Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Correio Braziliense domingo, 24 de maio de 2020

UNIDAS NA ORAÇÃO PELOS FILHOS

Jornal Impresso

Unidas na oração pelos filhos
 
 
Conheça a história de cinco mulheres que não se conhecem, mas estão ligadas por um forte laço. São mães de profissionais de saúde que se encontram na linha de frente de combate ao novo coronavírus. Em comum, elas têm as apreensões diárias e a fé de que nada aconteça à prole

 

Roberta Pinheiro

Publicação: 24/05/2020 04:00

 
Ildeni de Castro Baião, Maria de Freitas Machado, Arnalda Gardenha Brito Costa, Márcia Regina Barbosa Naves e Eliene Valente de Brito não se conhecem, tampouco trocaram palavras ou compartilharam vivências. Contudo, um substantivo é comum a todas: maternidade. De cada ventre foi gerada uma pessoa que decidiu dedicar a vida ao bem-estar e à saúde do próximo. São médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que hoje, mais do que nunca, unem essas mulheres em uma corrente constante de oração.
 
Apesar das distâncias geográficas — uma vive no interior da Bahia, outra em Goiânia e as outras três em diferentes regiões administrativas do DF — e das distintas personalidades, Ildeni, Maria, Arnalda Gardenha, Márcia Regina e Eliene compartilham as mesmas angústias e preocupações. Diante da escolha profissional dos filhos, principalmente neste período de enfrentamento ao novo coronavírus, cabe a cada uma delas, em seu silêncio, recorrer à fé. Seja na Bíblia, na imagem de Nossa Senhora, seja em alguma oração específica, essas mães buscam a calma para os corações aflitos.
 
Antes, elas podiam controlar os passos, estar do lado para as tomadas de decisões e para oferecer o colo, o abraço e o beijo. Agora, muitas vezes, estão isoladas, lidando também com a apreensão de contrair a doença e sendo monitoradas e fiscalizadas por telefone pelos filhos. “Se acontecer algo comigo, ela não vai pensar duas vezes. Vai querer ficar do meu lado e cuidar de mim como mãe, não vai pensar que pode se infectar e correr esse risco. Eu sei que o lado materno vai falar mais alto”, comenta a médica Kelly Barbosa Fernandes Naves, 36 anos.
 
Neste mês de maio, o Correio conversou com mães dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate à covid-19. Entre uma fala aflita que segura o choro e a confiança na proteção divina, Ildeni, Maria, Arnalda Gardenha, Márcia Regina e Eliene agradecem orgulhosas os filhos que têm.
 
 
Da Bahia, Ildeni de Castro Baião reza para que nada aconteça com o filho Widney, que mora no DF (Arquivo Pessoal)  

Da Bahia, Ildeni de Castro Baião reza para que nada aconteça com o filho Widney, que mora no DF

 

 
Ao lado de Nossa Senhora
“É muito preocupante, mas, pelo filho que eu tenho e conheço, eu entrego a Deus. Sei que o Widney está fazendo tudo o que pode, tomando todos os cuidados. Rezo muito por ele e os companheiros dele. Pelas vítimas também. Estamos passando por um momento muito difícil, mas Widney está fazendo um trabalho que gosta de fazer. Ele é muito humano”, afirma Ildeni de Castro Baião, 78 anos.
 
Do município de Remanso, Bahia, ela acompanha o único filho que mora longe da família. Widney de Castro Baião, 41, veio para a capital federal fazer pré-vestibular, em 1998, e por aqui ficou. Há 16 anos, atua na área da enfermagem, principalmente com terapia intensiva, e trabalha tanto na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital de Base de Brasília quanto na UTI do Hospital Regional da Asa Norte, unidade referência no combate à covid-19.
 
“O dia 6 de março foi um divisor de águas para mim. A primeira paciente com o novo coronavírus deu entrada no HRAN no meu plantão. Mesmo há muito tempo trabalhando com paciente crítico, nunca vi uma situação como essa”, relembra o enfermeiro. Na semana seguinte, o pai de Widney foi internado com pneumonia e ele precisou viajar para a Bahia. “Fiquei entre a cruz e a espada. Sabia que estava dentro da janela de contágio, mas precisava ver meu pai e, mesmo com muito receio, conversar com a minha família”, conta.
 
