonaro querem livrar-se da promessa. E Bolsonaro fala em passar o Coaf para o Banco Central, “exclusivamente técnico”. Bolsonaro quer a cabeça de Leonel, que protestou contra a decisão do ministro Toffoli de cortar a ligação do Coaf com o Ministério Público e a Receita – decisão que livrou Flávio Bolsonaro, o filho 01, de incômodas investigações. Moro também teve de concordar com Bolsonaro, que o mandou deixar o projeto anticrime em banho-maria até que seja aprovada a reforma tributária. Em resumo, Moro tem força entre os eleitores, mas não tem força alguma no Governo. Como um bifinho, encolhe quando frito.

A vida como ela é

Frase do presidente Bolsonaro sobre Sérgio Moro: “Eu sou técnico de um time de futebol, e ele é um jogador. Jogador conversa comigo, dá sugestão”. Mas fez questão de dizer que se aconselha com Moro. Agora só falta descobrir se Bolsonaro disse isso para elogiar Moro ou criticá-lo.

O fato

Como dizia Millôr Fernandes, um sábio, “livre-pensar é só pensar”. Pois pensemos: os quatro maiores bancos do país tiveram R$ 20,4 bilhões de lucro, o maior valor já amealhado num primeiro trimestre. Isso pode, talvez, nos ajudar a entender alguma coisa.

Onde estamos?

Dois fatos ocorridos em São Paulo mostram que a democracia está sendo solapada – no mínimo, já está com o cartão amarelo.

Primeiro: a PM paulista invadiu uma reunião de membros do PSOL, pediu a identificação dos participantes e informou que estava monitorando suas atividades. Não havia acusação nenhuma, nem perturbação da ordem, nada que pudesse dar motivo à intervenção da Polícia Militar.

Segundo: no estádio do Corinthians em Itaquera, SP, um torcedor estava gritando contra o presidente Bolsonaro e foi preso. Não bateu em ninguém, não ameaçou ninguém, só manifestou sua opínião. Este colunista não tem nada a favor dos alvos do arbítrio: só iria a uma reunião do PSOL para fazer reportagem e acha que o objetivo de ir ao estádio é torcer pelo seu time e ver o jogo. A política partidária deve ficar de fora. Mas todos exerciam seus direitos constitucionais. Por que a PM os incomodou? Falar mal do presidente virou crime? Com a palavra o governador João Doria.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 08 de agosto de 2019

VAGA-LUMES NAS TREVAS

 

 

VAGA-LUMES NAS TREVAS

Sim, é difícil aguentar um presidente que ataca mortos para atingir os parentes vivos, é difícil aguentar um presidente que nega ter havido ditadura no Brasil, é difícil aguentar um presidente que nomeia o próprio filho. é difícil aguentar um país com mais de 12 milhões de desempregados.

Mas as trevas não são absolutas: há estrelas, há vagalumes, há réstias de luz – e não podemos ignorar o que há de bom, porque indicam melhores dias. A venda de veículos aumentou 12,1% no primeiro semestre, embora, em boa parte devido à crise argentina, as exportações do setor tenham caído. Uma inovação tecnológica importante passou despercebida: a usina flutuante de energia solar, a primeira do país, inaugurada em Sobradinho, na Bahia. Isto muda a vida de toda a região, com energia não-poluente e bem mais barata. A taxa de juros Selic é a mais baixa da história (e a tendência é de queda). O crescimento deste ano, tudo indica, deve ser minúsculo, inferior a 1%; mas houve pequena redução no desemprego, nada que alivie a crise mas que, pelo menos, reverte a tendência dos últimos anos de aumento da desocupação.

Só economia? Não: também há um ou outro raio de luz no comportamento do presidente. Continua adorando conflitos, mas disse, em ótima entrevista ao Estadão, que se não gostar de uma decisão do Supremo terá de aceitá-la, democraticamente. A relação com o Congresso “continua com muito amor e carinho”. Não toca em ruptura das instituições. É pouco, ainda. Mas é bom.

É o que é

Mas Bolsonaro, não esqueçamos, é Bolsonaro, e Bolsonaro continuará sendo. Nesta mesma entrevista, acusa “governadores do Nordeste” de querer a divisão do país. Já ele, Bolsonaro, trabalharia pela união. Pois é, por que não? E certamente busca a união com o inestimável apoio de Carluxo, o filho 02, sempre adepto da conciliação, e do polemista Olavo de Carvalho, que insulta com palavrões, em público, os recalcitrantes que relutam em aderir pacificamente a essa patriótica união.

Seja o que for

Por que governadores do Nordeste desejariam dividir o Brasil? Vários foram eleitos pelo PT ou partidos aliados, talkey? E ficaram chateados, também, quando o presidente os chamou de “governadores de paraíbas”. Na verdade, foi uma escorregada verbal do presidente, em conversa privada, mas que falou, falou, ao criticar Flávio Dino, o governador do Maranhão, a quem considera o pior deles. Dino não é do PT, é do PCdoB, mas isso não faz grande diferença. De qualquer forma, é uma maneira interessante de iniciar um diálogo para unir o país. A propósito, Bolsonaro não parece pensar em divisão geográfica, de criar uma nação nordestina independente. Pensa, sim, numa divisão ideológica, “mortadelas x coxinhas”, “nós contra eles” – no estilo Lula, Dilma e, sem a menor dúvida, do próprio Jair Bolsonaro.

Perdido no espaço

Foram duas declarações, praticamente ao mesmo tempo: na Câmara, o ministro-astronauta Marcos Pontes, a quem os Correios estão teoricamente subordinados, garantiu que não há nenhum procedimento de desestatização ou privatização. E, em outro local, o presidente Bolsonaro garantiu que os Correios serão privatizados, sim. Pontes despertava esperanças de um bom desempenho, mas até agora não deslanchou. Como comprovou no caso dos Correios, em termos de entender o Governo está vivendo no mundo da Lua.

Ao pó votarás

Estudo da Universidade de Brasília (Epidemiologia do Esgoto) informa que a Capital Federal consome algo como oito toneladas mensais de cocaína. O estudo está em poder do ministro Osmar Terra, duro opositor da liberação de drogas. E como se chegou a essa conclusão? Colhendo esgoto em oito pontos diferentes da cidade e buscando os resíduos do pó. Esse resultado põe Brasília bem alto no ranking: consome seis vezes a quantidade de Milão e 22 vezes a de Chicago. Este colunista não entende nada do assunto, talvez esteja perguntando bobagem, mas será que isso não explica alguma coisa?

Banho de sangue

Bolsonaro sugere um projeto de lei que crie o “excludente de ilicitude” – quer dizer, que livre de processo os agentes de segurança que matarem durante operações. Palavras do presidente: “Vão morrer na rua igual barata”. O projeto deve beneficiar também o pessoal das Forças Armadas que atuar em “operações de garantia da lei e da ordem”. Essa proposta está no pacote anticrime proposto pelo ministro Sérgio Moro, mas enfrenta resistências no Congresso – já que abre caminho para casos como o da Rota 66 ou, até, de retorno ao Esquadrão da Morte. Basta matar e arrumar o cenário.

Até amanhã

Bom livro, de bom escritor, lançado num belo lugar: A Mega, de Alex Solomon, contos sobre o Absurdistão. Dia 8, a. Higienópólis, 18, SP.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 05 de agosto de 2019

MITO, LOGO EXISTO

 

 

MITO, LOGO EXISTO

A riquíssima mitologia grega abrigava deuses, semideuses, titãs – estes se tornaram tão poderosos que ensaiaram uma rebelião contra os deuses. Os atuais estudos arqueológicos revelaram uma nova categoria de mitos: os Tantãs. Os Tantãs eram mais poderosos que os Titãs, Sua afiada língua, comprida e venenosa, infundia temor. Mas tinham uma compulsão que os enfraquecia: quando tudo dava certo, queriam imediatamente melar o jogo.

O reino dos Tantãs, assolado há muitos anos por sedentos inimigos que se achavam os únicos deuses, foi retomado; tudo parecia conspirar para que, fosse bom ou mau o governo Tantã, a recuperação fosse rápida. Velhos parasitas perceberam que ou reduziam sua gula ou logo não haveria nada mais para sugar. O Grande Conselho do Ócio despertou, imagine!, com vontade de trabalhar. Os deuses supremos mostraram-se gentis. E foi então que a língua comprida dos Tantãs machucou os Grandes Conselheiros e os deuses supremos. O Alto Comando Tantã aproveitou para fazer desfeita ao chanceler de um país amigo com o qual o reino dos Tantãs fazia bons negócios. E, numa daquelas conversas sem compromisso, jogaram também contra eles a numerosa e influente classe dos Homens da Lei.

Justiça seja feita: não havia na Grécia pontaria melhor que a dos Tantãs. E as usaram com precisão tamanha que nunca erraram um tiro no próprio pé. Como o herói Aquiles, seu ponto frágil foi o calcanhar.

O fim da história

Deuses, semideuses, heróis, titãs, todos acabaram dando nome a lugares e eventos, perdendo importância, transformando-se em mitos. E os Tantãs, que se colocaram como mitos antes de iniciar sua trajetória? Os arqueólogos não chegaram ainda ao fim da história: os manuscritos estão sendo organizados. É difícil: imagine um texto do filósofo Olavóstenes, em grego antigo, lido pela intelectual adversária Dilmápsia. Um dia se saberá.

Briga boba 1

O presidente Bolsonaro não gosta do presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz; e, ao que tudo indica, Santa Cruz também não gosta dele. Jogo jogado. Mas Bolsonaro, numa conversa de barbeiro, desandou a falar sobre o pai de Santa Cruz, preso e morto por agentes da ditadura militar, em 1974. À época, Bolsonaro tinha menos de dois anos de idade. Não tinha nada com isso, não sabia, não tinha como saber – mas disse que a morte não foi causada por agentes da ditadura. Bobagem: Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira foi preso e recolhido pelo CISA, Centro de Informações da Aeronáutica, e disso há registro oficial. Mas não há registro da liberação. Veja clicando aqui a história como ela foi, contada por quem investigou o tema e é um dos mais conceituados advogados brasileiros.

Briga boba 2

Mas, tanto quanto os documentos, vale o desabafo do delegado aposentado Cláudio Guerra, que dirigia o Dops na época. “Como não foi assassinado? Eu é que joguei ele no forno!” O forno a que se refere Guerra é o da usina Cambahyba, em Campos, RJ, muito usado para isso na época.

O Ministério Público Federal denunciou o delegado Guerra por ocultação de cadáver. É difícil que o caso vá em frente: está prescrito e há a anistia.

Briga boba 3

Bolsonaro disse que, se o presidente da OAB quiser saber, ele lhe conta como seu pai foi morto. Em outro momento, disse que Santa Cruz foi morto por militantes esquerdistas em desavenças internas. O problema é que, por lei, se sabe algo a respeito de um crime, tem obrigação de comunicar. Não vai acontecer nada, mas é mais uma chateação por falar sem pensar.

Fora de hora

Bolsonaro criou essa nova discussão (além de ter desmarcado encontro com o chanceler francês, porque ele já tinha conversado com ambientalistas) num momento em que deveria apenas estar festejando: a taxa de juros Selic é baixa, vai baixar mais, o texto da reforma tributária deve ir ao Congresso em outubro, a Petrobras teve lucro recorde no trimestre e, eventualmente, a alta das tarifas de importação imposta pelos EUA à China (que deverá gerar retaliação) pode beneficiar as exportações brasileiras para ambos os países. Mais: de acordo com pesquisa do Congresso Data Room, 41% dos cidadãos acham que o Brasil caminha na direção correta, 36% acham ótimo ou bom o governo Bolsonaro (contra 31% de ruim e péssimo), e aproximadamente um terço do eleitorado o aprova (32%), 34% o desaprova e 34% não opinam. A cereja: apesar dos hackers, o prestígio de Sérgio Moro está inabalado.

Boa, mas nem tanto

O lucro da Petrobras foi excelente considerando-se a receita da venda da TAG, de transporte de gás. Sem a TAG, foi 33% menor que o esperando. Foi de pouco mais da metade do lucro obtido no mesmo trimestre de 2018.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 25 de julho de 2019

DEDO NO GATILHO

 

 

DEDO NO GATILHO

Nosso futuro está sendo decidido bem longe daqui, às margens do Golfo Pérsico, onde o Irã apresou um petroleiro britânico e se recusa a devolvê-lo. O Irã, como há alguns anos o Iraque, parece convencido de que pode vencer uma guerra contra uma grande potência. E a Inglaterra, ainda mais que os Estados Unidos, não costuma aceitar provocações. Já armou uma frota para reconquistar as Ilhas Falklands, ou Malvinas, sem grande valor ou posição estratégica, apenas para retribuir a tomada da área pela ditadura militar da Argentina. Foi uma operação exemplar: desembarque, cerco do inimigo, e em seguida a questão foi entregue aos gurkhas, soldados do Nepal que há séculos formam uma temida unidade de elite do Exército britânico.

São eméritos lutadores no corpo a corpo, com punhais. Defendem a tese de que, uma vez desembainhado, o punhal só pode voltar à bainha depois de ser molhado com o sangue do inimigo. O Reino Unido tem uma excelente frota aérea, produz bombas nucleares, faz parte da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, e conhece o Irã desde o tempo em que foi o aliado favorito do xá Reza Pahlevi. Aliás, o pai do xá, Reza Xá, andou se aproximando dos nazistas e foi deposto pelos ingleses, que passaram o trono a seu filho. Os ingleses conhecem a fundo a economia do país: a Anglo Persian (depois Anglo Iranian) Oil Company foi por eles estruturada

Os riscos

Os ingleses criaram os comandos, que tanto atrapalharam os nazistas na Segunda Guerra Mundial; e têm o internacionalmente famoso SAS, Strategic Air Service, grupo de elite para intervenções rápidas O Irã, como antes dele o Iraque, parece convencido de que está bem protegido contra grandes potências. Não está: lembremos que o porta-voz do Governo iraquiano foi à TV proclamar a vitória contra os invasores americanos e, por trás dele, já se viam tanques americanos tomando Bagdá. O Irã pode estar bem preparado, mas mexer com grandes potências não é coisa que costume dar certo.

E para nós?

Queira ou não, o Brasil está envolvido nessa questão. Primeiro, pelo preço do petróleo: não apenas uma guerra, mas o bloqueio do Estreito de Ormuz, por onde passa boa parte do petróleo do mundo, farão o preço subir E não esqueçamos de que o presidente Bolsonaro já disse que estamos alinhados aos Estados Unidos – que, por sua vez, estão alinhados com a Grã-Bretanha, seu mais tradicional aliado. Talvez o Brasil até lucre com a alta dos produtos que exporta, mas a tendência é que a guerra prejudique todos os envolvidos.

Novo comando

Boris Johnson ganhou a disputa interna e é, a partir de hoje, o novo primeiro-ministro britânico. Johnson quer, em primeiro lugar, completar a saída da Grã-Bretanha da Comunidade Europeia, com acordo ou sem acordo. E certamente, por seu temperamento, será mais agressivo que Thereza May, a primeira-ministra que ele substitui. Johnson está mais próximo de Margaret Thatcher do que de Thereza May. E foi Margaret Thatcher que determinou a invasão da Ilhas Falklands (que teve como consequência quase imediata, a queda da ditadura militar argentina).

Ficaram de mal

Marcos Cintra, secretário da Receita Federal, não aceita a proposta de reforma tributária em discussão no Congresso (elaborada por um economista conceituado, o ex-secretário do Tesouro Bernard Appy, que propõe a união de cinco tributos num só). Cintra diz que será “o maior imposto do mundo”, embora ele venha defendendo há anos o imposto único, que reuniria num só todos os impostos arrecadatórias hoje cobrados no país. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, defende a reforma que o Congresso discute, e ataca: diz que Cintra tem “inveja e recalque” da proposta de reforma tributária, e o chama de ”bajulador”. Tudo bem, esse pessoal costuma fazer as pazes logo e esquecer a troca de insultos, mas o clima entre Congresso e Receita é ruim.

Os vários pesos 1

O prefeito tucano de São Paulo, Bruno Covas, diz que se o ex-governador mineiro Aécio Neves não sair do PSDB, por livre e espontânea vontade ou expulso, quem sai do partido é ele. O governador tucano João Dória já faz tempo que defende a saída de Aécio, queimadíssimo após a gravação de uma conversa em que pede dinheiro a Joesley Batista. Mas Aécio não é o único: o ex-governador goiano Marconi Perillo está envolvido em vários inquéritos e já esteve preso. Perillo, amplamente derrotado nas eleições (embora houvesse duas vagas para o Senado, não conseguiu nenhuma; e seu candidato a governador, José Elinton, tomou uma surra de Ronaldo Caiado. Por que a pressão sobre Aécio e a tolerância com Perillo?

Os vários pesos 2

O ex-governador paranaense Beto Richa, também envolvido em inquéritos, continua no PSDB. Só sua esposa, Fernanda, optou por sair.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 22 de julho de 2019

O QUE DÁ PRA RIR, DÁ PRA CHORAR

 

 

O QUE DÁ PRA RIR, DÁ PRA CHORAR

*Desemprego, miséria? Mas a fome no Brasil “é uma grande mentira”, diz Bolsonaro. Ele, que já rodou o país, garante que não viu nas ruas “pessoas com físico esquelético”. Depois admitiu que, sim, há quem coma mal. Talvez não passe fome por causa das mangueiras, como já disse a ministra da Agricultura, Teresa Cristina: os mais pobres, acha, se alimentam de mangas.

*De Bolsonaro para Rodrigo Maia, por twitter, durante entrevista do presidente da Câmara a Heraldo Pereira, na Globonews: “Eu te amo”. Caros leitores, deixemos de lado os maus pensamentos: amor, mas no bom sentido.

*Rodrigo Maia, no mesmo programa, garantiu que não nomearia um filho embaixador, mas que este é um direito que o presidente tem. O deputado, sábio, esqueceu que César Maia ajudou a Câmara a eleger como presidente, que aliás se mostrou à altura do cargo, o seu filho – Rodrigo Maia.

*E como Rodrigo Maia respondeu à twitter-declaração de Bolsonaro? Enviando-lhe um emoji carinhoso, o coraçãozinho vermelho. Meiguissimo.

*O Ministério da Economia estuda como melhorar a situação daqueles que não só comem mal como passam outras necessidades. Talvez libere o Fundo de Garantia, claro que a prestações. Beleza: assim ajuda os pobres com o dinheiro deles mesmos, que o Governo remunera a juros ridículos.

*O vice, general Mourão disse a Pedro Bial que sempre houve homossexualidade no Exército, mas dentro da disciplina e da hierarquia.

E a festa continua

A turma bolsonarista de twitters e redes sociais decidiu criticar outros embaixadores, para mostrar que em comparação o filho 03 é muito bom. Mas o tipo das críticas é curioso: diz que um ex-embaixador é corno e outro é veado. Aceitemos, para argumentar, que isso seja verdade. Mas será defeito? Durante a Segunda Guerra Mundial, foi Alan Turing que decifrou o código dos nazistas, o Enigma. Isso permitiu aos ingleses, menos equipados, ganhar a superioridade aérea, já que sabiam onde os alemães iriam atacar e com quantos aviões. Turing, alguns anos depois, foi vítima de campanha por ser homossexual, o que era proibido por lei, e foi para a prisão. Nesta semana, o Governo inglês o homenageou: escolheu sua foto para a nota de 50 libras.

Sem fantasia

Esperemos que a oposição petista não ataque Bolsonaro por ter dito que no Brasil não há fome. O presidente está errado, mas o PT não pode esquecer que os governos Lula e Dilma proclamaram ter acabado com a fome no país.

Mais um

O ex-presidente peruano Alejandro Toledo foi preso nos Estados Unidos, acusado de receber propina da Odebrecht. A globalização é uma realidade: uma empresa brasileira pagando um político peruano que, foragido, com ordem internacional de prisão, acaba sendo capturado pelos americanos.

O seu, o meu, o nosso

Uma servidora técnica do Tribunal de Justiça da Bahia se aposentou com salário integral de R$ 49.700,00 – embora o teto salarial de servidor público seja de R$ 39.200,00, o que é pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas, segundo nota do Tribunal de Justiça da Bahia, não há nada de estranho: a coisa é assim mesmo. O salário da servidora é de R$ 8.526,86. Aí se soma um abono permanente de R$ 98,91, estabilidade econômica IP-FC2 (R$ 2.058,62); vantagem pessoal eficiência (R$ 1.117,77); vantagem pessoal AFI (R$ 2.276,70); vantagem pessoal AFI Símbolo (R$ 23.709,64); vantagem do artigo 263 (R$ 9.268,25); e 31% de ATS (R$ 2.643,32).

Sopa de letrinhas? Sem dúvida – mas saber as letras dá boa aposentadoria.

Se meu Fusca pagasse

O Semesp, Sindicato das Instituições de Ensino Superior Privado, acaba de concluir um estudo sobre a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, que conclui afirmando que a arrecadação seria de pouco mais de R$ 10 bilhões anuais, ou 20% do orçamento das universidades federais.

Este colunista tem outra sugestão, apresentada há anos pelo jornalista Gilberto Dimenstein: que as universidades públicas continuem gratuitas, mas passem a cobrar pelo estacionamento. O rendimento sem dúvida seria maior.

Quem lê tanta notícia

Essa história de que ninguém acredita em imprensa não passa de história. O Instituto Ipsos, em pesquisa internacional, concluiu que o brasileiro é um dos povos que mais confiam em veículos impressos, TV e rádio (65%). Os sites de notícias, em geral ligados à grande imprensa, são bem aceitos por 58% do público. Os brasileiros acreditam (70%, quase vinte pontos percentuais acima da média mundial) que jornais e revistas são relevantes. A pesquisa inteira pode ser vista clicando aqui.

Tá faltando um

A TV Gazeta de São Paulo acaba de retirar do ar um de seus melhores programas: Todo seu, apresentado por Ronnie Von. É pena. E assim também sai o ex-governador Geraldo Alckmin, médico, que dava dicas de saúde.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 18 de julho de 2019

FILHOTE DO ESPELHO MEU

 

FILHOTE DO ESPELHO MEU

A reforma da Previdência marcha triunfalmente, e se não é a aquela com que o Governo sonhou está dela muito próxima. A reforma tributária, que tem tudo para dar um impulso na economia, segue para o Congresso até o fim do mês. A inflação está abaixo de 4% ao ano, ótimo resultado; a safra foi ótima, a balança comercial tem saldo, o capital estrangeiro vai voltando, há bons projetos de infraestrutura a ser tocados pela iniciativa privada. E Bolsonaro, comemora? Não: prefere desviar o foco das atenções para a escolha de seu filho 03, Eduardo, para a Embaixada em Washington, uma ideia no mínimo controvertida – e com o risco de ser rejeitada no Senado.

Aparentemente, Bolsonaro se irrita quando falam em Governo, e não nele ou em sua família. A cada vez que tem uma vitória, muda o foco da discussão para algo em que os Bolsonaros se tornem o centro das atenções, seja demitindo antigos aliados de política, seja trazendo ao debate assuntos como a defesa do trabalho infantil. Prefere ser malhado a ficar fora do foco, mesmo que seja prejudicado por isso – pois afinal, se o Governo der certo, quem terá louvores não serão ministros ou parlamentares, mas o presidente Bolsonaro.

Mas, garantindo que uma das qualidades do filho para ser embaixador nos EUA é ter fritado muito hambúrguer, proclamando que quem manda é ele, dando ênfase a brigas internas, propondo mudanças ruins para seu Governo no projeto da Previdência, mostra que Narciso acha feio o que não é espelho.

A luta por espaço

Que é que ganha espaço nos meios de comunicação: a inflação em recorde de baixa ou as divergências entre Carluxo, o 02, e o vice Hamilton Mourão? Não há dúvida: como dizia um notável político, Adlai Stevenson, derrotado duas vezes por Eisenhower em eleições presidenciais americanas, o editor é quem separa o joio do trigo, e publica o joio.

Apoio ao presidente – e agora?

Após a aprovação da reforma da Previdência na votação de primeiro turno da Câmara (e as excelentes probabilidades de que o Congresso se decida a aprová-la o mais rápido possível) a aprovação a Bolsonaro deu um salto no mercado financeiro. De 14% em maio, subiu para 55% em julho, de acordo com pesquisa da XP Investimentos. Só foram ouvidos investidores institucionais, gente de mercado. É o melhor índice de Bolsonaro no mercado desde fevereiro. A expectativa de um bom Governo também cresceu muito, de 24% para 55%. É a segunda melhor posição de Bolsonaro desde o início de seu Governo. A melhor é ainda a de abril, 60%.

Com esses dados positivos, qual será o factoide a ser criado por Bolsonaro para desviar as atenções dos bons resultados? Talvez – e essa é a expectativa de mercado – uma piora de relações com o Congresso e, especialmente, com o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, que articulou a aprovação da reforma da Previdência e conseguiu mais votos do que eram previstos nas mais otimistas previsões. Onde já se viu admitir que um político que não faz parte da aliança bolsonarista (e, pior, possível candidato à Presidência) possa receber parte dos méritos pela aprovação de uma tese do Governo? Pode ser.

Muito bom

Hoje devemos receber uma boa notícia: um acordo no Mercosul para acabar com o roaming, o truque das operadoras telefônicas para cobrar mais caro pelos telefonemas de quem viaja pelo Exterior. Ao menos dentro dos países do grupo o roaming deixará de ser cobrado.

Muito ruim

Grandes operadoras de planos de saúde colaboram num projeto de lei para aumentar ainda mais a mensalidade de seus clientes Em princípio, serão 90 artigos destinados a facilitar o aumento de preços por faixa de idade, derrubar os prazos máximos de espera por exames e tratamentos e tirar ao máximo os poderes da Agência Nacional de Saúde, que consideram pouco favorável a eles. O projeto será oferecido ao Governo. Mas, se o Governo não topar, não faltará algum parlamentar amigo pronto a esfolar os clientes das operadoras.

Debate bravo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, acaba de enviar ao presidente Bolsonaro uma proposta de emenda constitucional que acaba com a inscrição obrigatória na OAB. Na justificativa, diz que hoje há risco de burocratização pela criação de procedimentos e rotinas que só atendem às corporações. Medida semelhante atinge ainda outros conselhos profissionais. No caso da OAB, a medida é controvertida e não será aceita sem resistência da categoria. Entre outras coisas, se a inscrição na Ordem não for obrigatória, como fica o Exame de Ordem? Qualquer bacharel que se formar em Direito poderá automaticamente ser advogado? E a quem recorrer contra maus advogados?

A hora do adeus

Fernanda Richa, esposa do ex-governador paranaense Beto Richa, deixou o PSDB. É provável que o marido siga seu exemplo, evitando ser expulso.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 15 de julho de 2019

É DE FRITAR BOLINHOS

 

 

É DE FRITAR BOLINHOS

Por que Eduardo Bolsonaro poderia ser um bom embaixador do Brasil em Washington, segundo seu pai? Diz o pai que o filho é sério, até casou há alguns dias, tem 35 anos, fez intercâmbio, é amigo dos filhos de Trump e fala bem inglês e espanhol. O filho lembra que, no intercâmbio, fritou muito hambúrguer – não tantos, claro, quanto um chapeiro do McDonald’s (e os chapeiros falam espanhol, sua língua materna, e inglês, por viver nos EUA).

Isso não é tudo. Eduardo Bolsonaro já deu apoio à reeleição de Trump, e um embaixador não se envolve na política interna do país onde ocupa a embaixada. Propôs que o Brasil se associe às sanções contra o Irã e aceite o uso da força na Venezuela. E como brigar, sem prejuízos, com o Irã, que importa produtos brasileiros? Simples: aproximando-se da Arábia Saudita, hoje afastada dos iranianos por questões religiosas. Só que questões religiosas já existiam quando houve o choque do petróleo, e ambos, Arábia Saudita e Irã, atuaram juntos multiplicando os preços e quebrando o Brasil.

O Itamaraty, um centro de excelência no Governo, já sofreu muito nos últimos tempos. Teve um chanceler que obedecia às ordens de dois senhores: um festejou quando soube que o acidente do avião da TAM foi causado por problemas mecânicos e não por falha do Governo; outro, embaixador que nunca ocupou embaixada, obrigava o pessoal de carreira a estudar em seus livros. Que o Itamaraty seja capaz de sobreviver a novos tormentos.

Questão legal

Nomear o filho para a Embaixada mais importante do país, sem que seja do quadro diplomático, é legal ou não? Um ministro do Supremo já disse que é inconstitucional, por configurar nepotismo (abaixo, uma decisão do STF sobre o tema). Mas já existe parecer da CGU, Controladoria Geral da União, a favor. Este colunista tem certeza de que não se trata de nepotismo: a palavra vem de nepote (em italiano, sobrinho) e se refere ao hábito papal de nomear sobrinhos para altos cargos na hierarquia. Portanto, no caso brasileiro isso não se aplica: Eduardo Bolsonaro não é sobrinho de nenhum papa.

Decisão suprema

Súmula 13 do STF: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição” (…). O CGU acha que não.

O que falta

O posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos está vago desde junho. quando Sérgio Amaral deixou o cargo. Bolsonaro disse que, para nomear o filho, espera que ele primeiro concorde (Eduardo já disse que cumprirá as missões que o pai lhe designar) e, em seguida, “o momento certo”. Mas uma nomeação de embaixador tem de ser aprovada pelo Senado. Como o voto é secreto, pode ser uma ótima oportunidade para que os senadores mostrem a Bolsonaro que têm poder. E a questão certamente irá ao Supremo. A nomeação de Eduardo, se sair, depende do Senado e do STF.

A bola rola…

Enquanto o Executivo faz com que o debate político se perca em desvios que nada têm a ver com a recuperação da economia e ao bom funcionamento da política, há coisas sérias (e boas) acontecendo. A reforma da Previdência agora já vai para o segundo turno de votação. Se tudo der certo, poderá ser aprovada até quinta-feira – data emblemática em que os parlamentares decretam recesso. Recesso, aliás, bem mandrake: não pode haver recesso se não for votada a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta é a lei. Mas imagine se a lei vale para Suas Excelências: há um acordo pelo qual ninguém aparece no serviço, não sofre nenhum desconto salarial e vão todos descansar. Com isso, a reforma da Previdência se beneficia e vai para o Senado.

…deixa a bola rolar

A reforma da Previdência aprovada em primeiro turno não é a dos sonhos do superministro Paulo Guedes, mas ficou perto. De acordo com Guedes, a economia com sua proposta seria de algo como R$ 1,3 trilhão em dez anos. Claro, na prática deve haver alguma coisa diferente, porque essas contas precisas demais em geral não são tão precisas assim. A reforma aprovada em primeiro turno na Câmara, abrandados alguns aspectos da proposta oficial, deve levar a uma economia superior a R$ 900 bilhões em dez anos. Bancos que fizeram as contas acham que se der R$ 700 bilhões já está ótimo (já que a proposta original também ficaria, pelos seus cálculos, em alguma quantia próxima de R$ 900 bilhões). Abre-se com isso a possibilidade de volta dos investimentos. Mas para retomar a economia serão precisas novas reformas.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 11 de julho de 2019

A VERDADE MOSTRA A CAUDA

 

 

A VERDADE MOSTRA A CAUDA

A história é deliciosa: duas pessoas comendo algo que ambas apreciam, que se sabe que eles apreciam, mas que por motivos políticos não poderiam devorá-lo em público. Algum desavisado os fotografou; algum mentiroso mandou esconder o prato; algum incompetente fez o trabalho, bem mal feito. A deliciosa história envolve o embaixador de Israel e o presidente do Brasil.

As leis alimentares judaicas, que só os ortodoxos seguem, proíbem o consumo de lagosta. Não é o caso dos governantes de Israel, laicos – mas, como dependem do apoio de partidos religiosos, não comem em público alimentos proibidos. Shelley violou essa norma política e, pouco antes do jogo entre Brasil e Peru, comeu lagosta no almoço com Bolsonaro – que, como tenta demonstrar, só gosta de hambúrguer, cachorro-quente, bandejão e pão com leite condensado. Lagosta é coisa de ministro do Supremo, gente chique, que usa toga francesa em vez de camiseta do Palmeiras. Shelley e Bolsonaro gostam de lagosta, claro, mas não gostam que isso seja divulgado.

Algum desavisado fotografou o almoço (para a Embaixada de Israel, que postou as imagens). Algum pouca-prática mandou retocar a foto, apagando a lagosta (um photoshop a transformaria numa saladinha). Algum inepto rabiscou as lagostas, mas sobrou cauda suficiente para identificá-las. Outro desavisado postou a foto assim mesmo. Onde já se viu isso, políticos que nem mentir sabem direito? Viraram notícia até no Washington Post.

Tudo errado

Imaginemos que o inepto que rabiscou as lagostas tivesse feito um bom serviço. Todos iriam querer saber o que é que Shelley e Bolsonaro mandaram ocultar. Não podia dar certo. Por que não os flagraram enquanto ainda estavam no couvert, comendo azeitonas, cenoura, pão e ovinhos de codorna?

A Previdência…

A reforma da Previdência, espera o Governo, será aprovada até o fim da semana na Câmara; daí seguirá para o Senado. Joice Hasselmann, a líder do Governo no Congresso, está confiante nisso. Bolsonaro mais atrapalhou do que ajudou – e, diga-se em seu favor, não distribuiu cargos nem pixulecos a deputados de cujo voto precisa. Liberou R$ 1,4 bilhão de verbas para emendas parlamentares, mas previstas em lei. O máximo que fez pela reforma foi demitir alguns ministros para que reassumissem na Câmara e garantissem mais votos à aprovação. Jogou limpo. Mas quem realmente está empurrando a reforma é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

…e daí?

Imaginemos que a reforma passe por Câmara e Senado, sem grandes modificações. E que é que o Governo vai fazer no dia seguinte? Como fará para que a reforma gere empregos e dê algum empuxo à economia do país? O próximo passo é a reforma tributária. Mas mais uma vez o Congresso toma a frente: enquanto a equipe econômica ainda não definiu a sua reforma, a Câmara retomou a proposta do líder do MDB, Baleia Rossi, assessorado pelo competente economista Bernard Appy, que de início unifica cinco impostos e toma medidas contra a guerra fiscal entre os Estados. Acaba a mamata de hoje, em que o empreendedor negocia com vários Estados para ver qual lhe oferece mais vantagens, o que faz com que alguns bilhões de impostos não sejam arrecadados. Serão atingidos interesses como os da Zona Franca de Manaus, e não se tem ainda ideia de como compensá-los. Mas o trem anda.

O caminho das urnas

As várias reformas previstas poderão mexer positivamente na economia, o que fortalece a candidatura de Bolsonaro à reeleição, em 2011 (sim, é cedo, mas João Dória já é candidato e Rodrigo Maia flerta com a ideia). Bolsonaro tem hoje o apoio de um terço do eleitorado: a pesquisa XP-Ipespe, feita a pedido da corretora XP, informa que 34% da população consideram que o Governo é ótimo ou bom (a pesquisa Datafolha é semelhante: 33%), 28% regular (Datafolha, 31%) e 35% ruim ou péssimo (Datafolha, 33%). Mas o fato é que Bolsonaro perdeu boa parte de seus adeptos do início do Governo até hoje. Em parte, por motivos políticos: ele conseguiu simbolizar a luta contra o PT. Hoje, parte de seus aliados volta ao centro e busca candidato.

Os partidos

O caro leitor acha que os 33 partidos de hoje são muitos? Bom, eram 35, e dois desapareceram: o PRP foi incorporado pelo Patriotas e o PPL pelo PCdoB. Outro deve sumir; o PHS, absorvido pelo Podemos. Mas tudo para por aí: já há no TSE dois pedidos de novas legendas, o Partido Nacional Corinthiano e o Partido da Evolução Democrática. A UDN espera renascer a partir da anulação do Ato Institucional nº 2, que em 1965 extinguiu todos os partidos políticos. E há 73 legendas que iniciaram processo de formação. Montar partido é bom e barato, já que dão acesso ao Fundo Partidário. Há anos, antes do aumento brutal dos recursos do Fundo, o dirigente de um partido nanico se queixava de ter só R$ 100 mil por mês para as despesas.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 08 de julho de 2019

O AVESSO DO AVESSO DO AVESSO

 

 

O AVESSO DO AVESSO DO AVESSO

Um lendário político mineiro, José Maria Alkmin, era conhecido pela rapidez em tomar providências. Ouvia o pedido (do eleitor, do parlamentar, fosse quem fosse), pegava o telefone, dizia: “Ligue para Fulano, por favor”. Pouco depois, o telefone tocava, ele atendia, pedia que a reivindicação fosse logo atendida e ressaltava seu apreço por quem a havia pedido. Todos saíam felizes da audiência. Nunca souberam que o telefone não era ligado à rede.

No momento em que ficou claro que a reforma da Previdência passaria nos moldes propostos pelo Governo, Bolsonaro sugeriu que a desfigurassem, mantendo a aposentadoria de policiais como era antes. Terá sido ingênuo, ao reduzir o porte da reforma, ou estaria, como Alkmin, falando para ninguém, num telefone desligado? Não é fácil acreditar que um ingênuo chegue à Presidência. É difícil acreditar que Bolsonaro seja esperto o suficiente para enganar as raposas do Centrão e proximidades. Político não é infalível, mas estes, especialmente, ganharam fama por ser matreiros, difíceis de enganar.

Dizem que Bolsonaro é tosco. Mas, depois de uma carreira parlamentar longa e discreta, foi ele que superou caciques como Alckmin e Haddad, o Lula sem barba; e, montado num partido nanico, superou PSDB, PMDB, PT e outros mamutes. Esperto ou ingênuo? É preciso esperar: só o tempo o dirá.

Mas, se não estiver sendo esperto, por que tentou convencer o juiz a desmarcar o pênalti a seu favor? Em política, um erro assim seria inaceitável.

A verdade das sombras

Em política, o jogo de sombras é tão importante quanto o mundo real. É verdade não o que realmente ocorreu, mas o que parece ser verdade. Jogando este jogo, Getúlio Vargas, que foi ditador, que implantou uma Constituição baseada na Carta fascista da Polônia, que louvou, num célebre discurso, os novos tempos que se iniciavam com a entrada das tropas nazistas em Paris, passou à História como político de esquerda. É um mundo estranho. Alguém que pergunte quem foi o político mais hábil, Alkmin ou seu parente paulista Geraldo Alckmin, sempre terá a resposta Alkmin. Mas Alckmin foi quatro vezes governador de São Paulo, duas vezes candidato à Presidência (embora derrotado); Alkmin não chegou ao Governo de Minas e foi vice-presidente (indireto) do marechal Castello Branco, sem direito real a tomar posse.

Posto em silêncio

Outro fato a considerar é o silêncio do ministro Paulo Guedes, o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Embora a reforma da Previdência que se desenha não seja a sua, ele a aceita porque também deve gerar economias de R$ 1 trilhão em dez anos. Por que nada falou quando Bolsonaro propôs que uma fatia do trilhão seja retirada? De duas, uma: ou não acredita que a proposta seja para valer ou acredita que pode passar à História como o grande reformador da Economia brasileira. Talvez acredite. Mas, se a economia brasileira gerar empregos e for competitiva, o herói histórico será Bolsonaro, não ele.

E agora?

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, coordenador de fato da marcha da reforma, acha que os deputados podem votá-la, em dois turnos, até o dia 18, último antes do recesso. Mas parlamentares do Centrão falam em votar só em primeiro turno, deixando o segundo para o próximo semestre e vendo o que é possível arrancar a mais do Governo. Parlamentares (em especial do PSL de Bolsonaro), a favor de manter policiais fora da reforma, também podem tentar atrapalhar a votação. Se Bolsonaro se mover, a reforma passa, sem que nenhuma facção consiga adiar a votação. Aí só faltará o Senado.

A voz de quem vota

Bolsonaro falou em retirar os policiais da reforma, mas, na opinião dos eleitores, ninguém deve ter normas mais amenas que as gerais. Pesquisa do Ibope, por encomenda da CLP – Liderança Pública, mostra que 79% dos pesquisados querem normas de aposentadoria iguais para todos. Para 82%, é preciso sacrificar-se agora para garantir a aposentadoria das gerações futuras.

Os mais iguais

Enquanto a população aceita sacrifícios, há setores que só pensam em faturar mais. O Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, mostrou que em dois anos as tarifas bancárias subiram muito mais que a inflação: o dobro, ou quase isso. Foram medidos 70 pacotes de serviços dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Bradesco e Santander). O aumento médio foi de 14%, contra 7,45% de inflação no período. Houve pacotes que subiram 50%. Um deles atingiu 89%, onze vezes superior à inflação. Bancos oficiais elevaram as tarifas tanto quanto os privados, o banco estrangeiro se comportou como os nacionais. Seja estatal ou privado, nacional ou estrangeiro, o fato é que banco é banco.

Mais sombras

Viu o vídeo de Bolsonaro num hotel barato, no Japão? É real – mas velho. Do início do ano passado, quando era candidato e viajou com os filhos.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quarta, 03 de julho de 2019

O GOVERNO DOS PASSOS PERDIDOS

 

 

O GOVERNO DOS PASSOS PERDIDOS

A reforma da Previdência será votada em breve e deve passar. Talvez não seja exatamente aquela que o ministro Paulo Guedes queria, mas não é tão diferente assim. Prometia o Governo que, aprovada a reforma, o país voltaria a crescer, amparado em imensos investimentos internacionais. Só que não: a reforma da Previdência é condição necessária, mas não suficiente, para que o país volte a crescer. Qual investidor gosta de colocar seu dinheiro num país em que é praticamente impossível fechar uma empresa, em que o cálculo do pagamento dos impostos leva muito mais tempo e consome mais recursos do que na maior parte de outras nações, em que ações trabalhistas nunca param?

Em resumo, a reforma da Previdência abre uma janela de oportunidade para a retomada do crescimento. Mas não funciona sozinha: é preciso fazer outras reformas (a tributária, principalmente), mexer na área de segurança jurídica (hoje, sozinho, um ministro do Supremo adia por quanto tempo quiser uma transação de bilhões de dólares), criar condições para que clientes de bancos ganhem pouco quando aplicam e muito quando devem, isso para dar apenas alguns exemplos. É preciso ter estabilidade política, para que o mercado saiba quem decide. É preciso deixar claro que receber ou cobrar propinas não é tolerável. Cadê as propostas oficiais? Há propostas que são discutidas pelo Congresso mas não são as do Governo, e são bombardeadas pelos bolsonaristas. É preciso botar ordem na casa. Sem isso não se cresce.

Quem é quem

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assumiu o papel que deveria ser o do articulador político do Governo, colocou a reforma da Previdência como prioridade, buscou propostas anteriores (boa parte ainda da administração de Michel Temer) e está, objetivamente, ajudando Bolsonaro. Mas é atacado como se estivesse planejando a deposição do presidente. Os bolsokids, ativos na Internet, procuram desmoralizá-lo – até de gordo ele já foi acusado. Seu projeto de segurança pública não é o de Moro? E daí? É o de Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo. É pior que o de Moro? Pode ser; mas a pergunta é se a coisa fica melhor ou pior com a aprovação do projeto. Ao que tudo indica, a segurança pública pode ganhar. Mas se os “ideólogos” do bolsonarismo (outros os chamariam de “radicais”) desconfiam de que a lei a ser aprovada é diferente da proposta pelo presidente, mordem no pescoço.

Metade do ano

O fato é que, hoje, há muitos congressistas profundamente irritados com o presidente da República e dispostos a derrotá-lo sempre que possível. Foi o que fizeram com as medidas provisórias, as armas, e que prometem repetir. Os bolsokids prometem publicamente (e quem falou por eles foi Eduardo Bolsonaro, o filho 03) que todas as vezes que o Congresso “não se comportar” jogarão as ruas contra eles. Confiam que os manifestantes são de total confiança, dispostos a apostar tudo em nome da verdade oficial.

O lado de Moro

A manifestação de domingo foi pró-Moro. Os filhos do presidente não trabalharam por ela. Há quem tema que Moro queira o Planalto.

E os militares?

A elegância no trato não é, já se sabe, uma característica do Governo de Bolsonaro. Aparentemente, tanto ele quanto seus adeptos mais intransigentes passam boa parte do tempo à procura de inimigos, mesmo que sejam amigos de décadas, amigos a toda prova. Isso faz com que o número de inimigos cresça. Bebianno caiu, Santos Cruz caiu, o general-ministro virou presidente de estatal à venda – e soube das intenções do presidente pelo jornal. Agora o alvo é o general Augusto Heleno, amigo de Bolsonaro, que vira alvo do 02, Carluxo, o filho do presidente. O problema é que militar, por mais simpático que seja, anda armado e é treinado para comandar. Até quando aceitará provocações e humilhações? Lembremos que Olavo de Carvalho, lá de sua casa nos Estados Unidos, já ofendeu com palavrões o general Santos Cruz.

Solidariedade

No caso do ataque ao general Augusto Heleno, dizem que, conversando com jornalistas, Bolsonaro se disse solidário com ele. Como diria o próprio Bolsonaro, “talkey”. Mas ficar impassível diante de ofensas públicas e só se manifestar em particular é a mesma coisa que participar das ofensas. E, no caso, as ofensas buscaram atingir a boa reputação do general, já que puseram no Gabinete de Segurança Institucional, que ele dirige, a culpa do caso do sargento que traficava cocaína. Carluxo disse também que anda sem seguranças oficiais porque são “subordinados a algo em que não acreditam”. Bolsonaro se recusou a responder a perguntas sobre o tema, mas apareceu em companhia do general, uma forma de mostrar que tem prestígio. E nada falou em defesa do amigo e ministro: limitou-se a dizer aos repórteres que deveriam procurar o 02 – como se até agora as opiniões do filho 02 não tenham se confirmado com as decisões do papai.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 01 de julho de 2019

O PÓ QUE ESCONDE O SUCESSO

 

 

O PÓ QUE ESCONDE O SUCESSO

Houve ameaças de má recepção europeia a Bolsonaro, mas não houve nada de errado. Bolsonaro conversou com o presidente francês Macron, que acabou convidado a visitar a Amazônia. E, ao mesmo tempo, houve uma vitória de grande porte: um enorme acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul. Dois números: espera-se que, em 15 anos, o Brasil aumente as exportações à UE em US$ 100 bilhões; e, com o acordo, o PIB PIB brasileiro pode crescer em US$ 125 bilhões no mesmo período.

Com isso, nossa economia, que está devagar quase parando, tomaria um choque de entusiasmo, e demonstraria que a reforma da Previdência, embora essencial, não é a única ferramenta disponível para o aumento do emprego. Mas tudo foi ofuscado por uma nuvem de pó: a prisão em Sevilha de um dos integrantes do grupo de apoio à viagem presidencial, que tentou carregar 39 kg de cocaína para fora do aeroporto de Sevilha. Como um comissário de bordo entra num avião da Presidência com 39 kg de cocaína na mala? Como levou a cocaína, poderia ter levado explosivos. Quem falhou na vigilância?

