VERÃO
Ferreira Gullar
Este fevereiro azul
como a chama da paixão
nascido com a morte certa
com prevista duração
deflagra suas manhãs
sobre as montanhas e o mar
com o desatino de tudo
que está para se acabar.
A carne de fevereiro
tem o sabor suicida
de coisa que está vivendo
vivendo mas já perdida.
Mas como tudo que vive
não desiste de viver,
fevereiro não desiste:
vai morrer, não quer morrer.
E a luta de resistência
se trava em todo lugar:
por cima dos edifícios
por sobre as águas do mar.
O vento que empurra a tarde
arrasta a fera ferida,
rasga-lhe o corpo de nuvens,
dessangra-a sobre a Avenida
Vieira Souto e o Arpoador
numa ampla hemorragia.
Suja de sangue as montanhas,
tinge as águas da baía.
E nesse esquartejamento
a que outros chamam verão,
fevereiro ainda em agonia
resiste mordendo o chão.
Sim, fevereiro resiste
como uma fera ferida.
E essa esperança doida
que é o próprio nome da vida.
Vai morrer, não quer morrer.
Se apega a tudo que existe:
na areia, no mar, na relva,
no meu coração – resiste.