No município de Remanso, ainda não havia casos concretos do novo coronavírus nem, muito menos, informações além do noticiário. “Ele (Widney) chegou e, a primeira coisa que fez, foi conversar comigo e com o irmão dele. Meu coração ficou apertado. A gente não tinha conhecimento de como era”, comenta Ildeni. Aquele fim de semana foi o último contato físico entre a família. O enfermeiro voltou para Brasília e deixou a mãe, o pai e o irmão com as orações.
 
“É um momento difícil que estamos vivendo, mas tudo vai passar. Estamos ficando em casa, não saímos mais pra nada. Quase todos os dias, o Widney liga e conversa conosco. Ele é muito amoroso e preocupado também. Gosta de ajudar as pessoas, de cuidar, de orientar. À Nossa Senhora, estou pedindo sempre que ela tome conta. Por meio dela, como mãe do Senhor Jesus Cristo, é mais fácil chegar a Ele. Estamos nas mãos dela”, acredita Ildeni.
 
 
A técnica de enfermagem Sandra tenta, todos os dias, tranquilizar a mãe, Maria de Freitas Machado, que é cardiopata  (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)  

A técnica de enfermagem Sandra tenta, todos os dias, tranquilizar a mãe, Maria de Freitas Machado, que é cardiopata

 

 
“Mãe só acredita vendo”
No começo da conversa, Maria de Freitas Machado, 65, brinca que está rindo para não chorar. Dos cinco filhos, a mais velha, Sandra Freitas de Sousa, 45, é técnica de enfermagem e, há 14 anos, atua no HRAN. “Minha mãe é bem amedrontada. Tem muito medo que eu, ou qualquer um dos filhos dela, pegue a doença. Desde o começo, ela sempre chorava e não queria que eu fosse trabalhar”, lembra a filha. E não demora muito para que Maria comece a relatar os episódios de insônia, a saudade dos encontros no fim de semana e o convívio com a solidão.
 
Maria mora sozinha na região do Pôr do Sol. Cardiopata, ela teve quatro infartos e tem diabetes. Logo, pertence ao grupo de risco do novo coronavírus. Sem poder sair de casa ou reunir a família, o isolamento é um peso a mais. “Tem dias que não consigo comer, só fico dentro de casa pensando, pensando. Eu me apego nas orações, em Deus. Por mais que ela ligue e fale que está tudo bem, fico achando que está acontecendo algo, achando que está doente e não quer me contar por causa do meu problema cardíaco”, detalha a matriarca.
 
Quando Sandra atuava no pronto-socorro, a mãe lidou com angústias e preocupações. “Mas nem tanto igual agora”, pontua. “Ela está dentro do hospital, em contato com tudo, só Deus para ter misericórdia”, acrescenta Maria. Sandra confessa que, no primeiro contato com os casos, ficou atordoada. “É uma doença desconhecida, que você não sabe as consequências”, justifica. O medo, tanto da mãe quanto da filha, é agravado por um quadro de embolia pulmonar que Sandra teve em julho do ano passado. “Também me apeguei muito a Deus. E sempre digo a minha mãe que me cuido direitinho, que as orações dela estão me protegendo. Procuro tranquilizá-la”, afirma a técnica de enfermagem.
 
Questionada sobre o maior desejo, Maria tem a resposta na ponta da língua: “Queria abraçar todos os meus filhos e dizer o quanto amo cada um”.
 
 
Mesmo sob o mesmo teto, Arnalda Gardenha e Lucas Henrique ficam isolados: conversas em cômodos diferentes (Carlos Vieira/CB/D.A Press)  

Mesmo sob o mesmo teto, Arnalda Gardenha e Lucas Henrique ficam isolados: conversas em cômodos diferentes

 

 
Filho nota mil
“Para mim, ele é tudo. Tenho muito orgulho. Hoje mesmo, um amigo ligou dizendo que a esposa não estava bem, pedindo a ajuda do Lucas. Rapidinho, ele foi à casa dela e a levou para o hospital. É uma pessoa muito boa, do coração bom, está sempre ajudando os outros. Com todo mundo, ele é do mesmo jeito. Se eu pudesse, daria nota mil para ele”, conta aos risos Arnalda Gardenha Brito Costa, 49. O “ele” a quem Gardenha, como é conhecida, se refere, é o filho Lucas Henrique Brito Costa, 27, enfermeiro que hoje, depois de atuar no Hospital de Base, no Hran e no Hospital Daher, integra a equipe do hospital de campanha montado no Estádio Nacional de Brasília.
 