Quem viaja em comitiva presidencial, seja ou não no avião do presidente, tem de ser examinado – com raios X, revista pessoal, o que houver de mais seguro. A cúpula se esquiva: até o Gabinete de Segurança Institucional diz que a questão é da FAB, não dele. A poeira tapou a visão de tudo e de todos.

E ainda riram

O presidente já sofreu um atentado, a segurança não pode ser descuidada. E não é a primeira vez que o avião presidencial é usado por traficantes. Em 1999, a Operação Mar Aberto, da Polícia Federal, apurou que aviões da FAB eram usados por pessoal de bordo para tráfico de drogas. Um coronel pegou 16 anos de prisão e perdeu o posto e a patente. Tudo indica que algo parecido ocorreu agora: o tripulante levou sua mala sem ser revistado, sem sequer passar pelos raios X, e transportou quase R$ 6 milhões em cocaína.

O ministro da Educação fez piada: disse que o avião presidencial já havia transportado muito mais drogas, referindo-se aos presidentes Lula e Dilma. Só que não é caso de piada: é caso sério, que não pode jamais se repetir.

Educador-chefe

Mas é injusto culpar o ministro da Educação por ter-se referido ao “PT e seus acepipes”, como se não soubesse que acepipe é sinônimo de guloseima. O responsável pelo equívoco deve ter sido o corretor do teclado. Só que aí a coisa piora muito: é provável que ele tenha querido escrever “asseclas”. Mas, para que o corretor errasse como errou, teria de ter escrito “aceclas”.

Hora errada

A poeira nos olhos prejudicou a visão de boas perspectivas bem na hora em que Bolsonaro mais precisa de um reforço de imagem. A pesquisa Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria, mostra que ele, pela primeira vez em seu Governo, tem índice de desaprovação superior ao de aprovação. Sua maneira de governar é desaprovada por 48%, contra 46% que a aprovam – tudo bem, é margem apertada, está dentro das possibilidades de erros. Mas outras indicações também estão mal: 51% desconfiam do presidente, e 46% nele confiam. E 32% acham o governo bom ou ótimo, contra 35% no mês passado – uma porcentagem que vem caindo mês a mês.

O indício mais forte

Mais importante do que qualquer pesquisa, entretanto, é o comportamento de pessoas que estiveram a seu lado e dele agora se descolaram. São gente do ramo – como dizia Ulysses Guimarães, pessoas que cheiram a direção do vento. João Dória é um deles: apoiou Bolsonaro na eleição, aproximou-se, e agora se afasta. Um dos motivos, claro, é que pensa na eleição presidencial, e acredita que Bolsonaro será seu adversário. Mas ainda falta tempo e ficar perto do presidente lhe renderia alguns frutos, se a árvore frutificasse. Outro é o empresário carioca Paulo Marinho, que Bolsonaro colocou como suplente de Flávio no Senado e em cuja casa funcionou seu quartel-general de campanha. Marinho agora é Dória desde criancinha. Diz que continua gostando de Bolsonaro, mas não de seu governo. Entre aspas: “Esperava que o governo fosse trabalhar de maneira mais coordenada, sobretudo na relação com o Congresso. O que vimos até agora foram muitos desencontros. Se ele não encontrar uma maneira de lidar com o Congresso vai ter problemas até o final. Ele tem sido muito generoso com a imprensa, o capitão: gera notícias todo dia, e notícias que não são exatamente positivas.” Aliás, diz, só apoiou Bolsonaro porque Dória não se lançou. Queria alguém que derrotasse o PT.

Boa notícia

O Idec, Instituto de Defesa do Consumidor, apresentou à Anatel uma série de medidas para limitar o abuso de ligações de telemarketing – as ligações chatas que caem tão logo o caro leitor atende, e quando não caem veiculam mensagens de interesse zero. O Idec sugere que só possam receber ligações os assinantes que autorizem o serviço, e desde que haja limitação de horários.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 27 de junho de 2019

TOGA VAI, TOGA VEM

 

TOGA VAI, TOGA VEM

 

Um pedido de habeas corpus que, se aprovado, libertaria Lula, já estava sendo julgado pelos cinco ministros da Segunda Turma do Supremo. Com a votação em 2×0 negando o pedido, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e tudo foi paralisado. Gilmar, depois de cerca de seis meses, devolveu o processo e a continuação do julgamento foi marcada para ontem, terça. Mas, na segunda, Gilmar Mendes, alegando que não havia tempo para estudar o pedido dos advogados do ex-presidente, sugeriu que o julgamento fosse para o segundo semestre. Na terça, levando em conta que, com o julgamento no segundo semestre, Lula ficaria mais tempo preso, o próprio Gilmar sugeriu que ele aguardasse a decisão em liberdade.

Toga vai, toga vem, de repente o tempo se tornou suficiente para estudar os pedidos dos advogados de defesa. E o Supremo passou a discutir dois habeas corpus, não apenas um: no primeiro, a defesa de Lula critica o relator da Lava Jato no Superior Tribunal de Justiça, ministro Félix Fischer; no segundo, pede a suspeição do então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça. O advogado Cristiano Zanin disse que, no processo em que Lula foi condenado, “houve manifestas violações aos direitos fundamentais”, que levaram “à condenação injusta e ilegal”. Frase: “Não daria tempo de revelar todas as violações”. Os ministros decidiram não decidir: o julgamento ficou para agosto, depois do recesso judiciário. Com Lula preso.

Lei vem, lei vai

Lula foi condenado em primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, a 12 anos e um mês de prisão. Um recurso foi rejeitado pelo ministro Félix Fischer, do STJ. Houve recurso e a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação, reduzindo a pena a oito anos e dez meses. No STF, dois ministros dos cinco que integram a Segunda Turma haviam negado o habeas corpus, mas teriam o direito de mudar o voto. Até agosto!

Los Hermanos

O respeitado jornalista José Casado conta, em O Globo, como se decidiu doar a Cuba algo como 10% do seu PIB: US$ 4,9 bilhões. Lula reuniu seis ministros em Brasília às vésperas do Carnaval de 2010 e liberou a verba. Por que? Não há qualquer registro a respeito disso. Mas havia, claro, uma empreiteira brasileira interessada em fazer obras no Exterior com dinheiro brasileiro. A fonte de Casado são técnicos do Tribunal de Contas da União que examinaram a papelada do caso, apontado como “decisão de Estado”.

Lava Jato apanha e cresce

O Instituto Paraná Pesquisas, a pedido do site Diário do Poder, estudou o efeito dos ataques do Intercept à Lava Jato. Primeira conclusão: 87,6% dos cidadãos souberam da troca de mensagens atribuídas a Moro e a procuradores da Operação Lava Jato. Mas, para 56,1% dos entrevistados, isso não coloca em dúvida os resultados da Lava Jato. E 38,1% têm dúvidas sobre a Lava Jato – ou seja, menos que os 44,8% dos votos do PT nas eleições presidenciais. O maior apoio à Lava Jato vem de cidadãos com curso superior completo: 72,2%.

A reforma anda…

O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, reafirma: a reforma da Previdência deve ser submetida ao plenário na primeira ou segunda semana de julho. E haverá tempo suficiente para que o Senado a aprove e permita que comece a funcionar no início de 2020. Espera-se que, com a reforma, mesmo atenuada, o Tesouro economizará uns R$ 100 bilhões por ano.

…as armas param

Outra informação de Rodrigo Maia: a Previdência passa, mas as medidas do presidente Bolsonaro que facilitaram a posse e o porte de armas devem ser derrubadas. Só falta o voto da Câmara: o Senado já votou contra. Maia diz que parte das medidas rejeitadas pelo Congresso é inconstitucional, e as que forem constitucionais devem ser reapresentadas como projetos de lei.

A favor, mas contra

Muitos parlamentares que votaram pela derrubada das medidas que facilitam posse e porte de armas são favoráveis a elas, mas acham que o caminho usado pelo presidente não é o melhor. Querem o envio de projetos que seriam examinados e votados pelo plenário. Ou seja, querem opinar e influir, não votar medidas em bloco, sem poder discuti-las uma a uma.

Menos truculência

Um dirigente de uma estatal foi fotografado em seu carro aos abraços com uma bonita funcionária. Aparentemente, tudo bem: a menos que os informes recebidos por esta coluna estejam errados, ambos são desimpedidos. Estão, porém, a pique de cometer um erro: demitir o funcionário que os fotografou. Está bem, ambos se sentiram espionados, mas demitir alguém por isso é uma daquelas coisas que costumam gerar confusão. E ele, com bons motivos, vem sendo elogiado pelo seu desempenho na direção da empresa.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 24 de junho de 2019

CULPA DO CIMENTO E DO TALENTO

 

CULPA DO CIMENTO E DO TALENTO

 

A Odebrecht, uma das maiores empresas brasileiras, pediu recuperação judicial – aquilo que antigamente chamávamos de concordata. As equipes que montou, e que nada têm a ver com pixulecos e propinas, já perderam muitos talentos, e os que sobraram perderão o emprego se a empresa quebrar. Os donos vão bem: vivem confortavelmente (alguns diriam luxuosamente) e estão entre os que mais têm a receber da empresa, fortemente endividada.

Por que? Por que punir a empresa (e não falemos apenas da Odebrecht, mas de todas as envolvidas na Operação Lava Jato), se quem cometeu os atos de que todos sabemos não foram os prédios nem os funcionários, mas seus diretores? Equipes talentosas, que foi difícil montar, são e serão desfeitas sem que seus integrantes tenham culpa; e são eles que ficarão sem emprego. Perde também a engenharia brasileira, porque o know-how não é usado, e os clientes se afastam de empresas com problemas. “A lei manda punir as empresas” – mas leis podem ser modificadas. Se quem estava irregular eram os donos e seus executivos, por que não puni-los, afastá-los da empresa até que sejam julgados, tomar-lhes as ações e entregá-las a, por exemplo, uma cooperativa de funcionários? Do jeito que a coisa anda, donos e executivos se salvam e quem não participou de ilegalidades paga com seu emprego.

Como diz o jornalista Luís Nassif, é possível punir quem deve ser punido sem desmontar a empresa toda. Beneficiar quem não merece é mau exemplo.

Os credores

Na recuperação judicial de quase R$ 100 bilhões da Odebrecht, figuram entre os credores o comandante da empresa, Emílio Odebrecht, com R$ 80 milhões a receber. Seu filho Marcelo, o Príncipe dos Empreiteiros, que ficou pouco mais de dois anos na prisão por ter, digamos, pago pixuleco a uma lista telefônica de corruptos, vive hoje em prisão domiciliar, em sua bela casa, usando tornozeleira (haverá tornozeleira de grife?), e é credor de bons R$ 16 milhões. Pai e filho, quase R$ 100 milhões. Sobrará o suficiente para pagar indenizações a funcionários que não subornaram ninguém? Está certo?

Moro, um palpite

Não tenho ainda qualquer informação sobre como repercutiu o diálogo de Moro com a Comissão de Constituição e Justiça, mas arrisco um palpite: a popularidade do ministro deve crescer nas próximas pesquisas. Estava tranquilo, saiu-se bem, nem utilizou um argumento explosivo à sua disposição: dos senadores que o interrogaram, 25% tinham problemas com a Lava Jato. Moro manteve a conversa em alto nível (já Bolsonaro, falando do tema, chamou Jean Wyllys, militante homossexual, de “aquela menina”). Moro agiu certo, sem apelar. E isso deve render-lhe pontos na pesquisa.

Quem tem razão?

De acordo com os diálogos (lembrando que não houve perícia para provar que são verdadeiros), Moro ultrapassou o limite da lei ou se manteve dentro do legalmente aceitável? A discussão está brava. Creio que, com algumas exceções, quem quer Lula livre ou apenas não tolera Bolsonaro dirá que Moro ultrapassou os limites e deve ser demitido. Quem acha que o presidente é o máximo ou detesta Lula acha que Moro agiu dentro da lei. É simples: se o pênalti favorece nosso time, com certeza ocorreu e foi bem marcado.

Os adversários 1

Este colunista já escreveu sobre um fenômeno curioso: quem o processa tem tido falta de sorte. O ex-governador goiano Marconi Perillo, que reclama da cobertura do casamento de sua filha, não apenas perdeu as eleições para o Senado (embora houvesse duas vagas, o eleitor negou-lhe o cargo que lhe daria foro privilegiado), como o candidato que lançou ao Governo foi derrotado por seu principal adversário, Ronaldo Caiado. Enfrenta uns quinze inquéritos promovidos pelo Ministério Público estadual. Agora o Ministério Público Federal o denunciou sob a acusação de ter recebido propina de R$ 17,8 milhões da Odebrecht. A denúncia foi feita via Operação Cash Delivery, um dos braços da Lava Jato. A defesa do ex-governador diz que a denúncia é a comprovação “da parcialidade e da perseguição que este Procurador (Hélio Telho) promove, há anos, contra o ex-governador”.

Os adversários 2

A Marabraz, gigante do comércio, iniciou processo contra este colunista com base na contestação de informação aqui publicada -uma notícia seca, sem juízo de valor. Pois bem, o procurador do Estado-chefe Celso Jesus Mogioni e a Assistência da Presidência da Jucesp, Junta Comercial do Estado de São Paulo, confirmaram a informação. Segundo documentos oficiais, a LP Administradora de Bens tem alteração do contrato social com texto divergente da escritura pública, omitindo entrada e saída do Grupo Marabraz do sócio Fábio Fares. E a procuração da matriarca do grupo estava revogada desde 2008, anos antes de sua utilização. Este jornalista sempre verifica suas fontes. Como não disse um anúncio famoso, checagem melhor ninguém faz.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 20 de junho de 2019

CONSTITUIÇÃO, A NOSSA E A DELES

 

 

CONSTITUIÇÃO, A NOSSA E A DELES

 

Tudo o que se discute sobre a divulgação da troca de mensagens entre os procuradores da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro, é fácil de entender: quem é a favor de anular os julgamentos de Lula e libertá-lo imediatamente acha que juiz e procuradores manifestaram sua parcialidade e portanto se deve anular os processos; quem é a favor de manter Lula preso acha que os diálogos publicados pelo Intercept ou são falsos ou estão dentro da lei, e que se deve, isso sim, descobrir quem violou ilegalmente o sigilo do juiz e dos procuradores, processar os responsáveis e botá-los na cadeia.

É como pênalti no futebol: se é contra nosso time, é claramente uma má interpretação da jogada. Se é a favor, foi flagrante, indecente, bem marcado. E, como no caso do pênalti, há uma ínfima minoria que procura analisar os fatos à luz da lei. E que dizem os especialistas neutros? Há quem diga que sim, há quem diga que não. Depende do caro leitor: em quem confia mais?

Isso quer dizer que a questão será resolvida politicamente. Como Moro se mostrou capaz de resistir ao Intercept e até de ser aplaudido num estádio – embora usasse camiseta do Flamengo em que aparecia por baixo sua gravata (estava também de paletó), embora seja razoável supor que não tivesse a menor ideia de quem era a bola – tudo acabe em pizza. No dia 30 haverá grandes passeatas bolsonarista e ele estará blindado, ao menos até que Carluxo, o filho 02, implique com ele. Mas segurança total é uma ilusão.

Vida agitada

Moro, quem diria, já esteve no Programa do Ratinho, o que ninguém iria imaginar. Hoje vai ao Senado, diante de uma plateia majoritariamente hostil, para defender a Lava Jato e o Projeto Anticrime. O projeto anticrime já ficou para o segundo semestre. No caso Lava Jato, terá o apoio dos evangélicos, mas de novo as bancadas governistas permitiram que a oposição ocupasse a maior parte das posições entre os debatedores. Apesar disso, Moro só tem de se manter sereno para sair-se bem. Se perder a calma, entrar em bate-bocas, jogará contra seu próprio time. O que neste Governo, aliás, não é novidade.

A linha de defesa

Moro deve adotar, no debate, algumas posições do tipo “meu time é que tem razão”. Tentará deixar de lado o conteúdo das mensagens, dando grande importância à maneira como foram obtidas, que classificará de inaceitável, ilegal. Pode desmentir uma ou outra transcrição, certamente pedirá que seja publicada a íntegra da interceptação, talvez diga que, mesmo verdadeiras, as mensagens não indicam nenhuma violação da lei. Moro tem uma situação privilegiada: com ou sem transcrições, mantém alto nível de popularidade.

Pesquisa favorável…

Na véspera do comparecimento de Moro ao Senado, saiu a pesquisa Ibope encomendada pela CLP – Liderança Pública, grupo sem fins lucrativos cujo objetivo declarado é contribuir para melhorar a vida dos brasileiros. Ao lado da CLP, há 77 entidades apartidárias, entre elas federações do Comércio e da Indústria, e think-tanks do pensamento econômico liberal, como o Instituto Millenium e o Instituto Mises. CLP e a rede de entidades têm como objetivo divulgar, sob o nome Apoie a Reforma, a reforma da Previdência; e estimular movimentos de cidadãos em favor de reformas estruturais.

Agora, a pesquisa: 82% são favoráveis a que a atual geração se esforce para garantir a aposentadoria às gerações futuras. E 45% defendem o sistema de capitalização, onde cada trabalhador forma um fundo individual que possa complementar, com seus rendimentos, o salário do aposentado. A proposta de reforma apresentada pelo Governo (e que pode ser mudada no Congresso, o que deve acontecer) tem o apoio de 44% dos pesquisados.

…mas cuidado

A pesquisa é favorável, mas é preciso levar em conta que os pesquisados não têm como fazer a conta para saber se vão ou não ganhar mais. Há ótimos economistas que fizeram a conta e concluíram que não há como reformar a Previdência, ao menos agora, incluindo a capitalização. Falta dinheiro.

O tamanho do rombo

A multibilionária Odebrecht, do grupo que mais vezes foi denunciado em delações premiadas, cujo principal diretor (e herdeiro) foi preso por um longo período, é multibilionária também em dívidas: quer recuperação judicial (a antiga concordata) para negociar R$ 65 bilhões com seus credores. A Odebrecht resistiu o quanto pôde a essa solução, mas teve de recorrer a ela quando a Caixa Econômica Federal passou a executar as garantias de suas dívidas. O problema não é apenas o montante dos débitos: é a resistência de possíveis clientes futuros, impressionados com o volume de más notícias que atingiu a empresa desde o início da Operação Lava Jato.

Quem compra?

Simultaneamente, a Odebrecht perdeu clientes como Cuba, Venezuela, Angola; esses clientes também já não chegam ao BNDES. Tempos difíceis.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 17 de junho de 2019

É UMA BRASA, MORO!

 

 

É UMA BRASA, MORO!

 

Juridicamente, pode ser que haja irregularidades nas comunicações entre o ministro Sérgio Moro e procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol. A OAB abriu fogo contra ambos e juristas respeitados os criticam. Em termos de comunicação, manda a boa técnica que se publique parte da denúncia e se aguarde a reação. Só então se publica a denúncia completa. Esses fatores podem mudar a situação, mas, até o presente momento, Sérgio Moro parece ter vencido politicamente a guerra que o Intercept iniciou.

Alguns fatos demonstram que Moro, se o atingiram, foi só de raspão.

1 – No Maracanã, dizia Nelson Rodrigues, vaia-se até minuto de silêncio. Lula, no auge da popularidade, foi vaiado no estádio de São Januário. Moro foi ao estádio em Brasília, vestiu a camisa do Flamengo e foi aplaudido.

2 – Numa das mensagens atribuídas a Moro, há a frase “In Fux we trust” (em Fux confiamos). Na sexta de manhã, o ministro Fux tomou um avião em Brasília e foi aplaudido por passageiros. Houve gritos de “In Fux we trust”.

3 – Pesquisa da XP (elaborada para orientar investidores) mostra Moro como o mais popular integrante do Governo. Sua nota oscilou de 6,5 para 6,2, ainda bem acima do segundo, o próprio presidente Bolsonaro.

Quem votou em Bolsonaro por não aceitar nada do que está aí deve estar feliz com as transgressões atribuídas a Moro – justo ele, com cara de bom moço. E foi depois de ver as pesquisas que Bolsonaro lhe deu apoio total.

Política é política

Na busca de popularidade, há coisas estranhas. “Esquerda”, em religiões afro, é do mal, e “direita” é do bem. “Populista”, para a elite, é depreciativo. Fora da elite, é positivo, indicando quem se preocupa com o povo. “Autoritário”, para a elite, é depreciativo; fora da elite, é positivo, e indica quem sabe usar a autoridade. Há mais votos fora da elite do que dentro dela.

Brasil é Brasil

Mas nunca levem uma análise (nem as deste colunista) demasiado a sério. No Brasil, dizia Pedro Malan, até o passado é imprevisível. Imagine o futuro.

Guerra é guerra

A próxima batalha entre o Intercept e Moro pode ser deflagrada ainda hoje, com a publicação de novas mensagens. Mas a seguinte é a da Polícia Federal contra quem forneceu informações ao Intercept. O que se diz é que nada será feito que viole a liberdade de imprensa: quem publicou tinha o direito de fazê-lo. O que se investiga, dizem, é quem obteve ilegalmente as mensagens, e como. Suspeita-se até de um esquema internacional, com o objetivo de desmoralizar as decisões da Justiça e conseguir libertar Lula. De acordo com o jornalista Cláudio Humberto, pode haver operações de busca e apreensão nos endereços dos responsáveis pelo Intercept. Fala-se em respeitar a liberdade de imprensa, mas sabe-se lá.

Filho é filho

Mas, mesmo escapando (ao menos até agora) da tentativa de demolição de Moro, Bolsonaro não resistiu a gerar uma nova crise: a demissão de um amigo de quase 50 anos, o general Santos Cruz, da Secretaria do Governo. O imperdoável erro de Santos Cruz foi não se alinhar aos filhos do presidente e ao escritor Olavo de Carvalho, que fizeram campanha contra ele por achar que não usou direito a comunicação do Governo. No lugar de Santos Cruz, outro general, este da ativa: o até agora comandante militar do Sudeste, Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira. Santos Cruz declarou sua admiração por Bolsonaro e os dois dizem que a reunião entre eles foi amigável.

Acordo é acordo

Depois de uma fase extremamente tensa, saiu enfim o parecer do relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira. As modificações que Moreira sugere aparentemente não mudam a meta de economia desejada pelo ministro Paulo Guedes, entre R$ 1 e R$ 1,2 trilhão de reais em dez anos. Agora é votar (depois dela, virá a reforma tributária, talvez não a proposta por Guedes, mas um projeto anterior, redigido por um economista de ótimo conceito, Bernard Appy). O que se espera é que a reforma da Previdência, de acordo com o prometido, desencadeie investimentos privados nacionais e internacionais, permitindo reduzir o desemprego e retomar o crescimento.

Perdemos todos

Um dos grandes jornalistas brasileiros, Clóvis Rossi, morreu na sexta, aos 76 anos. Morreu como viveu, do coração. Excelente repórter, sempre trabalhamos quase juntos. Juntos mesmo, pouco: na queda de Salvador Allende (ambos, mais o notável José Maria Mayrink, ele para O Estado de S. Paulo, Mayrink e eu para o Jornal da Tarde). Meses de convivência na Folha de S.Paulo, depois, e anos quase juntos, eu na Folha da Tarde. Nunca fomos amigos de sair juntos, mas, discordando de boa parte de suas posições, sabia que um fato publicado por ele tinha mesmo ocorrido e da maneira como o descrevia. Dirigiu o Estadão com brilho – e que equipe montou!


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 13 de junho de 2019

A ORDEM É CUMPRIR ORDENS

 

 

A ORDEM É CUMPRIR ORDENS

 

O ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol podem superar os problemas ou ser superados por eles. Mas a publicação, pelo Intercept, de diálogos entre Moro e procuradores, coloca todo o Governo em má situação. A reforma da Previdência vai passar pelo Congresso, sem ser muito desfigurada. Mas outras iniciativas do Governo (como a Lei Anticrime, do ministro Sério Moro) só passam se o Centrão, com seus duzentos e poucos votos, concordar. E negociar com o Centrão exige não só muito tempo como sólidos e abundantes argumentos, de dar enjoo ao ministro Paulo Guedes.

Mesmo antes das informações publicadas pelo Intercept (que devem ser verdadeiras, já que nem Moro nem Dallagnol as desmentiram), o Centrão já havia mostrado sua força. O COAF, que passaria ao comando de Moro, ficou na Economia; as emendas parlamentares, que o Governo podia ignorar numa boa, são agora obrigatórias. A medida provisória que garante R$ 248 bilhões a mais ao Governo para que suas atividades não sejam paralisadas só passou pelas comissões no último dia, mesmo com Bolsonaro avisando que teria de parar de pagar aposentadorias e pensões. E não há em Brasília quem acredite que a facilidade para posse e porte de armas, as medidas que aumentam o risco e as consequências de acidentes de trânsito e a Lei Anticrime passem sem onerosas discussões com o Centrão. Mesmo que as conversas transcritas não indiquem culpa, já serviram para colocar o Governo em dificuldades.

A regra do jogo

Que ninguém se iluda, pensando que as transcrições já divulgadas do Intercept tenham esgotado o assunto. Em reportagens desse tipo, publica-se apenas parte das informações disponíveis. Aguarda-se a reação de quem foi atingido. Aí vem a segunda parte, buscando desmoralizar os desmentidos. E pode haver uma terceira parte, por que não? A simples iniciativa petista de divulgar essa reportagem pouco antes de um julgamento que poderia libertar Lula (ou até anular suas condenações, objetivo que buscam) já criou todo um tumulto. Se Moro e Dallagnol pisarem em falso, poderão sofrer muito mais.

Culpado ou inocente?

Este colunista ouviu advogados de várias tendências. Há quem diga que nas conversas não há nada anormal; há quem diga que o juiz não poderia ter contato tão próximo com um dos lados do julgamento. Se a questão chegar ao STF, considerando-se que vários ministros discordam das posições de Moro, pode ocorrer a suprema inversão: Lula livre e Moro punido – a menos que haja forte mobilização popular em favor do ministro e contra Lula.

Questão de opinião

Pelas conversas até agora divulgadas, provavelmente a questão de quem é o culpado será resolvida por interpretação, da qual muitos irão divergir. Sò que isso também depende do que acontecerá de agora em diante. Desmerecer Glenn Greenwald por ser homossexual, casado com um parlamentar do PSOL, é um erro, e não apenas por achar que a opção sexual o desqualifica. Júlio César, o grande general romano, dizia-se “mulher de todos os maridos e marido de todas as mulheres”. Alcibíades, o general ateniense que, ao mudar de lado, ajudou a definir a vitória de Esparta na Guerra do Peloponeso, foi amante de Sócrates. Greenwald sabe como divulgar as coisas: trabalhou com Edward Snowden, hoje asilado na Rússia, que divulgou informações a respeito dos programas de monitoramento de opinião do Governo americano, é próximo de Julian Assange, conhece o jogo. Querer expulsá-lo é burrice, é levar para o mundo inteiro uma questão que hoje fica por aqui. Que tentem vencê-lo no campo das ideias. É a única vitória definitiva.

Sabe mais

Greenwald, há muito tempo no Brasil, sabe também que Bolsonaro, sem base parlamentar própria, é quase um refém do Centrão. Derrotar Bolsonaro, popular, com uma legião de fãs que beiram o fanatismo, é impossível. Mas é possível prejudicar muito su Governo entregando-o amarrado ao Centrão.

Qual é a fonte?

Aqui está uma questão intrigante: de onde saíram as transcrições? Dizem que Moro e Dallagnol tiveram os telefones interceptados (“hackeados”), mas o aplicativo Telegram afirma que não houve violação do sigilo. O Telegram tem sede em Dubai e seu principal acionista é russo. Pode estar mentindo. E pode não estar. É bom lembrar que, sempre que se aproxima a reforma da Previdência, que incomoda altos funcionários, acontece alguma coisa que a impede. Da última vez, foi a divulgação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer (a propósito, vale ler Traidores da Pátria, livro de Cláudio Tognolli, pela Editora Matrix, sobre os irmãos Batista). Digamos que algum alto funcionário insatisfeito tenha tido acesso às mensagens e se tenha interessado em utilizá-las para dinamitar o atual projeto de reforma. Nada é impossível. Só que agora não vai funcionar: o Centrão, coordenado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está comprometido com ela.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 10 de junho de 2019

JOGANDO FORA O GOL FEITO

 

 

JOGANDO FORA O GOL FEITO

 

Por uma série de circunstâncias, o presidente Jair Bolsonaro tem a chance de implantar reformas que mudarão as estruturas e a fisionomia do país. Até partidos reconhecidamente adeptos do “é dando que se recebe” decidiram colaborar, talvez por perceber que é impossível ordenhar uma vaca que está ficando sem leite. A inflação de maio, 0,13% (não esqueça: inflação é uma dia, não quer dizer que todos os preços tenham subido só isso), é a menor deste mês nos últimos 13 anos – e se acredita que a inflação anual ficará em 4,03%, abaixo da meta de 4,25%. A reforma da Previdência, sem a qual não haverá recursos para governar, deve sair – e quase tão ampla quanto a que foi proposta. Há uma reforma tributária em andamento, para que o produtor não seja punido por produzir; um pacote anticrime, a ser analisado, proposto por Sérgio Moro, o mais popular ministro do Governo; e um pente fino nos benefícios do INSS, que podem pegar muita gente que recebe sem motivo.

Por uma série de circunstâncias, Bolsonaro não parece ter percebido que navega a favor do vento. Trabalha mais para piorar a segurança do trânsito, já precária (brigando contra os radares, aumentando o número de pontos com que a carteira de habilitação é suspensa), acirrando a movimentação de estudantes e professores contra seu Governo (com um ministro que se arvora em imitar Gene Kelly), brigando com os aliados (seu filho Carlucho, o 02, voltou a atacar o vice Mourão). O que poderia ser um triunfo vira comédia.

A inflação

Nunca pergunte a quem faz compras como está a inflação: a resposta será de que subiu muito mais do que o Governo admite. Claro: quem compra se irrita com o que aumenta (cenoura, 15,74%, leite longa vida, 2,37%), e acha normal o que abaixa, e cujo peso no bolso é bem maior: feijão carioca, -13,04%, tomate, -15,08%. O fato é que a inflação vem sendo contida. Isso teria impacto favorável na imagem de Bolsonaro se o Governo não estivesse ocupado em identificar aliados que possam ser transformados em inimigos.

Imagem forte

Mesmo com metade de seu time jogando contra a outra metade, o presidente continua muito influente, diz pesquisa do Ibope. Exemplo: teste das opiniões sobre a privatização da Petrobras. Os participantes foram divididos em dois grupos. Para um, disseram que Bolsonaro apoiava a privatização, para o outro nada disseram. Entre os que acham o Governo bom ou ótimo, mas não sabiam da posição do presidente, 45% apoiaram a privatização. Entre os que sabiam de seu apoio, o número subiu para 57%.

Entre os que consideram o Governo ruim ou péssimo, mas não sabiam da opinião de Bolsonaro, 33% apoiaram a privatização. Entre os informados da posição do presidente, o apoio caiu para 23%. O coordenador da pesquisa, George Avelino, da Fundação Getúlio Vargas, disse ao jornal Valor: “A opinião de Bolsonaro polariza o eleitorado. O que Bolsonaro diz mexe com determinados grupos, seja favoravelmente, seja desfavoravelmente.”

Os alvos da guerra familiar

Veja on line informou nesta sexta que Abdul Fares, descendente do fundador do Grupo Marabraz (e que luta na Justiça contra três tios, hoje no comando da empresa) representou ao Tribunal de Ética da OAB de São Paulo contra um dos maiores escritórios de advocacia do país, o Sérgio Bermudes Advogados. Fares alega que procurou o escritório para entrar com ação contra os tios. Diz que entregou documentos sigilosos aos advogados e discutiu a estratégia jurídica a seguir. Mas, diante dos honorários pedidos, que segundo ele seriam de R$ 1,2 milhão, desistiu. Representa agora contra o escritório porque, após ter desistido de contratá-lo, o escritório aceitou defender o outro lado, de seus tios. Pede providências à OAB e exige a devolução dos documentos que, diz, deixou com o escritório. Um desses documentos, afirma, é um extrato de banco chinês, US$ 1 bilhão. Se um extrato como esse é real e aparece, é uma bomba. Fares promete processar o escritório de Bermudes, tendo como advogada Lilia Frankenthal.

Outro alvo: este colunista

A Marabraz abriu processo também contra este colunista, por uma notícia seca, puramente factual. Está no exercício de seu direito, claro. Mas, embora este colunista não acredite em coisas desse tipo, quem o processa tem sofrido com a falta de sorte. Um ex-secretário de Estado que se candidatou a deputado, e esperava 400 mil votos, teve algo como 20 mil. Desistiu da política. Marconi Perillo, irritado com a notícia do casamento luxuoso de sua filha, também optou pelo processo. Disputou o Senado, com duas vagas, ficou fora. Kajuru se elegeu. Seu candidato ao Governo perdeu. Enfrenta mais de 15 investigações, até por relações com a Odebrecht. Foi preso pela Polícia Federal (e logo libertado). Até seu advogado tem problemas: foi condenado a seis anos de prisão, em primeira instância (recorre em liberdade) por formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 06 de junho de 2019

A ESTATAL QUE É PRIVADA

 

 

A ESTATAL QUE É PRIVADA

 

A cena foi memorável: o presidente Fernando Henrique Cardoso vendeu em leilão uma das estatais-símbolo do país, a Cia. Vale do Rio Doce, por uns dois bilhões e pouco de dólares. O cheque foi ampliado e exibido à vontade – era o início da privatização. Bom, houve uma ou outra privatização, mas o país é ainda um dos campeões do mundo em estatais. E a própria Vale, a privada, tem hoje maioria de capital controlado pelos governantes, além da golden shareimposta por Fernando Henrique. É uma única ação, mas dá ao acionista, o Governo, amplo poder de veto sobre as atividades da empresa.

Com a maioria do capital controlada por fundos sob influência oficial, o Governo poderia ter exigido que a Vale não funcionasse como privada na manutenção das barragens e na proteção das populações que viviam no caminho das águas e dos rejeitos em caso de acidente. Também poderia ter poupado o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o Previ, das perdas bilionárias que vem sofrendo (e que atingem diretamente os funcionários do banco, já que são eles que pagam a suplementação de aposentadoria). Brumadinho, primeira tragédia da Vale, derrubou o valor da empresa. O Previ, hoje o maior acionista individual da Vale, teve no primeiro trimestre deste ano resultados R$ 5,8 bilhões abaixo do previsto. Tudo para fingir que, embora oficialmente uma empresa privada, a Vale continuasse estatal por debaixo do pano. E estatização, claro, com o dinheiro dos outros.

Cadê o foco?

O superministro da Fazenda, Paulo Guedes, disse no Congresso, mais uma vez, que o país quebra rapidamente se não houver uma reforma drástica da Previdência (sua meta é de R$ 1,2 trilhão de economia em dez anos, mas talvez se contente com um pouco menos). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fala em reforma que poupe R$ 1,1 trilhão em dez anos. No momento, não há votos suficientes para aprovar uma reforma deste porte – embora seja possível que se alcance a maioria necessária. Mas, com essa catástrofe anunciada, que é que faz com que o presidente vá ao Congresso? Não, não é a reforma da Previdência, nem a reforma tributária: é uma mudança nos dispositivos de trânsito, passando a tolerância das carteiras de habilitação de 20 pontos (momento em que, agora, supostamente devem ser cassadas) para 40 pontos. O objetivo é agradar os caminhoneiros, que agora poderão cometer o dobro de ilegalidades e mesmo assim manter a habilitação em dia. Tomar essa medida exige a intervenção do presidente? Até hoje, nunca exigiu. Tudo foi decidido pelos órgãos técnicos. Agora o que vale é mostrar aos eleitores o favor que lhes está sendo oferecido por ordem do presidente.

Cadê a segurança?

Duplicar o número aceitável de pontos na carteira de habilitação é bom para os caminhoneiros? Depende: a categoria terá mais liberdade para dirigir como quiser, com o fantasma da cassação da carteira bem mais longe. Mas, em compensação, correrão maior risco na estrada, já que outros motoristas também se sentirão livres para prestar menos atenção à segurança. Mas o presidente também não parece se preocupar muito com esse tema. Embora a monitoração eletrônica do trânsito nas rodovias federais tenha contribuído comprovadamente para reduzir o número de mortos e feridos em acidentes, Bolsonaro insiste em se opor ao aumento da fiscalização. Alega que “é preciso trazer de volta o prazer de dirigir”. Haverá maior prazer de dirigir do que concluir a viagem são e salvo, sem precisar gastar em hospital e oficina?

Boa notícia

O deputado Pedro Cunha Lima, tucano da Paraíba, está formulando uma proposta de emenda constitucional que se chamará PEC dos Penduricalhos. A ideia é gastar menos com o custeio da máquina administrativa. Hoje, até mesmo o parlamentar que se reelege recebe um penduricalho para custear a mudança para Brasília, outro penduricalho para morar lá (mesmo que já more em casa própria e até tenha outras propriedades), mais um penduricalho para comprar roupas, fora mordomias como carro, combustível, motoristas e assessores (há pelo menos um parlamentar com 70 assessores). A PEC dos Penduricalhos já tem 64 assinaturas garantidas, das 171 necessárias.

Inclusão!

Seria bom se isso valesse também para outros poderes, todos carregados de mordomias e auxílios diversos para fazer aquilo que o cidadão, que ganha menos, tem de fazer com seu próprio dinheiro. Nos EUA, o presidente paga as refeições da família na Casa Branca -excetuam-se aquelas em que há uma reunião de trabalho. E, na Suprema Corte, há um só carro de representação, o do presidente. Os outros ministros, se quiserem carro, que o comprem.

Armas impopulares

A pesquisa é do Ibope: 73% dos entrevistados são contrários ao porte de armas e rejeitam as medidas que facilitam as compras de armamento. Armas em casa são menos impopulares, mas também mal aceitas: 61% são contra.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 03 de junho de 2019

JÁ ERA MAS CONTINUA SENDO

JÁ ERA MAS CONTINUA SENDO

 

O problema do noticiário político do Brasil é um só: os analistas, tanto da Universidade como da imprensa, insistem em levar as notícias a sério. Não dá. É como criticar uma piada porque peixe não fala. Na piada, fala, sim.

Neste momento, Bolsonaro e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estão em lua de mel. Toffoli participou do pacto de Bolsonaro com Rodrigo Maia “para destravar o Brasil”. Maia, que é do ramo, sabe que esse tal pacto não é para levar a sério. Mas Toffoli está animado. Depois do café da manhã com Bolsonaro e Maia, ficou novamente ao lado do presidente, que recebia deputadas e senadoras. Ouviu impassível quando Bolsonaro, depois de elogiá-lo (“uma pessoa excepcional”), disse: “É muito bom termos a Justiça ao nosso lado”. E completou fazendo com as mãos uma imitação de coração.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas acontece que, mais cedo ou mais tarde, alguma medida de Bolsonaro “para destravar o Brasil” irá chegar ao Supremo. Como Toffoli poderá participar do julgamento, ele que é “a Justiça ao lado” de Bolsonaro? E, caso se declare impedido, tudo o que o presidente fez para atraí-lo não terá tido nenhum resultado. Muito esforço para nada.

É desejável, inclusive nos temos da Constituição, que os presidentes dos três Poderes tenham relacionamento harmonioso. Mas confraternizar ultrapassa os limites do relacionamento desejável. Pode caber ao Supremo o julgamento de Flávio, o filho 01. Amizade, vá lá. Amizade colorida, não dá.

Não é, mas continua sendo

Outra novela curiosa é o tal fim do Centrão. Depois que o Centrão foi até alvo de manifestantes que apoiam o Governo, ninguém mais é do bloco. Os principais dirigentes do partido, inclusive o presidente ACM Neto, sustentam que Centrão era o grupo de políticos que girava em torno de Eduardo Cunha. Rodrigo Maia? Imagine! A eleição de Rodrigo Maia eliminou os últimos vestígios do Centrão. Aliás, o PR também não é Centrão. Mudou de nome e hoje é PL. O cacique é o mesmo, Valdemar Costa Neto. Mas são personagens diferentes. O Valdemar do PR talvez fosse Centrão, o do PL não é. Simples.

O morto-vivo

Aliás, o extinto Centrão, embora já não exista mais, continua operando como se existisse. Coisas de nossa estranha vida política, se levada a sério.

Bico longo, penas coloridas

O governador de São Paulo, João Dória Jr., acaba de assumir o controle do PSDB. Seu candidato, o deputado pernambucano Bruno Araújo, se elegeu presidente do partido. Toda a análise política é sobre o “novo PSDB”, que Dória “vai levar para a direita, abandonando a tradicional postura tucana de centro-esquerda”. Pois é. Mas, tirando o afastamento da antiga geração, toda com mais de 70 anos, do comando partidário, não há mudança. Dória surgiu na política há 40 anos, na campanha de Franco Montoro para o Senado. Foi um dos marqueteiros na eleição de Montoro para o Governo. Com Mário Covas como prefeito nomeado, dirigiu a Paulistur. Foi indicado por Fernando Henrique para dirigir a Embratur. Quem o lançou candidato a prefeito foi Alckmin. Seu vice era Bruno Covas, aliado até hoje, o neto de Mário Covas. É tucano de ponta a ponta. Não muda nada. PSDB é PSDB, para o bem ou para o mal. O que muda é a formação: Dória é melhor empresário que a média tucana, e tem menos diplomas universitários. Quem diz que ele é recém-chegado ao partido não pode ser levado a sério.

Em nome de Deus

Já a frase de Bolsonaro diante de fiéis da Assembleia de Deus tem de ser levada a sério: ele perguntou ao público se já não estava na hora de haver um ministro evangélico no STF. A Constituição fala em notável saber jurídico e ilibada reputação. Não se refere em nenhum momento à filiação religiosa de Suas Excelências. Nem para favorecer, nem para prejudicar. Se alguém tiver ilibada reputação e notável saber jurídico, suas convicções religiosas não importam. Mas, se quiser, Bolsonaro pode nomear um jurista evangélico para o STF. Basta desistir da nomeação de Moro em favor de um evangélico de notável saber jurídico e ilibada reputação (e que, aliás, não permitiria que a religião influenciasse seus votos – mesmo no caso que interessa ao presidente, contrário a tornar a homofobia um crime). Ou convença Sérgio Moro a adotar a vertente evangélica do cristianismo, e então nomeá-lo. Fora isso, estará só fazendo demagogia para buscar mais apoio dos evangélicos.

O original era melhor

E é difícil levar a sério a política quando o ministro da Educação aparece num vídeo simulando uma cena de Cantando na Chuva, o clássico musical lançado em 1952. Qual a mensagem que Sua Excelência queria transmitir? Não importa: qualquer que fosse, a cena da dança na chuva protagonizada por um ministro a abafaria. Para este colunista, que acha importante manter a liturgia do cargo, a única conclusão a que se pode chegar é que a dança original, com Gene Kelly, foi muito melhor que a do ministro.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 30 de maio de 2019

CONCORDAM EM CONCORDAR

 

 
 

CONCORDAM EM CONCORDAR

 

Não, eles não eram maioria: mas havia, entre os bolsonaristas que foram às ruas, estridentes grupos radicais, que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo e insultavam Rodrigo Maia, o articulador das reformas. Bolsonaro elogiou os manifestantes. E qual foi a consequência de tudo?

O amor é lindo: o presidente Bolsonaro tomou café da manhã com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, Dias Toffoli, presidente do STF, David Alcolumbre, presidente do Senado, e todos decidiram apoiar uma agenda conjunta pelas reformas. Maravilha: concórdia, em nome dos superiores interesses do Brasil (e válida até que ocorra nova troca de insultos).

Mas que concórdia é essa? Um ministro do Supremo, a quem cabe julgar a constitucionalidade do que é votado, não pode fingir que não viu nada de ilegal, se ilegalidade houver. Ou seja, só apoia por apoiar. A Câmara aprovou a medida provisória que reduziu o número de ministérios de 29 para 22, e manteve o Coaf com Guedes, não com Moro. Bolsonaro se conformou (se o Senado mudar algo, a MP tem de voltar à Câmara, e talvez não haja tempo de votá-la até dia 3, quando expira e voltam a existir 29 ministérios). Mas o líder de Bolsonaro no Senado quer o Coaf na Justiça, e luta para mudar a MP. Ministro de Bolsonaro, Moro também quer que a MP mude. E ninguém se entende. Alcolumbre não fala, mas presta muita atenção. Traduzindo, eles concordam apenas em concordar. Talvez funcione. E seja o que Deus quiser.

Centrão sem centrão

Diante das críticas dos manifestantes ao Centrão, visto como interessado só na Oração de São Francisco (“é dando que se recebe; é perdoando que se é perdoado”), Rodrigo Maia, mais Centrão impossível, convidou deputados para formar uma frente suprapartidária, deixando o Centrão de lado. Entram na lista desde Kim Kataguiri e Pedro Lupion, do DEM, até Sílvio Costa, do PRB, partido de Valdemar Costa Neto, e Tábata Amaral, a musa do pessoal de primeiro mandato, do PDT de Ciro Gomes. Objetivo: montar uma agenda positiva, seja lá isso o que for. Ou, mais simples, lutar pelas reformas, ao lado da equipe econômica, que se reunirá frequentemente com eles. A ver.

Precisa dar certo

A barafunda política atrapalhou algo que, diante da crise, estava correndo sem obstáculos: as reformas (já que, sem elas, não haverá investimentos nem a Previdência conseguirá pagar as aposentadorias). A demora no andamento das propostas já se reflete pesadamente no prestígio de Bolsonaro entre os investidores institucionais. A pesquisa da empresa de investimentos, que busca informações para seus investidores) mostra que a aprovação de Bolsonaro entre agentes do mercado financeiro caiu de 28% para 14%, de abril para cá. E 43% dos investidores institucionais avaliaram como ruim ou péssimo o desempenho do Governo. Em abril, esta era a sensação de 24% dos ouvidos. Quem melhorou, para esse nicho específico de investidores institucionais, foi o Congresso: seu trabalho foi considerado ótimo ou bom por 32% (em abril eram 15%), e a porcentagem de ruim e péssimo caiu de 40% para 25%. Importante: 80% confiam na aprovação da reforma da Previdência neste ano. O percentual é o mesmo desde fevereiro. Espera-se que todas as votações no Congresso estejam concluídas no quarto trimestre. Mas se acredita que a reforma poupará R$ 700 bilhões em dois anos, embora a proposta original do Governo trabalhe com R$ 1,237 trilhão de economia.

