Ficou assim:
Hoje em dia não me espanto
Com nada do que acontece
Nem com fumaça que desce
Nem com bola que tem canto.
Tá tudo estranho num tanto
Que poste mija em cachorro
Na cabeça, em vez de gorro,
Tem gente usando sapato,
O rato persegue o gato,
Mas eu, de tédio, não morro.
Se mandar parar, eu corro
Se mandar correr, eu paro
Baixando o preço, acho caro.
Se me matarem, não morro.
Só vou a pronto-socorro
Se não estiver doente.
Animal, pra mim, é gente,
E gente é bicho selvagem,
Vou partir numa viagem
Pra ficar aqui presente.
Eu, tomando um caldo quente,
Quase queimava o meu pé.
Pedi então um café,
Que é bebida transparente.
Um ateu disse: – Sou crente!
Mas só creio duvidando.
Se eu sair, já vou chegando.
Todo largo é muito estreito.
Todo impossível tem jeito,
Já começo terminando.
Eu termino começando,
Eu construo destruindo,
Se estou voltando, estou indo,
Se estou indo, estou voltando.
Vi uma cobra voando
E um falcão que se arrastava.
Vi um mudo que falava,
E um cego que tudo via.
Anoiteceu meio-dia
Mas nenhum galo cantava.