Em suas mais de quatro décadas de carreira, Xuxa se dirigiu sobretudo aos “baixinhos”. Mas, fenômeno pop gigantesco, acertou o Brasil inteiro. Depois, conquistou um público numeroso em outros países também. Em 27 de março, ela completará 60 anos mostrando que sua presença ainda é poderosa na televisão, no cinema, no streaming e até em alto-mar. E não se trata de força de expressão. Ela passará a data a bordo de um cruzeiro que zarpará de Santos em 24 de março. O roteiro será orientado pela meteorologia: a embarcação vai navegar na “direção do Sol”. O Navio da Xuxa só atracará de volta em Santos dia 27, o do aniversário. Os muitos shows, projeções e confraternizações com os fãs a bordo serão transmitidos pelo Multishow num especial. Em 4 de março, o Canal Viva relançará 17 episódios do “Xou da Xuxa”. A Rainha também é tema de uma série documental dirigida por Pedro Bial para o Globoplay, ainda sem data para estrear. E estrela “Tarã”, uma ficção para o Disney+, e o reality “Caravana das drags”, para o Prime Video da Amazon. No meio do ano, chegará aos cinemas o longa “Uma fada veio me visitar”, adaptado de um livro de Thalita Rebouças. Nesta conversa de quase duas horas, ela fez um balanço da carreira, falou das agruras do envelhecimento, de Marlene Mattos, do desejo de ser avó e de política. Tudo com a espontaneidade e o peito aberto que conserva intocados desde os primórdios.
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Fazer 60 anos
Vejo este momento por dois aspectos. Um, de mulher realizada com o homem que eu amo. Chegar aos 60 com um cara que te ama como o Ju (Junno Andrade) me ama faz a minha vida íntima ser redondinha. Minha filha é independente e me manda mensagem todos os dias, de manhã e de noite e sempre envia uma foto em que está sorrindo. Estou no auge que um ser humano pode alcançar como amante, como mulher, como mãe. Mas olho minha pele enrugadinha e é um outro lado da idade. O colágeno não existe. Minha pele é castigada do sol, que continuo pegando, porque adoro. Por mais que eu use os melhores cremes, me olho no espelho e não me vejo como antes. Ju fica dizendo que sou linda e gostosa. Mas eu trabalho com a imagem desde jovem e sei que não é igual. É difícil. Me olho e falo: nunca mais terei aquele corpo, aquela cinturinha.
A dor da cobrança nas redes
As pessoas me cobram: “A Xuxa tá velha”. Não fico magoada. Eu tenho espelho em casa. Eu sei. Eu entendo elas. Eu sei me olhar com o olhar delas. Mas meus fãs de antigamente também envelheceram. E não querem se ver desse jeito. Muitas dessas pessoas, pelo visto, não têm maturidade para curtir essa fase. Moramos num país onde “velha” vem como um negócio pesado. Colocam uma coisa ruim ao lado da experiência que a maturidade traz. Eu sou uma privilegiada, se você puser a minha história ao lado das de tantas outras mulheres. Não sofri preconceitos ao longo da minha carreira. E continuo trabalhando aos 60.
O documentário
Pedro Bial é meu amigo. Uma das primeiras grandes entrevistas dele na Globo foi comigo. Ele me mostrou as imagens. Foi em 86/87. Ele foi até a nossa casa em Coroa Grande (na Zona Litorânea do Rio, onde ela cresceu). Eu era garota e dizia assim: “Quero ser uma velhinha chocante”. Eu disse a ele que não queria mesmo fazer algo chapa branca, tipo “Xuxa, eu te amo. E eu me amo”. Ele me botou em saias justas. Reencontrei o ator de “Amor estranho amor” (Marcelo Ribeiro. O filme é de em 1982, quando ele era criança). E a Marlene, com quem não falava havia 15 anos. Eu acho que ela foi meio armada, achando que era “meu documentário, feito pelo meu amigo Pedro”. Já chegou de um jeito assim: “Se vocês acham que vou pedir desculpas, não vou”. Ela não mudou nada. Isso me deixou chocada. Eu mudo quase diariamente.