Visão de futuro

De acordo com a pesquisa, se a reforma da Previdência não for aprovada, a Bolsa cairá 20%, para 75 mil pontos, e o dólar subirá 12%, para R$ 4,50. Se a reforma trouxer metade da economia proposta, a Bolsa subirá 7%, para 100 mil pontos, e o dólar ficará em R$ 3,90. Caso a reforma proposta pelo Governo passe integralmente, a Bolsa subirá 28%, para 120 mil pontos, e o câmbio irá para R$ 3,60 por dólar. Espera-se que, em quatro anos, a venda de ativos do Governo, no processo de privatização, atinja R$ 300 bilhões.

Aliados, mas desafetos

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, tem um esporte favorito: falar mal do diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Mário Rodrigues, de quem é desafeto. Diz insistentemente que a ANTT está fragilizada por ter seu diretor citado em delação premiada, o que é ruim para a imagem e a credibilidade da agência. Pois é: quando era subordinado ao ministro Moreira Franco, igualmente citado em delações, Tarcísio não se preocupava – tanto que não pediu para sair. Mas agora, para se livrar do desafeto, pensa até em mudar a estrutura do Ministério, fundindo a ANTT com a Antaq, Agência Nacional de Transporte Aquaviário.

O atual Governo parece copiar o PSDB, um partido de amigos composto 100% por inimigos. Os aliados do presidente querem exclusividade: não conseguem admitir a existência de outros aliados e os combatem com fervor.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 27 de maio de 2019

GANHAR PERDENDO

 

 

GANHAR PERDENDO

 

Digam o que disserem os teóricos, o fato é que a anarquia funciona. Jair Bolsonaro tem seus líderes no Congresso, mas cada um diz uma coisa, faz outra e, no caminho, descumpre os acordos que acertou. O próprio Bolsonaro pede uma coisa e luta por outra. O fato é que funcionou: a reorganização do Ministério foi aprovada (só que o Coaf ficou na Economia, em vez de ir para a Justiça, e a Funai ficou com a Justiça, saindo dos Direitos Humano – e Bolsonaro, que propôs as mudanças, agora quer que tudo fique como está). O ministro Moro ficou chateado ao perder o Coaf, mas parece já acostumado a apanhar. Há uma reforma tributária pronta para ser votada. Não é a de Paulo Guedes, mas foi redigida por um economista de porte, Bernard Appy; Paulo Guedes pode usá-la. Há uma reforma da Previdência (dos tempos de Temer) já em estágio avançado. É acoplar esta à de Guedes, fazer um substitutivo e pronto. Guedes disse que, se a reforma for daquelas meia-boca, pede para sair. Mas é provável que se entenda bem com Appy e equipe, e se acertem.

Claro que, no meio da confusão do Governo e de sua difícil relação com o Congresso, de repente tudo pode desandar. Quem tem tocado as reformas para a frente é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um primeiro-ministro informal. O líder do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo, brigou com ele. Mas os líderes do Governo estão brigados entre si (e às vezes agem contra o Governo de que são líderes). O Governo perde todas, mas é assim que ganha.

Perder perdendo

Na manifestação de hoje, pode ocorrer tudo – inclusive nada. Mas é bom que Bolsonaro tome providências para aumentar sua popularidade: a última pesquisa XP (uma empresa de investimentos cujas pesquisas servem para orientar os investidores) aponta, pela primeira vez, que a avaliação “ruim ou péssimo”, 36%, supera a “ótimo ou bom”. 34%. Houve pequena queda da avaliação positiva, enquanto a negativa subia cinco pontos, embora a diferença esteja dentro da margem de erro (3,2 pontos percentuais).

Maus indícios

Outros indicadores, porém, mostram queda na popularidade do Governo. O grupo que espera que daqui em diante o Governo seja ótimo ou bom caiu de 51% para 47%. Só 4% consideram satisfatório o andamento da agenda de Bolsonaro no Congresso. As opiniões se dividem quanto à responsabilidade da lentidão: para 35%, a culpa é conjunta, do Governo e do Congresso. Para 30%, a culpa é do Congresso. E só 20% põem a culpa apenas em Bolsonaro.

Parlamentarismo, não

O presidencialismo é de longe a forma de governo preferida: 70% dos entrevistados. E 18% acham que seria melhor adotar o parlamentarismo.

Os dias seguintes

No Congresso, já houve até reuniões de parlamentares importantes sobre “o que fazer com Bolsonaro”. No momento, nada: nem petistas nem olavetes querem tirá-lo, já que não toleram o vice Mourão. Não há clima para golpe, nem quem tenha força para desfechá-lo. E, bem ou mal, com anarquia e tudo, as reformas vão andando – lentamente, com modificações, mas vão andando. Se passa uma boa reforma da Previdência (dessas que permitam ao país fazer economia de uns R$ 100 bilhões por ano), haverá melhora geral no ambiente econômico, com o provável aumento dos investimentos externos. Tradução: mais empregos e aceleração do ritmo da economia. Isso eleva a popularidade de qualquer presidente. Se a economia anda, o Governo é bom. Ponto final.

Boa notícia

Anote na sua agenda: 30 de maio, quinta-feira que vem, é o Dia Livre de Impostos. Não que o Governo deixe de morder o bolso dos cidadãos: mas um grupo de empresários, espalhado pelo país, vai vender seus produtos sem impostos – eles arcarão com os tributos. O objetivo é mostrar como os impostos pesados afetam a vida dos cidadãos. Num ranking de 30 países, o Brasil é o 14º em arrecadação de impostos, e o último em retorno dos gastos para a população. Até o momento, 821 lojas, dos mais variados setores, estão dispostas a vender parte de seus produtos sem os impostos. Os preços caem muito: o brasileiro trabalha 153 dias por ano, cinco meses, só para pagar impostos. Neste Dia sem Impostos, os descontos variam entre 10% e 70%. Há variação de preços conforme o Estado, já que os impostos variam. A lista dos participantes está em Dia Livre de Impostos

Esfriando os ânimos

O maior congresso latino-americano de sorvetes (CLASH) se realiza em São Paulo, nos dias 12 e 13 de junho, no Centro de Convenções do Expo-Center Norte. A área, cerca de oito mil empresas, com 75 mil empregados, movimenta algo como R$ 13 bilhões de reais por ano, no Brasil. O CLASH pretende fazer uma ampla radiografia do setor, sob o tema “Sorvete, Novos Tempos: Tendências, Conquistas e Transformações”. O CLASH funcionará das 9h às 17h30. Inscrições no site Clash


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 23 de maio de 2019

MARCHANDO NO ESCURO

 

MARCHANDO NO ESCURO

 

“Lá vão os olavetes/em louca arrancada/xingando o inimigo/tinindo as espadas. Para que? Para nada”. Mas esta paródia dos Cavaleiros de Granada, de Cervantes, não é exata: em vez de “para nada”, pode ser “para o desastre”.

A manifestação deste domingo, parece, é contra os políticos, o Supremo, os manifestantes da semana passada. A marcha pode ser um êxito, pode dar para o gasto, pode fracassar. Se fracassar, é péssimo para o presidente. Se apenas der para o gasto, é ruim para o presidente. Se tiver êxito, estará hostilizando entidades de que Bolsonaro precisará para que seu Governo siga em frente: do Congresso, por exemplo, depende a reforma da Previdência, depende a aprovação do projeto anticrime de Moro. E depende o crédito extraordinário para que o Governo aguente os gastos até o fim do ano.

Neste momento, boa parte do Governo está desnorteada. Moro funciona, embora mais fraco. Ministros como o da Infraestrutura e a da Agricultura vão bem. E Paulo Guedes é a esperança de que volte o crescimento na economia, gerando algum emprego. No mais, quem cuida da casa é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (que se articula com Guedes), aliado ao Centrão, dois dos alvos da marcha. Se o Centrão e Maia cruzarem os braços, haverá vácuo de poder, que será logo preenchido por alguém. Bolsonaro, se a manifestação der muito certo? Talvez. Mas Collor tentou e, ao falhar, selou sua queda. Jânio tentou e voltou, mas só como prefeito, quase 30 anos depois

Lembrando

Collor jogou tudo numa manifestação em que todos deveriam vestir verde e amarelo. Quem foi, foi de preto. O vice de Collor era desconhecido, mas a aposta foi nele (e Itamar acabou sendo bom presidente). O vice de Jânio era João Goulart, que despertava desconfiança nas Forças Armadas e na classe média. Mesmo assim Jânio não teve apoio. Já Bolsonaro tem um vice militar, bem visto por seus colegas, e que surpreendeu boa parte da opinião pública por seu bom senso. Os bolsonaristas mais radicais poderiam ouvir companheiros como o presidente do PSL, partido de Bolsonaro, ou Janaína Paschoal, bolsonarista e autora do pedido de impeachment de Dilma. Ambos têm sérias dúvidas sobre o que o presidente pode ganhar com a manifestação.

Lição

Jornais, TV, rádio e Internet se referem ao ato como “protesto a favor de Bolsonaro”. Este colunista é do tempo em que protesto só podia ser contra.

Vira, vira

Lembra-se da primeira briga de Bolsonaro com seu até então amigo de fé Gustavo Bebianno? Culminou com a demissão do ministro que tinha sido o chefe de sua campanha. Bebianno marcou audiência com o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, e Bolsonaro, furioso, por não admitir que inimigos fossem recebidos no palácio, mandou-o suspender a reunião. Pois é: ontem, Bolsonaro recebeu no palácio o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, o mesmo Paulo Tonet Camargo, em companhia do ministro Onyx Lorenzoni e do empresário de comunicações Vicente Jorge Espíndola Rodriguez. Nada como um dia depois do outro (e bons contatos).

Gasta que é nosso

Se o Congresso não votar um crédito suplementar de R$ 249 bilhões, o Brasil para. Os parlamentares sabem que a crise é brava. Mas o Senado já contratou algumas dezenas de novos assessores. E a Câmara se prepara para gastar mais R$ 30 milhões com serviço de segurança privada para deputados. Já existe segurança na Câmara (o apelido é Polícia Legislativa), há a Federal. Com mais 274 contratações, daqui a pouco será preciso ampliar os prédios do Congresso, ou o exército de assessores e seguranças não caberá nos atuais.

Paga, Santander

O Tribunal de Justiça de São Paulo apontou o Banco Santander como “exemplo de desrespeito ao Judiciário” por não ter cumprido ordem judicial para devolver a um cliente pouco mais de mil reais indevidamente retidos.

O caso: o Santander reteve esta quantia e o correntista recorreu à Justiça. O banco foi condenado a devolver o valor, sob pena de multa diária de R$ 500,00. Levou quatro anos e meio para cumprir a ordem judicial; a multa atingiu R$ 580 mil, mas o Tribunal de Justiça a reduziu para R$ 40 mil, sob a alegação de que a lei proíbe que haja enriquecimento por este processo. Mas o relator do caso, desembargador Roberto McCracken, determinou que o processo fosse enviado ao Banco Central, Procon, Ministério Público de São Paulo e Defensoria Pública, para as providências cabíveis.

Sem armas

O site Diário do Poder, de Brasília pediu ao Instituto Paraná Pesquisas um levantamento sobre posse de armas. O que se apurou: 60,9% dos entrevistados não querem armas em casa, e 36,7% as querem. As mulheres são as que mais rejeitam as armas: 70,6%. Os homens também são contra, mas por maioria menor: 47,6%.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 20 de maio de 2019

TODOS GRITAM, NINGUÉM TEM RAZÃO

 

TODOS GRITAM, NINGUÉM TEM RAZÃO

 

A fala do ministro Weintraub sobre menos verbas para universidades federais foi um desastre político (embora pudesse até ser defensável). E a oposição, ainda desnorteada, ganhou fôlego para grandes manifestações. Pela educação? Não: falava-se mais em Lula Livre do que em universidades. E não ficaria bem falar no tema, quando a principal universidade pública do país, a USP, paga a dois mil servidores mais que o teto estadual, R$ 23 mil. Um professor recordista ganha R$ 60 mil mensais. E a Universidade gasta toda a verba disponível, 5% do ICMS do Estado, em pagamento de pessoal.

Idiotas úteis? Bolsonaro poderia, especialmente fora do país, controlar o vocabulário. Falar da má distribuição das verbas públicas, que privilegiam o ensino superior e esquecem o fundamental, do desperdício de promover seminário com dinheiro público sobre filosofia do sexo anal. Preferiu xingar.

O país está em crise, mas o Supremo fecha contrato para banquetes com lagosta e vinhos premiados, o Senado contrata mais assessores, a Câmara diz que tem boa vontade mas a marcha da reforma da Previdência continua lenta. Bolsonaro discute se nazismo é de esquerda, avalia nos EUA a situação da Argentina e da Venezuela, e não mergulha na luta pela reforma. A Câmara, depois de ouvir o ministro Guedes informar que logo enviará um projeto de reforma tributária, vota nesta semana outro projeto – aliás, bem redigido, mas não é o do Governo. E os adeptos do Governo brigam uns com os outros.

Deixa conosco

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que vive entre tapas e beijos com Bolsonaro, disse em Nova York que o Governo atrapalha, mas o Congresso vai fazer a reforma da Previdência. Ironia: Bolsonaro fala contra a “velha política”, mas como não se mexe deixa o Centrão fazer o que acha preciso.

Fogo amigo

A comunicação do Governo é subordinada à Secretaria de Comunicação. O comunicador Fábio Wajngarten não se entende com o ministro, general Santos Cruz. Entende-se com Carlos, o filho 02, e com o polemista Olavo de Carvalho, que dos EUÀ dispara insultos contra o general (e outros militares), Mas é o general que libera a verba. Contra sua opinião, nada anda. Surgiu então uma fofoca brava: uma transcrição de WhatsApp em que ao general é atribuído o uso de adjetivos desrespeitosos contra Bolsonaro. A mensagem, que terminava dizendo que a solução seria o vice Mourão, foi levada, sem investigação, diretamente ao presidente. Isso dá uma ideia do clima no poder.

Cartas na mão

Bolsonaro herdou o país com inflação reduzida, os juros mais baixos que o Banco Central já pagou, encaminhou a reforma da Previdência e a lei de combate ao crime organizado. Graças ao agronegócio tem superávit comercial. Mas, com a barafunda política (e as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro, o filho 01), a economia está parada: cresceu o número de desempregados (hoje maior que no período Dilma), o crescimento do PIB é reavaliado periodicamente para baixo, o dólar bate recordes de alta. Há uma boa notícia: Olavo de Carvalho disse que não vai mais dar palpites. Com isso, o tiroteio deve ficar menos intenso. Se Bolsonaro puder livrar-se de todos os que tentam tutelá-lo, pode errar, mas serão erros só seus, sem ajuda.

E os planos?

Há uma questão séria, que ainda não foi mencionada: Bolsonaro falou sobre Cristina Kirchner, criticou Maduro, mencionou Israel como país que, com diminutos recursos naturais, conseguiu se desenvolver, chamou os que se manifestaram contra o contingenciamento de verbas para Educação de “massa de manobra” e “idiotas úteis”, brigou com uma repórter da Folha de S.Paulo (e espalhou o vídeo da briga pela Internet), pediu que o ataquem, em vez de atacar seu filho Flávio, disse que as brigas entre as diversas alas bolsonaristas são “página virada”, mas não falou nada a respeito de planos para a criação de empregos (nem quais suas ideias para a Educação e a Saúde, áreas em que, por mais que prospere a agenda liberal do ministro Paulo Guedes, a ação do Estado é fundamental). O bolsonarismo pode por algum tempo discutir a opção pela bomba atômica de Eduardo, o filho 03, ou a balbúrdia que o ministro Weintraub aponta em universidades federais. Mas, se não houver emprego, não há discussão que resista. Chegará a hora em que emprego e salário serão os temas predominantes, por mais ideologizada que se tenha tornado luta política. Sem pão, todos brigam, ninguém tem razão.

A aposta

Não houve jeito: condenado a oito anos e dez meses, em segunda instância, José Dirceu recebeu ordem de prisão. Fez uma reunião com pouco mais de 300 militantes, prometeu continuar lutando na Justiça para se livrar da pena, garantiu que, preso, irá ler mais, acelerar o segundo volume de suas memórias, exercitar-se, cuidar da saúde, acompanhar a política.

E a aposta: em quanto tempo o caro leitor acha que Dirceu será solto?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 16 de maio de 2019

A HORA DO VENDAVAL

 

 

A HORA DO VENDAVAL

 

É uma das maiores investigações financeiras de nossa História: por ordem do juiz Flávio Nicolau, do Tribunal de Justiça do Rio, foi quebrado o sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente da República, de sua esposa e filho, da empresa em que é sócio da esposa, de 88 ex-funcionários, de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, esposa e filhas. O sigilo fiscal está quebrado de 2008 a 2018 e o bancário de 2007 a 2018.

Flávio Bolsonaro diz que a quebra dos sigilos servirá para explicar um vazamento ilegal já ocorrido; e que o objetivo é atacar seu pai. A explicação oficial é investigar a movimentação de R$ 1,2 milhão por Fabrício Queiroz, em um ano (em três anos, R$ 7 milhões). Há um depósito de Queiroz na conta de Michele, esposa de Bolsonaro; e Queiroz disse que pedia parte do salário do pessoal do gabinete para contratar, sem registro, mais assessores. Há 48 depósitos de R$ 2 mil cada na conta de Flávio Bolsonaro. A suspeita é de que houvesse entrega ao chefe de parte do salário de cada funcionário.

É investigação para durar muito tempo: pesquisar contas bancárias de mais de dez anos, de 95 pessoas, é exaustivo. Não deve haver surpresas enquanto as investigações evoluem. Mas haver investigações contribui para a piora do clima político, e talvez leve parlamentares de hábitos flexíveis a exigir mais do Governo em troca de seu apoio e de seus votos. Em bom português, haverá quem exija tratamento mais generoso por seu apoio.

Coincidência

A investigação sobre Flávio Bolsonaro acontece na ocasião em que está próxima a votação da reforma da Previdência. Acontece também, ao mesmo tempo, a delação premiada de Henrique Constantino, um dos donos da empresa aérea Gol, em que cita propinas que teria pago a Rodrigo Maia, hoje presidente da Câmara e principal articulador da votação da reforma. No Governo anterior, faltavam poucos dias para a votação quando explodiu a delação premiada de Joesley Batista, que gravou conversa com o presidente Michel Temer (com isso, a reforma da Previdência ficou para o Governo seguinte). Mas, afinal de contas, coincidência é coincidência. Acontece, não?

Temer livre

Como de hábito, haverá choro e ranger de dentes. Mas a libertação de Michel Temer nos tribunais superiores era inevitável. Isso não quer dizer que não tenha cometido os atos de que o acusam, ou que não possa, mais á frente, vir a ser considerado culpado (e, aí sim, receba uma sentença de prisão). Mas estava preso sem julgamento. Prisão preventiva não é antecipação de pena e pode ser aplicada em circunstâncias específicas: destruição de provas, por exemplo, perturbação da ordem pública, ameaça de fuga… bom, se Temer não destruiu provas como presidente, iria fazê-lo agora? Nunca tentou buscar asilo ou sair do país. Portanto, que espere o julgamento em liberdade. Se condenado, a coisa muda. Enquanto não for condenado, fica livre.

O cerco a Perillo

O ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, derrotado amplamente nas eleições, vê apertar-se o cerco do Ministério Público sobre ele. Na semana passada, o MP moveu-lhe mais uma ação civil pública por improbidade administrativa (servidores eram contratados sem concurso público). Há 17 ações do MP contra Perillo, desde junho de 2018. Incluem de contratação de funcionário fantasma até irregularidades na aprovação de leis. Perillo viu seu candidato a governador ser batido por Ronaldo Caiado, não conseguiu se eleger senador, embora houvesse duas vagas, e na eleição presidencial foi o coordenador da candidatura tucana de Geraldo Alckmin.

O caminho de Moro

O presidente Jair Bolsonaro criou um problema para seu superministro da Justiça, Sérgio Moro: garantiu que ele será indicado para o Supremo tão logo surja uma vaga, e deixou entrever que houve um compromisso seu com Moro para indicá-lo. Moro rapidamente disse que não houve acordo algum e que, quando houver alguma vaga no STF, Bolsonaro poderá ou não indicá-lo e ele poderá ou não aceitar um eventual convite. Mas abriu-se campo para que políticos como Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, voltassem ao tema de que Moro condenou Lula a pedido de Bolsonaro. A tese é falsa: primeiro, porque Moro condenou Lula pela primeira vez quando ninguém imaginava que a candidatura Bolsonaro cresceria como cresceu: segundo, porque todas as sentenças de Moro foram confirmadas pela segunda instância, no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, e os recursos de Lula foram seguidamente recusados nos tribunais superiores.

O trabalho de Moro

Quando Moro assumiu, Bolsonaro sabia que ele era indemissível. Mas o trabalho que desenvolve ainda não apareceu para o público. Até seu pacote anticorrupção está sendo analisado junto com um anterior, de Alexandre de Moraes, e a tendência é unificá-los. Moro não é unanimidade em Brasília.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 13 de maio de 2019

CRÔNICA DA MORTE QUE FALHOU

 

 

CRÔNICA DA MORTE QUE FALHOU

 

Não gosto de armas: balas aleijam e matam. Mas não entro na discussão sobre porte de armas na segurança pública. Na Suíça e em Israel, onde cada cidadão tem em casa armas poderosas, e no Japão, onde civis raramente podem ter qualquer tipo de arma, o índice de criminalidade é baixo.

Mas tenho duas histórias para contar, a respeito da liberação de armas para jornalistas: nas duas, se estivesse armado, não teria como sair vivo.

Uma ocorreu no Brasil, uma no Uruguai. No Brasil, por sorte de repórter, fui à casa onde tinha ficado prisioneiro o embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado por militantes da luta armada. Cheguei instantes antes do fechamento da rua e entrei na casa. Cada serviço de informações (lá havia vários) achava que eu pertencia a outro. Eu achava que as notícias estavam liberadas, já que tudo o que perguntava me respondiam. A folhas tantas, liguei para o Jornal da Tarde, no Rio, e pedi um fotógrafo. Não havia ninguém disponível. Explodi: “Que cazzo de jornal que nem tem fotógrafo?”

Segundos depois, estava diante do cano de uma pistola. Um senhor de farda queria saber de que jornal se tratava – e, enfim, quem era eu? Ali mesmo me revistaram, apreenderam minhas anotações e meus documentos, me puseram entre dois soldados com metralhadoras. “Se tiver arma, é um deles”. Não tinha armas, fui liberado e avisado de que não poderia publicar nada. Publiquei tudo, mudei de hotel. E, creio, esqueceram de mim.

El coche de la Policía

No Uruguai, os tupamaros enfrentavam o regime (a caminho de uma ditadura militar). Tinha contatos com os dois lados. Aluguei um Maverick, que seria lançado aqui (outra matéria!) Convidaram-me para uma reunião de tupamaros e segui para lá de Maverick. Fui bem recebido, até que alguém cochichou algo ao líder do grupo. Fui cercado por jovens armados que queriam saber por que eu guiava um Maverick – e como saberia que era o carro favorito da Polícia, como o Falcon na Argentina? Instrução: “Viu demais. Se tiver arma, deem um jeito”. Não tinha arma, meu contato teve tempo de garantir que eu era repórter mesmo. A falta de armas me salvou.

Ficando fraco

Quando Bolsonaro assumiu, seu Governo se apoiava em Moro e Guedes. Moro, pela reputação e popularidade; Guedes, por ser bem aceito pelo mercado. Guedes, com poucos tropeços, continua poderoso; Moro, com seguidas derrotas, a última das quais o bloqueio do Congresso à transferência da COAF (que segue as movimentações financeiras), para sua pasta, vem murchando. Já perdeu umas sete batalhas, e duas vezes na questão das armas. Não acha que, com a população armada, o crime se reduza. Não acha, mas aceitou. E já disse que seu sonho maior é ir para o Supremo. OK, Bolsonaro agora sabe que ele não reage quando contrariado. Sabe também qual a chave para mantê-lo tranquilo. Moro continua sendo mais bem-visto do que Guedes e o próprio Bolsonaro, mas era maior do Curitiba do que é em Brasília.

A grande pergunta

Moro e os procuradores da Lava Jato são encarados com desconfiança por parlamentares. Óbvio: já ficou claro que não querem negociação e que, se desconfiarem de alguém, farão a denúncia escandalosa, com o alvo sendo preso para prestar depoimento. Qual possível vítima quer dar-lhes poder?

A voz do alto

O deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, o 03 e o 02, iniciaram campanha (pelo twitter, sempre) para que a COAF fique com Moro. Mas chamou a atenção o desinteresse do presidente e do ministro Onyx Lorenzoni pelo destino da COAF. Seu silêncio ensurdeceu o plenário.

Andando de lado

A pesquisa é do Ipespe, para a XP, que visa dar informações precisas a seus investidores. A popularidade do Governo caiu, mas dentro da margem de erro: os que o consideram ruim ou péssimo passaram de 26% para 31%, provavelmente com a adesão de pessoas que antes não tinham opinião. A porcentagem dos que acham o Governo bom ou ótimo se manteve estável.

Subindo

Quem cresceu na avaliação é o vice Hamilton Mourão, com 39% de ótimo e bom. Já 20% o consideram ruim ou péssimo. Como veem a contribuição de Mourão para o Governo? Ampla maioria, 82%, a avaliam como positiva ou neutra; e 20% consideram que a contribuição do vice é negativa.

Previdência

Pela primeira vez, a pesquisa XP Ipespe perguntou aos entrevistados o que acham da reforma da Previdència proposta pelo Governo. Divisão quase meio a meio: 50% contra (dos quais 22% acreditam, porém, que algum tipo de reforma tenha de ser feito); 45% a favor (dos quais 21% discordam de partes do projeto). E 75% acham que o Congresso aprovará a reforma.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 09 de maio de 2019

LIVRAI-NOS DOS AMIGOS

 

 

LIVRAI-NOS DOS AMIGOS

 

Diziam do PSDB que era um partido de amigos formado integralmente por inimigos. O bolsonarismo transforma o clima de abraço com punhal nas costas, até então exclusivamente tucano, numa festa infantil: entre adeptos do presidente, o debate já começa pela troca de insultos de baixo calão, sem que se saiba sequer o motivo da briga. Inimigos? Bobagem: Bolsonaro teve a sorte de encontrar, na liderança dos partidos de oposição, pesos-leves como Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad. Desses inimigos ele se livra, e com facilidade. Difícil é livrar-se dos amigos, muito mais perigosos.

Nem o mais crédulo dos bolsonaristas poderá acreditar que os ataques que seu filho Carlos 02 desfecha contra aliados não tenham apoio do presidente. Seria humilhante imaginar que um presidente da República, com formação militar, aceite ser comandado por seus filhos. É ele, sem dúvida, o pai dos ataques. Por que faria isso? Ótima pergunta: ganha uma viagem à Venezuela quem souber respondê-la. Talvez – e isso é palpite, não informação – queira desarticular o Governo para, à maneira de Jânio, voltar nos braços do povo. Jânio, que era um gênio político, falhou. Bolsonaro não é um gênio político.

Os palavrões dirigidos por um aliado, a quem acaba de condecorar, aos militares de seu Governo, atingem não uma pessoa, mas uma instituição. E, se for verdade que todos são traidores, quem terá sido o incompetente que os escolheu? Poucas atividades são tão perigosas quanto brincar com fogo.

Lembrando Trotsky

O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, assessor do Gabinete de Segurança Institucional, chamou o escritor Olavo de Carvalho, que tem atacado vários militares do Governo, de “Trotsky de direita”. Lev Davidovitch Bronstein, “Trotsky”, foi, ao lado de Lênin, um dos líderes da revolução comunista russa, e organizou o Exército Vermelho. Quando Lênin morreu, Trotsky perdeu a batalha pela sucessão para Stalin. Foi perseguido mundo afora e finalmente assassinado no México em 1940. Stalin não se importava com o papel de Trotsky na revolução: acusava-o de ser traidor “desde 1917”, ano da derrubada da monarquia russa.

Trotsky de direita – neste Governo, ninguém muda de posição, ninguém discorda: todos os atacados “sempre” foram traidores. Há ainda uma inversão de papéis, já que o Trostsky de direita persegue antes de ser perseguido. Mas é sempre útil lembrar um pouco de História.

Governo tem povo…

O curioso é que essas brigas internas do Governo acontecem numa hora em que as coisas vão razoavelmente bem. A reforma da Previdência passará, o prestígio de Bolsonaro se desgastou da posse para cá, mas seu apoio ainda é grande – de acordo com a Paraná Pesquisas, 53,1% da população acham que o país está no caminho certo, e 41,4% creem que está no caminho errado. Os bons números se repetem em todas as faixas de idade (exceto a de 16 a 24 anos), em todas as regiões do país (no Nordeste, a vantagem é menor: 49,3% a favor, 46,5% contra), em todas as faixas de escolaridade.

…e apoio empresarial

Na pesquisa do banco BTG/Pactual: entre empresários e executivos, 59% avaliam o Governo como ótimo ou bom, e 10% como ruim ou péssimo.

Por que?

Mesmo em condições favoráveis, Bolsonaro&Filhos criam problemas com generais. Não é coisa boa: civis devem mandar, mas xingar é muito feio.

Mexendo nas peças

O senador Fernando Bezerra, do MDB pernambucano, relator da Medida Provisória da reforma administrativa, quer que haja mais ministérios: a pasta de Desenvolvimento Regional deve virar duas, Cidades e Integração. E o presidente Bolsonaro já concordou, em nome da aprovação da MP. Para que o número de Ministérios não supere os atuais 22, uma saída bem brasileira: o Banco Central ganha autonomia, e seu presidente deixa de ser ministro. Só falta convencer os parlamentares, mas prevê-se vitória apertada do Governo.

Custo da Previdência

O Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, informa que o Brasil é o país que mais gasta com Previdência na América Latina: 12,5% do PIB. Em 2065, se não houver reforma, o custo deve chegar a 50,1% do PIB. É mais do que estará disponível para todas as despesas do Governo.

A aposta do Posto

O ministro da Economia, Paulo Guedes, declara-se otimista: acredita que o Brasil volta a crescer a partir de julho. O otimismo é maior do que parece: acredita que até julho as reformas estarão aprovadas. “Assim que forem aprovadas as reformas, o Brasil retomará o desenvolvimento”. A fase hoje é de desaceleração econômica, com aumento do desemprego. Diz Guedes que não há novidade na desaceleração: “o Brasil está prisioneiro de uma armadilha de baixo crescimento, e nós vamos escapar dela com as reformas”.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 06 de maio de 2019

OS LIMITES DA VERDADE

 

OS LIMITES DA VERDADE

 

Na crise venezuelana, uma coisa é certa: tanto o líder rebelde Juan Guaidó como quem o estimulou e apoiou acreditava na divisão das Forças Armadas, o que lhe permitiria depor Maduro. Não é estranho que lhe tenham passado essa informação, levando-o à armadilha da revolta que, tudo indica, saiu antes da hora. Estranho é que ele e seu grupo tenham acreditado na mentira.

Um dos maiores estadistas da História, Winston Churchill, disse que em tempo de guerra a verdade é tão preciosa que tem de ser protegida por uma muralha de mentiras. A informação em que Guaidó acreditou, de que os militares estavam prontos a derrubar Maduro, em troca de uma série de concessões (anistia, nada de investigações sobre a origem de certas fortunas) fez com que muitos de seus apoiadores secretos se colocassem abertamente a seu lado, pela deposição, e fossem neutralizados. Guaidó e seus aliados deixaram de levar em conta algo que parece óbvio: se o ministro da Defesa Vladimir Padrino pudesse derrubar Maduro, não entregaria o poder a Guaidó, nem a ninguém. Ficaria ele como o todo-poderoso. E se aliaria ao antigo vice, Tareck al Haissami, hoje ministro da Indústria, processado nos EUA por narcotráfico e principal contato venezuelano com o Hezbollah, para que o poder não lhes escapasse. Guaidó e outros oposicionistas seriam descartados, como Maduro, este perigoso demais para continuar vivo e livre.

Acreditar que o Exército de Maduro lhes daria o poder? Pois é.

Quem sabe, sabe

O presidente Bolsonaro chegou a dizer que a decisão de intervir ou não na Venezuela era dele, só dele. Não é bem assim: precisaria do aval do Congresso. Já quem conhece o jogo, como o vice Mourão e demais generais do Governo, jamais pensaram em intervenção. Seria caríssimo, arriscado, e, em caso de vitória, que é que faríamos para recuperar um país em frangalhos, onde há ainda grande número de adeptos de Maduro? E, se tudo desse certo, o vitorioso não seria o Brasil, mas Washington. Se Maduro é nocivo (como acha este colunista), os venezuelanos que o afastem. A ação do Brasil, como disse Bolsonaro em sua última declaração, termina no limite do Itamaraty.

Os homens de Maduro

El Aissami, ex-vice e ligadíssimo a Maduro, foi investigado não apenas pelos EUA, mas pelos próprios serviços venezuelanos de informação. Quem o aponta como contato de narcotraficantes e do Hezbollah é o relatório da informação venezuelana, que vazou. Esses contatos o tornaram bilionário.

Quem paga? 1

Todos escandalizados com as “refeições institucionais” de R$ 1,1 milhão do Supremo? Isto é só uma parte do quadro. Enquanto o Congresso estuda a reforma da Previdência, para fazer economia, o Senado contratou em um mês mais 334 assessores. Os 81 senadores tinham escandalosos 2.420 assessores, agora são 2.754. O senador Izalci, do PSDB de Brasília, é o campeão, com 74 assessores. O senador Reguffe, sem partido, de Brasília, tem nove. Antes das novas contratações, o custo dos assessores era de R$ 3,7 bilhões por ano.

Quem paga? 2

O jornal virtual Poder 360 apurou que 48 parlamentares (que votarão a Previdência) devem R$ 320 milhões à Previdência. São 45 deputados e três senadores. Há dívidas legítimas – R$ 191 milhões; há parlamentares que não pagaram e simplesmente esperam a cobrança judicial – R$ 129 milhões. O campeão de dívidas, diz o Poder, é Fernando Collor, do PTB alagoano. Tem dívida regular, R$ 3,79 milhões, e irregular, R$ 136.238.222,00. É seguido por Elcione Barbalho, do MDB paraense, mãe do governador Helder Barbalho. Dívida regular, R$ 23,09 milhões; irregular, R$ 23,9 milhões.

Dória, olha o Emílio Ribas!

Esta coluna recebeu impressionante mensagem de uma infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, entidade de 139 anos de história e ótima fama. O Emílio Ribas esteve na primeira linha de combate a epidemias de meningite, influenza, febre amarela; e atende a todos os que precisam.

O Hospital Emílio Ribas enfrenta agora o micróbio mais perigoso de sua história: a falta de condições de trabalho. Está sendo reformado desde 2014, por causa da reforma fechou metade dos leitos, e a tal reforma tem conclusão prevista para 2022. Quem precisar de atendimento, por favor, peça à infecção que volte daqui a alguns anos. A médica se queixa da falta de medicamentos básicos, como dipirona, sulfas; boa parte do chão está coberta com papelão.

Não pode: acelera, governador João Dória! Precisamos do Emílio Ribas.

Leitura da boa

Um livro que vale a pena: Memórias da Imprensa Escrita, de um grande jornalista, Aziz Ahmed. É simples: 26 jornalistas contam trechos de suas carreiras, que incluem contatos com políticos históricos, grandes empresários como Roberto Marinho e Assis Chateaubriand, histórias, enfim, de gente que viveu momentos para lembrar. É de ler de uma vez, sem largar.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 02 de maio de 2019

QUEM GANHA, QUEM PERDE

 

 

QUEM GANHA, QUEM PERDE

 

Guaidó, apoiado por Brasil, Estados Unidos e todos os países próximos, ou Maduro, apoiado por Cuba, Rússia e Bolívia? Para os venezuelanos, neste momento, tanto faz: se Maduro continua, mantém sua política maluca, que conseguiu a façanha de transformar um dos maiores produtores mundiais de petróleo num país onde falta tudo; se Guaidó o derruba, mesmo que melhore dramaticamente o desempenho do Governo, levará bom tempo para reerguer a economia, e nesse tempo terá de enfrentar a desconfiança da população, na qual despertou esperanças que em curto prazo não serão satisfeitas.

E o confronto, quem ganha? Este colunista não se atreve a fazer qualquer previsão: se Maduro se manteve até agora no poder, apesar da calamitosa administração, é porque tem apoiadores fiéis; se Guaidó está solto, embora se tenha proclamado presidente da República, é porque tem apoio suficiente para que Maduro não consiga prendê-lo. A qualquer momento pode ocorrer um desfecho (ou não); não adiantaria sequer consultar uma lista de chefes militares, porque, conforme evolui a situação, muda a posição de cada chefe. Em 1964, o presidente João Goulart tinha a lealdade pétrea do general Amaury Kruel, seu amigo de longa data; e foi Kruel, em decisão de última hora, quem derrubou seu Governo (a notícia era tão improvável que os jornais a confirmaram várias vezes antes de publicá-la). Quem se diz aliado nem sempre o é. Na Venezuela, é melhor esperar mais para errar menos.

Um dia de sossego

O fim de semana marcou, no Brasil, um raro momento de trégua entre os aliados do presidente Bolsonaro. Embora Rodrigo Maia tenha falado mal do 02 e 03 – chamou Eduardo 03 de deslumbrado e Carlos 02 de radical – ele e Bolsonaro estão de bem. Segundo Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, “daqui para a frente é vida nova, os dois reabriram um canal direto”. Bolsonaro disse que respeita Maia, os dois almoçaram juntos no sábado, e o presidente, além de chamar a conversa de “maravilhosa”, garantiu que está namorando o presidente da Câmara. Com o namoro, a reforma da Previdência se acelera.

Os filhos do capitão

Eduardo e Carlos, criticados por Rodrigo Maia, tuitaram louvores à reforma, sem ataques. Ambos pensam em afastar o general Santos Cruz do Governo, mas isso até agora não gerou crise. Por enquanto, o clima é de paz.

O caminho das pedras

Quanto mais se acelerar a reforma melhor é para o Governo. O peculiar ritmo de andamento dos projetos na Câmara exige alguém experiente e com poder, como Rodrigo Maia, para buscar os atalhos. Um exemplo: a partir de ontem, começa a correr o prazo de 40 sessões da Câmara para a entrega do relatório da comissão especial. Mas ontem não é ontem: é terça que vem, dia 7, porque, graças ao Dia do Trabalho, a primeira sessão da Câmara ocorres só naquele dia. Seria possível, mesmo assim, votar a reforma da Previdência até 15 de julho, antes do recesso do meio do ano, mas junho é um mês ruim: um grande número de parlamentares volta para seus Estados para participar das festas juninas. Se a reforma ficar para depois das férias, vai levar mais uns dois meses – e se aproximar das festas de fim de ano, quando para tudo.

É mas não é

Normalmente não daria para votar nada antes do finzinho do ano. Mas, se os parlamentares acharem que vale a pena ficar com Bolsonaro, aí é possível.

Problema na exportação

Na Apex, Agência de Promoção das Exportações, o terceiro diretor de Gestão Corporativa do Governo Bolsonaro acaba de cair. O primeiro durou nove dias, e saiu por não ser fluente em inglês; o segundo, embaixador com experiência na área, caiu não se sabe bem por que, mas dizem que não se entendia com Letícia Catelani, diretora de Negócios e bolsonarista de primeira hora. O terceiro é próximo de Leda e do chanceler Ernesto Araújo, e saiu não se sabe o motivo. O próximo deve ser Sérgio Segóvia, um contra-almirante, que ao que se saiba não tem experiência em comércio exterior.

Exemplo de cima

O país enfrentava um gigantesco buraco nas contas públicas? O Supremo se deu um bom aumento, que repercute em todo o funcionalismo. O Supremo vem sendo criticado? Pois abriu concorrência para banquetes de luxo, com medalhões de lagosta na manteiga queimada, vinhos com tipo seleto de uva, envelhecidos em barris de carvalho francês ou americano, que tenham ganho ao menos quatro prêmios internacionais, espumantes também premiados e elaborados pelo método “champenois”; o mesmo desenvolvido há uns três séculos pelo abade D. Pérignon. Método Charmat, outra possibilidade? Nem pensar! E pratos como arroz de pato, moqueca de camarão, baiana ou capixaba, pato assado, salada Waldorf com camarão, tudo de bom. Preço máximo, R$ 1,1 milhão, conforme o número de banquetes ofertado pelo STF.

Exemplo? E quem está disposto a dar um exemplo de economia?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 29 de abril de 2019

PREVIDÊNCIA: SINAL VERDE, PISTA LIVRE

 

 

SINAL VERDE, PISTA LIVRE

 

A reforma da Previdência vai bem, obrigado, deve passar sem problemas pelo Congresso. A oposição continua paralisada. Com a aceitação da reforma pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, as ações subiram e o índice Bovespa superou os 96 mil pontos. Suas Excelências já sabem, portanto, o que é que o mercado espera. Hoje, só um grupo político tem condições de criar problemas ao Governo: o próprio Governo.

Fora as brigas internas, o presidente Bolsonaro já disse que aceita que o Congresso mexa na reforma para reduzir a economia esperada. Paulo Guedes quer R$ 1 trilhão em dez anos, e projetou quase R$ 1,2 trilhão; Bolsonaro sinalizou que R$ 800 bilhões já está ótimo – o que leva o Congresso a pensar em economia ainda menor. Bolsonaro, calado, teria obtido mais. Mas mesmo assim a tendência é que a reforma passe com poucas mexidas. Talvez a ideia de criar um sistema de capitalização seja deixada para depois. Não seria má ideia fazer novos estudos, para garantir que com ele as contas fechem.

Outro fator favorável à reforma é o fortalecimento institucional de Paulo Guedes. A COAF, que acompanha movimentações financeiras e que agora está com Sérgio Moro, pode voltar à Economia – cuidando de economia, não só de indícios de ilícitos. Moro quer segurar a COAF, mas tem perdido todas as batalhas no Governo. Se Guedes quiser mesmo a COAF, fica com ela.

EUA, o bom e o mau

A economia americana vai bem (o que deve facilitar a reeleição de Trump, de quem Bolsonaro é admirador). Crescimento indica maiores importações; pode indicar menos excedentes agrícolas para exportar, o que abre espaço para mais exportações brasileiras. Lá, o PIB deve subir algo como 2%, um número gigantesco numa economia do tamanho da americana.

O tamanho de Moro

No caso da COAF, Moro enfrenta também o Congresso, que ameaça não aprovar a medida provisória que reduziu os ministérios se a entidade ficar na Justiça (os parlamentares estão fartos da Lava Jato, da pregação antipolítica dos procuradores, e veem com simpatia tudo que os enfraqueça). Caso a MP seja rejeitada, Bolsonaro terá de redesenhar seu Governo e distribuí-lo por mais ministérios – um trabalho complexo. Bolsonaro, que já ampliou a posse de armas contra a opinião de Moro, disse que ele mesmo enviará projetos de segurança pública não incluídos nos planos do ministro. Um deles: permitir o uso de drones para monitorar áreas controladas pelo crime organizado. E Moro também se enfraquece sozinho, como agora, ao dizer em Portugal que não responderia a críticas do ex-primeiro-ministro José Sócrates “porque não debateria com criminosos”. Sócrates é suspeitíssimo, mas não foi julgado, nem se sabe se o será. E não é o representante de um Governo estrangeiro que pode atribuir-lhe a condição de criminoso – que ele não tem. Pegou mal.

Vergonha 1

A Câmara do Recife aprovou aumento de 70% para o próximo prefeito, vice e secretários. O atual prefeito ganha R$ 14 mil mensais: o próximo terá R$ 22 mil. Justificativa: o salário dos políticos deve seguir os da iniciativa privada, para atrair pessoas qualificadas. Bom… não vem dando certo.

Vergonha 2

A Justiça Federal de Uruguaia, Rio Grande do Sul, recebeu inquérito por estelionato contra o deputado federal Paulo Pimenta, do PT gaúcho. Sua Excelência é acusado de calote de R$12 milhões na venda de arroz.

Vergonha 3

Um competente e sério jornalista de Itabuna, Bahia, publicou no jornal A Região um artigo de opinião sobre José Dirceu. O jornalista, Marcel Leal, acreditava que no Brasil não há crime de opinião. Mas há: Dirceu, condenado por corrupção, a quem Lula chamava de Capitão do Time, foi ouvido ao sustentar que o artigo de opinião era noticioso. E ganhou o processo contra Marcel, que terá de pagar-lhe indenização. O jornalista não conseguiu juntar a fortuna de quem já foi (e é) alvo da Lava Jato, e terá de entregar seu carro, ficando a pé. OK, fica a pé, mas não de quatro. Já lhe sugeriram que transfira seus bens, danifique seu carro, mas isso seria desrespeitar a Justiça. Ele prefere retaliar de outra maneira: amavelmente, visitando José Dirceu na prisão, para que fique bem claro que quem estará preso é ele.

Xeque aos reis

Os filhos do fundador da Marabraz, o mais velho dos irmãos Fares, que se consideram prejudicados por manobras atribuídas a seu pai e tios para prejudicar sua mãe no processo de divórcio, conseguiram nos últimos dias uma importante liminar: a juíza Luciana Biaggio Laquimia, da 17ª Vara Cível de São Paulo, bloqueou contas bancárias do Grupo Marabraz no total de 10% do valor atribuído à marca, para garantir o pagamento dos sobrinhos caso vençam a ação. O processo está no início, longe de chegar a um xeque-mate, mas o bloqueio de dezenas de milhões de reais é algo a ser considerado.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 25 de abril de 2019

AMIGOS DO PAI, INIMIGOS DO FILHO

 

AMIGOS DO PAI,  INIMGOS DO FILHO
 

Getúlio Vargas flertou com os nazistas e se juntou aos Aliados, festejou a tomada de Paris por Hitler e cedeu bases militares aos americanos. Dizem que certa vez recebeu um político que se queixou de um adversário, e Getúlio lhe disse que tinha razão. Pouco depois, veio o adversário, e falou mal do primeiro. Getúlio lhe deu razão. Alzira, filha e secretária, reclamou: “Pai, um falou contra o outro e o sr. deu razão aos dois!” Getúlio: “Você tem razão”.

É possível administrar assim – mas Getúlio, uma figura histórica que não aprecio, era um mago da política, o que Bolsonaro ainda não mostrou ser. E o incessante tiroteio entre aliados pode atrapalhar sua gestão. Seu filho 02, Carlos, brigou com Bebianno, com Mourão (chegou a insinuar que pessoas próximas ao presidente queriam sua morte), e pôs no YouTube do pai um vídeo em que o escritor Olavo de Carvalho insultava militares com palavras chulas. Bolsonaro mandou retirar o vídeo de seu canal, Carlos o compartilhou. Bolsonaro fez leve advertência a Carvalho, dizendo que ele é um patriota, mas suas palavras “não contribuem” para ajudar o Governo. Nada falou, porém, sobre o uso de seu YouTube pelo filho 02. Os militares pediam algo bem leve, não conseguiram: algo como “o filho tem direito à opinião, que nem sempre reflete a do pai”. Bolsonaro se diz convencido de que a militância virtual do filho 02 foi essencial para elegê-lo, ponto final.

