Uma grande rivalidade entre dois times de futebol precisa ser recheada de partidas históricas, mas tem a cobertura de grandes causos fora das quatro linhas. O clássico entre Flamengo e Vasco, que completa 100 anos em 2023, é um desses. É uma grande gama de episódios, personagens, que ajudaram a construir a mística em torno do duelo. Confira sete passagens que ilustram por que o Clássico dos Milhões é um dos de maior rivalidade no Brasil.
O mais querido do Brasil
Quatro anos depois da primeira partida entre Flamengo e Vasco, os dois times se enfrentaram numa disputa que seria definidora de um dos rivais. Era 1927 e o Jornal do Brasil, ao lado de uma marca de água mineral da época, decidiu eleger o time mais querido do Brasil. Os votos precisavam ser escritos no rótulo da água mineral e entregues na redação do jornal.
Rubro-negros e vascaínos foram os que mais se engajaram. Reza a lenda que a colônia portuguesa mobilizou recursos para comprar o maior número de garrafas de água mineral possíveis. Os rubro-negros resolveram sabotar a estratégia vascaína: se disfarçaram de torcedores do time da Colina, recolheram parte dos votos que eram direcionados para o cruz-maltino e o jogaram no lixo.
No fim das contas, quem venceu a eleição foi o Flamengo, que passou a ostentar a alcunha de "time mais querido do Brasil". A frase pegou e ajudou a fama a se tornar realidade, com o rubro-negro sendo a equipe com mais torcedores do país.
Título de concurso de 1927 está até hoje escrita na sede do Flamengo — Foto: Jorge William
O lado do Maracanã
Em 1950, o Maracanã seria inaugurado e passaria a ser a casa do futebol carioca. Mas havia uma questão aberta: em que lado do estádio as torcidas ficariam? A questão fazia diferença, uma vez que todas preferiam ficar no lado das arquibancadas onde fazia sombra nos jogos que começavam à tarde, à direita das tribunas de imprensa.
O Flamengo já tinha a maior torcida àquela altura, influência para fazer valer sua vontade, mas não teve como: ficou definido que quem vencesse o Campeonato Carioca daquele ano teria o direito de escolher o lado em que sua torcida ficaria no Maracanã. Deu Vasco e, daquela conquista até 2013, sempre que o Vasco jogou no Maracanã, sua torcida ficou no mesmo lado.
O vice-campeão foi o América, mas nem por isso o time teve o direito de ficar com o outro lado. Os rubro-negros fizeram do lado esquerdo das tribunas do Maracanã seu lugar cativo até hoje.
Jogo do Vasco no Maracanã na década de 1950 — Foto: Arquivo
Na calada da noite
Uma das transferências que mais chocaram o futebol brasileiro foi a de Bebeto para o Vasco, em 1989. Ele era o melhor jogador do Flamengo, clube que o havia revelado e que o tratava como sucessor de Zico.
Diante disso, durante a competição, os dirigentes vascaínos começaram a agir nos bastidores, aproveitando a entrada que tinham na CBF - Jorge Salgado, hoje presidente vascaíno, era dirigente da entidade.
Depois de 28 dias de negociação, convenceram Bebeto. O jogador foi para seleção como ídolo do Flamengo e voltou da Copa América como reforço do cruz-maltino.
No primeiro clássico pelo Vasco, contra o Flamengo, em 1989, Bebeto perdeu e foi expulso — Foto: Arquivo O Globo
Torcida casada
Em 1998, o Vasco vivia a melhor fase de sua história. Havia sido campeão da Libertadores no ano do centenário e se preparava para a disputa do Mundial Interclubes contra o Real Madrid.
Até que torcedores do Flamengo tiveram a ideia de fundar uma torcida, a Fla-Madrid. Em tempos bem anteriores às redes sociais, a iniciativa viralizou o quanto pode, com camisas sendo produzidas.
Na manhã em que o Vasco foi derrotado pelo Real Madrid, centenas de torcedores da Fla-Madrid comemoraram o resultado pelas ruas de Copacabana.
Torcedores do Flamengo fazem a festa com a derrota do Vasco para o Real Madrid — Foto: Cezar Loureiro
Meu malvado favorito
Um dos maiores responsáveis por inflamar a rivalidade entre Vasco e Flamengo foi Eurico Miranda, por décadas vice-presidente de futebol e presidente do cruz-maltino.
Eurico fazia questão de provocar o rubro-negro e seus torcedores não deixavam por menos: por anos o dirigente foi o vascaíno mais xingado nos clássicos entre os times, mais do que qualquer jogador em campo.
Em 2000, apareceu na Gávea, levado por torcedores, um troféu feito em homenagem ao dirigente vascaíno. Tratava-se de uma corneta e na placa Eurico Miranda era lembrado da perda dos dois títulos mundiais, em 1998 e 2000, e dos Cariocas de 1999 e 2000.
Troféu feito especialmente para Eurico Miranda na sede do Flamengo, na Gávea — Foto: Ivo Gonzales
Festa na porta da casa
Depois de emplacar vice-campeonato mundial, do Torneio Rio-São Paulo e do Carioca, o Vasco foi à forra no segundo semestre de 2000. O time foi campeão brasileiro e da Mercosul.
Arte — Foto: Arte
Na volta de São Paulo, onde venceu o Palmeiras por 4 a 3, a equipe desembarcou no Santos Dumont e logo em seguida começou carreata em cima do carro do corpo de bombeiros.
O destino era São Januário, mas a carreata sofreu um desvio na rota. O caminhão foi para o outro lado e fez questão de passar bem em frente à sede do Flamengo, na Gávea.
Torcedores vascaínos provocam rubro-negros após título da Libertadores — Foto: Luís Alvarenga
Homenagem da discórdia
Em fevereiro de 2019, dez jovens jogadores do Flamengo morreram, vítimas de um incêndio no alojamento onde dormiam no Ninho do Urubu.
A tragédia abalou o país e Vasco resolveu fazer uma homenagem: jogaria a partida seguinte com uma bandeira do Flamengo estampada no uniforme, passando por cima de uma rivalidade histórica.
A iniciativa deixou alguns conselheiros de Vasco insatisfeitos. Houve protestos nas redes sociais a respeito. Acabou que a condolência foi feita e a camisa passou a ser exposta no museu rubro-negro, como forma de retribuir a iniciativa três anos atrás.