Os dois moram em uma casa, junto com o outro filho de Gardenha, próximo ao Jardim Botânico, mas Lucas tem um quarto completamente isolado. “Conversamos com ela na sala e eu no quarto, para manter a distância”, brinca o enfermeiro. Se a mãe era preocupada e cuidadosa antes da pandemia, agora “triplicou”. Todos os passos e as rotinas são acompanhados por mensagens e ligações. “Às vezes, ela não entende que somos profissionais, vai ter a gente sempre como filho”, justifica Lucas.
 
Apesar do olhar materno que parece enxergar os filhos como eternos bebês precisando de suporte, Gardenha nunca se opôs à escolha profissional de Lucas. “Quando ele disse que era isso que queria, depois de um estágio no Hospital Brasília, aos 16 anos, eu falei: se é isso mesmo que você quer, segue em frente. O que eu posso fazer é ajudar.”
 
Enquanto a razão controla a fala, o coração está sempre a mil. “Peço para que ele se proteja, tenha cuidado, lave bem as mãos. Fico fiscalizando quando chega em casa para ele trocar de roupa e tomar banho”, detalha. Mesmo sendo do grupo de risco por conta de uma bronquite, quando o assunto é medo, a resposta é imediata: “De ele passar mal, sentir alguma coisa. Vai dando a hora de ele chegar em casa e eu começo a ficar aflita. Peço muito a Deus que dê saúde para ele, rezo toda hora para que nada de mal aconteça. Coração de mãe é assim, sente as coisas”, afirma. Sente tanto que, hoje, dividindo a mesma casa, o que Gardenha mais sente falta — e não vê a hora de poder fazer — é abraçar e beijar os filhos.
 
 
Lucas é o único filho de Eliene Valente de Brito: muita preocupação quando soube que o filho tinha testado positivo para o vírus (Arquivo Pessoal)  

Lucas é o único filho de Eliene Valente de Brito: muita preocupação quando soube que o filho tinha testado positivo para o vírus

 

 
Como uma “estrela-guia” 
“Ele me chama de ‘minha gnoma’ ou ‘minha estrela-guia’. É muito amoroso. Sou muito feliz em ter o Lucas como filho, um presente. Quando é bebê, a gente não imagina o que vai ser. Nunca pensei que meu filho seria médico. Hoje, sou toda orgulhosa. Se eu fosse ficar preocupada, ficaria doida. Um dia ele está no Hran, outro, em Santa Maria. Tudo isso virando horas. No começo, a gente fica angustiada, mas, antes de ser meu, ele é de Deus. Deus sabe quantas pessoas ele vai ter que salvar. É muito empenhado, estudioso”, conta Eliene Valente de Brito, 53.
 
Pela primeira vez, ela e o filho, o anestesista e emergencista Lucas Valente, 29, passaram o Dia das Mães separados. Segundo Eliene, o médico é daqueles que adora reunir a família, os primos, estar presente. “Ele sempre dá um jeito de estar junto, tem esse hábito. Quando não dá, ele fica chateado e pede desculpas”, comenta a mãe. Mais do que uma data comemorativa ou uma ausência física, o ano reservou desafios para uma relação tão estreita entre mãe e filho.
 
Na linha de frente do combate à pandemia, no início de março, Lucas recebeu o exame positivo para o vírus. “Nunca achei que o Lucas fosse ter coronavírus. Quando ele me falou que estava meio gripado e tinha feito o exame, fiquei apavorada. Como assim, no ano que fiquei longe do meu filho, vou perdê-lo? É o único filho que eu tenho. Como será minha vida sem ele? Você leva um choque”, relembra.
 