Mas, com tanto tiro, como chegar unidos à votação da Previdência?

Prato cheio

Para quem gosta da fofocalhada política, as divergências entre militares e Olavo de Carvalho, este com apoio de Carlos 02, são um ótimo divertimento. Carvalho disse que desde Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, os militares se limitam à voz empostada e a cabelos pintados. O vice Mourão sugeriu que Carvalho volte a redigir horóscopos, no que, afirma, o escritor é competente. Carvalho já sugeriu que Bolsonaro nomeie para o Ministério seus três filhos políticos. Carlos considera Carvalho o único responsável pela série de vitórias conservadoras em eleições latino-americanas. E Carvalho responsabiliza os militares por entregar o país aos comunistas. Este colunista tentou, sem êxito, imaginar um diálogo entre o ex-presidente Médici e seu ministro comunista Delfim Netto (sim, Delfim aparece nas listas de comunistas dos mais radicais), a respeito da entrega do país a comunistas de carteirinha como Tancredo Neves, José Sarney e outros líderes vermelhos.

A palavra de Tarso

A sorte do Governo é que a oposição também não consegue se unir e fica amarrada à palavra de ordem “Lula livre”. Até podem atingir esse objetivo, mas esquecendo o de se opor ao Governo. Quando a oposição se manifesta, é de maneira estranha. Vejamos Tarso Genro, petistíssimo, ministro de Lula em três pastas diferentes, ex-governador, professor universitário: disse que o ex-presidente peruano Alan García, ao suicidar-se no momento em que era preso sob suspeita de corrupção, “deu exemplo de dignidade”. Motivo: “Recusou a submissão às execuções sumárias pelos juízes treinados pela CIA para fulminar o Estado de Direito na América Latina.”

E Lula?

Estaria Tarso achando que Lula, ao manter-se vivo, não teve dignidade?

Ao trabalho

De acordo com dirigentes de várias facções de caminhoneiros, está afastada a hipótese de greve da categoria. Óbvio: se conseguiram tudo o que quiseram sem precisar da greve, por que a fariam? Mas o problema virá: como as autoridades fiscalizarão o preço mínimo do frete, se o assunto é tratado entre contratador e contratado, sem testemunhas? E, se a alta do petróleo se mantiver, como se evitará, sem dilmismo, que o diesel suba?

A festa dos vazamentos

O mérito é do repórter Pablo Fernandez, da BandNews FM: apurou um enorme esquema de venda de dados pessoais pela Internet. O caro leitor não deve sentir-se discriminado: há dados de autoridades, como por exemplo o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro. Quais as fontes de informação? Inúmeras: os dados vazam do INSS, de entidades diversas, do serviço público federal. Surgem telefones, celulares ou fixos, CPF, RG, endereços, informações bancárias, salário, ligações de parentesco. Já faz muitos anos, no centro de São Paulo, que há venda (livre, sem qualquer constrangimento) de CDs com listas de nomes e informações. Mas eram listas não muito acuradas. Hoje são listas de maior precisão.

Destino

Quando recebemos um estranho bilhete de cobrança, partindo de nosso próprio endereço de e-mail, essas listas podem ser a fonte. Aqueles call-centers chatíssimos, talvez esteja aí sua alimentação. E não é caro: nos oito sistemas identificados pela BandNews, R$ 75 mensais compram muita coisa. É ilegal. E daria cadeia, se houvesse investigação policial.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 22 de abril de 2019

DOMINADOS PELO ÓDIO

 

 

DOMINADOS PELO ÓDIO

 

Depois de uma campanha áspera, John McCain, o candidato republicano derrotado, cumprimentou o vitorioso Barack Obama e desejou-lhe boa sorte. Depois de tudo o que um havia dito do outro? McCain explicou: “Ele era meu adversário. Agora é meu presidente”. Churchill considerava o rival Attlee uma espécie, digamos, de chuchu. Mas os dois trabalharam juntos, e bem, no comando da Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial.

Em política, ao menos, o brasileiro nada tem de cordial. Perpetuam-se os ódios e buscar acordos se torna difícil. O adversário é inimigo; não se aceita a divergência de ideias – talvez porque ambos os lados não as tenham. Dois ministros de Bolsonaro, Vélez e Weintraub, ameaçam demitir petistas, não por falta de capacidade e dedicação, mas por serem petistas. Haddad, batido nas urnas, faz insinuações rasteiras sobre amizades do filho de Bolsonaro. Um advogado (que defende os nove militares que deram 80 tiros num músico que deu o azar de passar por perto) deve receber do Ministério da Defesa a Medalha da Vitória. A notícia publicada num grande jornal sobre a medalha trata só das mortes, como se, em vez de advogado, fosse ele um atirador. E menciona a data da entrega, 8 de Maio, como “um mês e um dia após a morte do músico” – esquecendo que 8 de Maio é o Dia da Vitória sobre o nazismo.

Há projetos importantes no Congresso a discutir, mudar, aprovar, rejeitar. Que tal analisá-los, em vez de votar pensando só em quem o apresentou?

Data boa

Hoje seria uma boa data para que nossos políticos repensassem suas atitudes e deixassem de raciocinar com o fígado (como dizia o lendário dr. Ulysses, política não é função hepática). Hoje é Domingo de Ramos, é Páscoa; hoje é aniversário da morte de Tancredo, que levou muito povo às ruas para lamentá-lo, independentemente de divergências políticas; hoje é o Dia de Tiradentes, que morreu para que o Brasil pudesse ser livre. Seria um dia ótimo para que, em vez de trocar insultos, os brasileiros trocassem ideias.

Reconhecendo

Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes são, como eles dizem, firmes defensores da livre expressão do pensamento. Verdade: conseguiram transformar uma reportagem enviada a alguns poucos milhares de pessoas num fenômeno de leitura global em todo o país, viralizando-a na Internet.

Do lado de lá

Ninguém é obrigado a gostar do ministro Alexandre de Moraes (ainda bem!) Mas não é preciso exagerar nas restrições a ele. A imprensa noticia que, no decorrer da Operação Acrônimo, foram encontrados documentos sobre o pagamento de R$ 4 milhões, pela JHFS, ao escritório de advocacia do hoje ministro. E daí? Daí que os pagamentos foram feitos e recebidos na forma da lei, por serviços jurídicos. Seria uma maneira de agradar um futuro ministro? Dificilmente: na época, de 2010 a 2014, os presidentes eram Lula e Dilma, e Moraes era mais próximo da oposição. Alguém pagaria propina a um advogado e professor universitário afastado dos Governos petistas? Mas as reportagens saem enormes, com o objetivo de desgastá-lo. Objetivo, para usar a linguagem dos tribunais, despiciendo: desgastar-se, ele o faz sozinho.

Previdência, enfim

O acordo parece estar fechado: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deve votar a aceitação da reforma da Previdência neste início de semana. Os parlamentares falam em votação na terça-feira. Pode ser, mas a quarta é mais provável, com mais tempo para que os deputados que se esfalfaram no fim de semana para ouvir as bases possam voltar a Brasília. E tudo indica que será aprovada, com pequenas mudanças, ficando pronta para ser submetida ao plenário. O Centrão, grupo parlamentar formado por gente de vários partidos, mas que atua com união invejável, desde que lhe permitam sacrificar-se e participar das tarefas de Governo, é pró-reforma.

O que se espera

Se aprovada, preveem economistas (e não apenas os do Governo), é possível que a economia brasileira retome rapidamente o crescimento e receba ainda neste ano muitos investimentos estrangeiros.

Cem bi

A primeira grande rodada de investimentos pode ocorrer no final de outubro, com o grande leilão de petróleo do pré-sal. Será fácil verificar se houve ou não alta dos investimentos: hoje, antes da reforma da Previdência, espera-se obter pouco mais de R$ 102 bilhões. Pequenas baixas ou altas não importam, fazem parte do jogo. Mas se o valor superar em muito os R$ 102,5 bilhões, será sinal de que a economia já prepara o período de reaquecimento.

Segurança?

São Paulo, o Estado mais rico do país, tem mais de 13 mil vagas não preenchidas na Polícia Civil – aquela encarregada de investigar crimes. Caso essas vagas não sejam preenchidas (e não há indício de que o Governo pense nisso) não há condições de Polícia alguma trabalhar direito.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 18 de abril de 2019

PROMESSAS QUE O ASFALTO LEVA

 

PROMESSAS QUE O ASFALTO LEVA

 

Apenas pessoas maldosas podem dizer que o presidente Bolsonaro é refém dos caminhoneiros, só porque fez a Petrobras perder R$ 34 bilhões em valor de mercado por interferir no preço do diesel. Refém coisa nenhuma! Só porque prometeu construir e duplicar rodovias federais, prometeu liberar R$ 500 milhões do BNDES para dar crédito aos caminhoneiros autônomos, prometeu construir, nas rodovias privatizadas, pontos de repouso para motoristas, com banho, refeições e oficinas para consertos? Bolsonaro não é refém. Não tem culpa se os caminhoneiros acreditam em suas promessas.

Não seria preciso enfrentar uma ameaça de greve dos caminhoneiros para construir novas rodovias e duplicar as já saturadas (tapar os buracos também seria ótimo). Isso não foi feito até agora por falta de dinheiro. Temos estradas por onde nem mulas turbinadas, com tração nas quatro patas, podem passar. Temos estradas que permitiriam dirigir em paz se não fossem os assaltos e o roubo de cargas (e, frequentemente, o assassínio de caminhoneiros). É bem boa a ideia de melhorar a infraestrutura e, assim, reduzir custos e o tempo da viagem – mas quanto custa? E de onde virá o dinheiro?

Os EUA têm boas ferrovias, a Alemanha transporta boa parte da carga em barcaças. Antes, aqui produzimos locomotivas e vagões; hoje importamos até trilhos. Temos rios, mas poucas hidrovias de porte. Já transportamos tijolo de avião, para a construção de Brasília, por falta de outros bons meios de transporte. Mas, se os caminhoneiros acreditam nas promessas, tudo bem.

Ministro completo

Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Morais criaram algo inédito na história do STF: fizeram a denúncia, comandaram a investigação, acusaram, julgaram e condenaram a revista Crusoé por fake news. Aliás, são fake news de novo tipo: a notícia era a transcrição de um depoimento do empreiteiro Marcelo Odebrecht, no qual esclarecia quem era “o amigo do amigo do meu pai” citado nas planilhas da empresa. Segundo ele, era o hoje ministro Dias Toffoli, que na época dos fatos mencionados era advogado geral da União.

O ministro relator, Alexandre de Morais, determinou à revista Crusoé e ao site O Antagonista que retirassem quaisquer menções deste fato em suas edições antigas da Internet, e nada mais publicassem, sob pena de multa diária e pesada. Mandou que os responsáveis fossem convocados a depor. E determinou à Polícia Federal que fizesse busca e apreensão de material de informática nas casas de outras dez pessoas, incluíndo um general da reserva.

Cada um no seu quadrado

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivou o inquérito, alegando, entre os motivos, a falta de obediência ao devido processo legal e ao sistema penal de acusação. Segundo Raquel Dodge, o Judiciário, por lei, não pode conduzir essas ações e cabe ao Ministério Público conduzi-las.

E daí? Daí que estamos no Brasil. O senador Randolfe Rodrigues teme que o relator do caso, Alexandre de Morais, ignore o arquivamento e toque em frente a ação. Se o fizer, haverá problemas: há a possibilidade, caso a questão continue, de Toffoli e Morais serem derrotados em votação no plenário do Supremo. O palpite é 7×4. E muita gente, incluindo o vice-presidente general Mourão, diz que isso é censura e ainda mais que censura.

Abanando as brasas

De qualquer maneira, Toffoli e Morais conseguiram fazer com que uma notícia que seria lida por alguns milhares de pessoas se transformasse num caso nacional. A revista foi amplamente replicada nas redes sociais. Muito mais gente tomou conhecimento da reportagem. Tanto a revista quanto o site vencem: provaram que atingem muito mais gente do que imaginavam. E a Internet se encheu de memes com “o amigo do amigo do papai”.

Renomeando

O governador de São Paulo, João Dória, hoje o comandante de fato do PSDB, anunciou uma pesquisa para avaliar vários pontos, que incluem a mudança de nome do partido. Este colunista gostaria de colaborar com algumas sugestões: seguindo o exemplo do Podemos (o partido de Álvaro Dias), o PSDB poderia se chamar Hesitemos. Ou, seguindo Marina Silva e sua Rede, que tal o PSDB passar a chamar-se Muro? Haveria um nome mais popular, claro: o tucano, símbolo do partido, é uma ave de bico grande, voo curto, e que se caracteriza por, a cada passo, exigir que o chão seja lavado. Que tal essa característica denominar o partido que lança um Picolé de Chuchu a presidente da República?

Progressismo

A advogada Nasrin Sotoudeh está presa no Irã há oito meses, pelo crime de ter defendido nos tribunais mulheres que haviam sido detidas por remover em público os lenços que cobriam suas cabeças. Nasrin foi condenada, em processo secreto, a 38 anos de prisão e 148 chibatadas – daquelas que machucam e deixam marcas no corpo para a vida inteira.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 15 de abril de 2019

CEM DIAS, SEM CALMA

CEM DIAS, SEM CALMA

 

Passados cem dias do Governo Bolsonaro, com alas internas em luta, com projetos importantes atrapalhados por brigas desnecessárias, com inesperada queda de popularidade, o presidente decidiu reverter o quadro: em 18 atos, colocou na linha de frente medidas há longo tempo defendidas por bons economistas – como a autonomia do Banco Central, com mandatos fixos para seus diretores, reduzindo a influência política na defesa do valor da moeda; leis desejáveis, como a proibição, ao menos no Executivo, de rapapés e formalidades do tempo do Império; e uma ação que lhe dará popularidade maior, o 13º salário para quem recebe a Bolsa Família.

O Banco Central nasceu com autonomia, e nos idos de 66 já controlava a inflação. Mas estávamos na ditadura que, dizem, não houve, e o marechal Costa e Silva mudou tudo: deu o comando do Banco Central ao Ministério da Fazenda. A inflação cresceu bem, obrigado, e só foi vencida nos anos 90. Voltamos à posição correta: a defesa da moeda é maior que os governos. E, antes que digam que o presidente está fazendo demagogia ao se apropriar da ideia da Bolsa Família, implantada por Lula, é bom lembrar que distribuir dinheiro aos necessitados (em vez de dar-lhes serviços gratuitos) é a base do Imposto de Renda Negativo, ideia de Milton Friedman. E é bom lembrar que o superministro Paulo Guedes é discípulo de Friedman, membro da Escola de Chicago. Palpite deste colunista: a Bolsa Família tende a se ampliar.

Repassando

Vários teóricos liberais (que, no Brasil, seriam “de direita”) defenderam a entrega direta de dinheiro aos pobres. Como disse o economista austríaco Hayek, em visita ao Brasil, não adianta dar leite a quem quer farinha. É melhor dar dinheiro para que cada um o use conforme sua preferência, e não obrigá-lo a consumir o que não quer. No Brasil, o senador Suplicy, “de esquerda”, foi o grande batalhador desta causa “de direita”. Como funciona o Imposto de Renda Negativo, de Milton Friedman: estabelece-se uma renda de corte. Como, por exemplo, R$ 5 mil mensais. E um imposto, digamos, de 20%. Quem ganha mais de R$ 5 mil mensais paga, sobre o excedente, um imposto de 20%. Quem ganha menos recebe o suficiente para cobrir metade do que lhe falta para completar R$ 5 mil mensais. E os penduricalhos, tipo Leve Leite, água grátis em favelas, tudo isso acabaria. Muitos impostos seriam substituídos por este. E por que este colunista acredita na ampliação do Bolsa Família? Porque Paulo Guedes acredita nele e manda no pedaço. E porque mais Bolsa Família quer dizer mais popularidade para o presidente.

Senhor, senhora. E está ótimo!

Há quem diga que, num país cheio de problemas, não tem sentido proibir expressões como Vossa Excelência, Exmo. Sr. Professor-Doutor, ou o incrível Vossa Magnificência. O Império caiu há mais de cem anos e não há sentido em manter títulos desse tipo. Imagine que o caro leitor ache que um determinado ministro é uma besta quadrada, mas seja obrigado a chamá-lo de Excelência, como se o achasse excelente. E aquele reitor que, a seu ver, para burro só lhe faltam as penas, é Vossa Magnificência. Ridículo. Já vi, numa CPI, gente gastando tempo para explicar a uma testemunha que, caso fosse parlamentar, deveria tratá-lo de Vossa Excelência; caso não fosse, de Vossa Senhoria. Bolsonaro fez um gol. É uma lei que, espero, pegue.

Vai passar

Pesquisa publicada pelo jornal Valor Econômico mostra que 201 congressistas devem votar pela aprovação da reforma da Previdência. O número ainda não é suficiente, mas cresceu 35% de março para cá. A tendência é de que a reforma passe, embora com modificações.

Cada vez aumenta mais

O ministro Onyx Lorenzoni justificou os tropeços dos primeiros cem dias de Bolsonaro dizendo que o presidente está fazendo os mesmos ajustes que Felipão, técnico do Palmeiras, fez no ano passado e deram certo. Onyx entende de futebol o mesmo que de articulação política. O Palmeiras de Felipão perdeu a final do ano passado para a Corinthians em seu estádio, depois de gastar R$ 60 milhões em reforços. Neste ano, está fora das finais, eliminado pelo São Paulo. Na última Copa que dirigiu, Felipão levou de 7×1.

Boa notícia

A projeção da safra deste ano é de 235,5 milhões de toneladas. Garante a alimentação interna e o superávit nas contas externas.

Está preso. E daí?

O ex-presidente Lula, preso há pouco mais de um ano, espera que o STJ julgue o recurso que apresentou. Está tudo pronto e o recurso deveria ser julgado nesta semana. Como um ministro faltou, por questões particulares, o julgamento foi adiado. A semana que vem é Semana Santa. Portanto, o caso só será julgado no dia 23. A ideia de que a Justiça tarda mas não falha é falsa. A Justiça, quando tarda, é falha – seja para condenar ou absolver.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 11 de abril de 2019

ERA SÓLIDO E DESMANCHA NO AR

 

ERA SÓLIDO E DESMANCHA NO AR

 

Bolsonaro arrasou o PT até em tradicionais redutos de Lula, prometeu eliminar a velha política, nomeou os ministros sem ouvir os partidos, atraiu Sérgio Moro, foi recebido pelo mercado com forte alta da Bolsa. Logo no início do Governo apresentou seus projetos de alto impacto, a reforma da Previdência e o pacote contra o crime organizado. Recebeu a bênção de ter a oposição sob o comando de Gleisi e Haddad, que não se movem sem buscar instruções na cadeia. Deveria ostentar um nível inédito de popularidade; mas, insistindo em discussões inúteis sobre temas do passado longínquo, em brigas inúteis com quem não tinha motivos para hostilizá-lo, sem disposição para enquadrar as várias alas de seu Governo, tem hoje popularidade inferior à dos últimos presidentes, no mesmo período – inclusive Collor, que confiscou o dinheiro de população. Consegue estar abaixo até de Dilma.

Que é que aconteceu? Como se derreteu o Governo? Houve erros, claro; houve ministros que não se mostraram capazes, houve brigas com aliados (como Gustavo Bebianno), houve hostilidade à imprensa – que reagiu na mesma moeda, há administração por atrito. E houve, principalmente, decepção dos que esperavam um presidente pronto para se impor, com a força derivada de seus votos, e encontraram um líder hesitante, na defensiva, cheio de dedos para se livrar de gente próxima sob suspeita.

Quem votou no Super-Homem se decepcionou ao eleger Clark Kent.

Vai passar

A reforma da Previdência já é debatida na Comissão de Constituição e Justiça e, ao que tudo indica, estará encerrada e aprovada no dia 17. O PT tenta retirá-la de pauta, atrasando a votação e a entrada em vigor, caso aprovada. Opinião deste colunista, com base na Pesquisa DataChute: a reforma deve ser aprovada, com modificações, mas nada que a desfigure.

De briga

Abraham Weintraub, ministro da Educação, é economista, estudioso da Previdência. Fez campanha por Bolsonaro e foi levado ao Governo por Paulo Guedes. É professor rigoroso e, dizem, pessoa de trato difícil. Já se manifestou contra o que considera viés esquerdista no ensino superior. E, embora talvez tenha pontos de contato com Olavo de Carvalho, não é um olavete. Como se divulga que é “discípulo” de Olavo, um ótimo jornalista, dos que nada publicam sem confirmação, perguntou a uma repórter qual a ligação de entre ambos. Ela não sabia, mas disse que Weintraub era “considerado” seu discípulo. Considerado por quem? “Por todos, ué”.

Togas em festa

O Superior Tribunal de Justiça completou 30 anos e a data foi marcada por bela festa, paga pela Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB. Época de contenção de despesas? Vejamos o que diz a empresa Renata la Porta Buffet, responsável pelo jantar: “Hoje é um dia de abundância: entrega de vinhos maravilhosos, caixas e mais caixas de materiais novos e a cozinha a mil, produzindo festas incríveis: amanhã estaremos celebrando os 30 anos do STJ para 800 convidados”. Preço, processo de contratação? Nem STJ nem AMB se manifestaram. A AMB só disse que pagou a festa sem qualquer apoio, direto ou indireto, de empresas públicas ou privadas. Além da festa, houve o seminário internacional O Poder Judiciário nas Relações Internacionais. Amanhã tudo termina com jantar num bom restaurante.

Tempestade do Rio

Disputa entre o prefeito carioca, Marcelo Crivella, e o Governo Federal: Crivella diz que Bolsonaro prometeu ampliar a participação de Estados e Municípios nas receitas do país, e que isso não ocorreu. Isso não ocorreu mesmo; mas a Prefeitura do Rio não aplicou até agora nenhum centavo de seu orçamento em obras de prevenção de enchentes. O Rio tem tido problemas sérios, com chuvas mais abundantes que as normais, numa fase em que não há investimento algum no setor. Detalhe: Crivella é um dos principais políticos do PRB, ligado à Igreja Universal, que apoia Bolsonaro.

Cai, cai

A Ciclovia Tim Maia, no Rio, que liga o Leblon à Barra da Tijuca, à beira-mar, desabou mais uma vez com as chuvas e as enchentes. Desde que foi inaugurada pelo prefeito Eduardo Paes, em janeiro de 2016, é seu quarto desabamento. Comparando: o Aterro do Flamengo, construído no Governo Carlos Lacerda há mais de 50 anos, nunca teve qualquer problema desse tipo, embora a cidade tenha tomado muito terreno ao mar. Explica-se: para realizar a obra, foram contratados estudos do Laboratório Hidrológico de Lisboa, um dos mais avançados do mundo. Houve medições, modelos matemáticos, construção correta, que seguiu o projeto, e a obra mudou a cara do Rio para melhor – o que parecia impossível. Como foi feita a ciclovia? O que se sabe é que desabou tantas vezes que talvez seja inviável reconstruí-la.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 08 de abril de 2019

A TERRA É CHATA

 

 

A TERRA É CHATA

 

Paulo Guedes defende sozinho a reforma da Previdência, a votação mais importante que está na Câmara. Sérgio Moro defende sozinho seu pacote anticorrupção, a votação mais importante que está no Senado. O presidente Bolsonaro, enquanto isso, toma decisões: a) encontra-se com Romero Jucá e promete abandonar a expressão “velha política” (de agora em diante, diz, é a “boa política” contra a “má política”); b) anuncia que, ao que tudo indica, não mais haverá horário de verão; c) diz à imprensa, mas não ao principal interessado, que na segunda-feira deve demitir o ministro da Educação, que replicou dizendo que não vai entregar o cargo. Demissão “um dia desses” é novidade. Mais novidade é demitir um ministro que, qual Viúva Porcina, foi sem nunca ter sido. Como demitir alguém que, em mais de três meses, não chegou a exercer o cargo? Já o ministro tem toda a razão ao dizer que não vai entregar o cargo: se o cargo nunca foi exercido por ele, como entregá-lo?

Esperava-se que, em Israel, o presidente assinaria acordos que trouxessem ao Brasil a tecnologia de agricultura em terras áridas, que poderia fazer do Nordeste uma região próspera, uma reedição do trabalho do agronegócio. Aliás, não eram acordos desse tipo que o ministro Marcos Astronauta Pontes esteve lá negociando? Esperava-se que o presidente estivesse na luta para aprovar pelo menos a Previdência, que permitiria ao país respirar e crescer.

Nada disso: como diz um guru do presidente, a Terra é chata. Muito chata.

Causa e efeito

Não é a mídia esquerdista, não são sociólogos petistas enrustidos, não é “pesquisa fake”: é uma empresa de investimentos de excelente reputação, a XP, que contrata pesquisas para orientar investidores, que mostra nova queda na popularidade de Bolsonaro. O presidente perdeu, em um mês, mais 2 pontos. Hoje, seu Governo é bom ou ótimo para 35% do eleitorado (eram 37%); e ruim ou péssimo para 26% (eram 24%). Para Bolsonaro, o melhor resultado da pesquisa é que 62% acham que ele representa a nova política.

Nhô ruim, nhô pior

E, mesmo com as trapalhadas do Governo, está difícil escolher outra corrente política. O PSDB, além de ter saído estilhaçado, está sob o comando formal de Alckmin, mas o comando real é de Dória. E a turma de um não se bica com a turma do outro. O DEM pode não admitir, mas com três ministros e as demonstrações de afeto entre Bolsonaro e ACM Neto, é claro que é o partido político governista mais estruturado (e que até agora não conseguiu botar ordem na casa). E o PT e seus penduricalhos, mesmo beneficiados por uma inacreditável falha da liderança do Governo, que os deixou sozinhos no diálogo do ministro, nada tinha a dizer senão insultos e grosserias. Não dá.

Desculpe o mau jeito

Bolsonaro voltou de Israel com muita disposição: já se reuniu com vários dirigentes de partidos e seis lhe prometeram apoio à reforma da Previdência, embora não se mostrem dispostos a integrar a base do Governo. Bolsonaro lhes pediu desculpas pelas caneladas. Os dirigentes prometeram, e talvez até cumpram a promessa de apoiar a reforma. E Bolsonaro talvez até deixe de distribuir caneladas. Mas seu filho Carlos, o 02, continua pronto para agir.

Meus caros amigos

Quem vem sendo atendido, na medida do possível, é o agronegócio. Sua representante, a ministra da Agricultura, trabalha em silêncio e ganha todas. Agora, Bolsonaro assinou o decreto que dá um bom desconto na conta de luz dos produtores rurais. Com isso, o Governo gastará R$ 3,4 bilhões por ano.

Outros amigos

Bolsonaro promete também assinar, nos próximos dias, a concessão de 13º para os beneficiários da Bolsa Família. Foi promessa de campanha.

Quem paga

Já quem ganha salário deve ter más notícias nos próximos dias: a partir do próximo reajuste, o salário mínimo subirá tanto quanto a inflação. Outros índices que poderiam reforçar o mínimo, como o crescimento do Produto Interno Bruto em anos anteriores, ficarão oficialmente de fora.

Previdência própria

A reforma da Previdência (que, apesar dos tropeções e caneladas, marcha para a aprovação) cria nova necessidade de investimento, para complementar a aposentadoria: a previdência privada. O assalariado vai poupando ao longo de sua vida de trabalho e, quando se aposentar, contará com os rendimentos que tiver obtido. A expectativa é grande: Luiz Barsi, que enriqueceu com os investimentos em ações (é até apelidado de Warren Buffet brasileiro) fará palestra, “Ações garantem o futuro”, e as inscrições se esgotaram no primeiro dia. Ver pessoalmente não é mais possível, mas haverá transmissão ao vivo no dia 10, às 18h30, pelo link OEB-TV. OEB é o projeto educacional de Louise, filha de Barsi, com os investidores Fábio Baroni e Felipe Ruiz, que ensina o público a poupar para a aposentadoria.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 04 de abril de 2019

AS HISTÓRIAS MAL CONTADAS

 

AS HISTÓRIAS MAL CONTADAS

 

O presidente Jair Bolsonaro tem muitos defeitos, não perde oportunidades de perder oportunidades, lidera um Governo tão completo que cuida até de fazer oposição a si mesmo. É correto criticar Bolsonaro (e o Governo) por suas inúmeras falhas. Mas, se há tantas falhas, por que não criticá-lo por elas? É incorreto, e desnecessário, o esforço para criar falhas e então atacá-lo.

A viagem a Israel foi um bom exemplo. A imprensa, maciçamente, diz que ao abrir um escritório comercial em Jerusalém, quando havia prometido para lá transferir a Embaixada, desagradou a todos: aos árabes, contrários à qualquer iniciativa que envolva Jerusalém, e a Israel, decepcionado com o adiamento da transferência. Estranho, não? Considerando-se que a ideia do escritório nasceu numa conversa de Bolsonaro com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelly, em novembro, e que até as pedras de Jerusalém sabiam que era o que aconteceria, houve mesmo decepção? A propósito, a República Tcheca fez a mesma coisa: primeiro o escritório, a Embaixada irá mais tarde. E ninguém ficou decepcionado nem fez mimimi por isso.

O ministro Sérgio Moro também tem defeitos a criticar. Mas agora vem sendo atacado, via Internet, por não conseguir pronunciar direito a palavra “cônjuge” (ele diz “conge”). Isso é prova, segundo os críticos, de que ele não entende nada de Direito e mesmo assim se atreveu a condenar Lula à prisão – justo Lula, “o maior presidente” que tivemos. Lula dizia “menas”. E daí?

Pensando no passado

Bolsonaro, além de não perder oportunidades de perder oportunidades, não perde a oportunidade de entrar em brigas sem sentido. Começou com a ênfase à comemoração do 31 de março: há anos as Forças Armadas fazem suas cerimônias, tudo bem, mas ele quis mudar. Resultado: abriu a porta para a contestação do que houve há 65 anos. E, buscando novas brigas, resolveu seguir a cabeça de seu chanceler e afirmar, logo em Israel, que o nazismo é uma ideologia de esquerda. O Yad Vashem, o comovente memorial do Holocausto, centro de estudos sobre o antissemitismo, diz que o nazismo é de extrema direita. É discussão sem sentido: o nazismo, derrotado há 75 anos, é o mal absoluto – e essa convicção só não é partilhada por algumas pessoas nocivas. E que vantagem Bolsonaro pode obter no debate? Demonizar a esquerda? Não dá: de Pol Pot a Mao, a esquerda criou seus próprios monstros. Não precisa de outros, pois já tem seus pecados a expiar.

Paz…

Bolsonaro chega e, conforme combinou, deve se encontrar já amanhã com o pessoal do Centrão e do PMDB – são 166 deputados e 35 senadores. Seus partidos são conhecidos pela flexibilidade de negociação: rendem-se com facilidade a bons, sólidos, múltiplos argumentos. Como dizem, não se opõem a trabalhar com o Governo, dividindo os ônus da aprovação da reforma da Previdência; mas querem também os bônus, ou seja, ocupar bons cargos. O caroço da conversa é esse: o que entendem por bons cargos. Há definições já sacramentadas, como a do deputado que disse que na Petrobras queria cargos daqueles de furar poços. Bolsonaro terá de convencê-los a apontar nomes competentes e honrados para que possam ter uma participação no Governo.

…e guerra

Há hoje boas possibilidades de aprovação da reforma, apesar do lobby de servidores públicos, da pressão sindical e das propostas de afrouxamento do rigor da nova lei. Mas com Bolsonaro nunca se sabe: ele a qualquer minuto pode iniciar uma discussão, com direito a insultos em redes sociais, sobre as reais causas do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Culpa, é claro, do Kaiser da Alemanha e do Imperador da Áustria, notórios esquerdistas.

Então, tá

O empresário bolsonarista Osmar Stabile informou ao Congresso em Foco, importante portal de Brasília, que foi o responsável pelo vídeo de apoio ao golpe e ao regime militar divulgado no dia 31. Disse que fez o vídeo por sua iniciativa, com seu dinheiro. Certo: só resta descobrir como o vídeo foi distribuído pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Brasil inzoneiro

Reforma da Previdência, tudo bem. Mas será obedecida? Porque a lei do teto salarial para servidores públicos não chega a ser rigidamente aplicada. O ótimo portal jurídico gaúcho Espaço Vital traz duas notícias interessantíssimas – a fonte é oficial, é tudo documentado.

Um analista judiciário do Tribunal de Justiça do Pará pediu aposentadoria e receberá R$ 56 mil mensais. O salário máximo de servidor é R$ 39.200,00. Detalhe: o salário dele é de R$ 6 mil. Os R$ 50 mil a mais são gratificação e adicionais. No outro caso, o aposentado pelo Tribunal de Justiça da Bahia ganha menos que os ministros do Supremo: só R$ 24.700,00 mensais. Era motorista, com salário de R$ 5.600,00. O restante engloba as vantagens pessoais, o abono permanente e a reposição de adicionais. Tudo explicado?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 01 de abril de 2019

AMIZADE ETERNA ENQUANTO DURE

 

 

AMIZADE ETERNA ENQUANTO DURE

 

Bolsonaro, Rodrigo Maia, Moro e Paulo Guedes estão de bem. Segundo Bolsonaro, houve pequenas rusgas, “chuvas de verão”. Mas a amizade deve durar ao menos alguns dias: a crise viajou, foi para Israel. Lá, com recepção festiva, muitos acordos para assinar, não sobra tempo para novas brigas.

Todos cederam um pouco. Maia tinha dito que não ia falar com Moro, mas falou. Moro exigia análise rápida de suas medidas de combate ao crime organizado, mas, com a escolha da relatora na Comissão de Justiça, aceitou uma pequena demora, enquanto seu projeto é fundido com um anterior, de Alexandre de Moraes. Bolsonaro liberou Paulo Guedes para acordos com deputados, dentro da lei: recebe as emendas (legais) ao Orçamento e procura colocá-las de modo a que sejam úteis e se mantenham dentro do teto de gastos. O vice Mourão, que nem estava na briga, ficou feliz ao ser festejado por uns 600 empresários. Tudo está ótimo, ao menos enquanto estiver.

Os parlamentares, mesmo os mais pragmáticos, precisam se comportar. Se rejeitarem a reforma da Previdência e as consequências forem as que se anunciam – inflação em alta, menos investimentos, queda de empregos – vão levar a culpa. Colaborando, emplacam mais emendas, ficam de bem com o Governo Federal; e, se houver mesmo a tal “chuva de investimentos” que Guedes diz ser possível, tirarão fotos com ele e serão convidados para inaugurações. Claro, o filho 02 Carlos pode melar tudo. Mas nada é perfeito.

Como diz o poeta

Há quem diga que Jair Bolsonaro andou conversando com alguns de seus ministros militares, adeptos de mais moderação. É, porém, explosivo, reage com dureza quando se sente desafiado, e não serão conselhos de amigos, por mais respeitados que forem, que conseguirão contê-lo. Mas os negociadores de seus, dependendo do dia, aliados ou adversários, já sabem disso. E, para citar a própria expressão de Bolsonaro, de que as divergências foram chuvas de verão, é bom lembrar o que diz o autor da letra, Fernando Lobo: “Podemos ser amigos simplesmente/ coisas do amor, nunca mais”.

Pós-Israel

Bolsonaro combinou encontrar-se com Rodrigo Maia logo que voltar de Israel. O encontro deve selar o acordo de paz que ambos já anunciaram.

A guerra em números

Os índices mostram que as divergências entre Bolsonaro e Rodrigo Maia tiveram alto custo. O Índice de Confiança do Consumidor (FGV) desabou ao menor valor desde outubro de 2018, quando ainda havia dúvidas sobre o resultado das eleições. Em três meses – período de Bolsonaro no Governo – outro índice, o de Confiança do Comércio, caiu 8,3 pontos.

As armas do ministro

Guedes, embora não tenha experiência de articulação política, mantém bom entendimento com os parlamentares. E, além das conversas positivas sobre emendas ao Orçamento, acena com nova medida que agradará a Suas Excelências: um pacote de R$ 10 bilhões para Estados em dificuldades. Há governadores que assumiram Estados com cofres vazios e grandes dívidas. Ficarão felizes com a ajuda – e saberão que, se suas bancadas parlamentares estiverem de bem com o Governo Federal, será mais fácil obtê-la. O pacote, Programa de Equilíbrio Fiscal, está sob a responsabilidade do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Ainda será analisado pela Procuradoria-Geral da Fazenda e passará pelo ministro Paulo Guedes, mas a promessa é de que tudo será enviado ao Congresso, para exame e votação, em 30 dias.

Os prazos

O deputado Marcelo Freitas, relator escolhido para a reforma da Previdência, promete entregar seu texto em 9 de abril. O projeto de segurança – junção dos textos de Alexandre de Moraes e de Sérgio Moro – deve estar pronto para votação, segundo as previsões dos especialistas em plenário, dentro de 45 dias. Isso, é óbvio, se o entendimento entre o Governo Federal e os parlamentares continuar bom até lá. De qualquer forma, a tramitação da reforma da Previdência no Congresso será iniciada no Senado, não mais na Câmara. A proposta foi feita por Moro e aceita tranquilamente por Maia. E Moro não criou obstáculos à fusão de seu projeto com o de Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo. O acerto de posições entre ambos abre amplo campo para o entendimento político entre Governo e Congresso.

Águas passadas

Afinal, devem ou não os militares comemorar o 31 de março? Simples: se quiserem, que comemorem, como o vêm fazendo discretamente há muitos anos. Se não quiserem, que não comemorem. É tão ridículo proibi-los de lembrar a deposição de Jango quanto exigir que a festejem, 55 anos depois. É mais do que hora de trocar os militantes pelos historiadores. E não nos esqueçamos de que a grande imprensa, que hoje condena o “golpe”, na época o apoiava e chamava de “Revolução” – às vezes, Revolução Redentora.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 28 de março de 2019

O JOGO DO VAI-VEM

 

O JOGO DO VAI-VEM

 

Que é que o presidente Bolsonaro ganha brigando com Rodrigo Maia, o presidente da Câmara? Nada: Bolsonaro já venceu as eleições, embora nem sempre pareça convencido disso, e não causa qualquer prejuízo a Maia, que só enfrentará as urnas em 2022. E que é que Bolsonaro perde? Nessa briga, em que ele provavelmente nem sabe por que entrou, arranja um adversário bem colocado para atrapalhar o andamento da reforma da Previdência, seu projeto-chave, sem o qual será difícil manter a economia do país em ordem.

Parece – na atual situação, nunca se sabe – que tanto Bolsonaro quanto Maia concluíram que a briga é ruim para ambos. Já houve sinais de boa vontade. Maia disse que talvez dê para votar até o projeto de segurança do ministro Moro ainda no primeiro semestre. Seu principal interlocutor, o ministro Paulo Guedes, que no início do dia tinha desistido de conversar com parlamentares, já ajuda a indicar o relator da reforma da Previdência,

O fato é que o Governo está perto de aprovar a reforma, com algumas mudanças ditadas pelo Congresso (que manteria a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada). Cerca de 300 parlamentares votam pela reforma – e aí não estão os 54 do PSL, partido de Bolsonaro, nem os oito do Novo, que por definição querem reduzir as despesas do Governo. São necessários 308 – há, portanto, margem até para traição, sem que o projeto caia. Se os twitters se calarem um pouco, a reforma pode andar rápido.

Guedes, articulador

Paulo Guedes não foi à reunião com deputados (acertou-se, agora, que irá em outra data), mas não parou o dia inteiro. Conversou por três horas com governadores, e deve levar-lhes em 30 dias um plano de recuperação econômica dos Estados. Confirmou presença amanhã na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde tratará do mesmo tema. Embora tenha falado de outros assuntos, pensa é na reforma da Previdência. Se não houver a reforma, de onde sairá o dinheiro para os Estados?

Hora H

As conversas voltaram a fluir em boa hora. Exatamente a hora em que o vice-presidente Hamilton Mourão recebe apoteótica homenagem na Fiesp, na presença de empresários que comandam mais de um trilhão de reais.

A grande frase

Do general Mourão, condenando excessos dos radicais, em frase citada pelo colunista gaúcho Fernando Albrecht: “Não se combate o comunismo com comunismo ao contrário”.

Cortinas de fumaça

Alguns dias de paz são suficientes para que as coisas engrenem. Dentro de pouco tempo o presidente Bolsonaro vai a Israel. Deve assinar acordos já acertados pelo ministro da Ciência, Marcos Pontes, em dessalinização e irrigação. Pode haver alguma surpresa, tipo transferência da Embaixada do Brasil para Jerusalém – um agrado ao primeiro-ministro Bibi Netanyahu, que logo depois enfrenta duras eleições. Durante esta viagem o noticiário cuida não das brigas entre bolsonaristas, mas dos acordos com Israel.

Outro debate

A deputada Joice Hasselmann anuncia um projeto que também ajudará a dividir os debates: eliminar a contribuição anual obrigatória dos advogados. Se desapareceu o imposto sindical, fazendo com que sindicatos e centrais vivam por conta própria, por que obrigar advogados a pagar OAB? São coisas diferentes, mas o projeto provocará muito barulho da Ordem.

Como é mesmo?

Temer, Moreira Franco e outros presos receberam habeas corpus, estão soltos, mas uma questão não foi esclarecida: aquele depósito em dinheiro de R$ 20 milhões num banco. Bancos são monitorados por câmeras, e seria interessante ver o tamanho do depositante capaz de carregar uns bons 50 kg de papel moeda dentro da mala. E como os seguranças deixaram entrar no banco um cavalheiro transportando a mala capaz de conter 50 kg?

Dia D

A TV Gazeta de São Paulo acaba de contratar o ex-governador Geraldo Alckmin para participar quinzenalmente do programa Todo Seu, de Ronnie Von, agora em novo horário: 13h30. A estreia é dia 1º de abril. Alckmin falará sobre saúde e qualidade de vida, alimentação saudável, importância da atividade fixa. Deve ser interessante: Alckmin é médico. Anestesista.

Dinheiro voa

Caro leitor, diga: por que o Detran precisa de propaganda? Tem concorrente? Pois o Detran de Goiás, nos últimos quatro anos do Governo de Marconi Perillo, PSDB, gastou em propaganda R$ 22,5 milhões por ano. Nestes mesmos quatro anos, o Governo goiano gastou no total algo como R$ 500 milhões em propaganda. O Ministério Público goiano já começou a agir: pede que o dinheiro gasto pelo Detran seja devolvido ao Tesouro.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 18 de março de 2019

À VONTADE DO FREGUÊS

 

 

À VONTADE DO FREGUÊS

 

Hoje se comemora o quinto aniversário da Operação Lava Jato.

O presente foi dado anteontem pelo Supremo Tribunal Federal: a decisão de enviar à Justiça Eleitoral todos os casos de Caixa 2 de campanha, mais os crimes conexos eventualmente cometidos para formar o Caixa 2. Propina, por exemplo. Os procuradores da Lava Jato ficam furiosos – mas têm razão?

Depende: a lei não mudou. Se a Justiça Eleitoral não está equipada para julgar todos os envolvidos, a questão é só equipá-la. O Supremo não estava equipado para julgar casos criminais, mas recorreu a juízes auxiliares e deu certo. Um deles, a propósito, ficou famoso: o hoje ministro Sérgio Moro.

Tradicionalmente, os tribunais eleitorais lidam com crimes de menor potencial ofensivo e nem chegam perto da dureza da Justiça Federal. É claro que quem for apanhado alegará Caixa 2 para ser julgado por juiz menos duro. Mas, se a Justiça Eleitoral se readaptar, essa vantagem logo desaparecerá.

No fundo, cada interpretação depende de uma visão de futuro. Quem acha que agora ficou moleza violar a lei não acredita que a Justiça Eleitoral seja readaptada. Quem acha que não muda nada acredita que a Justiça Eleitoral se tornará tão eficiente (e tão rápida, e tão inflexível) quanto a Federal.

Este colunista preferiria a extinção da Justiça Eleitoral. A Justiça comum cuida de todas as acusações. E a eleição é organizada sem tanto juiz no meio.

Em tempo: Lula não é beneficiado pela decisão do STF. Seu caso é outro.

A questão Lula

Lula foi condenado por fatos ocorridos no exercício do mandato, quando já tinha sido eleito e tomado posse. Nada têm a ver com eventual Caixa 2. Os empresários condenados por pagar propina também não se beneficiam.

Justiça para todos

Talvez uma Justiça Eleitoral como a brasileira não seja única no mundo. Mas, se não for a única, é um exemplar raro. Em outros países, as eleições são organizadas pelo Executivo, ou (em menos casos) por uma repartição pública específica, mas sem poderes de julgamento. Se não houver Justiça Eleitoral, irregularidades em eleições caem todas na Justiça comum.

A luta real

A decisão do STF veio quando o pessoal da Lava Jato buscou ganhar poder. Sem ouvir ninguém, nem Raquel Dodge, a procuradora geral, montaram um esquema em que a Petrobras lhes entregou US$ 2,5 bilhões (parte da multa que pagou nos EUA, mas liberada para uso no Brasil) para uma fundação de luta contra a corrupção, sob seu controle. Errado: quem decide onde aplicar recursos é o Governo eleito, não os procuradores. O STF se mobilizou e a própria Raquel Dodge entrou na Justiça contra o acordo.

Loucura, mortes, loucura

Seja qual for o motivo do massacre de Suzano, seja qual for o motivo do massacre da Nova Zelândia, uma coisa é certa: cabeça normal é o que os assassinos não têm. Que as investigações entrem fundo nas organizações terroristas e consigam destruí-las. E, por favor, que essa loucura dos assassínios em massa não seja seguida pela loucura dos que vêem política em tudo. Politizar massacres para culpar adversários é nocivo, asqueroso. Combatam quem quiserem, mas respeitem os mortos e suas famílias.

Sorte desperdiçada…

O presidente Jair Bolsonaro não precisaria enfrentar crise alguma: com a oposição dividida, com o principal partido oposicionista dirigido por Gleisi Hoffmann, não teria com o que se preocupar. Mas gosta de preocupações. Se elas não existem, ele as cria. Já obrigou o ministro da Educação a afastar seu secretário-executivo (dizem que a pedido do escritor Olavo de Carvalho), e a escolher outro. O ministro escolheu outro, anunciou seu nome, mas ele não pôde tomar posse, porque era ligado ao anterior; e agora indicou Iolene Lima, que foi bem aceita por parte de um grupo de evangélicos mas parece não ter o mesmo prestígio com outro grupo. Não falta muito para o Enem, mas como preparar um bom exame se a estrutura do Ministério muda a toda hora?

