Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Caindo na Gandaia terça, 30 de maio de 2017

VELHO SOFRE...

VELHO SOFRE...

Raimundo Floriano

(Escrito no ano de 2016)

 

O símbolo de nós

 

                        Calma no Brasil! Não vou ficar aqui choramingando, queixando-me da vida. Agradeço a Deus por ter-me dado a graça de, entrado na octogenariedade, ora estar neste micro escrevendo livros, narrando episódios, divulgando a MPB, orientando jovens músicos, enfim, não deixando passar em branco o tempo que Ele está me concedendo.

 

                        Apenas quero deixar registradas para vocês algumas situações, por vezes até constrangedoras, das quais tenho sido partícipe nesta minha teimosia de continuar a existir.

 

                        Todo cabra acima dos 75 acha que sou mais velho do que ele. E é um tal de “senhor”, “Seu Raimundo”, “cuidado”, “deixe, que eu carrego”. Tem deles que até me cedem a cadeira onde estão sentados, fazendo-se de mais jovens. Já as mulheres, não! Essas sempre me dão! Me dão a exata idade que eu realmente tenho! Se bem que algumas se fazem de espertinhas, para aplicarem o golpe do joão-sem-braço. E foi o que aconteceu certo dia num supermercado.

 

                        Estava eu na fila especial, sinalizada com a placa acima, quando chega uma garota nova e esbelta, que se postou bem à minha frente. Não me contive e a ela me dirigi:

 

                        – Perguntar ofende?

                        – Depende, por quê?

                        – Por que foi que a senhora furou a fila, me passando pra trás?

                        – Porque eu estou gestante!

                        – Mas gravidez não é doença. Aliás, é até sinal de saúde. Não querendo ofendê-la, a senhora não tem barriga de grávida não.

                        Aí, ela abriu a bolsa, tirou um papel e quase o esfregou em minha cara:

                        – Pois fique o senhor sabendo, que estou grávida mesmo! No duro!  Aqui está o resultado do exame! E agora, posso passar na frente?

               No ato, levantei minha camisa e mostrei-lhe meu tórax cortado, desde a cruz dos peitos até o pé do embigo, todo costurado, esparadrapado e mercurocromado, devido a recentes pontes cardíacas que recebera:

                        – E agora, a senhora poderia passar pra trás?

 

                        Tem umas que se fazem de desentendidas, para nos deixarem muito em apuros ou gozarem com a cara da gente. Como ocorreu na semana passada, quando fui comprar um pacote de fraldas para o chá de bebê do meu professor de malhação. Cheguei à farmácia e dirigi-me a uma jovem balconista:

 

                        – Perguntar ofende?

                        – De jeito algum!

                        – Aqui tem fralda pra vender?

                        – Tem sim, senhor! E muita!

                        – Pois me traga um pacote tamanho M!

 

                        A moça sumiu. Logo depois, apareceu-me com um pacote de quase meio metro de largura. Surpreendi-me com o que vi e perguntei:

 

                        – O que é isso?

 

                        Ela me respondeu falando baixo. Como escuto pouco, pareceu-me ter ouvido “calma, viado”, por isso usei do meu recurso para que as pessoas falem alto comigo: perguntei quase gritando:

 

                        – O QUÊ?

 

                        E ela:

 

                        – FRALDA GERIÁTRICA! PRA VELHO! É PRO SENHOR? O SENHOR NÃO É VELHO?

 

                        – Desculpe-me, expressei-me mal. As fraldas que eu quero são para uma criança que ainda vai nascer!

 

                        Resolvido!

 

                        Parentes e pessoas amigas questionam-me, até com reprimendas, pelo fato de que eu não usava aparelho auditivo. Minha justificativa é uma só: ninguém conversa com velho. Com os jovens, consigo comunicar-me através dessa admirável ferramenta que é a Internet. Tenho quase 1.000 amigos no finado Orkut, substituído pelo Facebook, a maioria na faixa etária entre 15 e 30 anos. E como eles me “ouvem”, me leem, me acatam! Mas, pessoalmente, jovens só se dirigem a velho para perguntarem as horas, algum endereço e até fazerem graça junto aos comparsas. Como agora verão vocês.