Ao saber do resultado positivo, Eliene queria, a todo tempo, saber exatamente como o filho estava, se estava tudo bem. “Eu me apeguei naquele salmo: por que te abates, ó minha alma? Para não me abater. Aos poucos, fui ficando tranquila e aliviada. Mas, o monitorava o tempo todo e falava: se você não falar comigo, vou ter que te ligar”, detalha.
 
Apesar da fortaleza que sustenta a estrela de Lucas e das ocupações que Eliene encontra para pensar em outras questões, tem hora que a batida do coração acelera e silencia tudo ao redor. “Não sei como consigo ficar sem vê-lo, ainda mais sabendo de tudo isso. Hoje, que é tão importante aquele carinho, aquela atenção, será que dei total atenção para ele? Só descanso meu coração porque confio muito em Deus. Ele não ia perder a vida naquilo que ele estudou para dar a vida. Lucas sabe o tanto que eu sou apaixonada por ele, como é bom senti-lo, colocar no colo, saber que está aqui.”
 
Para mães de profissionais da saúde como ela, Eliene deixa um recado: “Os nossos filhos estão nas mãos do maior médico, que é Jesus. O amor que damos para eles é muito importante, porque a vida de médico não é fácil.”
 
 
Márcia Regina Barbosa Naves com as filhas, Kelly (esquerda) e Karla: mais de dois meses sem se encontrarem (Arquivo Pessoal)  

Márcia Regina Barbosa Naves com as filhas, Kelly (esquerda) e Karla: mais de dois meses sem se encontrarem

 

 
Separação que dói
Para a engenheira aposentada Márcia Regina Barbosa Naves, 58, Goiânia e Brasília são mais do que cidades vizinhas. Quando bate a saudade da filha, Márcia não mede a distância para, algumas vezes, passar só um período do dia com Kelly Barbosa Fernandes Naves, 36. O trabalho de Kelly, contudo, impôs, desta vez, um afastamento físico que mãe e filha nunca viveram.
 
Formada em clínica médica e com pós-graduação em nutrologia, Kelly trabalha no pronto-socorro e na emergência do Hospital Regional Leste, no Paranoá. No começo da pandemia, não tinha tanto contato com casos confirmados de covid-19. Contudo, com o aumento de infectados, passou a lidar diretamente com o tratamento.
 
“No normal, quando queria, ela vinha para Brasília ou eu me organizava pelo menos um fim de semana no mês para visitá-la. Tem mais de dois meses que não nos vemos. É difícil, mas vejo que está mais difícil para ela. A gente não se falava tanto como fala agora, são três vezes ao dia: acontece algo, ela me liga. Esses dias, ela me ligou, porque um músico estava tocando no condomínio”, detalha a filha. Como médica, Kelly tomou os cuidados para isolar a mãe e a irmã, Karla, em Goiânia. “É horrível, queria ter ido no início da quarentena ficar com ela, mas ela não deixou”, reclama Márcia.
 
Como mãe, a aposentada reconhece que não é fácil lidar com a distância do toque, do cheiro e da companhia. Sobretudo para as duas, que são tão parecidas e amigas. “Mas vejo um lado muito bonito, porque é uma doação. Ela foi doar sangue em um dia de folga, porque os hemocentros estão recebendo poucas doações. Então, a preocupação dela é além de salvar vidas. A medicina é realmente um sacerdócio. Fico muito feliz e tenho muito orgulho dela, de tudo o que ela está fazendo”, pondera Márcia.
 
O lado materno, além das constantes orações, fez com que Márcia conhecesse freteiros Goiânia-Brasília. “Olha a que ponto a gente chega. Fiquei sabendo que um vizinho tinha máscara sobrando, eu comprei pra ela e mandei entregar. Se tenho algo sobrando, dou um jeito de mandar. Busco as roupas dela para lavar aqui. A preocupação é a todo instante, mas é também uma forma de se fazer presente”, justifica.
Apesar de saber que a filha está tomando todos os cuidados necessários, Márcia conhece a filha que tem. “Ela é muito independente, não gosta de preocupar”, descreve. Sensação que Kelly confirma: “Minha mãe sempre foi de querer ser forte, e ela tem medo de que eu faça isso também”.

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