À sombra de uma mangueira, no quintal da casa de minha avó, vejo o rio passar. Um filete de água, apenas, mas o rio mais bonito que conheço. Igual a ele, nenhum outro. Nem o rio da aldeia de Pessoa. Todos os rios dos Poetas são bonitos, mas o da minha Aldeia é mais. À frente, ele se juntará a outros rios e estes a outros e outros até desembarcarem, todos de mãos dadas, ainda doces, no salgado do mar. Chove e a chuva fininha tenta encher o bucho do rio mas o bucho é grande e a chuva, pouca. Os pingos são apenas gotas minguadas em seu ventre. Servem apenas para molhar as pedras, pintadas de verde pelo lodo. Minha avó se preocupa que eu não vá à margem, que eu não escorregue. Não vou. Consola-me o distante olhar. Penso no mistério dos peixes quando, à tarde, o sol se afoga em suas poucas águas. É o rio parindo sossego e alegrando a pupila de meus versos. No dia seguinte, de sóis e claras manhãs, tento decifrar a correnteza e imaginar a viagem das águas. E eu, pequenino diante do mundo, diante do rio, também pequenino, respiro a vida daquela água limpinha que corre para o mar.