Um momento histórico. Uma vitória da ciência. Após 312 dias do início da pandemia da covid-19, a vacinação contra a doença começou no Brasil. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira pessoa no país a ser imunizada fora dos estudos clínicos, em ação realizada pelo governo de São Paulo. Ela recebeu uma dose da CoronaVac, momentos depois de a vacina, produzida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac, ter o uso emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão regulador concedeu a mesma autorização para a vacina da Oxford/Astrazeneca, a pedido da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A vacinação da enfermeira foi presenciada pelo governador João Doria (PSDB), que aproveitou para alfinetar o presidente Jair Bolsonaro, afirmando que aquele era o “Dia V” contra o negacionismo e “contra quem gosta do cheiro da morte”.
O governo de São Paulo informou que os vacinados no primeiro dia de aplicação do imunizante no estado são profissionais da saúde e indígenas — a primeira a receber a dose foi Vanuzia Costa Santos, da Aldeia Filhos da Terra. Pouco mais de 100 pessoas já receberam a CoronaVac até agora, no Complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O evento conduzido por Doria foi realizado no mesmo local, ao mesmo tempo em que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, concedia entrevista coletiva para anunciar que a vacinação nacional contra o novo coronavírus será iniciada na próxima quarta-feira. “Hoje, repito, é o dia V. É o dia da vacina. É o dia da vitória. É o dia da verdade. É o dia da vida”, afirmou o governador paulista, ao lado da enfermeira Mônica Calazans.
Com a voz embargada, o tucano disse que o momento era “uma conquista que fortalece milhões de pessoas que defendem a vida”. Foi uma clara alusão ao discurso de Bolsonaro, que insiste em minimizar a gravidade da pandemia e em recomendar um “tratamento precoce” contra a covid-19, com o uso de cloroquina e de outros medicamentos sem comprovação científica no Brasil e no mundo.
Doria comemorou a decisão da Anvisa como uma vitória da ciência e dedicou o “Dia V” aos 209 mil mortos pela covid-19 e familiares, assim como aos mais de 8 milhões de pessoas que contraíram o vírus e, principalmente, aqueles que estão lutando para vencer a doença. Ele destacou que a CoronVac é a “vacina do Brasil” e só existe porque “o governo de São Paulo agiu”.
O tucano também fez questão de homenagear os profissionais de saúde que trabalham na linha de frente dos hospitais, como médicos e enfermeiras, e também aos pesquisadores que trabalharam no desenvolvimento da CoronaVac. “A vitória de hoje vai salvar milhões”, frisou o tucano, acrescentando que aquele momento era uma homenagem para as pessoas que valorizam a vida. “Ao contrário daqueles que, nos últimos 11 meses, flertaram com a morte”, emendou.
O governador também informou ter determinado que 4,636 milhões de doses da CoronaVac, que foram importadas da China e estão armazenadas no Butantan, fossem entregues ao Ministério da Saúde para distribuição entre os estados e o Distrito Federal. Segundo o governador, São Paulo ficará com as doses determinadas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI): 1.357.940 doses da vacina vão permanecer no estado para imunizar os profissionais de saúde.
Doria ainda pediu para que o governo federal pare de recomendar cloroquina para a população. “Eu espero que o comportamento do Ministério da Saúde seja pela vida e peço também que pare de distribuir e recomendar o uso da cloroquina. É criminoso fazer crer a população, sobretudo a mais desvalida, mais simples e mais humilde, que a cloroquina salva. A cloroquina não salva e, em alguns casos, cloroquina mata”, disse.
Ao ser questionado sobre as críticas do ministro Eduardo Pazuello (leia abaixo) de que ele teria dado um golpe de marketing com antecipação da vacinação no estado, o governador rebateu que o governo federal deu “golpe de morte, com seu negacionismo, com suas mentiras”.
“Não tenham medo”Primeira pessoa a ser imunizada contra a covid-19 no país, a enfermeira Mônica Calazans, 54 anos, atua na linha de frente do combate à doença mesmo fazendo parte do grupo de risco do novo coronavírus: ela é obesa, hipertensa e diabética. Apesar de se enquadrar nessas condições, em maio do ano passado, no auge da primeira onda da doença, ela se inscreveu para vagas de contrato por tempo determinado (CTD), escolhendo trabalhar no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, no epicentro do combate à pandemia. Após receber a CoronaVac, ela pediu que os brasileiros acreditem nas vacinas. “Falo com segurança e propriedade, não tenham medo. Quantas pessoas têm receio de chegar próximas às outras? Eu tomo ônibus, metrô, as pessoas têm receio de chegar perto de você. Então, povo brasileiro, é nossa grande chance. Vamos pensar no monte de vidas que nós perdemos, quantas famílias nós perdemos, quantos pais, mães, irmãos. Eu quase perdi um irmão também com covid. E diante disso é que eu tomei coragem e participei da campanha da vacina”, disse. Mônica atuou como auxiliar de enfermagem por 26 anos e só conseguiu o diploma como enfermeira quando tinha 47 anos. “Quem cuida do outro tem que ter determinação e não pode ter medo. É lógico que eu tenho me cuidado muito a pandemia toda. Preciso estar saudável para poder me dedicar. Quem tem um dom de cuidar do outro sabe sentir a dor do outro e jamais o abandona.”