…problemas à vista

A aprovação da reforma da Previdência deve gerar uma onda positiva na economia: queda do dólar, alta da Bolsa (que está para ultrapassar o índice de cem mil pontos), boa vontade internacional. Bolsonaro tem feito um bom trabalho para conquistar os votos necessários no Congresso – até concordou em deixar para mais tarde o projeto anticorrupção de Moro, para que nada atrapalhe o andamento da reforma. Mas seu articulador político, deputado Onyx Lorenzoni, não se dá com o poderoso presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Então, quem cuida da conversa com Maia é Joice Hasselmann, novata na Câmara mas bem mais hábil do que Onyx. O ministro Paulo Guedes também conversa com Maia. O presidente do Tribunal de Contas da União, José Múcio, não suporta Onyx – nem ele nem ACM Neto, presidente do DEM. Onyx talvez não dure muito. Enquanto durar, gera problemas.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 14 de março de 2019

DISCUTINDO BOBAGENS. AINDA BEM.

 

DISCUTINDO BOBAGENS. AINDA BEM.

 

A reforma da Previdência, assunto essencial, está no Congresso. Outra reforma com alto potencial de controvérsia está para ser enviada: a que devolve ao Congresso sua missão básica de determinar o Orçamento, dando fim às porcentagens obrigatórias para Educação, Saúde, etc. O Ministério Público desistiu de criar uma fundação para lutar contra a corrupção, com verbas recuperadas após investigações. Um pacote anticrime, proposto por Sérgio Moro, está pronto para exame pelos parlamentares. Para o bem ou para o mal, são propostas que modificam muito a estrutura do país.

E estamos discutindo tweets e fake-news que, seja a razão de quem for, fazem tanta diferença quanto o resultado de um jogo sub-15. É triste.

Ou não: um leitor desta coluna, advogado e ex-ministro, lembra que, por menos relevantes que sejam esses temas, pelo menos não discutimos hoje alguns bilhões de reais em propinas, nem somos surpreendidos porque um diretor de estatal devolveu R$ 90 milhões – que tinha na conta! – para se livrar da prisão fechada. As notícias de hoje são sobre indecências no Carnaval ou declarações atribuídas a uma repórter que estaria se esforçando para que suas descobertas derrubem o presidente. Coisa mais micha!

O comportamento é ilegal? Cabe à Justiça decidir. A discussão é boba? É. Mas os temas são menos escandalosos que construir uma refinaria como Hugo Chavez mandou sem ele botar um centavo na obra. Esta coluna quer esquecê-los. Mas admite que é melhor discutir besteira do que ladroeira.

Passagem rápida

Discussões sobre um episódio do Carnaval e uma entrevista a um site francês, que nega ter feito a entrevista, são chatas demais. Não deve ser impossível que governistas defendam o projeto de reforma da Previdência e oposicionistas mostrem suas falhas. É melhor até para ler a notícia!

Os lucros do assassínio

Dois presos são apontados como assassinos de Marielle. Cessa com isso a choradeira de que o Governo não queria esclarecer o crime? Não: para os radicais que dividem o mundo entre nós e eles, o assassínio continua sendo culpa de Bolsonaro – embora as prisões tenham ocorrido em seu Governo, embora ele tenha dito que é preciso chegar aos mandantes. Sérgio Moro é criticado por não ter dito nada sobre as prisões – embora tenha emitido nota oficial sobre o tema. Ô, gente chata! Será que só pensa em lucro político?

Os ausentes

Há quase 50 anos, 1972, Tom Jobim já falava nas “águas de março fechando o verão”. Mas o prefeito da maior cidade brasileira, Bruno Covas, escolheu justo esta época para tirar férias na Europa. A tragédia atingiu São Paulo e alcançou Covas, obrigado a trabalhar na época de trabalho! Mas ele não está só. O Congresso começa a discutir a reforma da Previdência; o projeto anticorrupção também será debatido; o superministro Paulo Guedes anuncia uma mudança na estrutura do país, eliminando gastos obrigatórios e liberando os parlamentares para definir despesas e investimentos. É bem nessa hora que o articulador político do Governo, Onyx Lorenzoni, decide fazer um passeio à Antártida. Entre uma fria e outra, escolheu a fria errada.

Rico…

A Assembléia do Mato Grosso do Sul aprovou e o governador Reinaldo Azambuja, do PSDB, sancionou: a partir de agora, e com efeito retroativo a 1º de fevereiro, os salários do Tribunal de Contas do Estado podem ser aumentados em até 90%. Quase dobram. Quem decide os beneficiários é o presidente do TCE – sim, o próprio. Previsão de gastos? Não foi divulgada. Afinal, quem é rico de verdade não precisa perguntar o preço de nada.

…ri…

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul tem uma lista com uns 90 juízes e desembargadores que ganham bem acima do teto constitucional de R$ 39,2 mil. O salário mais baixo da lista é de R$ 64.812,58. O mais alto atinge R$ 135.576,90 – pouco mais que o triplo dos vencimentos de um ministro do Supremo, que deveria ser o servidor público mais bem pago. Ainda bem que o agronegócio anda próspero e paga as contas do Estado.

…à toa

E, completando o quadro, o governador Reinaldo Azambuja nomeou 27 comissionados (cargos de confiança) com salários que começam na faixa de R$ 28 mil. Cinco superam o teto, e deles o mais bem pago recebe R$ 92.985,55 mensais. O Estado é generoso e ninguém regula merreca.

Ninguém é de ferro

Indignado, caro leitor? Então, mais uma: o famoso Carnaval baiano, de longa duração, é para os fracos. A Câmara dos Deputados reiniciou ontem o trabalho, após 13 dias de Carnaval, com reuniões de bancadas estaduais. Resta uma dúvida: se o Carnaval de três dias era Tríduo Momesco, como será apelidado o de 13 dias? Teremos de chamá-lo de Trezena Momesca?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 11 de março de 2019

UM CASO DE VIDA OU DE MORTE

 

 

UM CASO DE VIDA OU DE MORTE

 

O presidente da República se queixa de que é impossível viajar de carro sem ser multado, critica a fiscalização eletrônica e diz que não vai gastar mais dinheiro com isso. Não investirá em novas lombadas eletrônicas e, quando as atuais esgotarem sua vida útil, não serão renovadas.

Há estradas em que a oscilação da velocidade máxima parece mesmo uma pegadinha para multas. Mas este é problema do Governo, não da tecnologia. E, num país em que mais de 50 mil pessoas morrem por ano no trânsito e 350 mil vão para o hospital, que vale mais: evitar multas ou evitar mortes?

A instalação da lombada eletrônica no Brasil, em 1992, foi decisiva para reduzir os acidentes de trânsito em 70%. O BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, cita a experiência brasileira como referência mundial. No lugar onde há lombadas eletrônicas, os acidentes se reduziram em 30% e as mortes em 60%. Em pontos mais perigosos, as mortes caíram a quase zero.

Ninguém gosta de ser multado, mas pesquisa de 2002 dá 84% a favor do monitoramento eletrônico. Estudo do Ibmec mostra que em 2004 as lombadas eletrônicas evitaram mais de mil mortes. Custo das lombadas? Comparando, pequeno: cada acidente com morte nas rodovias federais custa R$ 418 mil ao Governo; cada ferido, R$ 86 mil. Mesmo que os acidentados se recuperem totalmente – o que nem sempre ocorre – saturam o SUS.

Vale a pena morrer para não ser multado?

Fala muito!

Não há dúvida de que os três zeros à esquerda, 01, 02 e 03, dão trabalho ao PaiPai. Mas Bolsonaro, o Zero Alfa, também não perde uma oportunidade de provocar polêmicas que, se perder, farão mal ao Governo, e se ganhar não lhe trarão qualquer vantagem. Já brigou com Daniela Mercury, Caetano, com dois senhores que acham que ficar nus no centro de São Paulo, com o dedo no ânus e urinando um no outro, é um protesto contra sabe-se lá o que. A briga com os referidos senhores (que dizem fazer oposição aberta, mas não revelam seus nomes) repercutiu no mundo – e repercutiu mal. Bolsonaro fala muito, durante o Carnaval soltou 29 twitters, sobre os mais diversos temas, mas só tocou no que é importante, a reforma da Previdência, na sexta, 7. Aí falou sobre reforma tributária e retomada dos investimentos. Aliás, a reforma da Previdência é o que interessa à economia, aqui e lá fora. A opinião de dois peladões pouco higiênicos não tem a menor importância. Pois foi com eles (mais alguns artistas) que o presidente gastou boa parte de seu tempo.

Muiiiiito!

Bolsonaro, em frase infeliz, disse que democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas querem. E a Constituição, nada? A coisa pegou tão mal que o general Augusto Heleno teve de explicar que não era bem isso. E, em sua permanente campanha para ignorar jornais e jornalistas, Bolsonaro anunciou que todas as quintas usará um live para contar o que o Governo faz. Trabalho inútil: em menos de três meses, e apesar do tempo no hospital, Bolsonaro encaminhou a maior parte da reforma da Previdência e o pacote anticrime de Sérgio Moro. Seria mais que suficiente para consagrar seu início de Governo, apesar de alguns ministros esquisitos – desde que não quisesse discutir também questões celestiais de gênero, como o sexo dos anjos.

Problemas…

Há forte desaceleração nos mercados internacionais, em grande parte por causa da disputa comercial entre EUA e China. As exportações chinesas caíram 20,7% em fevereiro. Esperava-se a queda, mas algo como 6%. Em dinheiro: o superávit previsto para fevereiro era de US$ 24,5 bilhões. Ficou em US$ 4,12 bilhões. Em janeiro, o superávit tinha sido de US$ 39,16 bilhões. E algo que afeta o Brasil: as importações caíram 5,2%, contra 2,5% previstos. A Bolsa de Xangai perdeu 3% em um só dia.

…e resultados

Nos Estados Unidos, onde a economia vive uma fase de pleno emprego (até 4% de desempregados), houve alguma criação de vagas: de 4%, o índice de desemprego caiu para 3,9%. O salário médio subiu 0,3% em fevereiro; de um ano para outro, a alta salarial foi de 3,3%, contra 3,2% de janeiro. Não são taxas espetaculares, mas são positivas. E Trump já começa a se preparar para a reeleição. Os opositores democratas ainda não têm nomes fortes.

A vida como ela foi

Um livro notável, de um jornalista notável, com depoimentos de notáveis jornalistas, será lançado amanhã, na sede da ABI, Rio, às cinco da tarde. Aziz Ahmed, em Memórias da Imprensa Escrita, conta tudo o que viu, e que não foi pouco: Carlos Lacerda, antes de ser político, queria ser autor de novelas; De Gaulle jamais disse que o Brasil não é um país sério; uma festa no dia da posse do presidente Kennedy foi suspensa pela polícia, chamada por um cidadão incomodado com o barulho. Leia ali a última entrevista de Ricardo Boechat. Há Samuel Wainer, há o próprio Aziz Ahmed. Não dá para perder.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 07 de março de 2019

BOLSONARO CONTRA 000

 

BOLSONARO CONTRA 000

 Publicado em 

As notícias são boas: no primeiro mês do Governo Bolsonaro, as contas públicas tiveram R$ 30,2 bilhões de superávit – o segundo melhor da série histórica dos meses de janeiro; os dois principais projetos de reforma, de combate ao crime e da Previdência, já estão no Congresso para debate; e até novidades mal apresentadas, como o Hino Nacional obrigatório para os alunos de escolas públicas, tiveram boa aceitação, cortadas as ilegalidades.

Tudo bem? Não: há gente no Congresso calculando o valor de seu apoio às reformas. Se não gostarem do lanchinho, farão tudo para derrubá-las. Mas faz parte do jogo: há até quem chame isso de “fazer política”.

O maior problema para Bolsonaro é que, embora tenha dito que os filhos não mandam no Governo, eles criam problemas. Eduardo, o filho 03, foi aos EUA apoiar o muro de Trump – apoio que, com o qual ou sem o qual, o mundo seria tal e qual. Flávio, o filho 01, levou para dentro do Governo um problema, tecnicamente chamado de “Rachid”, que era de fora. E o filho 02, Carlos, solta tweets contra sabe-se o que, ou quem. Exemplo: “Ativistas LJYZ, meia dúzia de piçoulentos fedorentos, rede bobo e os mesmos bandidos que quase transformaram o Brasil numa Venezuela tentam desgastar Bolsonaro desde o primeiro dia de seu governo, mesmo que números e fatos mostrem o contrário. O Brasil é maior que esta escória!”

Com três Zeros querendo defender o pai, mas jogando contra, é difícil.

Palavras de um sábio

Octavio Frias de Oliveira, o notável empresário que transformou a Folha no maior jornal do país, sempre dizia que, depois de ganha a discussão, é hora de tirar a nota fiscal e não falar mais do assunto, para não dar chance ao comprador de se arrepender. Bolsonaro ganhou a eleição e pronto: caso encerrado. Já não é mais candidato, agora é presidente. Mas o presidente, como os Três Zeros, gosta de brigar. Agora a briga é com Daniela Mercury e Caetano Veloso, a respeito da Lei Rouanet. Briga por twitter, claro: “Dois ‘famosos’ acusam o Governo Jair Bolsonaro de querer acabar com o Carnaval. A verdade é outra: esse tipo de ‘artista” não mais se locupletará da Lei Rouanet”. Não importa se tem razão ou não: que é que ganha vencendo uma disputa com Caetano e Daniela? É só ignorá-los e pronto.

Matando e criando

Estamos bem de imprensa: dois noticiosos on-line informaram que a Igreja decidiu abrir os arquivos secretos do papa Pio 13. Deve ser tudo tão secreto que ninguém mais sabia que houve um papa Pio 13. O último Pio a ser papa foi Pio 12. E, enquanto os noticiosos on-line previam o futuro, um grande jornal não foi capaz de prever o passado: nesta semana, incluiu entre os falecidos um excelente repórter, Vital Battaglia, que continua vivo e com saúde. Deveriam saber disso: Battaglia foi um dos astros da empresa.

Tiro ao tucano

Prisão de Paulo “Preto” Vieira de Souza, apontado como operador do PSDB de São Paulo, oito processos (com pedido de prisão) contra Marconi Perillo, ex-governador de Goiás, e outro problema surgindo: a Rodonorte, empresa do grupo CCR, prepara delação premiada que, dizem, envolve o ex-governador Beto Richa. Há histórias de entrega de malas de dinheiro no palácio, no Tribunal de Contas e na Associação dos Concessionários.

Lava Jato, crescendo

A Lava Jato da Educação, que o presidente Jair Bolsonaro anunciou no início da semana, deve investigar inicialmente o Fundo Nacional da Educação, FNDE, que controla quase metade das despesas federais na área. O FNDE gasta algo como R$ 57 bilhões em merenda, material didático, compra de ônibus para transporte escolar, financiamento de creches, complemento de verba para escolas, etc. A Lava Jato da Educação é um trabalho conjunto dos ministros Sérgio Moro e Ricardo Vélez Rodríguez.

Lava Jato, em risco

Atenção: na quarta-feira que vem, o Supremo Tribunal Federal deve decidir se passa para a Justiça Eleitoral todos os casos em que tenha havido Caixa 2, não importa que outros delitos tenham sido denunciados. Raquel Dodge, a procuradora-geral da República, defende que os processos sejam separados: aqueles que envolvam crimes eleitorais, como o Caixa 2, iriam para a Justiça Eleitoral; outros crimes, como propina, lavagem de dinheiro, corrupção em geral, continuariam com a Justiça Federal. Caso os processos passem para a Justiça Eleitoral, que não está preparada para julgar casos que não sejam eleitorais, a tendência é que os processos se prolonguem e as penas sejam mais próximas das que punem irregularidades de campanha.

Começar de novo

Há um outro problema: a possibilidade de pedidos de revisão de penas já decididas, considerando-se que a lei retroage em benefício dos réus. Não há ainda nenhuma avaliação das tendências dos ministros do Supremo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 04 de março de 2019

AS ÂNCORAS DE BARRO

 

 

AS ÂNCORAS DE BARRO

 

A credibilidade de Bolsonaro no mercado e na política internacional se baseia, desde antes de sua eleição, em duas âncoras de grande prestígio: Paulo Guedes e Sérgio Moro. Bolsonaro, embora popularíssimo, jamais havia divulgado em profundidade seu pensamento econômico: e se temia, por suas declarações agressivas, que tivesse viés autoritário. Guedes e Moro resolveram o problema – tanto que a oposição não funciona.

Mas ambos estão sendo minados por Bolsonaro. Ele já disse, antes de qualquer discussão, que a reforma da Previdência, base de sua política econômica, pode ser “flexibilizada” – ou seja, acochambrada conforme a vontade dos parlamentares. E Moro, o superministro da Justiça, já foi desautorizado várias vezes: a criminalização do Caixa 2 nem entrou na primeira lista de medidas contra a corrupção, o decreto das armas não inclui suas ideias, a especialista que ele convidou e nomeou para sua equipe teve de ser afastada no dia seguinte – sob aplausos de um dos filhos do capitão, que a acusou ter aceito o convite de Moro para sabotar o Governo.

Surgem aí problemas para os superministros e para o presidente que os nomeou: ao enfraquecê-los, obrigando-os a mudar de opinião, também se enfraquece, reduzindo sua credibilidade – não diante de seus eleitores, mas de investidores estrangeiros (e nacionais), de quem em gande parte depende seu sucesso. Qual a sensação de estabilidade que transmite aos negócios?

Quem perde mais

Ao nomear Moro, um dos riscos de Bolsonaro era ter um subordinado indemissível – demiti-lo significaria desistir da credibilidade de que Moro dispunha e de sua disposição de combater a corrupção doesse a quem doesse. Mas ninguém pensou no outro lado: se Moro pedir demissão, como é que fica? Deixou a carreira de juiz, deixa de lado a chance de ser ministro do Supremo e, principalmente, sai menor do que entrou, questionado sobre o prazo de validade de suas opiniões (como, por exemplo, dizer não há muito tempo que Caixa 2 é um crime pior do que corrupção e, agora, dizer que Caixa 2 é menos grave do que corrupção). E, não esqueçamos, qual sua opinião sobre a “rachadinha” no salário dos gabinetes parlamentares?

Por falar nisso

Fabrício Queiroz, aquele assessor de Flávio Bolsonaro, se manifestou: o dinheiro que provocou suspeitas era mesmo proveniente de funcionários do gabinete que entregavam a ele parte de seus salários. A explicação é curiosa: ele estava preocupado em fazer com que a verba do gabinete do Filho 01 de Bolsonaro rendesse o máximo para o deputado. Então, sem conhecimento dele, combinava com os funcionários contratados a devolução de parte de seus ganhos, que era utilizada para contratar informalmente mais gente que divulgasse com mais intensidade o trabalho do deputado. Que, claro, não sabia de nada, nem que havia gente a mais trabalhando para ele em lugares nos quais não havia nomeado ninguém.

A caça aos tucanos…

Apárentemente, chegou ao fim a tranquilidade dos tucanos. Um dos profissionais mais ligados aos governadores do PSDB em São Paulo, Paulo “Preto” Vieira da Silva, foi condenado a 27 anos de prisão por corrupção (e, segundo o Ministério Público, tem em seu poder dinheiro vivo suficiente para lotar dois apartamentos como o de Geddel Vieira Lima – fazendo as contas, algo como cem milhões de reais). O ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, coordenador da fracassadíssima campanha de Alckmin à Presidência, já enfrenta oito processos. Num deles, pede-se sua prisão por ter deixado um bilhão de reais em “restos a pagar” para seu sucessor, sem que houvsse recursos para pagá-los, o que é proibido por lei.

…ainda vai longe

E as coisas ainda podem piorar: a filha de Paulo Vieira da Silva diz que o pai estava pronto a uma delação premiada, mas o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira Filho o convenceu a trocar de advogado e escolher outro contrário à delação. Caso a informação seja verdadeira, por que a luta para evitar a delação? E quais dirigentes tucanos entrarão na linha de tiro?

O tucano é um pássaro peculiar: tem bela plumagem, mas é de voo curto. E seu bico é longo e forte.

A riqueza dos índios

Há na Florida, EUA, um esplêndido cassino. Um só; e apenas pôde ser instalado por estar terra indígena. Terra indígena na Florida? Sim: foi comprada por índios ricos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, quer fazer como os americanos, integrar os índios à economia, em especial ao agronegócio. Segundo diz, tem sido procurada por representantes indígenas de diversas regiões reivindicando melhores condições para criar riquezas e empregos em seus territórios. São bons agricultores, diz a ministra. “E querem as mesmas oportunidades de todos os produtores para criar riquezas, produzindo ou ganhando royalties de quem produz”.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 28 de fevereiro de 2019

DORMINDO COM O INIMIGO

 

 

DORMINDO COM O INIMIGO

 

Já se sabe por que o presidente Bolsonaro não convidou os mais radicais partidos de oposição para discutir a reforma da Previdência. É que, em seu Governo, ele é situação e também oposição. Não precisa do PT e de seus penduricalhos: o próprio Governo faz o trabalho da oposição, incluindo a parte difícil, de atrapalhar seus próprios projetos e se desgastar sozinho.

A última do ministro da Educação, por exemplo, nem o mais esperto dos oposicionistas faria melhor: em nome do respeito aos símbolos da Pátria, ordenou que professores, funcionários das escolas e alunos, devidamente perfilados em frente á bandeira, cantem o Hino Nacional e leiam um texto, supostamente patriótico, que inclui o lema de campanha de Bolsonaro, o que é ilegal. E tudo seria filmado para exibição pública, sem que os pais fossem ouvidos. Uma advogada pertencente ao próprio partido do presidente, a campeã de votos Janaína Paschoal, sugeriu que o ministro da Educação arranje com urgência um assessor jurídico.

Não foi necessário: rapidamente, o ministro mudou as ordens. Não é mais preciso ler o lema da campanha do presidente, nem as crianças irão aparecer em vídeos sem autorização dos pais. Ah, agir sem pensar!

E para que? Por que banalizar um símbolo como o Hino Nacional? Já se ouve o hino em jogos de futebol. A torcida nem silêncio faz. Após ouvir a música-símbolo da união nacional, brigam, se machucam, se matam.

Aquele do Japonês

Este colunista nunca cantou hinos: era proibido, por estragar o conjunto. Mas conhecia as letras: “Japonês tem quatro filhos”, “e quando a Pátria amada precisar da macacada”, e o delicioso “eia, sus”, que vinha um pouco antes do Virundum. E pensar que a ideia era estimular o patriotismo!

Louvar o Senhor

Perfeito, até o ministro da Educação percebeu que tinha feito besteira. Mas a ideia original, de exigir que o lema da campanha presidencial fosse obrigatoriamente citado, forçava ateus ou seguidores de religiões não monoteístas a prestar homenagem ao Deus dos cultos abrâmicos, com origem em Abrahão: judeus, cristãos e muçulmanos. E talvez violassse até um dos Dez Mandamentos, “não usarás o nome de Deus em vão”.

Jogo fácil

E, não fossem os inimigos internos, até que a situação não estaria difícil: a oposição é comandada por Gleisi, algo com que sonha qualquer Governo do mundo. O ministro da Justiça é ídolo popular, o ministro da Economia tem amplo trânsito no mercado, o agronegócio disputa a liderança mundial com os Estados Unidos, o presidente Bolsonaro continua em lua de mel com o público. Diz a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria que ele é bem avaliado por 57,5% da população (43,4% são favoráveis à reforma da Previdência). O Governo é ótimo ou bom para 38,9%; e ruim ou péssimo para 19%. Excelentes índices. Mas o eleitor está atento: 56,8% acham que os filhos estão interferindo nas decisões de Bolsonaro.

Amadorismo, não

Embora o Governo tenha agências de publicidade escolhidas legalmente em concorrência, quis criar a campanha da reforma da Previdência com uma equipe interna da Secom, Secretaria de Comunicações. Não passou: o ministro da Economia, Paulo Guedes, a considerou “tosca”, e vetou-a. Foi tudo refeito por uma agência de verdade, a Artplan. Agora está em ordem.

Brumadinho no mar

A Assembleia paulista acaba de convocar os responsáveis pela operação da cava subaquática de Cubatão – um buraco abaixo do nível da água que armazena 2,4 bilhões de litros de materiais tóxicos. A cava, entre Cubatão e Santos, é operada pela VLI, cuja maior acionista é – adivinhe! – a Vale.

A cava tem 25 metros de profundidade e 400 de largura, ao lado de um manguezal. Ali estão os resíduos tóxicos de meio século de exploração do Polo Industrial de Cubatão. Até há pouco tempo os resíduos estavam no fundo do canal de Piaçaguera. Com a escavação da cratera, o canal foi dragado (para aumentar sua profundidade e permitir a passagem de navios maiores) e os resíduos amontoados num só lugar. Os planos são cobrir a cava com 1,5 metro de altura de material limpo, que taparia o material tóxico, até o final deste semestre. E o risco de contaminação seria afastado.

O grande risco

O problema é que não dá para combinar com o mar, nem exigir que as águas tenham bom comportamento. Que acontece com o material tóxico em caso de movimentos anormais da água, causados por exemplo por tempestade? É isso que a Assembléia estadual quer apurar agora. Porque um vazamento naquela região, dentro do mar, como será contido?

Pois é

Eduardo Bolsonaro defende o muro entre EUA e México. E daí?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 21 de fevereiro de 2019

BBB- BIG BODE BRASÍLIA

 

BBB – BIG BODE BRASÍLIA

Carlos Brickmann

O ministro Sérgio Moro entregou no Congresso os projetos de combate ao crime. O presidente Bolsonaro deve ir hoje ao Congresso com a reforma da Previdência. São dois projetos-chave, promessas de campanha; se derem certo, marcarão seu Governo. O momento é ótimo: o PT mantém a cabeça em Curitiba e a oposição pode ser convencida com baixo custo político.

Mas este é um Governo completo: se a oposição é fraca, os governantes providenciam sua própria e sanguinária oposição. Brigas feias em torno de conversas que, se houve (e houve) não fariam diferença. Bolsonaro e um filho brigaram com o chefe da campanha presidencial, Gustavo Bebianno, e o tocaram do Governo. Motivo? Uma importantíssima divergência sobre telefonemas que foram trocados, ou não foram trocados, entre o presidente e seu até então homem de confiança, Gustavo Bebianno. Os telefonemas, aliás, houve; e tanto o filho do presidente quanto o próprio acusaram quem disse que houve de mentiroso. Importância zero – mas o Governo rachou.

Bobagem? Quem chega ao poder pode ser tudo, menos bobo. Se houve ou não a conversa, isso foi pretexto. Então, por que a briga? Por causa do encontro marcado entre Bebianno e um alto funcionário da Rede Globo, no palácio? Bolsonaro não quer a Globo lá, disse no tal telefonema que disse que não houve. Mas dois de seus auxiliares mais próximos já receberam o mesmo cavalheiro, e ninguém brigou, não. Então, qual a causa da briga?

Sopa de letras

Vale a pena buscar também o motivo que leva o organizador da UDN, mais um novo partido, a dizer que a família Bolsonaro provavelmente irá para lá, abandonando o PSL. Qual o problema que o PSL causou, ou causa, ao presidente e a 01, 02 e 03, seus filhos? Que se saiba, nenhum. Qual será a divergência ideológica entre UDN e PSL? Nenhuma: as duas legendas se colocarão ideologicamente do jeito que Bolsonaro mandar. Por que sair de um partido estruturado para entrar num em estruturação? UDN será mais chique? Quantos eleitores se lembrarão de um partido extinto há 54 anos?

A grande atração

O repórter José Casado, de O Globo, levanta uma questão interessante: o financiamento de campanha. O PSL tinha representação minúscula e, com o impulso de Bolsonaro, formou bancada de 52 deputados. Com isso, uma legenda que recebia R$ 6 milhões anuais de Fundo Partidário passa a valer R$ 115 milhões por ano – e, se os costumes políticos no Brasil continuarem os de sempre, a bancada vai crescer e valer R$ 200 milhões de renda anual. Mas isso depende de Bolsonaro: se sai e leva seus deputados, o PSL volta à receita habitual, baixinha. O presidente do partido, Luciano Bivar, segundo Casado, administra 15% do financiamento eleitoral. Bebianno é seu vice.

A grande solução

site O Antagonista, que cita a análise de José Casado, avança e aponta a solução do problema: extinguir o Fundo Partidário e o financiamento publico de campanha. Este colunista não vê motivo nenhum para pagar a campanha de um candidato que, a propósito, nem sabe quem é. A questão é política, mas Paulo Guedes daria um jeito rápido nesta sangria de dinheiro.

A hora dos argumentos

Se na hora de mostrar força política o Governo racha, terá problemas: há parlamentares cujo faro é especialmente aguçado para detectar o momento certo de criar obstáculos. São pessoas que só se convencem quando ouvem o tilintar de argumentos ponderáveis e em grande quantidade. Bolsonaro marcou um café da manhã no Alvorada com líderes partidários, amanhã, e tentará mostrar-lhes as vantagens da reforma da Previdência. Mas só terá êxito se o cardápio for bom. Pão com leite condensado não os convence.

Carne forte

A Austrália, grande exportador de carne, enfrentou primeiro uma seca e, em seguida, chuvas devastadoras. Por causa da seca, muitas fêmeas foram abatidas; em 2018, com a abundância de carne, houve exportações de quase um milhão de toneladas, contra aproximadamente 1,4 milhão de toneladas do Brasil (mas à custa da redução do rebanho). A chuva matou 500 mil cabeças. Ou seja, as exportações futuras da Austrália serão bem menores. No Brasil, noticiou-se a seca e a inundação, mas a consequente redução das exportações não foi citada. Há quem acredite que os frigoríficos brasileiros fingiram não dar importância à Austrália, e com isso a repercussão foi mínima, para não indicar a próxima alta de preços da carne exportável.

Luz e leite

Aqui a crise é outra: os produtores de Goiás criticam a qualidade dos serviços da ENEL, que fornece eletricidade. As faltas de luz atingem com mais força os produtores de leite, deixando-os sem refrigeração. A Assembléia goiana já criou Comissão Especial de Inquérito sobre a ENEL.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo terça, 19 de fevereiro de 2019

ALEGRIA, ALEGRIA – POR ENQUANTO

 

ALEGRIA, ALEGRIA – POR ENQUANTO

Carlos Brickmann

As poucas informações de Bolsonaro sobre a reforma da Previdência já provocaram euforia no mercado: Bolsa em elevação, dólar em baixa. E, no fundo, Bolsonaro só disse de novo que a idade mínima para aposentadoria será de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens (aliás, nem isso era exatamente novidade: a novidade é ele ter sacramentado essas datas). Mas a expectativa do mercado é boa: a Bolsa espera romper a barreira dos 100 mil pontos, o ministro Paulo Guedes fala em economizar R$ 1,1 trilhão em dez anos. Ah, há outra novidade: o prazo de transição será de dez anos. Ou seja, aprovada agora como foi proposta, a reforma da Previdência fará com que, no final do mandato de Bolsonaro, homens se aposentem com 61 anos e seis meses, e as mulheres com 57 anos e seis meses; em 2029, os homens se aposentarão com os 65 anos. A transição das mulheres deve ir até 2031.

Fechado? Não é bem assim. O que se comenta é que há um colchão na reforma, pronto para absorver emendas mais suaves propostas pelo Senado e Câmara. De qualquer maneira, o alívio nas contas públicas será grande.

E agora? O ideal para o Governo é aproveitar seu capital político, a força da vitória, e passar logo a reforma. Com o tempo, a lembrança da vitória fica mais tênue, e 001, 002 e 003 limarão o prestígio do pai até transformá-lo num Zero. Quem já brigou com o vice, com o chefe da campanha e um trator como Joice Hasselmann não pode ser subestimado.

Quem tem a força

O Governo Bolsonaro, imagina-se, acaba de começar. O primeiro lance, diga-se, foi um êxito: os chefões do crime organizado paulista foram para prisões federais, conforme pedido do Ministério Público, e as medidas de segurança que o Governo tomou impediram até agora aquilo que se temia: a volta do clima de guerra civil no Estado, com bandidos atirando em todos os policiais que viam. Esta é a área de Sérgio Moro, um dos sustentáculos do atual Governo. Se a reforma da Previdência passar, se forem cumpridas as promessas de privatizações e da redução da máquina administrativa, será um sucesso da área de Paulo Guedes, de longe o mais importante ministro de Bolsonaro. Se a economia der certo, os Recrutas Zero, os ministros mais pitorescos, a turma do vai-vem podem fazer bobagem que o eleitor não vai dar bola. Se a economia der certo, será um grande Governo. Se a economia não der certo, será no máximo um Governo médio com acertos e erros.

A voz do povo

A Taboola, líder mundial na avaliação dos desejos dos consumidores, apurou que Paulo Guedes, da Economia, é o ministro mais lido nas redes sociais. A Taboola chegou a esta conclusão a partir do acesso que tem a 9 bilhões de page-views e 70 milhões de horas na Internet. Guedes é o mais lido; o segundo é Moro. Damares, com todas as declarações que provocam turbulência, é a terceira, com menos da metade das leituras de Guedes.

Seguem-se Onyx Lorenzoni, Ernesto Araújo, Tereza Cristina, Ricardo Salles, Marcos Pontes, general Fernando Azevedo, da Defesa, e Ricardo Vélez Rodríguez, da Educação. Os outros – bem, os outros estão atrás não só da Damares mas também do Rodríguez. Não se preocupe com eles.

Podia, mas não pode

Fábio Giambiagi, um notável economista, fez praticamente toda sua carreira profissional no BNDES, como funcionário de carreira, nos mais diversos governos. Nessas condições foi convidado a escrever artigos no jornal Valor Econômico. Em 2015, quando o Valor comemorou 15 anos, promoveu uma série de entrevistas com seus colunistas, incluindo Fábio Giambiagi, e salientando sua condição de economista do BNDES.

Bom, 2015 era época de Dilma presidente. Agora, Fábio Giambiagi foi afastado do Valor por ser economista do BNDES – seu emprego de sempre. Só mudou uma coisa: o nome do presidente é Bolsonaro, não Dilma.

A lei é para todos

A deputada federal Bia Kicis, do PFL brasiliense, quer revogar a PEC da Bengala – a emenda constitucional que passou a idade de aposentadoria de ministros do Supremo de 70 para 75 anos. Diz que a extensão do mandato dos ministros “impede a oxigenação da carreira”. Mas o objetivo é outro: é abrir vagas para que Bolsonaro nomeie ministros que considere mais próximos. É um erro: Lula acreditava nisso e descobriu que as promessas de um candidato nem sempre são cumpridas após a nomeação. Segundo, a lei deve visar casos futuros, e não mudar as regras no meio do jogo. Os EUA não forçam ministros da Suprema Corte a se afastar: aposentam-se quando não mais se sentem em condições de julgar (se um tiver problemas e não se afastar, os demais votam sua aposentadoria). Para que pagar aposentados a mais e perder a experiência dos mais velhos?

Mal comparando

Pensando bem, o Michelzinho deu muito menos trabalho.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 14 de fevereiro de 2019

A HORA DOS GENERAIS

 

A HORA DOS GENERAIS

Carlos Brickmann

Que ninguém se iluda: não há divergência séria entre Bolsonaro e o vice. Há divergências entre os filhos de Bolsonaro e o vice; mas alguém me disse que essas divergências, embora continuem a existir, serão dia a dia menos barulhentas. Olavo de Carvalho, ideólogo de boa parte do Governo, autor da indicação de pelo menos dois ministros, Educação e Relações Exteriores, da total confiança de Eduardo Bolsonaro, tem seguidores e já abriu fogo contra o vice Mourão. Olavo é ouvido. Mas muito mais ouvido do que ele é um ministro que fala baixo, porém silencia as estridências de outros: o general Augusto Heleno, respeitadíssimo, principal contato de Bolsonaro com as Forças Armadas. Augusto Heleno, por sua força, evita ao máximo os conflitos abertos. Mas, em caso de divergência, é ele que ganha.

Heleno tem excelentes relações com Mourão e com Bolsonaro. Dizem que já pediu aos filhos de Bolsonaro que, exatamente por ser filhos, não se sintam tentados a pressionar o pai. Tudo indica que foi ouvido.

Um bom exemplo da ação de Heleno é o Sínodo da Amazônia, que se realiza em outubro, no Vaticano. Governistas radicais acusaram a Igreja de dar voz à esquerda para atacar Bolsonaro. Heleno disse que o Brasil deve só defender a Amazônia brasileira, sem se envolver em nada que envolva soberania de outros países ou temas religiosos. O Brasil não aceita lições de países que desmataram mais do que nós. Foi duro – e sem ataque à Igreja.

Bem aposentados

Há meses o país debate a reforma da Previdência – e fomos informados de que, se não houver reforma, o Tesouro quebra. Goiás, depois de longo período de Governo tucano, está em situação de emergência financeira. Mas nem todos ficam tristes: a folha de pagamento oficial de auditores fiscais, alguns na ativa, alguns aposentados, mostra que em dezembro o menor salário foi de R$ 54.893,00 – mais de 50% acima do recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, o máximo que poderia ser pago se no Brasil a lei fosse cumprida. O maior pagamento é de R$ 58.797,00.

Muito bem aposentados

Mas não inveje os auditores fiscais de Goiás: na Bahia, igualmente com imensas dificuldades financeiras, há pagamentos mais substanciosos. Bom exemplo é a folha de dezembro de desembargadores ativos e inativos. O mais bem aquinhoado recebeu, líquidos, após os descontos, R$105.346,66. No meio há quatro ganhando pouco acima de R$ 95 mil (e um, menos favorecido, ganhando apenas R$ 90 mil e algumas quireras). O mais mal pago das Excelências tem de sobreviver com R$ 32.370 mensais – e, como é salário líquido, também superior aos vencimentos dos ministros do STF, que deveriam ser o teto dos pagamentos feitos a servidores públicos.

Claro, este salário é em folha. Vantagens extras, como carro com chofer, gasolina, plano de saúde e vale-refeição, são pagas por fora.

Ideia de fôlego

O Governo e a indústria química acabam de lançar um projeto que, além de suas finalidades específicas, sejam quais forem, já que pelo título fica difícil entender quais serão, testará o fôlego de quem se envolver nos trabalhos. Nome: “Programa de Articulação Nacional entre Empresas, Governo e Instituições Acadêmicas para a Prevenção e Mitigação do Risco de Eventos Químicos, Biológicos, Radiológicos e Nucleares Selecionados”. O programa já nasce com um apelido: Pangeia. O nome é grego e significa “toda a Terra”. E todo o ar, para respirar enquanto se diz o nome da coisa.

Muitos em um

El Salvador, na América Central, escapou à disputa tradicional entre os dois maiores partidos e elegeu presidente da República um deputado não muito conhecido: Nayib Bukele, 37 anos. Sua avó paterna, católica romana, nasceu em Belém, na área que hoje é administrada pela Autoridade Palestina; o avô paterno, ortodoxo grego, nasceu em Jerusalém. Seu pai se converteu ao islamismo. Sua esposa é judia. Um exemplo de conciliação, num país que enfrentou décadas de guerra civil e ainda hoje tem as marcas.

Não para

Bolsonaro se recupera bem, mas enfrentou há pouco uma séria cirurgia e teve pneumonia. Aparentemente, não dá importância a isso: tem viagem para os Estados Unidos de 18 a 20 de março, a convite de Trump. Passa rapidamente por Brasília, rearruma as malas e segue para o Chile, de 22 a 23 de março. Aí tem um mês e pouco de permanência no Brasil e volta aos EUA, em 14 de maio, para receber o título de Pessoa do Ano, conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos – “reconhecimento de sua intenção fortemente declarada de fomentar laços comerciais e diplomáticos mais próximos entre Brasil e EUA e seu firme comprometimento em construir uma parceria forte e duradoura entre as duas nações”. O título é entregue num jantar de gala no Museu de História Natural de Nova York.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 11 de fevereiro de 2019

A VIDA É APENAS UM DETALHE

 

A VIDA É APENAS UM DETALHE

Carlos Brickmann

Não, não foi um incêndio que matou dez crianças e feriu três no Centro de Treinamento do Flamengo, no Rio. Quem os matou pode ser descoberto sem o rigoroso inquérito. Basta verificar quem mandou abrigar as crianças em contêineres, num terreno que, sem condições, não poderia ser usado.

Não, não foi a ruptura da barragem de Brumadinho que deixou mais de 300 mortos e desaparecidos e envenenou os rios que levavam água para a população. Dois dias antes da ruptura, revelam e-mails trocados entre duas empresas que cuidavam da segurança da barragem e funcionários da Vale, a mineradora tinha sido avisada dos problemas nos sensores que deveriam monitorar a estrutura de Brumadinho. Que fez a Vale, nesses dois dias? Na melhor das hipóteses, orou para que nada ocorresse. Na pior, nem deu bola: seu negócio é minério, não vidas humanas. Não verificaram nem as sirenes.

Não, não será um acidente, nem uma fatalidade, se Itabira, muito maior que Brumadinho, for vítima de uma barragem com 200 vezes a capacidade da que se rompeu. O repórter Rodrigo Hidalgo, da Band, filmou as brechas na segurança e a matéria foi ao ar, em rede nacional. E a Vale? Silêncio.

Não, não são casos isolados, o do Flamengo e o da Vale, o de Mariana e o de Brumadinho, ou, que Deus não o permita, o que ameaça Itabira. São todos o mesmo problema: o importante é cuidar exclusivamente do negócio e não se mexer para torná-lo seguro. A vida humana é apenas um detalhe.

Assassínio a prazo

Não, não foi um temporal inesperado o culpado pelas mortes e o caos no Rio. Os radares detectaram a movimentação da tempestade de Paraty para o Rio com quatro horas de antecedência. Se ninguém se mexeu, não é culpa dos radares. O fato é que há muitos anos as verbas para proteção da cidade contra temporais foram reduzidas a uns 30% do que se gastava – e que já era pouco. Percorra o Rio (não só o Rio, boa parte de nossas cidades, mas lá a área é sujeita a chuvas muito fortes) e verá que os esgotos estão fora de uso há tempos, até com capim nascendo nas bocas de lobo. A ocupação desordenada de morros eliminou as árvores que reduziam a velocidade das águas. As favelas estão em áreas de risco. Desculpe, caro leitor: já não há mais favelas, há comunidades. O nome é outro, apenas o risco é o mesmo.

A saúde do presidente

Um deputado federal do PSOL disse que o presidente Bolsonaro estava às portas da morte. Some-se a isso a pneumonia, uma doença perigosa; as fotos em que o presidente, com sonda nasal e provavelmente irritadíssimo por não poder sair logo do hospital, mostrava péssima aparência; e houve uma onda de boatos sobre a saúde de Bolsonaro. Seus médicos foram direto ao ponto: a pneumonia cedeu, o presidente voltou a comer (era alimentado, antes, por sonda), sua recuperação é boa. Fica mais alguns dias no hospital, mas vai bem. E aos poucos vai sendo autorizado a receber seus ministros.

Sarar é preciso

O ideal, acredita este colunista, seria que Bolsonaro aceitasse relaxar: no hospital, cuidaria exclusivamente da saúde, sem tentar ao mesmo tempo exercer a Presidência. Tem um vice, que ele escolheu, e se assumir por uns dias permitirá que Bolsonaro fique um pouco mais tranquilo. E é bom para o Governo: hoje, falta a voz do presidente bem na hora das reformas.

Impunidade, não

Lembra da juíza que colocou uma adolescente numa cela em que só havia homens adultos? A juíza Clarice Maria de Andrade foi severamente punida pelo Conselho Nacional de Justiça: está sem trabalhar (“em disponibilidade”) mas ganha seu salário direitinho, como se estivesse em plena atividade. A maldição bíblica – “ganharás o pão com o suor de seu rosto” – não a atinge. Mas não imagine que esta é uma situação provisória, imposta pelo CNJ: já foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Lula, segunda sentença

Com a condenação a 12 anos e 11 meses (esta pelo sítio de Atibaia), Lula acumula pouco menos de 25 anos de pena – e restam ainda sete outros processos. Caso a nova condenação seja confirmada em segunda instância, Lula, mesmo que seja absolvido em todos os demais processos e libertado o mais rapidamente possível, terá quatro anos e alguns meses a cumprir. E o pior, para o PT, é que está havendo dificuldade para mobilizar militantes para manifestações em favor do ex-presidente. Na última, em seu reduto de São Bernardo, com todo o comando petista, não havia nem mil pessoas.

Nos tempos da ditadura

Agora, que está meio na moda negar que tenha havido ditadura militar, vale a pena ler a revista Zumbido, editada pelo SESC: em boa reportagem de Chico Spagnolo e Wagner Amorosino, surgem os pareceres da Censura vetando letras de músicas de que os censores não gostavam. E é de graça: está no site Zumbido. Vale a pena.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 04 de fevereiro de 2019

A HORA DOS PROFISSIONAIS

 

A HORA DOS PROFISSIONAIS

Carlos Brickmann

Há alguns anos, numa das periódicas ondas de preocupação sobre a tomada do poder pelo comunismo, perguntaram ao deputado pernambucano Thales Ramalho quem seria o chefe da revolução se os comunistas fossem vitoriosos. Thales, que conhecia como poucos a política, respondeu: “O chefe militar, não sei. Mas o primeiro-ministro será Marco Maciel”. Maciel era hábil, bom de manobra, sem inimigos –gente do ramo, como os que hoje botam a cabeça de fora. Só que era leal e honesto.

O tufão Bolsonaro provocou renovação de quase 50% na Câmara e de 85% dos que disputaram vaga no Senado. Mas, entre os que ficaram, estão os profissionais que conhecem o caminho das pedras. Deles depende muita coisa: por exemplo, o destino da reforma da Previdência, a mãe de todas as reformas, a chave que abrirá (ou fechará) o cofre dos investidores. E a sorte de Flávio Bolsonaro, importantíssima: se a questão for mal resolvida, ou o presidente ficará sob fogo ou correrá o risco de perder Sérgio Moro, seu aval. Talvez não ocorra nenhuma das hipóteses – mas vale a pena correr o risco de ter a seu lado um Sérgio Moro que deixou de ser Sérgio Moro?

O regime militar tinha um profissional como Petrônio Portela para negociar com os profissionais da oposição – Thales, Tancredo, Montoro – a anistia e a redemocratização. Onyx Lorenzoni está longe de ser um deles. Sem gente sua, Bolsonaro está nas mãos dos profissionais do Congresso.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 07 de janeiro de 2019

EM PLENO VERÃO, O INFERNO

 

 
EM PLENO VERÃO, O INFERNO

Azul e rosa, Força Nacional no Ceará, novos parâmetros da Previdência, privatização da Eletrobrás, isso é para os fracos. A grande sensação deve começar na semana que vem, quando Antônio Palocci, ministro da Fazenda de Lula, chefe da Casa Civil de Dilma, cuja delação premiada atingiu em cheio o PT, volta a depor, agora sobre fundos de pensão. O depoimento deve ser conduzido pelo procurador Frederico Siqueira Ferreira, da força-tarefa que investiga irregularidades nos fundos de pensão das estatais.

