Quando adotou o veganismo, há quatro anos, Colleen Corbett, bartender de Tampa, na Flórida, achou que ia morrer de fome ou ser forçada a comer carne quando viajasse ao exterior, mas, na verdade, foi o início de suas aventuras exploratórias nas cidades dedicadas à prática que despontaram ao redor do mundo. "Ajudou a mudar meus critérios de escolha; antes eu pensava só nas paisagens, e agora me vejo indo para cidades que antes não me interessariam, e só por causa do cenário vegano. Como Varsóvia", contou ela entre a ida ao Peru em dezembro e uma viagem a Dublin em março.
Embora os veganos e vegetarianos sejam minoria nos EUA, o número de interessados em reduzir o consumo de carne é cada vez maior, geralmente por motivos ambientais, já que a agropecuária produz um volume significativo de gás metano, extremamente nocivo para o clima.
"No âmbito coletivo, estamos muito mais conscientes do impacto planetário da alimentação do que há cinco anos. Com as pessoas adotando uma dieta menos sacrificante para o planeta, o setor de viagens naturalmente está reagindo", explica Justin Francis, um dos fundadores e CEO da Responsible Travel, agência de turismo voltada para a sustentabilidade que viu a procura pelos itinerários veganos quadruplicar na última década.
Preferências vegetais
A dieta vegana consiste exclusivamente em alimentos de base vegetal, excluindo não só qualquer tipo de carne como derivados animais, como ovos, laticínios e mel.
É difícil dizer quantos veganos há nos EUA. Uma pesquisa feita em 2019 pela Ipsos Retail Performance revelou que 9,7 milhões se classificaram assim, quando 15 anos antes eram apenas 300 mil. Por outro lado, a enquete de 2018 da Gallup mostrou que os 5% que se disseram vegetarianos e os 3% de veganos representaram pouca mudança em relação aos números de 2012.
Muitos satisfazem as necessidades carnívoras com carne "falsa" de marcas como a Beyond Meat e a Impossible Foods. Segundo a ONG Good Food Institute, que promove proteínas alternativas, 2020 foi um ano recorde de investimentos no setor: US$ 3,1 bilhões, mais que o triplo do US$ 1 bilhão de 2019. "Nunca houve uma demanda tão grande pela alta cozinha à base de plantas", diz Joan Roca, fundador e CEO da Essentialist, empresa de planejamento de viagens por adesão, em referência ao Eleven Madison Park, restaurante aclamado de Nova York que adotou o veganismo no ano passado. Ele prevê um crescimento da gastronomia ambientalmente consciente em 2022.
Hospedagem vegana
Os hotéis também estão apostando no segmento, com a criação de cardápios veganos e investimento na decoração.
Entre as novidades gastronômicas estão os restaurantes dos hotéis Aloft, da rede Marriott Bonvoy – que recentemente incluíram itens veganos e vegetarianos no café da manhã de mais de 150 filiais norte-americanas – e os exclusivos Hotéis Peninsula, que lançaram uma nova iniciativa de bem-estar em março que inclui pratos à base de legumes e verduras e aromaterapia para melhorar o sono.
Desde 2017, quando contratou a chef vegana Leslie Durso, o Four Seasons Resort Punta Mita, no México, vem acomodando um número cada vez maior de dietas diferenciadas. Hoje, ela oferece mais de 200 itens veganos e cria pratos baseados nas alergias e restrições alimentares dos hóspedes. "Em vez de lidar com essas situações meio que na base do improviso, oferecemos um espaço seguro para o hóspede poder relaxar sabendo que suas necessidades serão supridas", afirma ela por e-mail.
Mas o cardápio não é o único aspecto do setor de produtos de origem não animal em que os hotéis apostam: os quartos também agora oferecem mimos e decoração à base vegetal.
Em Mykonos, na Grécia, o Koukoumi Hotel foi inaugurado em 2020 com um restaurante vegano, um spa que só usa óleos vegetais para massagem e colchão de fibra de coco nos quartos. Nos Emirados Árabes Unidos, o Emirates Palace Abu Dhabi, de 349 quartos, tem planos de inaugurar dois quartos veganos em fevereiro com frigobar e serviço de quarto na linha.
A tendência de muitos hotéis veganos novos é a exclusividade – como é o caso do all-inclusive The House of Aia, em Playa del Carmen, no México, no qual a comida é vegana (com a possibilidade de adições não veganas) e os móveis não incluem o uso de couro e penas (diária do quarto duplo a partir de US$ 900).
O veganismo também ganhou mais espaço no Anse Chastanet Resort, em Santa Lúcia, com a inauguração de um restaurante especializado, há quatro anos. O chef oferece aulas de pratos crioulos rastafári, todos veganos. As aulas de chocolate rendem barrinhas vegetais e a cervejaria local utiliza só frutas e mandioca em seus produtos.
