Quem está acostumado a ler as minhas tortas e mal traçadas linhas, já se acostumou e talvez até já conheça (sem nunca tê-la visto) minha falecida Avó. Dona Raimunda Buretama, véia de cabelos nas ventas, que tinha o hábito de mascar fumo, beber umas talagadas, e quase sempre mijar em pé. Mas, sempre foi mulher fêmea! E como gostava de deixar meu avô “derrotado” e dizendo já chega. É bom não esquecer de dizer que, nas casas dos interiores brasileiros, os quartos, também chamados de camarinhas, não tinham muitas portas. Daí a gente escutar até um peido, quanto mais a nhanhação de macho e fêmea.
Assim, não me custa nada (nem Luiz Berto vai pagar hora-extra por conta disso) contar mais algumas peripécias da minha amada véia.
Café da Vovó coado no saco – gostoso e especial
Assim como tem alguém que sempre consegue fazer uma coisa melhor do que outro, terá sempre aquele que conta uma piada com mais graça e provoca mais risos. Hoje, os “adjetivistas” estão chamando essas pessoas de “especialistas”. Especialista nisso, especialista naquilo. Já existe até especialista em corrupção, mas, claro, esse não é o nosso assunto de hoje.
Hoje o assunto é café. E minha avó, se viva fosse, estaria “adjetivada” de “especialista em fazer café”. O café feito pela minha avó, curava até coceira na sola do pé.
Com uma lata dependurada no telhado da casa por um arame, e sempre pronta para ferver a água do café (nunca tivemos a felicidade de ver Vovó lavando aquela lata), ela atiçava lenha no fogão; em seguida punha um pedaço de rapadura dentro da água fervente e depois adicionava o pó de café. Deixava ferver, coava e servia direto na caneca.
O café era sempre torrado e moído em casa – e nessa particularidade ela era sim, “especialista”.
Por que, o café “da tarde” é sempre mais gostoso do que o café da manhã?
E olhem que o café da manhã tem até o nome estrangeiro de breakfeast – arre égua!
Vovó e a vassourinha
O sol frio (ou não tão quente), era a partir das 16 horas, depois de uma boa madorna (soneca) pós almoço. Vovó picava fumo para o cachimbo de barro, pigarreava, pegava um pouco da água aparada da chuva, punha numa gamela e com meia cuia molhava o local onde varreria, para amainar um pouco a poeira que levantaria. Ela sabia disso – e evitava ficar constipada (gripada).
Fogo no cachimbo e duas ou três boas cachimbadas. Pegava uma das duas vassourinhas e saía varrendo e varrendo a frente da casa que, em alguns lugares funciona também como “sala de estar”, onde os visitantes sentam em tamboretes e desfiam as novidades ou os interesses pessoais.
– Cumpade se abanque aí só um pôquim, enquanto eu boto a água do café pra frever!
O bom café é o serviço top da casa. Café de visita é diferente de café vespertino da família – esse é completado com beijus, bolos, pães e broas de goma.
Vassourinhas prontas para varrer o quintal e a frente da casa
Vovó e os netos
Vovó teve duas filhas. Foram as únicas. Maria, a mais velha e Jordina (minha falecida mãe), as mais nova. Maria, casada com Antônio, tinha o hábito de ter dois filhos por ano. Um em janeiro e outro em novembro. Teve 14 filhos, desses, 9 mulheres. Jordina, casada com Alfredo, teve apenas 6, desses apenas uma mulher.
Era gente tanto quanto a torcida do Bahia em tardes de domingos na Fonte Nova. Era gente além da conta – que sempre foi necessário Vovó fazer mais de 20 beijus, cozinhar mais de 2 quilos de carne, cortar mais de 20 pedaços de rapadura e fazer sempre um pote grande de aluá. Ainda bem que, na hora de trabalhar, todos pegavam firme.
Uma avó rodeada de netos – era assim conosco
Quando acontecia um surto de conjuntivite, era uma tristeza só. Os meninos eram orientados (pela avó, claro) a urinar dentro de uma garrafa durante a noite, para lavar os olhos remelentos ao acordar. Já as meninas, ficava difícil acertar a boquinha da garrafa. Nunca soubemos como elas faziam.
Sarampo, bexiga, coqueluche ou gripe braba nunca saíram da casa da vovó, definitivamente. Sempre havia alguém gripado e catarrento.
Zé Luciano, o mais velho filho de Maria, tinha problemas de asma e sofria muito quando gripava – era catarro além da conta. Pois, quando Zé Luciano ficava sufocado com o catarro, era a minha santa Avó quem levava a boca na narina dele e sugava o catarro para desobstruir.
Dá para entender por que gosto tanto da minha Avó?