As investigações se concentram no Funcef (Caixa Federal), Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Postalis (Correios). Supõe-se (e é isso que se pesquisa) que haja fraudes somando algo como R$ 10 bilhões. Palocci, figura de proa em dois governos petistas, atuando durante muito tempo exatamente na área financeira, tem condições de, em muitos casos, desfazer as dúvidas dos investigadores. Há negociações entre sua defesa e os procuradores para que seja feita outra delação premiada.

Palocci foi condenado a doze anos; cumpriu dois e, feita a delação premiada, passou à prisão domiciliar, com tornozeleira. Que benefício pode obter com nova delação? Talvez – esse deve ser o ponto básico da discussão entre promotores e advogados – livrar-se também da tornozeleira. Que sabe das coisas, sabe; já disse certa vez ao então juiz Sérgio Moro que o que tinha a contar obrigaria a Operação Lava Jato a ter mais um ano de trabalho.

Dias de medo

Palocci faz muita gente tremer. Mas, no Rio, o grande temor de políticos é que o ex-governador Sérgio Cabral consiga chegar a um acordo de delação premiada. Parece incrível que, depois de tudo o que foi descoberto, ainda haja coisas que Cabral possa contar; mas, para ele, é a única saída, já que está condenado a mais de 200 anos de prisão. E Cabral não está sozinho: se resolver contar o que sabe (e que o público ainda não sabe), é provável que seu vice, Luiz Fernando Pezão, também conte sua parte. Admite-se que, perto de Cabral, Pezão, por mais malfeitos que tenha cometido, joga no dente de leite. Mas, no caso, até o leite e o dentista podem ter sido superfaturados. Há pânico entre os aliados políticos e empresariais dos dois políticos.

Voa, dinheiro! 1

Por que Bolsonaro pensa em acabar com a Justiça do Trabalho? Pelo custo: a Justiça do Trabalho tem pouco menos de 10% das unidades judiciárias do país, mas consome 20% da verba. São R$ 85 bilhões no total, dos quais a Justiça do Trabalho gasta R$ 17 bilhões. Justiça do Trabalho existe numa série de países, não apenas aqui, mas lá fora é mais barata.

Voa, dinheiro! 2

Números oficiais, levantados pelo Novo Jornal, de Natal: os espantosos 50 maiores salários do Rio Grande do Norte (pagos em junho). O maior foi de R$ 179.887,06, pago a uma desembargadora federal do Tribunal Regional do Trabalho. O menor, de R$ R$ 40.185,15, foi pago a uma juíza de terceira entrância, do Tribunal de Justiça. Mesmo o menor é mais alto que o teto do funcionalismo público, o pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Todos, sem exceção, trabalham na área do Direito: juízes, promotores, desembargadores – e um solitário técnico judiciário, com R$ 52.312,17.

Voa, dinheiro! 3

Por que Bolsonaro ordenou uma varredura nos últimos atos do governo Temer? Uma pista: a ministra dos Direitos Humanos. Damares Alves, suspendeu um convênio (sem licitação) entre a Funai, Fundação Nacional do Índio, e a Universidade Federal Fluminense, no valor de aproximadamente R$ 45 milhões. Foi assinado tão em cima da hora que a publicação no Diário Oficial ocorreu em 2 de janeiro de 2019, já no novo governo. Objetivo do convênio: elaborar um Projeto de Fortalecimento Institucional da Funai. E também criar uma criptomoeda, ou moeda virtual, um tipo de bitcoin, para se transformar no dinheiro dos índios.

Voa, dinheiro! 4

O presidente Bolsonaro tem uma ótima oportunidade de poupar dinheiro público. Temer nomeou Carlos Marun, seu chefe da Casa Civil, conselheiro de Itaipu. São R$ 27 mil mensais, para participar de uma reunião de dois em dois meses. Bolsonaro, por algum motivo, resolveu deixar pra lá.

Voa, dinheiro! 5

O Museu de Arte do Rio, MAR, apresenta (com dinheiro público) uma exposição, “Arte Democracia Utopia, quem não luta tá morto”, composta por bandeiras do MST, CUT e MTSC, faixas “Amanhã Ocupação” e pichações “A Cidade é Sua. Ocupe-a”. A exposição começou em setembro, um mês antes das eleições. Não há, na exposição, menção a qualquer outra tendência política. O MAR é dirigido por uma ONG, Instituto Odeon, que recebe R$ 12 milhões por ano da Prefeitura pelo serviço. Como diz o letreiro abaixo do leão da Metro, “Ars Gratia Artis” – a Arte pela Arte.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 03 de janeiro de 2019

TORCER MUITO, ACREDITAR UM POUCO

 

TORCER MUITO, ACREDITAR UM POUCO

É tolice querer que o piloto do avião em que todos voamos cometa erros graves. Até domingo, o clima era dominado pelas esperanças de que o voo dê certo. Há boas notícias da economia, que se recupera – lentamente, mas melhora. O desemprego é um pouco menor (e o índice melhora se forem levados em conta os informais). A expectativa da população é boa, segundo a pesquisa Datafolha: 65% acreditam que Bolsonaro fará um bom governo.

Mas há problemas. Michel Temer sancionou o aumentão dos ministros do Supremo, porém não decretou o novo salário mínimo. Nada de especial: de R$ 954 iria para R$ l.006 mensais. Deixou o aumento de despesas para o novo Governo. E nomeou o inacreditável Carlos Marun, amigo de fé de Eduardo Cunha, para o Conselho de Itaipu, com mandato até 2020. Pelas normas das estatais, um conselheiro precisa ter atuado dez anos na área, ou ter quatro em empresa do ramo, de igual porte. Marun – bem, é do MDB. Bolsonaro pode demiti-lo, mas o MDB não aceita bem a perda de cargos.

Há Ônyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Já responde por caixa 2 no Supremo. Já foi perdoado por Moro por ter pedido desculpas em outro caso de captação de recursos. E descobre-se que, na campanha de Bolsonaro, cobrou da Câmara as passagens aéreas. Ficou bravo: disse que não precisa explicar nada, porque não gastou em sua campanha, mas na do presidente. Ônyx já é um peso para Bolsonaro. Ao falar, ainda se complica.

Calma geral

Houve preocupação, muitos temiam um atentado, mas correu tudo bem. Bolsonaro desfilou de carro aberto pela Esplanada dos Ministérios, sem qualquer problema. O Gabinete de Segurança Institucional, do general Augusto Heleno, foi ótimo na prevenção de anormalidades. Muita gente, provavelmente o recorde de público de posses presidenciais, e nenhum incidente sério. Houve um caso em que o general falou sem necessidade (nota abaixo), mas inaugurou sua temporada no GSI de maneira impecável.

Calma, general

Poucos dias antes do fim do ano, Bolsonaro anunciou que, por decreto, iria facilitar a posse de armas. Nada a explicar: era sua promessa de campanha, e os eleitores o respaldaram. Mas o general Augusto Heleno, hoje chefe do Gabinete de Segurança Institucional, quis ajudar, dizendo que morrem 50 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito e nem por isso se proíbe a venda de automóveis. Argumentou mal: os carros têm uma finalidade e as mortes ocorrem por falha ou imperícia. Já as armas só têm uma finalidade. Não podem ser comparadas com carros.

Calma, governador

O novo governador de São Paulo, João Dória, anunciou ao tomar posse sua primeira providência: não vai morar no Palácio Bandeirantes, sede do Governo paulista. Disse que o Bandeirantes será “o palácio do trabalho” e não de moradia – a seu ver, corta assim privilégios e mordomias para sua família. Só que não é bem assim: o palácio tem um corpo de segurança que garante tanto o ambiente de trabalho como a família do governador. Agora será preciso montar mais um corpo de segurança, para a casa de Dória. Os serviços de apoio para este grupo, já existentes no palácio – academia de atletismo, intendência, atendimento de emergência – terão de ser duplicados. Em termos de economia, não passa de uma falsa boa ideia. A propósito, Collor teve ideia semelhante, e ficou morando na Casa da Dinda.

Bate-bate

Dória fez duro discurso contra os adversários – mas adversários de seu próprio partido, o PSDB. Disse que “a partir de agora” São Paulo vai mudar, “vai ter comando”. E que no palácio haverá mais trabalho e menos cafezinho para os visitantes. O PSDB governa o Estado desde 1995, com Mário Covas, Geraldo Alckmin (três vezes), Alberto Goldman e José Serra, com pequeno intervalo de Cláudio Lembo, quando Alckmin se afastou para candidatar-se à Presidência. Antes desse período, Franco Montoro (que seria um dos fundadores do PSDB) governou o Estado, eleito pelo PMDB.

Para apadrinhar Dória, Alckmin brigou com Serra, Goldman, Fernando Henrique, Andrea Matarazzo e outros caciques. Agora, só lhe restam eles.

O recordista

Michel Temer deixa o Governo batendo uma série de recordes. Apesar da crise, deixou a inflação estabilizada, abaixo da meta; encaminhou a reforma da Previdência; reformou a lei trabalhista; encerrou tecnicamente o período de recessão; e manteve os juros Selic em níveis mais civilizados.

Mas tem recordes para o bem e para o mal. Um presidente nunca havia sofrido, como ele, três denúncias durante o mandato. Não são as únicas: no total, há sete, que incluem de questões envolvendo o Porto de Santos até pedido de propinas em troca de favores. Como Temer está sem mandato, todos os processos deverão ser enviados a juízes de primeira instância.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 31 de dezembro de 2018

AS PREVISÕES DO PAI GORDO

 

 
AS PREVISÕES DO PAI GORDO

Um novo Governo assume depois de amanhã. O Pai Gordo, famoso por ler o futuro no fundo de um prato de macarronada, prevê suas promessas:

1 – Repensar e reduzir o gasto público e reduzir o peso dos impostos;

2 – Realizar imediatamente as reformas necessárias, aproveitando o momento político da grande vitória eleitoral;

3 – Cortar na própria carne e reduzir o tamanho do Estado, que vai custar menos e atender melhor à população;

4 – Eliminar as indicações políticas. Agora é meritocracia: só os mais competentes serão nomeados, sempre por concurso; –

5 – Chega de mordomias: cada membro do Governo viverá com seu salário, modestamente, sem auxílios, sem carros oficiais, sem penduricalhos.

6 – Todas as acusações contra gente do Governo serão rigorosamente investigadas, sem favorecimentos, antes que sejam atribuídas aos vermelhos petistas que deveriam arrepender-se de seus maus feitos e ir morar em Cuba.

7 – Caso as acusações, mesmo investigadíssimas, se provem verdadeiras, serão imediatamente comparadas com escândalos iguais ou até maiores praticados por governos anteriores, tornando-se portanto injustas quaisquer punições – pois, afinal, se todos já fizeram, é sinal de que todos fazem.

8 – Sérgio Moro não perdoará malfeitos nem de colegas de Governo, a menos que, como Ônix Lorenzoni, sejam rápidos para pedir-lhe desculpas.

Sugestão

Arquive esta coluna. Daqui a quatro anos, mantenha-se atualizado lendo tudo de novo.

Assim será

A posse de Bolsonaro ocorrerá em 1º de Janeiro, Dia da Confraternização Universal. O PT já avisou que não tem confraternização: não vai à posse, porque a seu ver Bolsonaro ganhou graças ao górpi e “à injusta prisão de Lula, condenado sem provas”. O PT detesta Bolsonaro e o bolsonarismo, mas encara do mesmo jeito que o adversário as acusações contra petistas: a culpa é do acusador, sempre fascista, racista, inimigo do empoderamento feminino e lacaio duzianqui. Pelo jeito, chamar de “neoliberal” caiu de moda.

Suplicy vai preparar a candidatura a senador, em 2020. Se não der, talvez tente algum prédio simpático que esteja sem síndico.

Lula pedirá o centésimo oitavo habeas corpus, que será negado. O PT dirá que isso é prova de que Lula é um preso político e Gleise insistirá: é górpi.

O vice Hamilton Mourão assume quando Bolsonaro fizer a cirurgia que falta. E, embora vá negá-lo, se transforma de fato no líder da oposição. Ele fala o que pensa. Quer até que o tal Queiroz explique o dinheiro. Mas como irão chamar o general de petralha vermelho e exigir que vá para Cuba?

Corta mas deixa

Bolsonaro distribuiu aos futuros ministros um manual de conduta nos primeiros cem dias, que inclui a revisão dos últimos atos do presidente Temer, previsão de corte de despesas, etc. Mas não toca em despesas que poderiam ser reduzidas: a da profusão de carros oficiais, ou a dos cartões corporativos, ou a dos imóveis funcionais. Continua grande o número de auxiliares. O vice Hamilton Mourão, por exemplo, poderia preencher 140 cargos e reduziu bem esse número. Mas fica com 65 – isso para ajudá-lo a esperar as ocasiões em que tiver de substituir o presidente.

Há males…

Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho de Bolsonaro, que movimentou R$ 1,2 milhão aparentemente sem condições para isso, não é ligado ao presidente eleito, não é considerado investigado, mas testemunha, e não há nenhuma conexão visível entre esse dinheiro e Flávio Bolsonaro. Mas depositou R$ 24 mil na conta da esposa de Bolsonaro, como parte da devolução de uma quantia que o presidente eleito disse ter-lhe emprestado (o que ele confirmou), explicou o caso a Flávio Bolsonaro, que achou as explicações “plausíveis”, faltou a dois depoimentos no Ministério Público por motivos de saúde, mas deu entrevista ao SBT. Na entrevista, explicou só parte da história: disse que ganha dinheiro com comércio de carros usados.

…que vêm para bem

Por que seu saldo cresce logo após a data de pagamento dos funcionários de Flávio Bolsonaro no Legislativo? Essa pergunta Queiroz deve demorar a responder: apresentou atestados que, segundo ele, comprovam câncer no intestino, que deve ser operado rapidamente. Só após a operação será ouvido.

Cadê Battisti?

Césare Battisti, condenado na Itália por quatro homicídios e com ordem de extradição do Brasil, continua foragido. Há quem suspeite que continue no país, escondido na casa de alguém que o apoie, talvez importante, para reduzir as chances de uma batida policial. Mas também já pode ter saído do país. Teve tempo suficiente para planejar a fuga e buscar um governo amigo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 27 de dezembro de 2018

ENFIM, UMA BOA NOTÍCIA

 

ENFIM, UMA BOA NOTÍCIA

O dia é bom: a ceia de Natal normalmente é caprichada, os religiosos ou foram à Missa do Galo ou a viram pela TV, houve presentes, famílias se reuniram (claro, com brigas, mas isso faz parte: acaba se incorporando ao folclore da festa). Há boa disposição, portanto. E a boa disposição faz com que a boa notícia possa ser bem recebida, sem o mau humor habitual de quem se habituou a ouvir lorotas. A notícia: embora a situação econômica seja ainda muito ruim, é bem melhor do que já foi. E indica a possibilidade real de que possamos chegar a um ritmo aceitável de crescimento e acelerar a criação de empregos. O desemprego é de 12%, altíssimo, mas há um ano o número de desempregados era quase 1,5 milhão superior ao atual. O PIB, produto interno bruto, cresce a lentíssimos 1,3% no ano, quase nada diante dos 7% de queda com Dilma. Ainda se gasta muito, mas o déficit público está longe do buraco de 3,7% do PIB na época do impeachment. A inflação, que com Dilma flertava com 10%, está dentro da meta de 4%.

Falta muito: é preciso reduzir despesas, baixar os gastos da Previdência, negociar com o Congresso a aprovação de reformas importantes, verificar se é politicamente possível mexer na estrutura tributária na hora em que os Estados estão sem dinheiro e temem a possibilidade de perder receita. Falta dar impulso à indústria, estudar como outros setores da economia poderão repetir o êxito do agronegócio – quase tudo, enfim. Mas se vê que há saída.

A má notícia

Há saída, claro, se houver esforço conjunto para conter despesas. Estão os políticos tentando economizar? Não: há dias, o Congresso aprovou verba de R$ 927,7 milhões, em 2019, para o Fundo Partidário. De 1996 para cá, a quantia destinada aos partidos cresceu perto de 500%. O Fundo é formado por recursos do Orçamento, mais multas eleitorais. Seu crescimento explica a febre de criação de partidos políticos no país. Em 1996, segundo levantou o O Estado de S. Paulo, havia 19 partidos com acesso ao Fundo Partidário. Hoje, são 30. Ter um partido vale a pena: dá dinheiro. A propósito, o Fundo existe para custear a estrutura dos partidos, mas é usado na eleição.

Diferente, mas igual

Como agora existe a cláusula de barreira (um número mínimo de votos para que o partido seja representado no Legislativo, e o dinheiro do Fundo só é dado a quem tenha representantes), muitas legendas devem se fundir, para que continuem a receber suas verbas. Reduz-se assim o número de partidos? Talvez – mas há também os partidos a ser fundados. A disputa no PSDB entre cabeças brancas (que querem o partido na oposição, embora não sistemática) e os cabeças pretas (que querem um partido bolsonarista) deve terminar com o atual PSDB nas mãos da facção Dória e a criação de um novo partido por cabeças brancas como Fernando Henrique, Alckmin, Serra, Tasso, Goldman e outros – como Paulo Hartung, do Espírito Santo, que quer um partido centrista, desejo também de Fernando Henrique. E, não esqueçamos, o Partido Novo estreou com sucesso, elegendo até mesmo um governador. Seu exemplo deve estimular a criação de outros partidos.

A boa ideia

O deputado Alceu Moreira, do MDB gaúcho, presidente da FPA, Frente Parlamentar da Agricultura, disse que não foi difícil emplacar a candidata do grupo ao Ministério da Agricultura. Em entrevista a Os Divergentes, contou que Bolsonaro pediu ao grupo uma lista com três nomes, para que ele fizesse a escolha. A FPA atendeu ao pedido: os três nomes eram 1) Tereza; 2) Cristina; 3) Corrêa da Costa Dias. Era o nome da deputada Tereza Cristina, então presidente do grupo, em três pedaços. Bolsonaro gostou da ideia bem-humorada e nomeou a indicada.

A má ideia

Talleyrand, o grande diplomata francês que conseguiu ser ministro no Reinado e na República, com Napoleão e com os inimigos de Napoleão, dizia que a palavra foi dada ao homem para disfarçar seu pensamento. Em boa parte, diplomacia é isto: a troca de confrontos armados por negociações em que as palavras, por definição, não podem transmitir agressividade.

O Brasil age ao contrário, ao retirar o convite para que Cuba, Venezuela e Nicarágua assistam à posse de Bolsonaro, por condenar seus regimes ditatoriais. Tudo bem – e a China, o maior parceiro comercial do Brasil, será uma democracia? Alguém irá “desconvidá-la”? E a Arábia Saudita, o Irã, a Guiné Equatorial, o Sudão, serão por acaso democracias? No fundo, com o sinal trocado, é a mesma posição de Lula ao apoiar abertamente a eleição de Evo Morales na Bolívia, também por motivos ideológicos.

O mundo como ele é

O futuro chanceler, Ernesto Araújo, disse que o Governo “terá postura firme e clara na defesa da liberdade”. Um belo pensamento, digno de aplauso. Mas de quem é que o Brasil vai comprar petróleo quando precisar?


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 24 de dezembro de 2018

JINGLE BELLS

 

JINGLE BELLS

Esta é a maior festa cristã. Festeja o nascimento de um menino judeu, mas não no dia em que ele nasceu: a data foi fixada, para atrair novos fieis, no dia de uma festa pagã, do Deus Sol. Comemos panetone de origem italiana e esperamos a chegada de um monge turco, São Nicolau, que traz presentes num trenó do tipo usado no Norte da Europa, mas voador, e puxado por renas. São Nicolau é chamado pelo nome alemão de Santa Klaus (ou Pai Natal, em Portugal, ou Papai Noel, no Brasil). Cantamos música cristã: White Christmas, composta por um judeu russo, Irving Berlin, Noite Feliz, austríaca, de Franz Gruber, e Jingle Bells, americana, de James Pierpoint, originalmente composta para o Dia de Ação de Graças.

Quando nasceu, dizem os Evangelhos. Jesus foi visitado pelos magos – não se sabe quantos, nem quais seus nomes, nem de onde vieram. Como lhe deram três presentes, imagina-se que sejam três. Foram chamados de reis uns 300 anos mais tarde; e 800 anos após o nascimento, São Beda lhes deu nomes e outras características. Belquior, 70 anos, saíra de Ur, hoje no Iraque; Gaspar, de seus 20 anos, vinha das montanhas perto do Mar Caspio; Baltazar, 40 anos, vivia no que hoje é a Arábia Saudita. Diz a tradição que os três foram sepultados na Itália; e há mil anos levados para a Catedral de Colônia, na Alemanha, onde há túmulos com seus nomes.

O Natal, a grande festa cristã, é de todos nós. Festejemos. Feliz Natal!

Não precisa exagerar

A Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel, seguiu o bom hábito de tantas empresas e fez uma festa de fim de ano. Mas convidou 800 pessoas e gastou R$ 182 mil. Espero que o caro leitor aprecie a notícia, pois foi quem pagou: o dinheiro saiu da Taxa de Fiscalização, cobrada na conta de luz.

Crise armada

O Senado americano, de maioria oposicionista, tende a rejeitar a verba para construir o muro na fronteira com o México – US$ 5,7 bilhões. Trump já disse que, se a verba não constar no Orçamento, ele não o assinará. Sem orçamento, o Governo para: em países organizados, se não há orçamento não há condições de fazer despesas. É o “shutdown”. Houve um em 2013. O país se recupera, mas dá um trabalhão botar as contas no lugar.

Mais empregos

O futuro secretário da Receita, Marcos Cintra, promete uma medida que leve à criação imediata de novos empregos: desoneração total das folhas de pagamento, eliminando os valores hoje recolhidos para o Incra, educação e Sistema S (Senai e congêneres) e mudando a base de contribuição para o INSS. É bom – mas como vai ser feito? Isso Marcos Cintra não contou.

Bons nomes

Armínio Fraga e Paulo Tafner integrarão a equipe do ministro Paulo Guedes que cuidará da reforma da Previdência, informa o bom blog de Valdo Cruz. É importante: se os contribuintes hoje pagam os aposentados e existe déficit, como resolver o problema se os contribuintes passarem a cuidar de suas próprias aposentadorias? Sem resolver a aritmética, não há nenhuma possibilidade de reforma viável da Previdência.

Goiás trabalhando

O novo presidente da Apex, Associação de Promoção das Exportações, Alecxandro Carreiro, só toma posse no ano que vem. A bancada federal goiana recém-eleita também espera sua hora. Mas já trabalham juntos: em reunião na Câmara, coordenada pelo novo deputado federal Major Vitor Hugo, discutiram o aumento das exportações de produtos goianos com as entidades representativas dos diversos setores da produção. Na opinião do coordenador, é bom aproximar a bancada dos representantes de áreas produtivas. O Major Vitor Hugo é amigo de Bolsonaro há mais de 30 anos.

Bahia tropeçando

Durante a campanha, o governador Rui Costa garantiu que a situação financeira da Bahia estava bem resolvida. Reelegeu-se. Agora se sabe que a Bahia não tem recursos nem para por em dia as contas da saúde. Clínicas e hospitais que atendiam servidores públicos limitaram o serviço que prestam aos segurados, com a alegação de que os pagamentos do Governo baiano estão atrasados. Há revolta no funcionalismo – mas que fazer depois de, com seu voto, ter contribuído para a ampla vitória do petista Rui Costa?

Virtude no meio

São três partidos, com 70 deputados federais: PDT, PCdoB e PSB. Falta pouquinho para que se forme um bloco de oposição a Bolsonaro dentro da civilidade – por isso, o PT foi afastado das articulações. “Nosso caminho mostra que podemos fazer oposição sem do contra pelo único motivo de ser do contra”, disse o deputado federal André Figueiredo, do PDT cearense. O PDT decidiu esquecer as alianças com o PT depois de assistir à luta petista para bloquear a candidatura de Ciro Gomes à Presidência.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 20 de dezembro de 2018

O CERTO E O ERRADO

 

O CERTO E O ERRADO

Bolsonaro já desmentiu a notícia, mas até pode só estar voltando atrás. Enfim, as obras sacras do Palácio da Alvorada, em que vai morar, ficam no local de sempre. Certo: se era para evitar o domínio de símbolos de uma só religião, pois o país é laico, teríamos de mudar mais coisas, até nomes com os quais nos acostumamos: São Paulo, Santa Catarina, São Luís, Salvador.

Mas é errado haver obras sacras (e não sacras) na casa do presidente. As obras deveriam estar em museus, para que todos as vissem. O presidente é um cidadão como todos: por que esse privilégio típico de milionários? Sim, o presidente não deve ser privado da arte. Mas boas réplicas – por que não?

Há mais coisas estranhas nessa história da retirada de obras de arte sacra do Palácio da Alvorada. Uma das obras realmente saiu de lá: a estátua de Santa Bárbara, que vem a ser padroeira da Artilharia. Foi para o Palácio do Jaburu, casa que será do vice, Hamilton Mourão. Como Santa Bárbara é a padroeira da Artilharia, e o general Mourão foi artilheiro, por que não?

Porque não; porque é errado. O lugar de uma escultura do século 18, de madeira, é um museu, com temperatura e umidade controladas. Nas mãos de pessoas não-especializadas, numa residência, a tendência é de que se deteriore o que deve ser conservado. Se Mourão for devoto de Santa Bárbara, que mantenha com ele tudo o que se refira à santa. E deixe a estátua, patrimônio cultural do país, para ser vista pelos cidadãos do país.

O homem e sua imagem

João de Deus está preso, e sob intenso ataque; perto de 400 mulheres o acusam de atos que vão de assédio sexual a estupro. Mas a surpresa não tem sentido: houve processos contra ele por contrabando, por exemplo. E por ato libidinoso contra adolescente – isso há mais de dez anos, em 2008. A moça, de 16 anos, fez a denúncia e depois se calou. Qual ato libidinoso? A adolescente foi apalpada; teve a mão colocada no pênis de João de Deus. A Justiça reconheceu os atos libidinosos, mas ele foi absolvido porque “a vítima poderia ter exprimido sua vontade”. A moça lá estava para tratar-se de Síndrome de Pânico. O fato é que, com esses processos e outros, João de Deus foi louvado até por Oprah Winfrey. E, em 2014, foi condecorado pelo governador goiano Marconi Perillo, com a Medalha do Guardião do Estado de Goiás, concedida por “ações reconhecidas como abnegadas”.

 

João de Deus e a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey

Dois pesos

As acusações contra João de Deus lembram muito as referentes a Roger Abdelmassih, que era médico especializado em reprodução humana. Roger Abdelmassih fugiu do país e foi encontrado graças ao empenho de uma das vítimas; condenado a 278 anos de prisão, conseguiu transformar a pena em prisão domiciliar. João de Deus, por atos semelhantes, está trancado numa cela, em prisão preventiva. E nem julgado foi! Abdelmassih saiu-se melhor.

Certo

O deputado federal eleito Tiago Mitraud, do Partido Novo, prometeu em sua campanha que cortaria mais da metade de sua assessoria parlamentar, de 25 para doze assessores. Depois de eleito, Mitraud participou do curso da Câmara sobre o trabalho legislativo e mudou de ideia: em vez dos 12 assessores com que planejava desempenhar seu trabalho, decidiu ficar com seis. Algo mais? Sim: para preencher esses seis cargos, abriu concurso. Se todos fossem como ele, nosso Legislativo seria muito mais ágil e barato.

Errado

A coluna anterior noticiou que o senador gaúcho Lasier Martins viajou de Brasília ao Rio para atender a compromisso familiar, usando as passagens fornecidas pelo Congresso. Esta parte da notícia está certa. Lasier explica que o fornecimento de passagens com nosso dinheiro está amparado no Regimento Interno do Senado, que a passagem aérea para o Rio é mais barata do que para Porto Alegre e que ele gasta menos de 20% da cota de passagens a que tem direito. É verdade; mas o senador não agiu certo. Espera-se que use as passagens a serviço e não para compromissos familiares. A segunda parte da notícia está errada: segundo Sílvio Ribas, assessor de imprensa de Lasier, ele se hospedou no Rio por conta própria. A coluna reconhece o erro cometido, esclarece o caso e pede desculpas.

Chega!

Um dos advogados mais conhecidos do país, Ives Gandra Martins, leitor assíduo desta coluna, discorda de nota publicada na última coluna. Nela, se sugeria que o Governo reduzisse a zero a publicidade oficial e mantivesse apenas a verba para empresas que disputam o mercado, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e outras. Diz Ives Gandra Martins, e com toda a razão: “Banco oficial com clientes institucionais garantidos pela Constituição Federal (art. 164 § 3º), não deveria gastar dinheiro em publicidade”. É isso: não cabe a governos sustentar ou sufocar veículos de comunicação. Eles que sejam independentes e vivam sem o governo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 17 de dezembro de 2018

DINHEIRO SAI

 

DINHEIRO SAI

O presidente eleito Jair Bolsonaro se declarou indignado com os gastos da Caixa com publicidade, que estima em R$ 2,5 bilhões por ano (a Caixa diz que é menos: R$ 685 milhões, ainda assim espantosos). Bolsonaro disse que vai rever esses gastos e também outros, como os da Presidência.

Bolsonaro que nos perdoe, mas está totalmente errado: deve é eliminar a publicidade oficial. Empresas que competem no mercado, como a Caixa e o Banco do Brasil, precisam de publicidade (embora, se forem privatizadas, o problema desapareça). Mas para que fazer publicidade do BNDES, que não tem concorrentes? E do Governo Federal, um monopólio que não tem nem com quem disputar mercado? Por que gastar dinheiro com a divulgação dos slogans oficiais – a menos que se queira influenciar o resultado de eleições futuras com dinheiro público, o que é crime, ou usar recursos do Tesouro para comprar a boa-vontade dos meios de comunicação, o que é indecente?

Gastar dinheiro público para fins particulares virou hábito. O senador Roberto Requião editou agora, por conta do Senado, um livro contra Sérgio Moro. Aproveita o finzinho do mandato, porque os eleitores o mandaram para casa. O senador gaúcho Lasier Martins viajou de Brasília para o Rio, e lá se hospedou no Hotel Windsor, para assistir à formatura de uma parente. A parente é dele, o dinheiro é nosso. Bolsonaro pode mudar esses hábitos. Que tal começar cortando o meio bilhão de propaganda da Presidência?

Tira, põe…

É cedo para analisar a história do R$ 1,2 milhão movimentado por um dos funcionários do deputado estadual (e senador eleito) Flávio Bolsonaro: a COAF, que monitora nosso comportamento financeiro, só apontou o caso e não fez qualquer denúncia; o próprio Fabrício Queiroz, o funcionário, não disse nada. Primeiro, eliminemos as objeções: a COAF não apontou os R$ 51 milhões de Geddel, apontou há anos a movimentação de umas dezenas de milhões, de Lula, e não avançou. É verdade. Mas, se o caso é irregular, deve ser investigado, não importa se casos parecidos foram ignorados.

…deixa voltar

A história parece a de sempre: assessores de parlamentares recebem seu salário e devolvem boa parte ao parlamentar. É uma forma (das mais asquerosas) de transferir dinheiro público para bolsos privados. Quanto? Um assessor disse que recebia R$12 mil e ficava com R$ 2 mil, e o restante era entregue ao parlamentar. O total de R$ 1,2 milhão em um ano é grande demais? Depende: um assessor pode receber várias devoluções para entregá-las ao parlamentar. Isso é crime. Se vai para o Caixa 2, é crime. Como a posse é agora, talvez tudo seja esquecido. É uma boa saída, não é?

Aprovação em alta

A questão do motorista do filho não parece ter afetado a popularidade de Bolsonaro. Pesquisa feita pelo Ibope para a CNI, Confederação Nacional da Indústria, indica que 75% dos entrevistados acreditam que o presidente eleito está no caminho certo. São 20 pontos percentuais acima da votação de Bolsonaro no segundo turno. Traduzindo: muitos dos que não votaram nele concordam com suas posições. E 14% acham que o presidente eleito está no caminho errado – contra 45% que votaram contra ele. Os que não responderam à pergunta ou ainda não têm posição somam 11%.

Expectativa

Na mesma pesquisa, 64% dos ouvidos esperam que Bolsonaro faça um governo ótimo ou bom. Isso significa, pela ordem, melhorar os serviços de saúde, impulsionar a oferta de empregos, combater a corrupção, combater a criminalidade e melhorar a qualidade da educação.

Contra Bolsonaro

O professor Victor Nussenzweig, médico, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, um dos maiores pesquisadores mundiais da prevenção da malária (milhões de infectados por ano, uma das maiores causas de morte de crianças na África), escreve para esta coluna para falar de política. A mensagem do professor Nussenzweig:

“Estou nos EUA há 60 anos. Vou ao Brasil no fim do ano e quero falar sobre o MAL-sonaro. Saí do Brasil em 1964 fugindo dos militares e vejo que a praga continua. Lugares de militares são os quartéis, não a política. Fácil ganhar a eleição pondo a oposição na cadeia!”

A crítica às opiniões do professor Nussenzweig, como sempre ocorre nesta coluna, é livre – desde que se use linguagem civilizada e se mantenha o respeito devido a um grande cientista brasileiro. Discordar não é insultar.

É quente

Preste atenção no major Vitor Hugo, deputado federal eleito por Goiás, amigo de Bolsonaro há dezenas de anos e muito bem preparado. Deverá ter influência no governo. Indicou a Bolsonaro o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. E amanhã já participa com ele de reuniões em Goiás.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 10 de dezembro de 2018

EM NOME DO PAI

 

 
EM NOME DO PAI

Para boa parte do PSL, partido do presidente eleito Jair Bolsonaro, os candidatos à sua liderança na Câmara e no Senado já têm nome – e sobrenome. Para o Senado, Flávio Bolsonaro; para a Câmara, Eduardo Bolsonaro. E, se mais cargos houvera, mais Bolsonaros indicara. Mas há outra ala no partido, talvez menos numerosa, mas mais aguerrida e cheia de ambição: a de Joice Hasselmann, que teve mais de um milhão de votos para a Câmara sem ter o sobrenome Bolsonaro. O que não quer, para ela, dizer muita coisa: segundo afirma, ela é a cara política de Jair Bolsonaro, sua gêmea ideológica, sua família de alma, mesmo sem ser da família.

Joice foi direto ao alvo: disse que Eduardo Bolsonaro falha como líder do partido e que sua articulação política está abaixo da linha da miséria. E Eduardo Bolsonaro se comportou como alvo: disse que não pode nem deve ficar falando o que faz por ordem do presidente. Mas já falou que age por ordem do presidente. Tirou de Bolsonaro a melhor arma: a de poder dizer que o filho agiu por conta própria, não em nome dele. Agora já se sabe: de acordo com Eduardo, para o bem ou para o mal, ele age em nome do pai. E Joice Hasselmann, excelente polemista, saberá usar essa informação.

Em política, quem fala não sabe, quem sabe não fala. E não pega bem o pai escolher os filhos para tudo quanto é cargo de comando. Parece Sarney.

Enfim, a guerra foi declarada. O PT pode respirar: o PSL briga sozinho.

Joice Hasselmann / Eduardo Bolsonaro

Fogo contra fogo

A propósito, “guerra” é a palavra correta. Num grupo de Whatsapp do PSL, Eduardo Bolsonaro e Joice se acusaram de rachar o partido, e Major Olímpio, senador eleito por São Paulo, entrou na briga dizendo que Joice não tem apoio de ninguém. Mas tem, sim, de algumas pessoas que jogam abertamente contra Eduardo Bolsonaro. E a briga, que começou por divergências políticas, hoje é também pessoal. Segundo Andréa Sadi, boa repórter de O Globo, políticos e militares mais próximos de Bolsonaro já pediram a ele que bote ordem no partido. Se a bancada não consegue se unir, como juntará 308 deputados para aprovar a reforma da Previdência?

É a hora

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, reformar a Previdência é essencial. E a reforma tem de ser feita logo, enquanto a eleição está quente.

Quem é quem

E, já que falamos em parlamentares, um fato interessante: 15, de vários partidos, entre deputados e senadores, devem ao Tesouro, entre impostos e multas, o total de R$ 660,8 milhões. Devem, não negam, um dia vão pagar, mas não sem antes montar planos de refinanciamento que lhes garantam bons descontos. O maior devedor é o senador Jader Barbalho, do MDB do Pará. Jader deve R$ 135,4 milhões. Em segundo lugar, sua ex-mulher, Elcione, também do MDB paraense, com R$ 117,8 milhões. Em terceiro, um caso à parte: Newton Cardoso Jr., do MDB mineiro. Ele foi o relator do Refis de 2017 e, usando os mecanismos do programa que relatou, teve 92% de anistia em seus débitos. Pagou R$ 972 mil – mas, terminando 2018, Sua Excelência já tem impostos e multas atrasados de R$ 88,3 milhões. Ele vai pagar. Mas irá ficar feliz se houver um novo plano generoso de descontos.

Chegando lá

Amanhã, segunda-feira, é o dia da diplomação do presidente eleito Jair Bolsonaro e do vice, general Hamilton Mourão, em sessão solene no TSE, Tribunal Superior Eleitoral. Diplomados, ambos estarão aptos a tomar posse no dia 1º de janeiro e a exercer o mandato para o qual se elegeram.

De quem para quem

O governador reeleito da Bahia, Rui Costa, disse que é muito ruim a situação financeira do Estado; e, há poucos dias, encaminhou à Assembléia um projeto de lei que eleva a contribuição dos servidores públicos de 12% para 14%, para enfrentar o déficit da Previdência estadual. Mas há setores em que o dinheiro existe: o Governo baiano decidir dar R$ 126.816,00 ao MST, para promover um encontro em Salvador. A empresa Forte Frios já foi escolhida para oferecer aos “sem terra” o serviço de alimentação e bufê.

Dinheiro girando

Por que o ex-assessor parlamentar do então deputado Flávio Bolsonaro, o PM Fabrício José Carlos de Queiroz, movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta em um ano? O caso foi levantado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, COAF, que considera a movimentação estranha para o padrão de vida de Queiroz. Nesse movimento, há um cheque de R$ 24 mil para Michele, a esposa de Jair Bolsonaro (de acordo com as explicações, ela o teria recebido como pagamento de uma dívida).

A filha de Queiros, Nathalia, faz pouco tempo era assessora, na Câmara, do deputado federal Jair Bolsonaro. Ela e o pai foram exonerados no mesmo dia, 15 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno da eleição.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 06 de dezembro de 2018

CAMINHANDO CONTRA O VENTO

 

CAMINHANDO CONTRA O VENTO

O presidente eleito Jair Bolsonaro está quase pronto para o trabalho do ano que vem. Já preencheu vinte dos quinze Ministérios que tinha prometido, e os dois últimos, que acertam a conta, estão no forno (pode ser até que, quando esta coluna for lida, já saibamos todos os 22 que eram 15).

A oposição está quase pronta para seu trabalho do ano que vem. Qual delas? Há duas: uma, PT mais PCdoB mais penduricalhos, liderada por Lula, ou Haddad, ou Gleisi, que se opõe à outra, PSB mais PDT mais não se sabe quem. Essa outra talvez até prefira Bolsonaro a Lula – afinal, Bolsonaro derrotou Ciro Gomes, mas não tentou manobras por baixo do pano para atrapalhar suas alianças nem sua candidatura. Mas, seja qual for, há oposicionistas se mexendo: já condenaram Bolsonaro por ser submisso aos EUA, ao prestar continência a John Bolton, assessor de Segurança Nacional de Trump; e por ter desrespeitado os EUA, ao servir ao mesmo John Bolton o café da manhã na cozinha de sua casa, com o bolo já cortado em fatias, numa mesa – horrorizem-se! – sem toalha.

O Congresso se apronta para, apesar de renovado, provar que continua o mesmo: Renan na Presidência do Senado é uma probabilidade real. Renan, apesar de tudo, não é o símbolo maior do Congresso. Símbolo mesmo é um ex-deputado, Valdemar Costa Neto, que cumpriu pena pelo Mensalão e é o cacique do PR. E é justo com Valdemar que Bolsonaro troca ideias hoje.

A chave do cofre

Mesmo com grande número de parlamentares não reeleitos, o Congresso foi o primeiro a colocar as cartas na mesa pensando no próximo Governo. Já aprovou um belo aumento para o Supremo, que aumenta o gasto público, a partir de 2019, em algo como R$ 4 bilhões por ano. Por que aumentar os gastos com o Judiciário e deixar a Educação, por exemplo, com a mesma verba? Nossos congressistas são previdentes: sabem perfeitamente que, ao deixar a cadeira, pouquíssimos irão à escola. E são profissionais, gente do ramo: sabem que Bolsonaro tende a ignorar os partidos e a privilegiar áreas de influência, sejam governos estaduais, sejam segmentos econômicos ou religiosos. E se preparam para mostrar que, sem eles, o Governo não anda.

O extremo centro

Quem ainda vai brigar muito para decidir onde fica é o PSDB. Fernando Henrique disse que cabe ao partido a posição de “centro radical”, afastado tanto de Lula quanto de Bolsonaro e mantendo posição critica diante do governo, embora podendo apoiar medidas específicas com que concorde. O governador paulista João Dória, estrela ascendente no tucanato, não apenas deu apoio a Bolsonaro no segundo turno (e assistiu tranquilo à campanha do “Bolsodoria” no primeiro) como, logo após as eleições, viajou para um encontro com o presidente eleito – a propósito, não foi atendido. Alckmin, que lançou João Dória na política mas hoje não o vê com bons olhos, deve ficar com Fernando Henrique – mas é um candidato derrotado, sem o peso político que já teve. Aécio, hoje, não conta. Mas Tasso Jereissati conta: se conquistar a Presidência do Senado, dirá para onde vai o partido. Mas sua chance de manter a união tucana é mínima: o PSDB deve se dividir.

Dúvida 1

O articulador político do futuro Governo, deputado Ônyx Lorenzoni, disse que a Funai passará do Ministério da Justiça para o da Agricultura. A dúvida: e que é que a Agricultura tem a ver com a população indígena?

Dúvida 2

Bolsonaro assistiu ao jogo Palmeiras x Vitória, no estádio palmeirense, entregou as medalhas aos campeões, abraçou os jogadores de seu time. Que terão dito seus médicos? Ele ainda está com os intestinos ligados a uma bolsa externa e a cirurgia que deveria realizar no dia 12 foi adiada por falta de condições. O presidente eleito não terá abusado de sua saúde? E comer cachorro-quente, por melhor que seja a salsicha, é adequado para ele?

Dúvida 3

Bolsonaro aproveitou bem a conquista do Brasileirão pelo Palmeiras. Apareceu bem, sorridente, foi homenageado por torcedores aos gritos de Mito, vestiu a camisa do seu time. Mas fica bem um presidente eleito usar camiseta com propaganda comercial? Poderia ter usado camiseta apenas com os símbolos do clube. Para sua imagem, seria bom do mesmo jeito.

O poder do ministro

No avião, antes da decolagem, um cidadão que reconheceu o ministro Ricardo Lewandowski disse que o Supremo era uma vergonha e que ele tinha vergonha de ser brasileiro. O ministro o ameaçou de prisão, o cidadão insistiu. Lewandowski chamou a Polícia Federal para prendê-lo. Os federais entraram no avião mas não prenderam ninguém: o cidadão prometeu não dizer mais nada ao ministro nem tumultuar o voo de forma alguma, e foi liberado para viajar. A ordem de prisão – bem, deixa pra lá.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 03 de dezembro de 2018

CADEIA VERDE-AMARELA

 

 
CADEIA VERDE-AMARELA

A Rádio Bandeirantes, potência maior do rádio paulista, montou uma rede nacional de emissoras afiliadas, que retransmitiam sua excelente programação de esportes. Era a Cadeia Verde-Amarela Norte-Sul do Brasil. Com a TV nos estádios, permitindo que rádios menores transmitissem o jogo a partir das imagens, dissolveu-se a Cadeia Verde-Amarela.

Mas o mundo gira. Hoje, a Cadeia Verde-Amarela Norte-Sul do Brasil está de volta, com autoridades sendo presas em todo o país. O esporte é o mesmo de antes: atuar em estádios, receber boladas, montar boas jogadas e sempre seguir a máxima de um grande técnico, Gentil Cardoso: “Quem pede recebe”. Alguns deram o azar de fazer o que não deviam na hora em que o juiz estava olhando, e a torcida, irritada, exigiu o cartão.

Resultado: todos os governadores eleitos do Rio nos últimos 20 anos foram presos. Um, Sérgio Cabral, está condenado a mais de cem anos. Os dois Garotinhos, Anthony e Rosinha, passaram pela cadeia, mas foram logo soltos. E Pezão foi o primeiro dos quatro a ser preso ainda no exercício do mandato. Perto de Cabral, Pezão é argent de pôche, dinheiro de pinga: falam em mesada de R$ 150 mil, mais 13º, eventualmente algo a mais, mas nada que se compare, ao menos por enquanto, ao anel de R$ 800 mil que Cabral recebeu como propina de um empreiteiro para dar à esposa.

Dois ex-governadores de São Paulo foram delatados. Ninguém se salva?

A hora das vaias

Atenção: o que se discute no Supremo é uma questão constitucional, não partidária, se o presidente da República tem ou não o direito de conceder indulto a presos que se enquadrem em certas normas. Este colunista, do alto de sua ignorância em Direito, acha que, seguidas as normas legais (sem mexer no que está escrito), indultar é direito do presidente. Siga-se a lei. Se o STF mexer nas normas, interferirá em outro poder. Indulto não é jabuticaba, existe mundo afora. Quando o presidente Nixon renunciou, seu vice Gerald Ford o perdoou, livrando-o de processos. Sem promessa de perdão, renunciaria? Ou lutaria na Justiça, tumultuando a vida do país?

É sério, mas não é

O Governo paulista destinou no Orçamento à Linha 18 do Metrô um total de R$ 40,00 (sim, quarenta reais). A Linha 18 terá 15 km de trilhos, com 13 estações, e deve ligar as sete cidades do Grande ABC, uma das regiões mais importantes do Estado, à capital. Aliás, já deveria estar em funcionamento, porque a inauguração era prevista para 2018, A obra está parada há quatro anos – mas, com R$ 40 para gastar no ano, como andar? Esta verba só tem uma vantagem: não sobra espaço para nada errado.

Erramos 1

Esta coluna se equivocou ao noticiar a empresa na qual Marconi Perillo, ex-governador de Goiás, está trabalhando em São Paulo: a firma é a CSN, do empresário Benjamin Steinbruch. Perillo se mudou para São Paulo depois de ser derrotado na eleição para senador.