 

                     Devido a padecer de severa artrose na região sacroilíaca esquerda, minha perna daquele lado é um centímetro e meio menor que a direita. Isso me faz manquejar um pouco, de forma quase imperceptível, em discreto gingado para equilibrar a marcha.

 

                        Shopping não é o espaço mais indicado para macróbios darem o ar de sua graça, pois é o recanto da meninada bem-nutrida, que gosta de ficar por lá, comprando, passeando, paquerando, enfim, fazendo tudo a que tem direito. Devido a meu vício principal, a leitura, ainda ando por aquelas bandas, vez que lá se encontram grandes livrarias.

 

                      Pois eu ia descuidadamente andando pelo ParkShopping, em busca da Livraria Saraiva, quando tive que atravessar uma Praça de Alimentação. De longe, vislumbrei um bando de adolescentes, meninos e meninas, sentados à mesa, na maior algazarra. Ao me avistarem, começaram eles a cochichar. Ao passar por eles, um, o mais afoito, levantou-se e me interpelou, sob os risinhos dos demais:

 

                        – Ô coroa, você é gay?

                        – Que eu saiba, não! – Respondi.

                        – Então, por que é que você anda rebolando desse jeito?  É pra se mostrar?

 

                        Comecei a contar-lhe sobre o desnível no comprimento de minhas pernas, mas ele interrompeu-me:

 

                        – Você poderia muito bem usar uma bengala, pra disfarçar esse desmunhecamento que a gente acabou de ver! Essas rebanadas não ficam bem prum homem na sua idade! Compre uma bengala!

 

                        Aliás, o avelhentante assunto “bengala” é por demais recorrente. Escreveu não leu, e ele vem à tona.

 

                        Aqui em Brasília, existem vagas exclusivas nos estacionamentos das quadras comerciais e dos shoppings. Para idosos, sinalizadas com a ilustração acima, e, para deficientes, assinaladas com um boneco sentado em cadeira de rodas. Desejando utilizá-las, o motorista deve exibir, bem visível no para-brisa, a devida autorização, fornecida pelo DETRAN.

 

                      Num sábado qualquer, ao chegar à Casa Ortopédica, notei o Galaxie 70 de meu amigo Pachequinho, deficiente físico juramentado, consciente e com documentação em dia, estacionado na vaga de idoso. Raciocinando que o Pachequinho assim agira por engano, resolvi estacionar na vaga de deficiente, ficando, assim, elas por elas.

 

                        Qual não foi minha surpresa ao puxar o freio de mão e surgir, do nada, um policial motocicletado, parar a meu lado e, com toda a urbanidade possível, solicitar:

 

                        – O senhor quer fazer o favor de retirar a viatura da vaga?

 

                        Argumentei, mostrando a autorização do DETRAN no para-brisa e explicando que meu amigo Pachequinho, deficiente, tomara minha vaga e, por isso, eu estava ocupando a dele. O guarda insistiu:

 

                        – Por acaso, o senhor também é deficiente?

 

                        Tentei explicar-lhe o problema do desnível existente em minhas pernas, as cruciais dores produzidas pela severa artrose na região sacroilíaca, mas ele não quis conversa:

 

                        – Se o senhor é também deficiente, cadê sua bengala?

 

                        Retirei a viatura e me mandei, observando, pelo retrovisor, se ele estava fazendo alguma anotação para a respectiva multa. Felizmente, não!

 

                        Doutra vez, foi na fila prioritária do Banco do Brasil, eu caracterizado de Xerife, uniforme de passeio, quepe escuro e óculos ray-ban para combinar, estrela no peito, tal como vocês a seguir verão:

  

                        Repentinamente... Bem, como Aspirante a Cordelista, deixem-me contar-lhes o restante do episódio em sextilhas, por ser o estilo com o qual mais eu gosto de versejar:

 

No Banco, assim de gente

Chega nervosa atendente

E com rispidez me fala:

– Sai daí, seu enganoso

Esta fila é de idoso

Cadê a sua bengala?

 

Setenta e nove a fazer

Esforço-me pra manter

A minha fama de mau

Olhei para a carrancuda

Abaixei minha bermuda

E amostrei-lhe o bilau

 


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