Zen, com três meses de vida
Zen era um vira lata inteligente, ligado, atento, brincalhão. Apesar de poucos meses de idade já dava cangapés, pulos “discostas” e para frente, para pegar baratas, ratos, escorpiões, víboras, lagartixas e outros insetos que o instinto animal repulsa.
Nascido de uma ninhada de seis cãezinhos, sendo dois machos e quatro fêmeas, Zen já trouxe consigo o faro e o fado de Tibicuera, o índio retratado magistralmente pelo romancista Érico Veríssimo no livro “As Aventuras de Tibicuera”, rejeitado pelo pajé que viu nele um sujeito fraco, desmilinguido, uma assombração, sem nenhuma sustança para o enfrentamento da vida diária na floresta íngreme do Brasil cabralino, que exigia astúcia, disposição, firmeza, força, coragem e espírito aventureiro.
Qual “Mila” de Carlos Heitor Cony, Zen conquistou alguns “fumus fidalgos”, como o “Dom Casmurro” de Machado de Assis. Enquanto viveu, era um Lorde, um Rei Salomão numa liteira inundada de sol e transportado por súditos imaginários.
Para sua felicidade ou infelicidade, Zen não teve o mesmo destino dos irmãos que foram doados a famílias desleixadas. Ficou em casa sendo tratado como um aristocrata.
Para sua desdita – era mês de março -, início de chuvas tropicais propícias para o plantio e cultivo do milharal, legumes, outras frutas e verduras. Numa manhã chuvosa e fria, mais fria que o normal, Zen amanheceu meio macambúzio, olho esquerdo mais claro que o direito, menos disposto a brincar.
Levado a uma Clínica Veterinária com urgência, não deu outro o diagnóstico: Cinomose, doença altamente contagiosa provocada pelo vírus CDV (Canine Distemper Vírus).
Dali em diante começava-lhe o martírio: tiques nervosos, convulsões, paralisias, mioclonias, sintomas jamais vistos num animal pela dona: Diarreia constante, febre alta, falta de apetite, tremor nas pernas, gritos progressivos e, pior, gemidos provocados como se estivesse sentindo uma dor cerebral sem fim, dia e noite.
Depois de suportar esse sofrimento por mais de dois meses, apesar da recomendação da veterinária para o sacrifício, pois estatisticamente a chance de sobrevida é de apenas 15% e com sequelas irrecuperáveis, Zen se encantou sendo segurado por quatro mãos. Apesar de seu corpo parecer uma borracha, o semblante sorria de felicidades por não ter sido abandonado em vida em momento desesperador, pela sua dona!
Zen se foi cedo, mas nos deixou uma grande lição de vida: Amar enquanto há vida para ser vivida, porque depois de morto só há a escuridão infinita! Não chore por mim depois de morto – parecia dizer! Os olhos fechados, o mundo escurece para sempre!