Erramos 2

Nos anos mais duros da ditadura militar, o Painel da Folha de S Paulo chamou o ministro Júlio de Sá Bierrenbach, do Superior Tribunal Militar, de “almirante de esquerda”. Erro, claro: Bierrenbach era almirante de esquadra, a mais alta patente da Marinha. Houve a reclamação, a habitual chuva de protestos, e no dia seguinte o Painelpublicou algo como “houve um erro na referência à patente” do almirante Bierrenbach. “O correto é almirante de esquerda”. Não é que esta coluna cometeu o mesmo tipo de erro? Ao publicar esclarecimentos sobre vida e obra do ex-ministro Roberto Campos, errou o nome de quem gentilmente nos corrigiu. O nome correto do professor e diplomata é Paulo Roberto de Almeida

Nosso herói

Mickey Mouse completa 90 anos: em 1928, estreou no desenho animado Steamboat Willie, em que trabalha num navio e tem como inimigo João Bafodeonça. Mickey fez sucesso no cinema, nos quadrinhos, na área de entretenimento – os parques da Disney o têm, ao lado de Pateta, como o grande chamariz de turistas. Mickey e seus companheiros de Disney são também grandes exemplos internacionais. No Brasil, por exemplo, velhos ratos estão sempre próximos do poder. Nem dão bola para os Patetas e, graças ao jeitinho brasileiro, ficaram muito amigos de João Bafodeonça e dos Irmãos Metralha, hoje seus companheiros em tantas aventuras. Essas mudanças no perfil dos personagens lhes fizeram bem: nossos ratos, mesmo não sendo atrações turísticas, ganham muito mais que o Mickey.

 

 

 

 

Aberje

O arresto e penhora de bens da Aberje, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, foram suspensos: a Aberje está pagando a dívida trabalhista que havia motivado o processo. Tudo em ordem.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 26 de novembro de 2018

LÉ COM CRÉ, CRÉ COM LÉ

 

LÉ COM CRÉ, CRÉ COM LÉ

Se alguém duvidar do que vou contar, informo prudente: “Meninos, eu vi”. Vi Delfim Netto ser apontado como comunista – e o imagino, um dos homens fortes do regime militar, disfarçando para não ser desmascarado por gente para quem Gengis Khan já era esquerdista perigoso. Vi Fernando Henrique ser apontado como comunista por ter sido professor de marxismo. Vi o ministro da Educação de Bolsonaro, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, contar que foi trotsquista e militou em organizações que, para o regime militar, eram terroristas. Mas, se ter sido professor de marxismo basta para apontar FHC como comunista, atuar em grupos terroristas não afetou o ministro Ricardo Vélez Rodríguez.

Vi, pode crer, banqueiros e operadores financeiros da mais alta reputação internacional apontados como comunistas. Pelo jeito, enriquecem só para dar inveja aos mais pobres, estimulando-os à revolução comunista.

Nada de novo: vi esquerdistas boicotando Simonal, tentando boicotar Elis, vaiando Chico Buarque (sim, Chico Buarque! – e não foi uma vez só), fazendo passeatas contra guitarras “estrangeiras” na música brasileira e atacando agentes da americanização como Caetano e Gil. Novo é saber que Fernando Henrique, Delfim e banqueiros são ao mesmo tempo comunistas e fascistas, e que Sérgio Moro foi treinado pela CIA para evitar que os pobres brasileiros se misturem aos ricos nos aeroportos. Meninos, eu vi.

Longes lembranças

Claro, parte do texto acima remete a I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. E me lembra os anos de chumbo: se não me falha a memória, foi a primeira poesia publicada pelo Estadão no lugar de uma notícia censurada. A ideia (brilhante) dos poemas foi de Antônio Carvalho Mendes, Antoninho Boa Morte, responsável pela coluna de Necrologia do jornal.

Todos juntos

A denúncia do quadrilhão do PT, apresentada há mais de um ano pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, foi aceita e transformada em ação penal por formação de organização criminosa pelo juiz Vallisney Oliveira. Os réus são Lula, Dilma, Palocci, Guido Mantega e João Vaccari Neto. Na denúncia, Janot diz que só na Petrobras o prejuízo desse esquema de corrupção foi de uns R$ 29 bilhões, de acordo com o Tribunal de Contas.

 

 

O Ministério que falta

O presidente da União Democrática Ruralista, UDR, Nabhan Garcia, vai para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários – em princípio, cuida da reforma agrária, mas mantendo fora o MST. Só há um problema: Nabhan não gosta da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e é correspondido. Se os dois trabalharem juntos sem problemas será uma surpresa, já que Tereza comanda uma ala mais moderna do agronegócio. Certa vez, Chico Buarque sugeriu aos governos petistas que criassem o Ministério do Vai dar Caca, que apontaria os problemas de cada solução – na verdade, “vai dar caca” é uma expressão mais gentil que a de Chico. Seria hoje uma ótima ideia.

A hora da verdade

E, por falar em problemas, o PSL, partido de Bolsonaro, segunda maior bancada da Câmara, sente-se prejudicado na distribuição de cargos. O presidente Bolsonaro diz que os cargos estão sendo preenchidos por gente de confiança, independentemente do partido a que pertençam. Mas o DEM tem três dessas pessoas de confiança – e até Joice Hasselman já protesta. É o primeiro grande teste da base parlamentar de Bolsonaro. Tem de ser uma base forte, para aprovar as reformas que o presidente diz que precisa fazer.

Boa notícia

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, conversando com empresários, disse que gostaria de reduzir a carga tributária de 36% a 25% em dez anos. A ideia e ótima – mas exige medidas que o Congresso aprove.

Retrato do Brasil

Francisco Gladyson Pontes, motorista do Tribunal de Justiça do Ceará, salário mensal de R$ 2.794,00, acaba de se aposentar. Sua aposentadoria é de R$ 26.900,00 reais mensais, incorporando salário, gratificações (entre elas, “por risco de vida” e “gratificação judiciária”) e benefícios diversos. Tudo direitinho dentro da lei, tudo já publicado no Diário Oficial.

Os bens da Aberje

A Justiça determinou, no dia 14, o arresto e penhora de bens da Aberje, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, por descumprimento de decisão judicial. A Aberje está condenada a pagar dividas trabalhistas de quase 15 anos atrás, o que levou agora à decisão da 73ª Vara do Trabalho do Fórum da Barra Funda, em São Paulo. A Aberje, organização com mais de meio século, reúne as principais organizações empresariais do país, com o objetivo de aprimorar ações de comunicação, responsabilidade social, construção de marca e imagem, lobby e compliance.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 22 de novembro de 2018

AMANHÃ TALVEZ SEJA OUTRO DIA

 

AMANHÃ TALVEZ SEJA OUTRO DIA

País parado, desemprego, a turma atual do poder pensando só no deles, a turma do poder futuro dizendo, desdizendo e contradizendo – ruim, né?

Surpreenda-se: talvez não. O emprego não aumentou, mas o desemprego parou de crescer e voltou ao nível menos péssimo de alguns meses atrás. O pessoal escolhido para a área econômica tem sido bem visto no Exterior. Uma publicação importante, o Wall Street Journal, cita a “equipe de falcões fiscais” do futuro Governo (acredite, é elogio). Há sugestões que parecem viáveis para superar a crise dos aumentos em cascata que ameaça a Regra de Ouro, o teto dos gastos públicos. E a língua comprida dos novos poderosos parece não ter causado danos incuráveis à imagem do país.

O Partido Comunista Chinês, por exemplo, acaba de convidar o partido de Bolsonaro, o PSL, a visitar a China, ainda em 2018, para “intercâmbio de experiências de governança e cooperação pragmática entre os partidos”. O PC chinês pagará todos os gastos da delegação de dez pessoas do PSL.

E há a interessante observação de Ricardo Kotscho, amigo de Lula há quase 40 anos, seu secretário de Imprensa nos dois primeiros anos de governo, ótimo jornalista: nota que várias empresas, “em vez de ficarem reclamando da situação, decidiram botar a mão no bolso e ampliar seus parques produtivos”. Isso pode indicar, diz, os primeiros sinais de retomada da economia. “Apesar de tudo”, conclui, “o mundo não acabou”.

Conferindo

No Balaio do Kotscho, estão o link das notícias e o valor dos investimentos – uns US$ 4 bilhões. Vale ler. Não vale dizer que o Kotscho é petista, ou melhor, lulista. Eu sei. E confio nele.

A corrida Bolsonaro

O presidente eleito chegou ontem a Brasília e fica até amanhã, em reuniões com a equipe de transição. Na sexta deve estar em São Paulo, para os exames pré-operatórios da terceira cirurgia a que será submetido, em 12 de dezembro, para tirar a bolsa e recolocar o intestino na posição normal.

A festa

Ônix Lorenzoni, que será chefe da Casa Civil de Bolsonaro, casa-se hoje em Brasília, aproveitando a presença do amigo. Amor em alta: o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, casou-se em junho último.

Dilma, sempre Dilma

Muita gente ficou triste quando Dilma tomou aquela surra de criar bicho e não conseguiu se eleger senadora. Iríamos ficar sem suas notáveis frases? Não, Dilma não nos abandona. A ex-presidente falou no 1º Foro Mundial do Pensamento Crítico, em Buenos Aires, para outros ex, como Pepe Mujica, Uruguai, e Cristina Kirchner, Argentina, todos gritando “Lula Livre”. Disse Dilma que, com Bolsonaro, o Brasil corre o risco de sair da democracia para um Estado neoliberal e fascista. Curioso: o italiano Mussolini definia o regime que criou em uma frase, “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”. O neoliberalismo é o contrário, Estado mínimo, com o mínimo possível de poder. Só Dilma pode explicar.

Lula cá

José Dirceu, acusado dos mesmos crimes que Lula, defendendo-se da mesma maneira (nada era propina), e punido com quase o triplo da pena, está em prisão domiciliar, com tornozeleira. Por que Lula não recebe o mesmo benefício? Em parte, porque disse que não o aceitaria: só queria ser absolvido. Em parte, porque, tentando o tudo ou nada, confrontou a Justiça.

Mas há, nos tribunais superiores, quem queira trocar sua cela por uma tornozeleira. O tempo é curto: o recesso do Judiciário começa no dia 20 de dezembro. A maneira mais viável de tirar Lula da cela é o pedido da defesa para que o STF considere que o juiz Sérgio Moro se comportou de forma a prejudicar o réu, por ter interesse na vitória eleitoral de seu adversário. O ministro Edson Fachin relata o caso e já pediu parecer à Procuradoria Geral da República. A rapidez é essencial por outro motivo: Lula responde agora a processo pelo sítio de Atibaia, e se for condenado tudo fica mais difícil.

Corrigindo

O professor Paulo Roberto de Oliveira, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, profundo conhecedor da vida e obra de Roberto Campos, corrige dois erros cometidos pela coluna na edição anterior. Um: Roberto Campos não foi historiador. Dois: fez mestrado em Economia pela George Washington University, de Washington. Joseph Schumpeter, então em Harvard, disse que a dissertação de Campos valia por um doutorado.

O professor Paulo Roberto de Oliveira é organizador do livro O Homem que pensou o Brasil – trajetória intelectual de Roberto Campos; e autor de Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988. Grato pelos esclarecimentos. Mas o professor vai-se arrepender de uma palavra que usou: “Disponha”. Claro!


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 19 de novembro de 2018

AS REGRAS DO JOGO

 

AS REGRAS DO JOGO

Em boa parte dos meios jurídicos, o depoimento de Lula à Justiça não foi bem visto. Com a oportunidade de ver sua defesa divulgada na íntegra para todo o país, teria tido atitude prepotente, ao tentar interrogar a juíza Gabriela Hardt – o que lhe valeu uma resposta dura – e ao por em dúvida o tema do julgamento, algo que seus defensores devem ter-lhe informado.

Pode ser – mas o que aconteceu em Curitiba é que Lula não estava nem um pouco interessado em melhorar sua posição como réu. Seu objetivo, e não é de hoje, é político, não jurídico: é reforçar sua imagem de Salvador da Pátria e Defensor Perpétuo dos Pobres, impedido pelos poderosos, que não gostam de misturar-se à plebe nos aeroportos, de voltar à Presidência da República. Para ele, toda a questão jurídica se resume nisso: a Justiça é o instrumento de seus adversários para evitar seu grande retorno, vitorioso no primeiro turno. Lula jamais ganhou eleição presidencial no primeiro turno. Mas, já que não disputou mesmo, que mal faz proclamar a vitória?

O problema é que essa tática beneficia apenas Lula e fere seu partido. Fingir que Lula seria candidato, sabendo que não seria, custou ao PT uma pesada derrota nacional. Se Lula tinha mesmo a força que acha que tem, não precisaria fingir: bastaria dizer que, como a Justiça o perseguia e o impedia de disputar, Haddad seria seu candidato. Mas não buscava a vitória do partido: buscava, e para ele isso era o importante, crescer como lenda.

Rei morto, mas vivo

Nossa História está cheia de salvadores que só não nos levaram ao Paraíso porque algum inimigo do povo os bloqueou. Em Pernambuco, havia o “chá de Arraes”: o cidadão pegava uma foto de Miguel Arraes, fervia e guardava a água. O chá era milagroso, curava qualquer doença. Getúlio Vargas, falecido há muitos anos, foi usado por grileiros que procuravam posseiros e lhes davam algum dinheiro, “por ordem do dr. Getúlio”. O posseiro assinava o recibo com a impressão digital – e o recibo era o documento de compra e venda da terra. Muito antes, houve Dom Sebastião, rei de Portugal: morto em batalha na África, criou-se a lenda de que um dia voltaria. Lula tem tudo, até a imagem de amigo dos pobres, para virar lenda. É nisso que aposta. E espera que o PT trabalhe para isso.

Por outro lado

O antigo presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo, está preso por envolvimento no Mensalão tucano. Paulo Preto, engenheiro de destaque em governos tucanos, é investigado na Suíça. Surge agora outra investigação, na Suíça, de uma movimentação equivalente a R$ 43 milhões. O nome dos envolvidos não foi divulgado. A origem dos recursos, informam os suíços, é uma campanha presidencial tucana.

Se gritar…

Muda o partido, mudam as alianças, há gente que passa o tempo falando da corrupção (dos adversários), mas é impressionante: sai uma minhoca a cada enxadada. Como diria o sábio Sílvio Santos, quem procura acha.

Nome de peso

Foi um sucesso o nome do presidente do Banco Central escolhido pelo presidente Bolsonaro: Roberto Campos Neto, descendente de um dos criadores do Banco Central e ministro do Planejamento de Castello Branco, Roberto Campos. O ministro foi tão lembrado que, em algumas páginas de noticias, havia mais fotos dele do que do neto. Algumas lembranças foram equivocadas. Afinal, Campos deixou o Planejamento há 51 anos.

É mas não foi

O primeiro engano é dizer que Campos foi um guru do liberalismo brasileiro. É verdade: perto do que havia na época, Campos era ultraliberal. Mas não é verdade: ele trabalhava com controle de preços. Lembram também de Campos como economista. Não: era diplomata e historiador.

Nada que tenha a menor importância. Campos entendia de economia e, homem culto, conhecedor de História, sabia qual o destino dos países cheios de controles. Tinha humor refinado. E como escrevia bem!

Caso médico

Com a saída dos médicos cubanos, haverá problemas de atendimento ou a substituição será simples? Os cubanos, como funcionários públicos, ganhavam aqui o mesmo salário dos que ficaram em Cuba, ou eram explorados, porque dos R$ 11 mil mensais pagos aqui só podiam ficar com R$ 3 mil? Este colunista já encontrou as duas versões. Uma reportagem do Huffington Post traz boas entrevistas com médicos cubanos. Clique aqui para ler.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 15 de novembro de 2018

PAULO GUEDES, O HOMEM DO BRAÇO DE OURO

 

O HOMEM DO BRAÇO DE OURO

Imaginemos que Paulo Guedes, o superministro, esteja certo em todas as reformas que propuser – ou que o superministro Sérgio Moro tenha sempre razão. E daí? Se não conseguirem convencer a maioria a segui-los, nada vai passar pelo Congresso. Não é só convencê-los de que estão certos. É mostrar a cada um que vantagem terá ao segui-los. Coisa para profissionais da política. Bolsonaro já teve duas derrotas antes de entrar em campo (aumento do STF, isenções para a indústria automobilística). Há outros itens caríssimos sendo votados, mesmo nesses dias parados. É hora de agir.

Bolsonaro parece ter percebido que seu articulador, Ônix Lorenzoni, não começou a atuar. E entrou pessoalmente no jogo. Já marcou para hoje um café da manhã com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; e encarregou a deputada Teresa Cristina, que será sua ministra da Agricultura, de garantir o apoio da bancada ruralista, que ela preside, às reformas do Governo. Ela irá também trabalhar na articulação política, onde sempre se saiu bem.

Já houve a ordem para que Paulo Guedes fale menos. Mas há ainda os filhos do presidente (e no Congresso, mesmo quando se fala a verdade, é preciso tomar cuidado). O senador eleito Flávio Bolsonaro disse, à sempre atenta Rádio Bandeirantes, que a volta de Renan ao comando do Senado será ruim, “porque o Congresso precisa de um presidente ficha limpa”. É verdade – mas quem quer ouvir essa verdade? E Renan, sim, pode voltar.

O Senado sou eu

O Senado terá ampla renovação, mas não o suficiente para que pessoas como Renan (e, antes dele, Sarney) deixem de ter a cara da Casa. Renan já foi quatro vezes presidente do Senado, e isso não acontece por acaso. Ele é situação ou oposição, depende do que for mais conveniente. Pode apoiar Bolsonaro, claro, desde que para ele isso valha a pena. Flávio Bolsonaro, na entrevista à Bandeirantes, criticou “a prática de alguns parlamentares de criar dificuldades para extorquir o presidente em busca de cargos”. Pois é. E é com eles que é preciso negociar. Ou derrotá-los na batalha parlamentar.

Quem tem voto

Bolsonaro se elegeu bem, deu um tiro no alvo ao nomear Sérgio Moro para o Ministério, está fazendo uma esplêndida campanha de “gente como a gente” na Internet – veja, ele come hambúrguer no balcão em vez de ir a um restaurante de luxo, veja, ele corta o cabelo no mesmo barbeiro de sempre, veja, ele estava sentado no chão do aeroporto esperando a partida do avião, em vez de ir a uma sala VIP, veja, ele foi ao açougueiro do bairro comprar carne para fazer churrasco para os seguranças – mas isso tudo, se ao menos hoje lhe dá popularidade, não é levado em conta quando negocia com os parlamentares. Aí é preciso colocar em vigor a lei da reciprocidade: ou o parlamentar ganha prestígio, associando-se a alguma iniciativa que lhe dê votos, ou é preciso encontrar outra maneira de envolvê-lo nos projetos do Governo. Não é essencial, sempre, que haja distribuição de cargos ou de vantagens contabilizáveis; mas é preciso achar a fórmula que leve a maioria dos 513 deputados e 81 senadores a se agregar àquilo que o Governo achar necessário. Espera-se que as velhas fórmulas, transportáveis em malas e envelopes, tenham perdido a antiga popularidade após a Lava Jato.

O grande nome

Bastou Moro aceitar o convite de Bolsonaro que caiu o mundo – não apenas os petistas furiosos com a condenação de Lula (embora ele tenha tido a condenação confirmada, e ampliada, pelo Tribunal Regional Federal), mas os que acham que deveria ter pedido demissão em vez de tirar férias, os que se queixam de fatos como a liberação do telefonema em que Dilma e Lula combinam como ele fará para ganhar foro especial e escapar do julgamento em primeira instância.

São minoria: de acordo com levantamento nacional da Paraná Pesquisas, 85,3% dos ouvidos aprovam a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça. A pesquisa foi divulgada pela coluna Cláudio Humberto e abrange a faixa etária de 24 a 59 anos.

É adversário – e sabe

José Dirceu, ex-comandante do PT, ministro de Lula e Dilma – “capitão do time”, como Lula o chamava – diz que Bolsonaro terá base social, força e tempo para governar. Dirceu falou anteontem, ao lançar seu livro de memórias. “Há um Brasil profundo que se manifestou democraticamente e que o PT precisa entender. O PT não foi derrotado apenas eleitoralmente nas eleições, mas ideologicamente”. Citou a questão da segurança pública: “Onde estava o PT quando o filho de uma mulher pobre chegava em casa sob efeito de drogas, ou em outros momentos igualmente trágicos na vida do brasileiro?” Aos poucos, disse, o PT se afastou “do dia a dia do povo”. E Bolsonaro, completou, “avançou sobre a base da qual o PT se afastou durante seus quatro mandatos”.

“O PT não foi derrotado apenas eleitoralmente nas eleições, mas ideologicamente”


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 12 de novembro de 2018

TUDO CERTO, SE ESTIVER CERTO

 

TUDO CERTO, SE ESTIVER CERTO

Paulo Guedes tem boa reputação, o general Augusto Heleno é muito bem visto nos setores em que atuou, Tereza Cristina é agrônoma e teve sucesso na agroindústria, Sérgio Moro é a estrela atual. E Ônix Lorenzoni é Ônix Lorenzoni – bem na hora em que precisaria se destacar.

As ideias e planos podem ser ótimos, mas têm de passar pelo Congresso. Talvez haja virgens na zona, mas não muitas. Quem atua no Congresso é profissional, goste-se ou não do que faça. O futuro Governo Bolsonaro já tomou duas bolas nas costas – o aumento dos ministros do Supremo, que deve custar de 4 a 6 bilhões de reais por ano, e novas isenções de impostos para a indústria automobilística – uns R$ 2 bilhões por ano. O coordenador de Bolsonaro na área parlamentar é Ônix – que, porém, não entrou no jogo.

Moro provavelmente não terá problema com o Congresso – parlamentar pode ser tudo, menos bobo, e sabe escolher e evitar adversários. Augusto Heleno é discreto, não deve forçar situações. Tereza Cristina conhece bem o Congresso, sabe mover-se. Mas Paulo Guedes fala bastante. E sua frase sobre “dar uma prensa” no Congresso ajudou Bolsonaro a levar a bola nas costas. É preciso compor com os parlamentares para montar a estrutura da política econômica. Ou Ônix cuida disso ou entra Bolsonaro em pessoa. E, ao negociar diretamente com o chefe, há gente cujas ambições crescem.

Sempre é melhor mandar outro negociar. Se não der certo, é só recuar.

Velhos mestres

Antes de 1964, dizia-se que a UDN, partido dos professores e bacharéis, era o partido burro das pessoas inteligentes. Seu maior adversário, o PSD, formado por manda-chuvas dos Estados e políticos profissionais, era o partido inteligente das pessoas burras. O PSD ganhava quase todas. Nele se reuniam mestres da política. Uma de suas normas era primeiro combinar tudo e depois fazer a reunião e anunciar o resultado. Língua solta? Jamais.

Sonho impossível

O reajuste do Supremo se estende, legalmente, ao Superior Tribunal de Justiça e a todos os magistrados do país. Como é o teto salarial dos salários do funcionalismo (isso para os que não conseguiram penduricalhos para furá-lo), mexe em todos os Estados. Os ministros do STF, desapegados, se ofereceram para desistir do tal auxílio-moradia, pouco mais de R$ 4 mil mensais. Para o colunista ninguém faz essa proposta: ganhe um monte de dinheiro aqui, sem problema, desde que deixe de ganhar um tiquinho ali.

Bola no mato

O presidente Temer tem poder para vetar o aumento. Com isso, faria um favorzão a Bolsonaro. Este colunista já viu até Haddad e Manuela d’Ávila comungando, mas jamais viu político tomar medidas, mesmo corretas, que beneficiem só outro político. E não consegue imaginar o presidente Temer, que encerra o mandato com dois processos criminais, enfrentando o STF para ficar de bem com a opinião pública. Quem é que decide se Michel Temer, ao deixar o Governo, fica preso ou solto? A opinião pública?

Cadê o meu?

Bolsonaro deu aos militares demonstrações de admiração que há muito tempo não viam. Foi ao Ministério da Defesa, foi ao comando de cada uma das três Forças Armadas, escalou militares de prestígio para seu governo. E já lhe disseram que só apoiarão mudanças nas normas de previdência e de pensões se houver um reajuste caprichado em seus vencimentos.

Acelerando

A indústria automobilística, com todos os incentivos e renúncias fiscais, não gerou inovações nem na área em que o Brasil é uma potência e onde há grandes empresas que poderiam cooperar com as pesquisas: as alternativas renováveis ao combustível fóssil. Digamos, um motor híbrido em que a eletricidade seja gerada por álcool. O Prius, desse tipo, que gera energia com gasolina, faz sucesso mundial. E os preços nacionais são altos: um carro médio feito aqui, com custo Brasil e tudo, exportado para o México (pagando transporte), sai lá por pouco mais da metade do preço brasileiro.

Parece absurdo. E é

Comentário de uma cientista política na TV, a respeito da proposta de Wilson Witzel, governador eleito do Rio, de ordenar à Polícia que atire para matar em qualquer pessoa que apareça portando ostensivamente fuzis em lugares públicos: “Os bandidos compram o fuzil porque são obrigados, para combater a segurança pública”. Se não houvesse polícia, se ninguém estivesse presente para atrapalhar os crimes dos distintos cavalheiros, eles não precisariam de fuzis. O caro leitor viu como é simples desarmar os bandidos? Ah, sim: os fuzis também funcionam, nas áreas dominadas pelo crime, como moeda de troca. Deve ser coisa do capitalismo neoliberal.

Enfim, só

O PT desmontou o acampamento próximo à prisão de Lula.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo domingo, 04 de novembro de 2018

DESTA ÁGUA BEBEREI

 

 
DESTA ÁGUA BEBEREI

Para Bolsonaro, foi ótimo: Sérgio Moro é um homem respeitado, de alto nível, e agrega prestígio a ele – que, embora eleito com esplêndida votação, ainda enfrenta problemas de credibilidade, e bem nos setores em que Moro é totalmente aceito. Para o futuro Governo Bolsonaro, Moro é muito bom: estudioso, eficiente, habituado a trabalhar com a Polícia Federal. E, chefiando um superministério, tem tudo para estender a Lava Jato a setores que nunca pôde investigar. Outra vantagem: com Moro ministro, morrem os pesadelos de caça às bruxas (que já incluíram em listas de comunistas a ser boicotados o jornalista Reinaldo Azevedo e até, creia!, Delfim Netto).

Mas, para Sérgio Moro, a coisa não é tão boa. Gente ligada aos alvos da Lava Jato já proclama que ele “perseguia Lula” para evitar que derrotasse Bolsonaro; quer acusá-lo naquele tal conselho da ONU de usar a toga com fins partidários; e o responsabiliza por, em duas ocasiões – a liberação da delação premiada de Palocci, dias antes da eleição, e a famosa gravação de Lula com Dilma, aquela do Bessias, em que ficava claro que seria nomeado ministro para ter foro privilegiado – antes do impeachment, para favorecer Bolsonaro. Quem prendeu Lula foi o TRF-4, mas não faz mal: o pau é nele.

Acusa-se também Moro de ter dito que jamais entraria na política. Isso ele disse – mas acha que, como Adib Jatene, é um ministro técnico que não vai disputar votos, ou mudou de ideia. Quem jamais nunca mudou de ideia?

Estranho vingador

Há também quem acuse Moro de mover uma cruzada contra Lula. Mas é esquisito: dentro de dez dias, Lula deve ser ouvido no processo sobre o sítio de Atibaia. Um vingador perderia a chance de condenar seu alvo mais uma vez? Ao aceitar o convite do presidente eleito, deixa de ser juiz. E o caso fica com uma juíza substituta, até que o novo titular seja escolhido.

Sem choradeira

Ao deixar a Magistratura para ser ministro, Moro não viola lei nenhuma.

Retrato futuro

O perfil do Governo Bolsonaro já começa a ser traçado: três ministros fortes, Sérgio Moro (Justiça), Paulo Guedes (Economia) e general Augusto Heleno, que comandou as tropas brasileiras no Haiti (Defesa). Os três controlam totalmente a área e escolhem os auxiliares que quiserem, sem que ninguém, nem Bolsonaro, se intrometa. Os três são competentes – mas nenhum jamais negociou com políticos profissionais tipo Renan Calheiros.

 

Prioridades

Outros setores que estão na agenda presidencial: a defesa da propriedade privada, de crítica ao avanço dos costumes, apoio aos inovadores e empreendedores, força ao agronegócio e à exploração (responsável, dizem) das riquezas naturais. Para a Agricultura, estão em pauta duas mulheres notáveis: a senadora Ana Amélia (PP), vice de Alckmin, e a deputada Tereza Cristina (DEM), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Adeus

O Ministério do Trabalho, há anos sem função, deve ser extinto ou reduzido a secretaria, subordinada a Guedes. Para, como hoje, exercer só o trabalho de informar uma vez por mês o número de empregos com carteira assinada, ao custo de R$ 2 bilhões por ano, virar secretaria é bom demais.

Sem fantasia

É normal que o mercado tenha recebido bem a derrota do PT. É previsível que a escolha de Paulo Guedes, com bom trânsito na área da Economia, estimule estudos sobre investimentos. Mas as notícias que surgem nas redes sociais, sobre bilhões de dólares que virão para o país graças à eleição de Bolsonaro, não são bem assim. Os investimentos foram mesmo anunciados, mas já estavam na pauta ou virão (se vierem) bem mais tarde. Ninguém decide em poucos dias investir milhões de dólares, por mais que goste de Bolsonaro ou tenha apreciado sua vitória. Dilma também escolheu um ministro com prestígio no mercado e os dólares não vieram.

A literata

Dilma, depois de se mudar para Minas acreditando que seria facilmente eleita para o Senado, resolveu ficar no Rio Grande do Sul. Seu plano atual, diz O Globo, é escrever um livro de memórias. Este prestativo colunista sugere um título para o livro de memórias de Dilma: Vaga Lembrança.

Los Hermanos

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que é preciso dar novo impulso à ALBA – Aliança Bolivariana dos Povos da Nossa América, organização regional fundada por Fidel Castro e Hugo Chávez. Quais são as nações que funcionarão como contraponto à derrota do PT no Brasil?

Por ordem alfabética: Antígua y Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Granada, Nicarágua, San Cristóbal y Nevis, Santa Lucia, San Vicente y Granadinas, Suriname, Venezuela. Ah, agora vai. Es nosotros en la fita!


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 29 de outubro de 2018

GANHAMOS TODOS OU PERDEMOS TUDO

 

 
GANHAMOS TODOS OU PERDEMOS TUDO

Escrevo num horário pensado: entre o fim da votação e o início das apurações. Não sei quem é vencedor; nem a boca de urna das pesquisas saiu – mas como acreditar em algo quando as pesquisas do primeiro turno sequer mencionavam Zema, um Witzel e outros que mostraram força eleitoral?

Seja quem for o vencedor (e, ao ler esta pensata, o caro leitor já saberá quem é), herda um país dividido. Na guerra suja da campanha, adubada por infelizes atitudes anteriores, dividiu-se o país ao meio. Os adeptos de um candidato passaram a ver comunistas por todos os cantos: Fernando Henrique, por exemplo, ou Márcio França, um fiel aliado do ex-governador Alckmin. A Folha de S.Paulo virou comunista, junto com a Rede Globo; e o Brasil de repente passou a ter mais comunistas do que a China. Já os seguidores do outro candidato concluíram que metade do país era formada por fascistas, ou nazifascistas, como se de repente o hoje deputado eleito Alexandre Frota fosse um agente de Mussolini infiltrado no Brasil.

Tudo besteira, claro: aquela senhora que teme a abolição da Bolsa Família e para defender-se vota sempre nos candidatos petistas não tem a mais remota ideia do que seja comunismo, e aquele jovem de classe média desempregado pela Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff, cansado de ouvir Marilena Chauí dizer que odeia a classe média, quer ver o PT de longe, mas não tem a menor compulsão de vestir a camisa negra do fascismo. Sejamos claros: o que impulsionou Bolsonaro foi o antipetismo de boa parte da população; foi a ideia de que é preciso cuidar um pouco da ordem pública, do combate ao banditismo, da questão da segurança.

E o que levou boa parte do eleitorado a Fernando Haddad não foi a vontade de participar da Turma do Mensalão, nem a ideia de que apoiar ditaduras na África e na América Latina é um bom caminho para o país. É uma combinação de temor diante da possibilidade da perda de benefícios e garantias trabalhistas, da extinção da Bolsa Família e da restrição da liberdade de pensamento, tudo convergindo no antibolsonarismo.

Nos dois casos, os temores podem ser exagerados; nos dois casos, as soluções propostas pelos candidatos podem ser inúteis. Armar a população dificilmente, na opinião deste colunista, é uma solução para o problema da segurança pública. Atirar ao lixo o teto das despesas governamentais com certeza não vai reduzir o desemprego nem, a médio prazo, garantir o emprego de quem ainda o tem. Não faz mal: Bolsonaro passa a impressão de que vai melhorar a situação da segurança, Haddad passa a impressão de que vai defender os trabalhadores contra os patrões. E é isso, não a transformação do Brasil num campo de batalha entre fascistas e comunistas, que levou tanta gente a apoiá-los: acreditar que estas soluções simples sejam capazes de funcionar.

OK: dito isso, o vencedor terá de governar um país dividido. Imaginemos que, em ambos os casos, as soluções sejam surpreendentemente eficientes. Mas nenhum dos dois lados terá condições de implementá-las tendo metade do país contra ele – e, seja qual for a metade, profundamente radicalizada, convencida de que o Governo é ou fascista ou comunista, e convencida de que o objetivo oficial é esmagá-la.

A primeira tarefa, portanto, é desarmar essa bomba relógio. O vencedor terá de mostrar que não tem o objetivo de destruir os vencidos, mas apenas de governar para todos. Em resumo, pacificar o país. Há pouco mais de 60 anos, Juscelino Kubitschek subiu à Presidência, depois de superar dois golpes que tentaram impedi-lo de assumir o cargo para o qual tinha sido eleito. Na liderança da oposição, tinha o tremendo Carlos Lacerda, apoiado por militares de prestígio.

Juscelino enfrentou duas rebeliões militares contra seu Governo, derrotou-as, e em seguida anistiou os revoltosos. Soube movimentar-se no Governo e nos partidos de oposição, atraindo-os para iniciativas conjuntas esporádicas. Foi complicado, mas levou seu Governo até o fim. E, não fosse a tomada do poder pelo movimento militar de 1964, tinha tudo para voltar à Presidência da República.

Juscelino fez um bom Governo? Isso é questão para os historiadores. Mas conseguiu governar. Conseguiu trazer para o Brasil a indústria automobilística, conseguiu construir Brasília em quatro anos, e tudo porque conseguiu pacificar o país – ao menos em seu período de Governo.

Em resumo, espera-se que o novo presidente – de acordo com as notícias que agora chegam, Jair Bolsonaro – seja capaz de conseguir a paz, como Juscelino. Transformar-se em Juscelino – este é seu grande desafio.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 25 de outubro de 2018

MARINA: OUTRA COISA, O MESMO SABOR

 

 
 
OUTRA COR, O MESMO SABOR

Ah, velhos sabores da infância! As grandes fábricas de doces em lata produziam marmelada comum e marmelada branca. E, para os indecisos, a lata 2×1, metade comum, metade branca. Ambas iguais, sem gosto de nada, com a única diferença da cor. E havia gente que brigava por uma ou outra.

Pois é, briga-se por qualquer coisa. O filho de um candidato disse que, para fechar o Supremo, bastavam um cabo e um soldado. O Capitão do Time do outro candidato disse que todos os poderes do Supremo deveriam ser retirados. E um advogado, colega do candidato na defesa do Adorado Chefe, propôs o fechamento do Supremo. Curiosamente, a frase mais agressiva, dita por um dos candidatos, não repercutiu: ele propôs aumentar o número de ministros de 11 para 21, “para termos a maioria lá dentro”.

Respeito à Justiça? Quando o Capitão do Time de um candidato ganhou prisão domiciliar, o adversário disse que aquilo era um vexame. Seria preciso escalar “gente do nível de Sérgio Moro” para que o Supremo não envergonhasse a população. Já o outro candidato, para poder pedir instruções na cadeia ao Adorado Chefe, escalou-se como seu advogado, e garantiu que, se eleito, o governante não seria ele, mas o preso. E a decisão do Judiciário, que o prendeu e que seria o único caminho para libertá-lo?

Como diria um antigo ditador, “a lei, ora a lei!” E não é preciso dar nomes: como na lata de marmelada, a receita é a mesma. Só muda a cor.

Detalhe saboroso

Nos velhos tempos, dizia-se que, para aumentar os lucros, os produtores usavam muito chuchu em vez de marmelo. Hoje, chuchu faz (ou fez) parte da política. Mas tanto faz: os fregueses brigam mesmo é por causa da cor.

E como brigam!

A Toluna, empresa que funde pesquisa, análise das informações e tecnologia para oferecer percepções de tendências a seus clientes, estudou o ambiente eleitoral brasileiro. Concluiu que 40% dos eleitores enfrentaram conflitos familiares por causa da eleição. Pior: 33% dos pesquisados acham de verdade que vale a pena brigar com amigos e parentes por política.

O maior índice de desentendimentos ocorreu entre primos: 35%. Logo em seguida, com tios: 31%. E com os pais, 29%. Ainda bem que quase não houve brigas corporais: em geral, a discussão foi “de leve a moderada”.

Clique aqui para ler o estudo na íntegra.

Apoio, mas restrito

Só agora, poucos dias antes do segundo turno, Marina Silva definiu sua posição: dá “apoio crítico” a Fernando Haddad.

Voto, mas restrito

Comentário do jornalista Mário Marinho, do site Chumbo Gordo, sobre a decisão da candidata da Rede: “Com o apoio de Marina, Haddad vai de 21% nas intenções de voto a 21% nas intenções de voto”

Baixo nível

Quem pensa que a campanha presidencial é de baixo nível ainda não viu até onde mergulhou a luta pelo Governo paulista. Um vídeo largamente espalhado pela Internet mostra alguém parecido com João Dória, candidato do PSDB e líder nas intenções de voto, envolvido numa orgia com cinco mulheres nuas – tudo explícito, tipo pornô. Besteira: Dória nunca foi citado como participante desse tipo de evento. E tem hoje 60 anos, idade em que não é comum tanta disposição para enfrentar cinco mulheres juntas.

O adversário de Dória, Márcio França, garante não ser o responsável pelo vídeo. Dória disse que era montagem – nem precisaria, já que algo de tão baixo nível nem merece desmentido. E, com a tecnologia disponível, é fácil transformar um ator de filme pornô numa figura parecida com a de qualquer um de nós, inclusive a do candidato ao Governo de São Paulo.

Falha total

E há outro problema num vídeo desse tipo: quem o divulgou não sabe em que país vive. Provar que um político é capaz de façanhas sexuais pode perfeitamente multiplicar sua popularidade. Não é possível esquecer Bernardo Cabral: depois do livro de Zélia Cardoso de Mello, em que ele é acusado de tê-la abandonado sem aviso em Paris, ele se elegeu senador.

A falta que ele nos faz

Um dos mais produtivos intelectuais brasileiros, Jacó Guinzburg, morreu aos 97 anos, no último sábado. Guinsburg, ensaísta, tradutor de primeira linha, editor, dedicou sua vida à difusão da cultura. Sua editora, a Perspectiva, editou Umberto Ecco, Roman Jakobson, Augusto e Haroldo de Campos, Franz Rosenzweig. Ele escreveu na imprensa sobre literatura, brasileira e internacional, fez crítica teatral em revistas da comunidade judaica. E deu-nos a honra de colaborar com o site Chumbo Gordo, editado por este colunista fubânico e por Marli Gonçalves, escrevendo sobre temas da atualidade. Uma grande perda.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 22 de outubro de 2018

A VOLTA DE QUEM SE FOI

 

A VOLTA DE QUEM SE FOI

Esta é a segunda morte política de Alckmin. A primeira ocorreu quando, fazendo exatamente o que Dória fez com ele, ignorou o acordo de Serra com Gilberto Kassab, ganhou a convenção tucana e disputou a Prefeitura de São Paulo. Foi surrado por Kassab. Estava liquidado, diziam. Mas Serra o levou para seu Secretariado e Alckmin ressuscitou politicamente.

E agora? Depende: se Dória se eleger governador, cuidará com carinho de Alckmin, com maçã na boca e pele pururuca. Se França for o eleito, ele terá nova chance. Velhos políticos não morrem, fingem que não é com eles.

O goiano Perillo talvez não tenha como escapar. Perdeu de cabo a rabo e, no Governo, tem hoje um adversário duro e respeitado, Ronaldo Caiado. Marina volta em quatro anos, como de costume, Eunício tem couro duro, nem lembra mais da grande surra. Cristovam Buarque tem chance. Dilma, esta não volta, porque para voltar é preciso ter ido e ela nem foi, só foi-se.

Alguns se evaporaram nas eleições, mas podem voltar: Tarso Genro e Aloízio Mercadante, por exemplo, ficaram intactos. Outros perderam, mas saíram maiores do que entraram: Ciro, Kátia Abreu, Ana Amélia, Eduardo Jorge– e quem lembra que ele, pelo Partido Verde, foi vice de Marina?

Política é jogo esquisito. Nixon perdeu a Presidência para Kennedy, tentou o Governo da Califórnia, perdeu. Voltou para ser presidente. Na frase do repórter James Reston, “foi a maior ressurreição desde Lázaro”.

Coisas estranhas

Política é jogo esquisito. Quem diria, há um ano, que Bolsonaro seria candidato forte? Ou que Manuela d’Ávila se ajoelharia na igreja? Que tal o PT esquecendo o vermelho e virando verde-amarelo? E Haddad, que chegou a dizer que ele era Lula e Lula era ele, dando apoio a Sérgio Moro?

E há, claro, aquilo que só político fala, porque ninguém mais entende. A candidata do PT ao Governo do Rio falava em “laicizar o cu”, e Alexandre Frota explicava que existe o “sexo anal técnico”. Pois é. Laicizado, talvez.

Questão idiomática

A palavra “cu”, usada por este colunista, citando a candidata, não é palavrão. É parte do idioma de Portugal. Dela derivam “cueca” e “recuar”.

A lei, só a lei

Uma reportagem de Patrícia Campos Mello, na Folha de S.Paulo, diz que empresas privadas compraram milhões de remessas de WhatsApp para fazer propaganda de Bolsonaro. A Justiça Eleitoral decidiu apurar se houve crime eleitoral, o que pode levar à cassação da candidatura Bolsonaro (é o que o PT pede). Houve abuso do poder econômico? Essa é a questão: o envio de WhatsApp pode ser legítimo, mas o pagamento por empresas privadas não é. Só são admitidas, nestas eleições, doações de pessoas físicas. Mas é questão de lei: se houve crime, qual a punição aplicável?

Agressão, não

A questão dos envios de WhatsApp está na Justiça, onde deve ser avaliada. Até lá, pode haver quantas discussões os dois lados quiserem. Mas é inadmissível o que está ocorrendo nas redes, com ataques pessoais e insultos à repórter Patrícia Campos Mello. É boa repórter, respeitável, correta, experiente. Pode eventualmente errar, claro; mas jamais de má fé.

Por falar no assunto

A questão das contribuições de campanha merece uma boa análise. Houve empresários que, dentro da lei, doaram grandes quantias (vinte deram mais R$ 1 milhão, sendo que um deles doou quase R$ 7 milhões). Mas haverá só doações legais nesta campanha? Seria o caso de investigar o total das despesas e verificar se as enormes verbas públicas destinadas à campanha, somadas às doações legais, foram suficientes para os gastos. Se não foram, de onde veio o restante do dinheiro das despesas?

Temer e o porto

A Polícia Federal, após pouco mais de um ano de investigações, decidiu indiciar o presidente da República, Michel Temer, pelas acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Temer, diz a Federal, teria recebido propina de duas empresas do setor portuário de Santos, a Rodrimar e a Libra, em troca de benefícios indevidos. É processo de longa duração e só será julgado após o fim do mandato de Temer.

O sítio que é dele

Mais um problema para Lula (embora pequeno diante de outros que enfrenta): foi multado pela Justiça de São Bernardo em R$ 1.000,00 por agir de má-fé. O caso, narrado pelos jornalistas Junior Carvalho e Raphael Rocha, do Diário do Grande ABC: a Prefeitura de São Bernardo embargou a obra de uma casa que Lula construía ao lado do sítio Los Fubangos – que tem desde antes de entrar na política. Lula pediu mandado de segurança, e o juiz José Carlos de França Carvalho Neto, da 1ª Vara da Fazenda Pública, não só o negou como impôs a multa. A defesa de Lula vai recorrer.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quinta, 11 de outubro de 2018

TCHAU, QUERIDOS

 

 
TCHAU, QUERIDOS

Cansado de tanto debate político? De tanta briga entre amigos, ou em família? Mas, vencedores ou vencidos, há um lado bom em todas as coisas.

Não é ainda amanhã, mas dentro de menos de três meses vai ser outro dia. Ninguém mais se lembrará (talvez sua própria família, que tem motivo para amá-lo) de quem é Eunício Oliveira. Deixam de existir piadas sobre Dilma, a menos que você, paciente, explique antes de quem se trata. E ela, bem menos ocupada, poderá talvez receber o Suplicy – acertou! o irmão do dono do bar. Poderemos passear pela bela São Luís sem lembrar que ali morava a família irreal do Maranhão, com um rei sem coroa (para exibir a rica tintura de seus cabelos), a primeira-filha e os filhos outros, todos mandando e muito. E o Juca? Juca não, Jucá! Não lembre. É melhor não.

Velhas histórias, dirão os jovens quando alguém falar de Marconi Perillo. Explique, nada é velho: é do tempo do Lindbergh Lindinho, do Édison Lobão, do Requião, do Chico Alencar, do Zeca do PT – isso! antes da grande destruição de dinossauros no Museu Nacional. É tão recente que até filhos de tradicionais políticos ficaram fora: a Cristiane Brasil, filha do Roberto Jefferson, o Picciani, filho do Picciani, a Danielle, filha do Eduardo Cunha, o filho do Sérgio Cabral. E o Wadih Damous, advogado de Lula? Todos tiveram seus eleitores, certamente tiveram sua importância no Brasil. Mas saber que o país não está pagando para eles é bem agradável.

À sombra das seringueiras

Foi o pior resultado de Marina desde que ela, qual cometa, decidiu, de quatro em quatro anos, aparecer e disputar a Presidência. Perdeu para o Cabo Daciolo, perdeu para João Amoêdo … vá lá, é do jogo. Mas é demais perder até para Henrique Meirelles!

Depois do vendaval 1

O problema de muitos dos que não se elegeram passa longe, claro, do salário pago pelos cofres públicos. Muitos dependiam da vitória eleitoral para manter o foro privilegiado, escapando aos processos em primeira instância – como, por exemplo, os movidos em Curitiba, base da Operação Lava Jato, julgados pelo juiz Sergio Moro. Quem não conseguiu se reeleger corre riscos a partir de 1º de janeiro, quando deixa o cargo que hoje ocupa.

Depois do vendaval 2

Há casos piores: quem ocupava cargo executivo e renunciou para se candidatar, sem êxito, já não tem foro privilegiado. Não há tempo para que um processo em segunda instância seja devolvido à primeira para decisão imediata. Mas uma operação policial com ordem de prisão temporária é a ameaça que se faz presente, com todo o aborrecimento e a repercussão que isso pode causar. Imagine um ex-governador sendo preso pela Federal!