Karolin Troubetzkoy, uma das proprietárias do resort, comparou a oferta do veganismo com o funcionamento de base ecológica. "Apenas uma porcentagem dos hóspedes gosta de checar; com o veganismo é a mesma coisa. É um número pequeno de pessoas interessadas no restaurante, mas tende a crescer. Outro dia tivemos aqui até um casamento vegano para 24 pessoas."
Batata frita no jantar?
Para o viajante que não quer sair à caça de cada refeição, os agentes de viagens e operadoras veganos oferecem a possibilidade de manter uma dieta vegana e ainda comer bem, principalmente no exterior.
No ano passado, a Responsible Travel incluiu quase mil novos roteiros como parte de seu compromisso de ser "voltada para a natureza", que inclui não só a preservação da vida selvagem e dos habitats, mas também proteção e apoio até 2030.
Entre eles estão dez dias na Etiópia (a partir de cerca de US$ 2.300 sem a parte aérea), sete dias de caminhadas pelos vulcões da Guatemala (a partir de cerca de US$ 1.360) e oito dias de exploração na neve da Áustria (a partir de cerca de US$ 1.160). "Acho que ainda nesta década veremos as empresas de viagens não só melhorarem as opções veganas, mas se empenharem pessoalmente em oferecer a melhor comida e as experiências mais fantásticas", opina Francis, da Responsible Travel.
Brighde Reed e Sebastien Ranger se decepcionaram com o prato caro de macarrão ao sugo e a falta de leite de soja no bufê de hotéis caros – e essas experiências os ajudaram a montar a World Vegan Travel, que oferece desde um safári em Ruanda até hospedagem em mansões da Toscana. "Quando a hospedagem é de três dias para 20 pessoas, o hotel se empenha muito mais do que se fosse para uma só", reconhece Reed.
Para Donna Zeigfinger, dona da Green Earth Travel e uma das fundadoras do encontro sobre turismo vegano promovido on-line até 30 de janeiro, a dieta se popularizou muito desde que ela começou a organizar esse tipo de viagem, há 30 anos. "Tem países que comecei a visitar nos anos 80 e nunca imaginei que pudessem se especializar nesse nicho e, no entanto, hoje estão entre os melhores do segmento, tipo Espanha e França. Aliás, tinha até uma piada: se você aparecesse na fronteira francesa se dizendo vegano, os caras não deixavam entrar."
Zeigfinger explica que, no caso do cliente vegano, avisa os hotéis e pede que troquem toda a roupa de cama. Para Heidi Prescott, cliente e viajante assídua de navios de North Potomac, Maryland, a notificação sempre resultava em uma carta do pessoal da cozinha pedindo uma reunião. "Sempre odiei esse tipo de conversa com o chef. Evitava ao máximo", confessa Prescott.
Paul Tully, vegano e CEO da Better Safaris, organiza viagens sustentáveis para veganos à África, continente em que garante ser muito fácil seguir a dieta. "Por incrível que pareça, as companhias aéreas é que estão demorando a adotar a opção, com muitas investindo ainda em comida sem graça e praticamente zero escolha para os veganos", diz por e-mail.
Destinos receptivos
Os destinos, por outro lado, estão mais que dispostos a alardear suas credenciais veganas. O órgão de turismo da Virgínia diz que o visitante passa, em média, cinco minutos navegando nas páginas relacionadas a conteúdo vegano/vegetariano em seu site oficial, o Virginia.org, quase dois minutos a mais do que o tempo que gasta com informações gerais.
Em janeiro, a feira mundial Expo 2020 Dubai organizou o que chamou de "primeiro festival gastronômico vegano do Oriente Médio". A operadora Vegan Travel Asia, da VegVoyages, está planejando para setembro um evento semelhante para a região do Himalaia, a ser realizado no Nepal e no Butão, com painéis de discussão, aulas de cozinha e uma Vila Vegana com mais de cem expositores.
A cidade grande sempre foi refúgio para os veganos. A Happycow, plataforma digital que lista opções, coloca Londres como a melhor do mundo, com mais de 150 restaurantes, seguida por Nova York, Berlim, Los Angeles e Toronto. Apesar disso, o veganismo está se tornando mais acessível nas áreas rurais – Argyll, no oeste da Escócia, tem uma nova "trilha" que inclui cafés e pousadas – e em cidades pequenas como Boise, em Idaho, onde coexistem um food truck vegano, um restaurante de "soul food", um estúdio de tatuagem e um tour gastronômico.
Essa última alternativa, aliás, já está presente de Greenville, na Carolina do Sul, a Scottsdale, no Arizona, como forma de introduzir o visitante às delícias locais. Em Tel Aviv, a Eager Tourist começou a oferecer passeios às feiras livres, às fazendas e aos restaurantes em 2019. "Para falar a verdade, é mais interessante do que a versão não vegana. Na minha humilde opinião, o que o israelense consegue fazer com os legumes e verduras ninguém mais faz", elogia Ross Belfer, um dos sócios da empresa, que é norte-americano, mas vive em Israel.