Vacinação
Com a música “Ilariê” a gente já conseguiu que 96% das crianças brasileiras se vacinassem. Campanha de vacinação é um negócio assim que dá uma alegria... Agora estamos lá em baixo. Como pode? Eu que me ofereci para ser embaixadora da Campanha de Vacinação do Ministério da Saúde. Procurei descobrir o telefone da Janja (a primeira-dama) e me pus à disposição. Eu fiz isso com todos os ex-presidentes do Brasil. Menos com aquele que chamo de tudo, menos de gente (ela se refere a Jair Bolsonaro). Quero voltar a trabalhar ao lado do Zé Gotinha. Mostrar a carteirinha de vacinação da minha filha. Já pedi autorização a ela, porque Sasha é discreta e não gosta de aparições públicas. Ela topou.
Bolsonaro
Nunca fui petista, pelo contrário. Mas fui contra esse homem desde o início. Mas antes eu era contra o genocida. Só que depois que o Bozo falou aquilo de “pintou um clima” para se referir a meninas adolescentes, tive muito nojo. Queria muito fazer uma campanha chamada “Pintou um crime”. Contra velhos babões que olham para crianças de 12, 13, 14 anos. Como eu fui olhada quando era criança. Crianças dessa idade não se prostituem, são exploradas. A gente tem que mostrar que isso está muito errado. Não podem passar a mão na cabeça. No mínimo, ele deveria ter chamado a polícia, se achou que havia algo errado ali.
A morte da irmã
Esses dias, perdi minha irmã (a pedagoga Mara Meneghel morreu de embolia pulmonar em Barcelona, onde vivia). Ela era saudável, uma pessoa de grande coração, que ajudava todo mundo. Estava com viagem marcada para o Brasil. Acordou com um resfriado e acabou assim. É um grande aviso para as pessoas não fazerem o que eu fiz: eu estava sem falar com ela. Foi por divergência política. Ela ficava me mandando uns vídeos com fake news. Falei para parar. Não parou e eu bloqueei ela. Não tem amanhã garantido, nem para quem está com saúde.
Falar de amor
Eu era uma pessoa incapaz de falar de afeto. Nunca disse ao Ayrton (Senna, seu ex-namorado) que gostava dele. Eu era uma idiota. Não falava o que sentia. Hoje falo isso toda hora. Ao Ju, digo o dia todo o quanto amo ele.
Filha e netos
Sasha é um orgulho. Se formou em moda, tem sucesso no caminho dela. Queria muito ser avó. Eu pressiono ela. Mando vídeos de crianças fofas, brinco e sempre encerro a mensagem dizendo: “Sem pressão”. Ela ri.
Cuidados
Tenho muita energia. Se subir na esteira, ando cinco, seis quilômetros e só paro porque tenho um ossinho quebrado no pé que dói. Mas não sinto cansaço. Me cuido, sou vegana, nunca fumei, tenho intolerância ao álcool, faço reposição hormonal. Está tudo certo. Não tenho vontade de fazer plástica no rosto, fiz na barriga há pouco tempo, mas não ficou como eu imaginava, tanquinho.
‘Xou da xuxa’ no Viva
Estou receosa com a estreia dos programas antigos. A gente fazia brincadeiras naquela época que hoje seriam justamente consideradas erradas. Estou com medo de como as pessoas vão receber, de virar meme. Eu falei coisas que hoje não falaria.
Xuxa — Foto: Blad Meneghel
Marlene Mattos, Pedro Bial e Xuxa durante as gravações da série documental sobre a apresentadora para o Globoplay — Foto: Divulgação
Marlene Mattos e Xuxa gravam série documental sobre a apresentadora para o Globoplay — Foto: Divulgação