Era do amigo, agora é dele

O coordenador da campanha petista no segundo turno é o ex-governador baiano Jaques Wagner. Foi confirmado em São Paulo, depois que Haddad viajou a Curitiba, para visitar Lula na prisão e obter a orientação sobre sua (sua?) campanha. Wagner tem uma nova estratégia de campanha. Ei-la:

“O Haddad chegou ao segundo turno como a substituição do Lula. Agora o Haddad do segundo turno é o Haddad”.

Agora só falta convocar Dilma Rousseff para explicar essa frase.

Já foi mas não é mais

Valeu a pena assistir às primeiras entrevistas de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional, depois de confirmados no segundo turno. A ambos foram submetidas afirmações de seus aliados:

Bolsonaro: as frases de seu vice, general Mourão, sobre Constituinte de notáveis, sem participação popular, e sobre o “autogolpe”.

Haddad: as recentíssimas declarações de José Dirceu, a quem Lula chamava de Capitão do Time, a respeito de o PT tomar o poder se não ganhasse as eleições.

Os dois responderam a mesma coisa: seus aliados se equivocaram.

Bolsonaro: “Faltou tato ao general. Se estamos disputando a eleição é porque acreditamos no voto popular e seremos escravos da Constituição”.

Haddad: “O ex-ministro não participa de minha campanha, não participará de meu Governo e eu discordo da formulação dessa frase. Para mim a democracia está sempre em primeiro lugar”.

Para Bolsonaro, desmentir o vice é coisa tranquila. Já para Haddad, não é nada tranquilo, sendo ele dirigente petista, opor-se a José Dirceu.

Reserve seu horário

Os debates do segundo turno começam amanhã, na Rede Bandeirantes, às 22h. Dia 14, o debate da Gazeta, às 19h30; dia 15, o da RedeTV, às 18h20. Os dois últimos são os da Record, dia 21, às 22h, e o da Globo, às 21h30 do dia 26. A partir da meia-noite do dia 26, encerra-se o prazo legal para debater na TV. Em todos os debates, há 50% do tempo para cada um.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo domingo, 07 de outubro de 2018

CRÔNICA DE UM PAÍS SEM DIVISÃO

 

 
CRÔNICA DE UM PAÍS SEM DIVISÃO

Depois de uma campanha feroz, o candidato republicano John McCain reconheceu a derrota diante de Barack Obama. Perguntaram-lhe como seria sua relação com o vitorioso, depois de tantas trocas de acusações. McCain explicou: “Até agora ele era meu adversário. Agora é meu presidente”.

Há quem tema que, depois de uma campanha especialmente agressiva, o Brasil do novo presidente seja uma casa dividida. Podem se tranquilizar: há Centrão em ambos os lados, os governadores, por mais oposicionistas, não vão romper com o Governo Federal, que é o dono das verbas. Há no Brasil certas coisas que são nossas – nossas coisas, cosas nostras. Nos tempos da ditadura, havia quem perguntasse quem dirigiria o país, no caso da vitória das guerrilhas. A melhor resposta que este jornalista ouviu: “Quem dirige, não sei. Mas o secretário-geral será o Marco Maciel”. Maciel, honesto, conservador, hábil, incansável, era especialista em acertar situações. Sem as outras virtudes de Maciel, nunca falta o pessoal do acochambramento.

O Brasil é uma Federação, mas não é: os dirigentes regionais não têm como sobreviver sem bom relacionamento com o Governo Federal. OK, nos últimos anos, houve exagero – digamos que até o cidadão comum tinha a impressão de que ocorria uma tremenda roubalheira,

Por isso o PT venera Lula na cadeia e os bolsonaristas chamam de “mito” seu ídolo. Lembrando Brecht, pobre do povo que precisa de heróis.

A frase como ela é

A citação é da peça Galileu Galilei, de Bertolt Brecht. Galileu, o astrônomo, é intimado pela Santa Inquisição a desmentir que a Terra girasse em torno do Sol. Galileu aceitou a ordem, para não ser torturado e morto, e se retratou. Um discípulo reclamou: “Pobre do povo que não tem heróis!” E Galileu o corrigiu: “Pobre do povo que precisa de heróis”. Aqui não os temos, mas há quem pense que temos e quebre o galho com eles.

Exemplo vivo

O governador Geraldo Alckmin, candidato do PSDB à Presidência da República, fez uma caminhada na sexta, em São Paulo. João Dória Jr., seu afilhado político, seu companheiro de partido, ex-prefeito da cidade, candidato tucano ao Governo, não se deu ao trabalho de comparecer. Não que Dória não tenha compromisso: tem, sim, e com ele mesmo. Quando Alckmin o lançou para prefeito, estilhaçou o PSDB paulistano, deixando de fora tucanos tradicionais como Andréa Matarazzo e Alberto Goldman. Tão logo se elegeu, Dória tentou se lançar à Presidência, ocupando justo a vaga de Alckmin, E, rompendo o acordo de Alckmin com seu vice, Márcio França, que daria à sua candidatura presidencial o apoio do PSB, saiu ele mesmo candidato ao Governo. Mas alguém acha mesmo que a radicalização da política passa mesmo pelos políticos?

O vencedor

Este colunista imagina saber quem será o vencedor das eleições de hoje. Mas resultado de eleição é parecido com chute a gol: um centímetro para baixo a bola bate na trave e entra, um centímetro para cima a bola bate na trave e sai. A frase de Parreira rendeu muita piada, mas ele tem razão: o gol é apenas um detalhe. Mas este colunista promete revelar os números assim que o TSE os confirmar. E promete dizer também se sua opinião era correta – claro que era. Quem dirá que não tinha a menor ideia do que acontecia?

A roubalheira

Informação oficial: as condenações da Lava Jato já atingem 2.036 anos de prisão. Claro, não é bem assim – tem gente condenadíssima que cumpre pena à beira-mar, em suas belas mansões, só faltando mesmo a tornozeleiras de grife; há quem tenha transformado a cela em sala de estar. E ninguém vai ficar a pena inteira na prisão: com bom comportamento, 1/6 da pena é suficiente (podendo ainda ser reduzida por leitura de livros, etc.)

No total, foram dadas 46 sentenças nos processos da Lava Jato, em que 140 pessoas foram condenadas por 215 crimes.

Outra ação

O Ministério Público Federal pediu agora a condenação de Lula e mais sete pessoas, acusados de corrupção e lavagem de dinheiro na compra de um terreno em São Paulo e de um apartamento em São Bernardo do Campo. De acordo com os procuradores federais, ambos foram-lhe dados pela Odebrecht, pessoalmente, a título de propina, em troca de oito contratos com a Petrobras que renderam ao PT R$ 75 milhões, para formação de uma reserva monetária que financiaria campanhas eleitorais. A parte do então presidente equivaleria, na época, a R$ 14 milhões.

Entre os demais atingidos pelo processo, figuram o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o ex-ministro Antônio Palocci – que agora, em sua delação premiada, faz pesadas acusações ao ex-presidente e colegas de partido. Não há prazo para que o juiz Sergio Moro decida sua sentença.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 03 de setembro de 2018

FINGEM TÃO COMPLETAMENTE

 

FINGEM TÃO COMPLETAMENTE

Lula finge que é candidato; finge que, já que a ordem dos fatores não altera o produto, é preso político, embora seja na verdade um político preso. Gleisi finge que é advogada de Lula, Haddad finge que é candidato a vice, embora louco para sair à Presidência como se Lula fosse. A Globo finge que não teve nada a ver com o regime militar e que não recebe quase nada de anúncios públicos. Marina finge que tem opiniões sobre os temas mais importantes, e finge que revela essas opiniões. Ciro, que foi ministro de Lula e colega de Governo de Meirelles, finge que é contra os dois. Finge também que é de esquerda desde criancinha, justo ele que implantou o Plano Real de Fernando Henrique e, antes, tinha sido da Arena Jovem.

Bolsonaro finge que é direita pura e dura, embora tenha declarado o voto em Lula em eleições anteriores. Manuela d’Ávila finge que apoia a chapa Lula-Haddad, embora torça para que Lula caia fora de uma vez e ela possa ser a vice de Haddad. Meirelles, que de 2003 para cá dirigiu por oito anos o Banco Central e foi o todo-poderoso ministro da Fazenda por dois anos e meio, finge que não tem culpa nenhuma pela situação atual do país.

Para todos, a mentira é uma verdade que não aconteceu.

No fundo, Geraldo Alckmin é o mais sincero dos candidatos. É político há muitos anos, mas se formou em Medicina com especialização em Anestesia. E, quando discursa ou é entrevistado, põe todos para dormir.

Pesquisa fresquinha

Esta foi a última pesquisa antes do início do horário eleitoral gratuito – que, como ensinava o professor e jornalista Oliveiros S. Ferreira, é o início da campanha real, e pode (ou não) modificar todo o quadro. Foi feita pelo IPESPE para a XP, que, empresa de investimentos, segue com cuidado o quadro eleitoral. Bolsonaro (no quadro sem Lula) é líder isolado, com 21% das intenções de voto, seguido por Haddad Apoiado por Lula (especificado assim na pesquisa) com 13%; Marina tem 10%, Ciro 10% e Alckmin 8%. Pela margem de erro (3,2%), Alckmin está tecnicamente empatado com Ciro e Marina, e Ciro e Marina com Haddad Apoiado por Lula.

Outros quadros

Quando o nome de Haddad não é associado a Lula, Bolsonaro sobe para 23%. Com Lula na pesquisa, ele é líder com 33%. Bolsonaro é o segundo.

Opinião do Dinheiro

Há poucos dias, houve palestra promovida por um grande banco, para clientes empresários, proferida por especialistas em mercado financeiro. Sua opinião sobre as eleições: acreditam que, mesmo com pouco tempo de TV, Bolsonaro irá para o segundo turno. Terá como adversário Alckmin, que deve crescer por dispor de quase tanto tempo de TV quanto os demais candidatos somados, ou o candidato indicado por Lula. Em ambos os casos, acreditam, Bolsonaro será derrotado, por ter o maior índice de rejeição, 57%, e que vem crescendo ao longo do tempo.

Isso vale, claro, se tudo correr normalmente e nada ocorrer que derrube um candidato ou transforme outro em herói.

Todos contra

Preste atenção: na TV, todos os candidatos procurarão ampliar a rejeição a Bolsonaro. Segundo se comenta, Alckmin tem o vídeo de Bolsonaro em que declara apoio a Lula numa eleição presidencial.

Pague, mas saiba

O levantamento é da Fundação Índigo de Políticas Públicas, com dados do Fundo Monetário Internacional, FMI: “Quanto os parlamentares ganham a mais que o povo?” A base da pesquisa é o salário básico do parlamentar, sem penduricalhos, em relação à renda média da população. São 21 países, em diferentes estágios de crescimento de renda, muito ou pouco populosos, nos mais variados tamanhos. O Brasil, como o caro leitor já terá imaginado, lidera o ranking de parlamentares mais bem pagos do grupo: cada um recebe em média o equivalente a pouco mais de 16 vezes a renda média da população. O segundo colocado é a África do Sul, com pouco menos de 14 vezes. Chile e México, ambos latino-americanos como o Brasil, pagam aos parlamentares o equivalente a nove vezes a renda média da população.

Os ricos

O Japão, a Alemanha, a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos estão no ranking. O Japão paga aos parlamentares o equivalente a cinco vezes a renda média da população – pouco menos de um terço do Brasil, em termos proporcionais. A Alemanha, pouco mais que o dobro. A Grã-Bretanha e a França pagam pouco mais que o dobro, mas menos que a Alemanha. Os Estados Unidos pagam aproximadamente três vezes a renda média da população, proporcionalmente 20% do Brasil. E eles são ricos.

Causa e efeito

Talvez sejam ricos por não desperdiçar o dinheiro dos contribuintes.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 20 de agosto de 2018

ME ENGANA QUE EU GOSTO - PATRIMÔNIO DE 7.987.921,57 OU 16.000.000,00?

 

 
ME ENGANA QUE EU GOSTO

A informação é dos advogados de Lula, ao registrar sua candidatura à Presidência, no dia 15: seus bens declarados somam R$ 7.987.921,57.

A informação é dos advogados de Lula, em 15 de maio, ao mencionar a quantia congelada cujo desbloqueio imediato solicitavam: R$ 16 milhões.
Claro que esses valores não envolvem o apartamento em Guarujá que não é dele, nem o sítio de Atibaia que não é dele. Mas a dúvida é outra: em que data a defesa de Lula usou o dado certo, do desbloqueio ou do registro?

Mas, para seu eleitor, tudo bem: se Lula entra nas pesquisas, lidera com 31% contra 20% de Bolsonaro. A pesquisa, primeira após o registro dos candidatos, foi feita para a XP Análise Política, ligada à XP Investimentos.

Só que Lula não será candidato – disso o próprio PT sabe, tanto que colocou Haddad de vice sabendo que ele deve sair para presidente no lugar de Lula, e deixou Manuela d’Ávila, do PCdoB, de fora, sabendo que ela deve ser vice. Sem Lula, Bolsonaro lidera com 23%; Marina é a segunda, com 11%. Depois vêm Alckmin (9%), Ciro (8%) e Haddad (7%). Quando contam ao bem informado eleitor que Haddad é o candidato de Lula, ele passa para 15%. Mas a maioria dos eleitores, 56%, acredita que Lula não será candidato (já 40% acham que ele poderá concorrer). Os eleitores de Haddad são os mais ansiosos para trocar de candidato: 75% acreditam que terão a oportunidade de votar no Lula original e escapar do Lula-fake.

Fica fora

Metade dos eleitores acha que Lula, condenado em segunda instância e preso, deveria ser proibido de concorrer. E 44% são favoráveis a que ele concorra, apesar da expressa proibição da Lei da Ficha Limpa. Por incrível que pareça, têm a mesma posição de Eduardo Cunha, deputado federal que perdeu o mandato e os direitos políticos e está também preso em Curitiba: declarou que Lula deveria poder concorrer (o que, claro, seria usado pelos advogados de Cunhapara pedir que fosse liberado, por equidade).

A hora das pesquisas

O Ibope divulga amanhã, segunda-feira, sua primeira pesquisa após o registro. O Datafolha já registrou sua pesquisa no TSE. A campanha começa a esquentar, mas uma definição só virá depois do início da TV.

Errar é humano

Engano parecido com o da equipe de Lula ocorreu na declaração de bens da presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, que se candidata a deputada. No caso, o valor de seus bens declarados em 2014 foi diluído pela falta de zeros. Gleisi informa que seu patrimônio total é de R$ 34 mil, incluindo um apartamento de R$ 111,00 e outro de R$ 24.550,00. Um deles, de acordo com a declaração antiga, é avaliado em R$ 1.110.113,16; o outro é de R$ 245.000,00. Errar é humano. E, quando isso contribui para que o patrimônio pareça pequeno, pode até servir para atrair mais votos.

Os mais ricos

De acordo com a declaração de bens de cada um, o candidato mais rico é o engenheiro (e ex-executivo de bancos) João Amoêdo, do Partido Novo. Seus bens somam R$ 425.066.485,46. O segundo é o engenheiro (e ex-executivo de bancos) Henrique Meirelles, do MDB, até recentemente ministro da Fazenda do presidente Michel Temer. Patrimônio declarado de Henrique Meirelles: R$ 377.496.700,70. Curiosidade: os vices dos dois candidatos mais ricos estão longe de ser pobres, mas seu patrimônio é de cerca de 1% do valor dos bens dos cabeças de chapa.

Os do meio

Seguem-se os outros candidatos, pela ordem de bens declarados: o terceiro mais rico é o escritor João Goulart Filho (PPL), filho do ex-presidente João Goulart, com R$ 8.591.035,79; Lula (PT), que aponta como ocupação “torneiro mecânico”, é o quarto candidato mais rico, com R$ R$ 7.987.921,57 – ver na nota Me engana que eu gosto os números de declaração anterior, pela qual seria o terceiro mais rico; quinto, Eymael (DC), empresário, com R$ 6.135.114,71; sexto, Álvaro Dias (Pode), R$ 2.889.933,32; sétimo, Jair Bolsonaro (PSL), que apresenta como ocupação declarada “membro das Forças Armadas”, com R$ 2.286.779,48; oitavo, Geraldo Alckmin (PSDB), que se apresenta como médico, com R$ 1.379.131,70; Ciro Gomes (PDT), advogado, R$ 1.695.203,15, é o nono; décimo, Marina Silva (Rede), historiadora, R$ 118.835,13.

Os mais pobres

A décima-primeira é Vera Lúcia (PSTU), ocupação declarada “outros”, R$ 20.000,00; décimo-segundo, Guilherme Boulos (PSOL), historiador, R$ 15.416,00; décimo-terceiro, deputado Cabo Daciolo (Patriota), nada.

Nada a ver

O patrimônio declarado de cada candidato nada tem a ver com posição nas pesquisas. Se tivesse, Meirelles e Amoêdo estariam ambos no páreo.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo domingo, 29 de julho de 2018

TODO SEM VICE. E PARA QUE VICE?

 

TODOS SEM VICE. E PARA QUE VICE?

Alckmin anunciou Josué Alencar como vice. Pagou alto para tê-lo. Foi obrigado a curvar-se diante de Valdemar Costa Neto. Mas valia a pena: vice que paga a própria campanha é joia rara. Mas não o teve: Josué desistiu. Alckmin está entre o paranaense Álvaro Dias, que ainda não o quis, Aldo Rebelo e “uma mulher do Nordeste”. Por que não Kátia Abreu? Ela, que era ruralista e virou ministra de Dilma, por que rejeitaria Alckmin?

Bolsonaro tentou Magno Malta, anunciou o general Augusto Heleno, anunciou o general Mourão, anunciou Janaína Pascoal e continua sem vice. Vai tentar Janaína de novo, mas o que ela defende não é o que ele defende. E daí? Alguém precisa preencher a vaga – por que não ela? Pensa ainda em Marcos Pontes – aquele que foi ao espaço com passagem comprada pelo Tesouro e, na volta, aposentou-se, para ganhar a vida falando da viagem.

Ciro, Marina, O Poste de Lula, nenhum tem vice (e não há sequer vices disputando o posto). Por que não aproveitar a oportunidade e extinguir esse cargo que, além de não servir para nada, exige palácios, seguranças, verbas imensas? Se o presidente viaja, não precisa de vice: hoje há ótimos meios de comunicação. Se por qualquer motivo estiver incapacitado para o cargo, pode ser substituído, sem custos, pelo presidente da Câmara, ou do Senado, ou do STF. Elimina-se a necessidade do Palácio do Jaburu, com toda a sua criadagem, mais a estrutura de mordomias. Chega de gastar o que é nosso!

Quem é quem

Imagine se Marcos Pontes, por exemplo, for o vice da chapa vitoriosa. Há alguns anos, o Governo brasileiro, numa iniciativa da NASA, pagou US$ 10 milhões para que um astronauta brasileiro participasse de um voo espacial americano. Pontes foi o escolhido e teve seus dias no espaço. O que se esperava é que Pontes transmitisse à equipe do programa espacial brasileiro sua experiência cósmica. Preferiu reformar-se. Transmissão de sua experiência à equipe do programa espacial brasileiro? Excluiu-se.

Sua Excelência, a TV

De acordo com a pesquisa IDEIA Big Data, para Veja, Bolsonaro só perderia hoje para Lula – e, como Lula não pode ser candidato, pela Lei da Ficha Limpa, Bolsonaro é o favorito. Mas todos olham com muita atenção para Alckmin: ele terá quase metade do horário eleitoral gratuito, enquanto Bolsonaro mal terá tempo de dizer “Meu nome é Jair”. Bolsonaro e outros candidatos tentam compensar essa desvantagem com o uso da Internet. OK, as redes sociais têm alguma força – mas não se comparam à TV. Há uma ótima ferramenta de WhatsApp que impressionou este colunista: permite enviar centenas de milhares de mensagens com índice zero de falhas. Todas as mensagens chegam a seu destino. É uma compensação – mas até agora a TV foi a principal arma. Bem usada, é decisiva. Mal usada, porém, é fatal.

Quem é quem

Antes de votar, conheça bem seu candidato. Zeina Latif, a brilhante economista-chefe da XP Investimentos, analisa dois candidatos que podem chegar ao segundo turno, Haddad e Bolsonaro, cujo pensamento sobre Estado e Economia é pouco conhecido. Zeina faz uma análise serena, sem paixões. Em Corrida maluca por Zeina Latif.

Agora vai

Juros do cartão de crédito caíram: eram de pouco mais de 300% ao ano, estão em pouco menos de 300% ao ano. De boa notícia, é o que temos.

Velha verdade

Do jornalista e escritor Ruy Castro: “Idoso tem direito a andar de graça em ônibus, pagar meia-entrada no teatro e o dobro do preço no plano de saúde”. Citado por Cláudio Humberto em Diário do Poder.

Yes, it’s Portuguese!

Cansado de pedir tuna fish quando quer sanduíche de atum? Ou chamar notícias falsas de fake news? De, para fazer compras, ter de entender o que significam off, ou sale, e descobrir que delivery é o mesmo que “entrega”?

É um problema antigo: Lamartine Babo já tratava disso na década de 30, na divertida Canção para inglês ver.

 

 

Jade, the Cat

Nossa analista sênior, a Gata Jade, está de volta, após merecidas férias, com a língua ainda mais afiada Em Com Bolsonaro o buraco é sempre mais embaixo.

Cultura de volta

Depois de muitos anos de índices baixos, a Rede Cultura volta a atrair o público. Mas o carro-chefe de suas atrações é diferente dos habituais shows e Roda Viva: o Programa Papo de Mãe está próximo de 5 pontos no Ibope, muito acima de Roda Viva. O programa é apresentado por suas criadoras, Mariana Kotscho e Roberta Manreza, de segunda a sexta, em dois horários: 11h45 e 17h45. Aos sábados, entra em horário único, às 11h30.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo domingo, 15 de julho de 2018

LOUCADEMIA DE POLÍTICA

 

LOUCADEMIA DE POLÍTICA

Quem já escolheu seu candidato à Presidência talvez tenha de mudar de ideia: candidatos fortes, de partidos fortes, com verba forte, não chegam lá. Lula, por pertencer ao bloco dos fichas sujas; Alckmin, por pertencer ao bloco dos sem votos. Eleitores ocultos, mas conhecidíssimos, terão papel importante na eleição, em troca de um papel importante no Governo se o seu candidato vencer (fora outro tipo de papel, cujo valor não depende do resultado). Não pense que as alianças têm lógica, exceto aquela que a gente imagina. Um dos eleitores ocultos, Valdemar Costa Neto, do PR, oscila entre Bolsonaro e o candidato de Lula. Valdemar Costa Neto dispõe de valioso trunfo: Josué Gomes da Silva, filho do vice de Lula. José Alencar, e dono da Coteminas. Ele tem condições de pagar o custo de sua campanha.

Alckmin, ex-governador de São Paulo, esperava aliados como o DEM, o PSB, PP, SD, PRB, até mesmo o MDB. Mas a má posição nas pesquisas o enfraquece. O MDB prefere até Meirelles, que também vai mal nos índices mas pode pagar a própria campanha, deixando que a verba eleitoral se destine aos demais candidatos. A situação muda se Alckmin for trocado por Dória. O PMDB não faz questão de ter o presidente, basta estar no Governo. É sábio: quem ajuda a ganhar eleição escolhe o lugar primeiro.

Tirando o MDB, os possíveis aliados de Alckmin podem apoiar Ciro. Enfim, seja qual for o vitorioso, não se sabe que tipo de política irá fazer.

Dupla personalidade

Um caso curioso é o do PSD, de Gilberto Kassab. Kassab é ministro de Temer. Seria normal apoiar o candidato do Governo, Meirelles, ao menos por enquanto. Mas Kassab fez acordo com Alckmin. E seu braço direito, Guilherme Afif, diz que também é candidato. Normal: Afif era vice de Alckmin, um dos líderes da oposição a Dilma, e ministro da própria Dilma.

A lei…

Pela Lei da Ficha Limpa, Lula não pode ser candidato, mesmo que seja libertado: foi condenado em segunda instância. Mas no Brasil nunca se sabe. Até já tiraram um mandato de presidente sem mexer em seus direitos políticos. De repente… é difícil, mas aqui nenhum absurdo é impossível. O PT iniciou há dias um movimento para registrar a candidatura de Lula, com atos espalhados pelo país. A campanha vai até 15 de agosto, quando o PT tentará registrá-lo. Caso a tentativa fracasse, haverá o Plano B.

…ora a lei

Mas o próprio Lula parece convencido de que não irá disputar. Vetou o apoio do PT a Ciro Gomes (que foi seu ministro e se propunha a fazer um Governo de esquerda, seja lá o que isso for), e deixou de sobreaviso dois fiéis entre os fiéis, Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, e Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, para se candidatarem caso seja preciso. Ao mesmo tempo, Wagner conversa com Josué Gomes da Silva em busca do apoio do PR. Josué parece interessado em ser vice: até já mudou o nome para “Josué Alencar”, para relembrar seu pai, que foi vice de Lula. E não se imagine que Wagner converse sem o aval de Lula: isso não ocorreria. Já outra informação ainda não foi confirmada: a de que Lula poderia aceitar Josué como candidato à Presidência, dando-lhe formalmente seu apoio.

Gleisi!!!

A presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffman, protestou contra a decisão judicial de proibir Lula de dar entrevistas. Disse que Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP foram autorizados a dar entrevistas, enquanto Lula foi proibido. Este colunista entende o que Gleisi quis dizer, mas acha que, por mau entendimento ou maldade, muita gente talvez interprete a sua frase como se ela estivesse fazendo comparações entre os três personagens.

O primeiro a desistir

Flávio Rocha, proprietário da Guararapes e das Lojas Riachuelo, tentou conseguir espaço para se candidatar. Seu projeto-base é atraente: pessoas físicas deixariam de declarar o imposto de renda, que seria cobrado a cada vez que depositassem ou retirassem dinheiro do banco. A sonegação estaria liquidada, e até os donos de dinheiro ilegal pagariam tributo. Já desistiu.

Paulo Rabello de Castro também não despertou as atenções, mas ainda é candidato pelo PSC. E há um candidato totalmente novo nessa campanha: João Amoedo, do Partido Novo. A grande novidade é que pretende reduzir o tamanho do Governo, limitando suas tarefas ao que for essencial.

A OAB e a ética

A Comissão Especial de Direito Penal Econômico da OAB/SP, que tem, entre outras, a missão de elaborar uma cartilha de recomendações sobre Advocacia e Lavagem de Dinheiro, acaba de reforçar sua equipe: nomeou para integrá-la a advogada Lilia Frankenthal, especialista em Direito Penal Econômico e Direito Empresarial. As recomendações da OAB/SP deverão englobar as diversas áreas do Direito e seu papel no combate à corrupção.

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 02 de julho de 2018

EU, ROBÔ. ELE, ROBÔ.

 

Aconteça o que acontecer no Supremo Tribunal Federal – o que inclui aquelas surpresas jurídicas com que já nos acostumamos – o ex-presidente Lula não deve ser candidato à Presidência: é barrado pela Lei da Ficha Limpa. Mas faz questão de manter a ficção de pé e sustentar a candidatura até que seja formalmente impugnada pelos tribunais. Neste momento entra em cena o Plano B, aquele que Lula e seus principais seguidores garantem que não existe: ele sai de cena e tenta transferir seus votos para um poste. O robô (já escolhido) fará o papel de clone de Lula: eu sou ele, ele sou eu.

O robô, diz Veja on-line, coluna Radar, é Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, derrotado no primeiro turno por João Dória quando tentou a reeleição. No horário de TV, Lula e Haddad se apresentarão, deixando claro que um é candidato-robô, só para cobrir a vaga do inelegível. Lula diz: “Eu, Lula, sou Haddad”. E Haddad, no melhor estilo dos antigos filmes de Tarzan (“Me Tarzan, you Jane”), responde: “Eu, Haddad, sou Lula”.

Haddad não é Lula, Lula não é Haddad (nem ele tem por si próprio tanta veneração quanto a que Haddad lhe dedica). Mas não faz mal: supõe-se que Haddad não faça com Lula o que Dilma fez, ao disputar a reeleição sem ceder a vaga para ele. E Haddad, um político menos afoito, não terá a ousadia de liderar o PT. Mesmo se fosse eleito, seria um robô de Lula.

Os bens da família

Afinal, a quanto monta o patrimônio da família de Lula? Aqui estão os números oficiais, expostos pelos advogados da família no inventário de Marisa Letícia, esposa do ex-presidente. No inventário não consta o apartamento triplex, que Lula sempre negou lhe pertencer; nem o sítio de Atibaia, que segundo o ex-presidente pertence a amigos que o convidam permanentemente para ali se hospedar e se comportar como se fosse dele. Os bens imóveis, de acordo com a lei, são avaliados pelo valor venal, que raramente coincide com o valor de mercado.

É muito, é pouco? Veja a íntegra do documento com o arrolamento dos bens a dividir, elaborado pelo escritório Teixeira, Martins Advogados, em Rol dos bens da família Lula da Silva. Ao fazer as contas, não esqueça que um presidente pode acumular mais bens do que alguém com o mesmo salário, pois suas despesas correm por conta do exercício do cargo. Sem raiva, sem ódio: faça sua análise.

Sem Tesouro, sem partido

O cientista político Jairo Marconi Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio, calcula que os atuais 35 partidos políticos brasileiros se transformem em uns 20, isso já no ano que vem. Motivo: para ter acesso ao Fundo Partidário (a caverna do Tesouro que explica por que há tantos partidos no país), a legenda terá de alcançar 1,5% dos votos para deputado federal. Esta campanha é curta; apesar de tantos políticos desmoralizados por escândalos de corrupção, muitos vão se reeleger porque são veteranos e seu nome é lembrado. O provável aumento de abstenções, brancos e nulos dificultará a tarefa de quem não é conhecido. E qual o interesse de muitos donos de partidos em mantê-los sem ter o Abre-te Sésamo da riqueza?

O papel da elite

Não, Zeina Latif não faz parte de grupos para quem a culpa de tudo é “da zelite”. É uma das mais respeitadas economistas da nova geração. E, exatamente por ser rigorosa em métodos e pesquisas, deve ser lida com atenção. Em excelente estudo publicado pela Análise XP, da XP Investimentos, Zeina Latif questiona a elite brasileira, mostrando as oportunidades que perdeu de liderar o país para o desenvolvimento. Não vale a pena resumir: o melhor é ler o texto (bem redigido, sem economês, do tamanho exato para informar e analisar. Pode ser lido rapidamente). Em  O papel da elite.

Pegue menos, pague mais

Lembra-se daquela história sem pé nem cabeça, de que a cobrança pelas bagagens iria baratear as passagens aéreas? Pois é: baratear não barateou, não. As passagens até subiram – e, além delas, o passageiro tem de pagar também a passagem de sua mala. Nesta semana, a Gol aumentou em até 67% o preço para enviar a primeira mala (eram R$ 30, foram para R$ 50). Isso caso o passageiro opte pelo sistema mais barato, de reservar o envio pela Internet. Se levar a mala para despacho no embarque, o preço foi de R$ 60 para R$ 100. A propósito, as passagens subiram mais 7,9%.

É bom mas não pode

Um assíduo leitor desta coluna sugere que se economize, modernizando a administração: cada região metropolitana teria administração única, sem disputas internas; o número de prefeitos, secretários, vereadores, assessores cairia drasticamente. Mas, com menos cargos, como os partidos viveriam?

 


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 25 de junho de 2018

LULA, TEJE PRESO OU TEJE SOLTO?

 

O próximo capítulo da novela “Prisão com Lula é górpi” estava marcado para esta terça. A Segunda Turma do Supremo julgaria pedido de suspensão da condenação de Lula e sua libertação imediata. Julgaria: o mesmo ministro Édson Fachin que pedira a votação mandou suspendê-la. Motivo: o TRF-4 de Porto Alegre encaminhara o processo ao STJ, e o STF não deveria interferir no tema. Dever, não deveria, mas já tinha interferido, lançando dúvidas em todo o país.

Ou melhor, mais dúvidas. Seria julgada só a libertação ou também a proibição de se candidatar? Dúvidas havia até na defesa de Lula: o advogado Sepúlveda Pertence, em Brasília, pedira ao Supremo que, se não anulasse a sentença, transferisse Lula para prisão domiciliar; o advogado Cristiano Zanin, em São Paulo, dizia não ser aceitável que Lula continuasse preso, por considerá-lo vítima de injustiça.

Alguma previsão lógica? Se no Brasil nem o passado é previsível, imagine o futuro. Mesmo que houvesse certeza sobre a votação, não haveria sobre o seu alcance. Mesmo derrotada a tese da anulação da sentença que o condenou, alguma concessão – como prisão domiciliar – já representaria uma vitória política para Lula.

Se o pedido fosse integralmente rejeitado, sem concessões, ficaria mais claro ainda que Lula não poderia disputar eleições. Mas as turmas do STF são formadas por cinco ministros, há muitas decisões por 3×2, e na Segunda Turma estão pessoas que já foram muito ligadas a Lula ou ao PT. Isso não significa que seu pedido seria aceito – nem essa certeza existe – mas que seria possível algum tipo de atenuante da punição. Previsível é apenas a posição de Lula: continuará dizendo que é candidato, até que seu registro seja negado.

“Eu continuo sendo presodenciável!”

O adversário 1

Quem será o candidato de Lula à Presidência? Muita gente pensa que, depois da falta de gentileza de Dilma, que fez questão de se candidatar à reeleição em vez de ceder a vez a Lula, ele preferiria escolher algum nome de outro partido, que não pudesse disputar com ele o comando do PT. Pode ser; e, afinal, Jaques Wagner, fiel entre os fiéis, tem conversado muito com Ciro Gomes, o que não faria sem a aprovação de Lula. Mas as coisas são mais complexas: se Ciro ganha, passa a liderar toda a ala bolivariana da política brasileira, e Lula fica em segundo plano. O PT vai conversar com Ciro até o último instante; mas seu candidato deve ser do partido, alguém abertamente fiel a Lula e que não tenha ambições futuras. Haddad, talvez.

O adversário 2

O candidato tucano Geraldo Alckmin continua parado: não teve novos apoios, não subiu nas pesquisas, não se tornou empolgante. Mas, apesar de tudo, pode chegar ao segundo turno. E, se tiver a sorte de disputar contra radicais, pode ganhar a eleição. Meirelles, emparedado (se for apresentado como candidato do Governo, é ruim; se for apresentado como oposição, é pior), não tem onde buscar apoio e é ainda menos empolgante do que Alckmin. A tendência da maior parte do MDB – não unânime, já que haverá emedebistas dando apoio de Ciro Gomes a Bolsonaro – é aliar-se a Alckmin. O mesmo ocorre com o DEM, o PSD, e os partidos do Centrão, PR, PTB, PP, eventualmente o PRB. Isso dá voto? Não, claro; mas dá tempo de TV e ajuda no essencial trabalho de acompanhar de perto a campanha e as apurações. Urnas venezuelanas têm seus mistérios.

Os líderes

Há ainda Bolsonaro. Líder nas pesquisas, em ascensão, falta-lhe a base partidária. Seu tempo de TV é minúsculo. Pode chegar ao segundo turno (como Ciro também pode), mas precisará demonstrar sua força eleitoral. Por enquanto, vai bem; quando a campanha começar, como fica, sem TV?

Marina é empolgante, pessoalmente, mas não tem base. Como um cometa, aparece de quatro em quatro anos, brilha e some. Falta-lhe o trabalho de base, a ser realizado no intervalo das eleições. E Ciro vai bem, mas não resiste à tentação de ofender pessoas e grupos, até que se perca.

Os alicerces

Quem começa a trabalhar as bases, não para essas eleições, mas para o futuro, são dois grupos: o Partido Novo (que tem candidato, João Amoedo, mas cuja força virá da proposta de um governo baseado no mérito, e não só em acordos políticos); e o RenovaBR, que busca formar líderes políticos para o futuro, independentemente de sua ideologia. O RenovaBR dá cursos de seis meses, mais ajuda de custo, a 133 bolsistas que se comprometam com combate à corrupção, sustentabilidade e gestão fiscal responsável.

O RenovaBR foi criado pelo empresário Eduardo Mufarej (Tarpon Investimentos), com apoio de Nizan Guanaes, Armínio Fraga, Luciano Huck e outros. É trabalho bem montado: utiliza uma plataforma Canvas, da Instructure, já testada por sólidas instituições de ensino, num ambiente virtual de aprendizado que abrange todo o país. Os dois projetos podem funcionar – o que seria ótimo para o Brasil, num futuro não muito distante.

Como dizia o poeta

O PT pensa em Dilma para o Governo de Minas, em vez de Pimentel. Como disse Drummond, “quer ir para Minas, Minas não há mais”.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo quarta, 20 de junho de 2018

QUANTO MAIS CARO, MELHOR

 

Não é por falta de recursos que o Brasil deixará de eleger os melhores políticos que o dinheiro pode comprar. E, caro leitor, deixe de se queixar dos seus bolsos vazios: cada centavo entregue aos partidos é dinheiro seu.

É dinheiro seu a verba destinada pelo Tesouro à campanha eleitoral, R$ 1,7 bilhão; é dinheiro seu o Fundo Partidário que sai do Orçamento da União, de R$ 888,7 milhões. É dinheiro seu a verba total de R$ 2,5 bilhões. É um dos motivos que nos levam a ter 35 partidos: nós pagamos a conta.

O partido que mais recebe verba de campanha é o MDB, R$ 234 milhões. O segundo é o PT, R$ 212 milhões. Segue-se o PSDB, R$ 186 milhões; depois, o PP, R$ 131 milhões; PSB, R$ 118 milhões; PR, R$ 113 milhões; PSD, R$ 112 milhões; DEM, R$ 89 milhões; PRB, R$ 67 milhões; PTB, R$ 62 milhões; PDT, R$ 61,5 milhões; SD, R$ 40 milhões; Podemos, R$ 36 milhões; PSC, R$ 36 milhões; PCdoB, R$ 30 milhões; PPS, R$ 29 milhões; PV, R$ 24 milhões; PSOL, R$ 21 milhões; Pros, R$ 21 milhões; PHS, R$ 18 milhões; Avante, R$ 12 milhões; Rede, R$ 10 milhões; Patriota, R$ 10 milhões; PSL, R$ 9 milhões; PTC, 6 milhões; PRP, R$ 5,5 milhões; DC (ex-PSDC), R$ 4 milhões; PMN, R$ 4 milhões; PRTB, R$ 3,8 milhões; PSTU, PCB, PCO, PPL, Novo, PMB, R$ 980 mil cada um. Dá tranquilamente para fazer campanhas confortáveis. O povo brasileiro é muito generoso com seus políticos.

Conservar, conservar

Renovação? Sempre há alguma. Mas 70% dos senadores enrolados com a Lava Jato – 17 em 24 – tentam se reeleger. Dos 54 senadores eleitos em 2010, 35 já anunciaram que vão buscar mais oito anos. Alguns tiveram mau desempenho e são pouco conhecidos. E há Aécio e Jucá, conhecidíssimos.

Do show ao Senado

Parte da renovação deve vir de gente famosa: o apresentador José Luiz Datena sai para o Senado pelo DEM de São Paulo (na última pesquisa, está acima de Eduardo Suplicy); Jorge Kajuru sai pelo PRP de Goiás; Frankie Aguiar, “o cãozinho dos teclados”, ex-deputado federal por São Paulo e vice-prefeito de São Bernardo, disputa o Senado pelo PRB do Piauí.

Aconteceu

O sobrinho do respeitado jornalista Oswaldo Mendes foi roubado em São Paulo, na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta, há duas semanas. Nesta segunda, o aparelho foi localizado no Diretório Municipal do PT em Belém do Pará. Levou 12 dias para percorrer 2.898 km.

Fachada da sede do diretório municipal do PT, no bairro da Campina, em Belém

O mercado e seus favoritos

O XP Investimentos, ligado ao grupo Itaú, fez há 15 dias uma sondagem sobre o que 204 investidores institucionais pensam a respeito das eleições e das perspectivas para a Bolsa, os juros e o dólar, conforme o vitorioso.

É uma amostra significativa: as instituições consultadas gerem mais de 50% dos recursos disponíveis no setor.

Os resultados: 48% acreditam que Jair Bolsonaro vencerá as eleições. O segundo turno, acreditam 44%, será Bolsonaro x Ciro Gomes. Efeitos para a economia da eleição de Bolsonaro: 45% acreditam em desvalorização da moeda; 44% acham que a Selic, a taxa básica de juros, hoje em 6,5% ao ano, esteja acima de 8% no final de 2019.

Outros candidatos

Vitórias de Ciro Gomes ou Fernando Haddad seriam ruins para o Índice Bovespa; Álvaro Dias seria positivo para o índice; Marina Silva significaria estabilidade. O candidato que provoca melhores expectativas é Geraldo Alckmin: 97% acreditam que provocará a melhora do Índice Bovespa, e 73% acham que o câmbio ficará abaixo de R$ 3,40.

O custo da saúde

O Senado já reuniu 27 assinaturas, o suficiente para implementar a CPI sobre as relações da ANS, Associação Nacional da Saúde Suplementar, e as operadoras de planos de saúde. A suspeita é de que a ANS aja mais como aliada do que como reguladora das operadoras de planos – o que explicaria como, em 14 anos seguidos, concedeu reajustes de mensalidades superiores à inflação. E é coisa pesada: neste ano, os planos coletivos (na prática, são os únicos que existem, já que planos individuais, mesmo controlados por uma agência generosa, têm algum controle de aumentos) desandaram. Um assíduo leitor desta coluna envia documento comprovando que o aumento sofrido foi de 19,97% – contra uma inflação inferior a 3%. Uma CPI tem poderes para analisar os seguidos aumentos superiores (e muito) à inflação.

A política da bala

A Câmara dos Deputados deve estar sitiada por um inimigo poderoso: só neste ano, entre janeiro e maio, gastou R$ 1,5 milhão para comprar 29 mil balas .40 de treinamento de pistolas e 1.500 cartuchos calibre 12 de alto impacto, especialmente produzidos para derrubar quem for alvejado.


Carlos Brickmann - Chumbo Gordo segunda, 18 de junho de 2018

SAÚDE, O DIREITO DE DEVER

 

Para que serve a ANS, “a agência reguladora” dos planos de saúde? Dá para responder com números: nos últimos 14 anos, o aumento sempre foi superior à inflação. De 2000 a 2017, o plano de saúde subiu 374,1%. Deu de 7×1 na inflação, que chegou a 220%. Antes de 2000, as operadoras eram quem decidia o valor do aumento. E o cliente apanhava tanto quanto hoje: não teve vantagem nenhuma com a intervenção da agência oficial.

Resultados? Dois milhões de clientes suspenderam seus convênios ou seguros – agora, sobrecarregam o SUS. A operação dos planos de saúde é tão lucrativa que gigantes multinacionais compraram empresas nacionais do ramo. E a benevolência da ANS chegou a despertar de seu profundo sono até o Senado, que planeja uma CPI sobre as relações ANS-operadoras. Um terço dos senadores, 27, já concordou com a CPI. Será interessante descobrir por que, todos os anos, o custo tem de subir mais que a inflação.

Será a hora de descobrir para que servem as agências reguladoras. A do transporte aéreo, Anac, foi a inventora da cobrança da bagagem, “para baratear as passagens”. Alguém já usou as passagens mais baratas?

Jornalista Lula

Lula deve comentar a Copa para a TVT, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Escreverá o comentário na prisão e o enviará ao jornalista José Trajano. “Não estou brincando, não”, diz Trajano. “Lula será comentarista da TVT. Vai escrever suas impressões, e as pomos na tela entre aspas”.

O Basta! De Neguinho

O sambista Neguinho da Beija-Flor, 68 anos, 41 de escola de samba, vai embora do Brasil: cansado da violência no Rio, cansado dos altos impostos (dos quais não vê retorno), vai no fim do ano para Braga, Portugal, cidade de origem da família da esposa. Quer que a filha mais nova, de nove anos, viva em lugar mais seguro. Neguinho é atração da escola cujo patrono é o poderoso Aniz Abrahão, homem-forte de Nilópolis. Se Neguinho sente a insegurança a ponto de ir embora, prometendo só voltar nos carnavais, imaginemos a situação a que a violência levou a Cidade Maravilhosa.

Cadê o centro?

Comecemos pela parte positiva: apesar de tudo, Geraldo Alckmin tem boas chances de chegar ao segundo turno, apesar da penúria de seus índices nas pesquisas. Com a multiplicação do número de candidatos, basta que Alckmin cresça em São Paulo, sua base eleitoral, onde foi governador por quatro vezes, para que chegue lá. No segundo turno, seu adversário deve ser um radical de esquerda ou direita, e ele deve receber o voto da maioria que é contra radicalismos. Agora, a parte ruim: Alckmin está indo mal até em São Paulo, o que o deixa em risco. Álvaro Dias come seus votos do Paraná para o Sul. Candidatos como Flávio Rocha e Josué Alencar atingem sua base. Com as intenções de voto se arrastando pelo chão, como atrair outros partidos de centro para formar a maioria? Alckmin tenta duas saídas.

A primeira: um problema

Alckmin nomeou Marconi Perillo, ex-governador de Goiás, articulador de sua candidatura. Problema: o candidato de Perillo ao Governo goiano, o vice José Elinton, tem no máximo 1/3 das intenções de voto de Ronaldo Caiado, DEM, o favorito. Perillo deixa de ser o chefe político de Goiás e se contenta em eleger-se senador. Tem processo na primeira instância da Justiça Federal, movido pela Procuradoria Geral da República, referente a delações de ex-executivos da Odebrecht, segundo as quais teria solicitado à empresa R$ 50 milhões para a campanha de 2014 (e obtido R$ 8 milhões). Alckmin não tem até agora qualquer vínculo conhecido com a Odebrecht.

A segunda: uma aposta

Alckmin quer também que o apresentador José Luiz Datena (DEM) seja candidato ao Senado, na chapa de João Dória. Datena é conhecido e tem facilidade de comunicação. Mas talvez prefira outra opção, como disse a O Estado de S. Paulo: “Se pintar a possibilidade de ser candidato à Presidência, talvez eu tente ajudar o meu País. Quero ser candidato para ajudar o povo. É mais uma decisão do partido do que minha. Depende das articulações, do resultado das pesquisas.” Alckmin quer, atraindo Datena, conseguir o apoio do DEM para ser presidente. Corre o risco de repetir o episódio de Dória: ganhar mais um adversário em disputa de seu espaço.

Sabe ou não?

Todos os países americanos decidiram votar em bloco em EUA, Canadá e México para a Copa de 2026. A CBF votou no Marrocos. O coronel Nunes, da CBF, votou errado ou esqueceu em quem votar? Você decide.


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