Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de março de 2019

UMA VACA PARIDA

 

UMA VACA PARIDA

Violante Pimentel

 

Desde criança, em Nova-Cruz (RN), eu era acordada por Dona Lia, minha mãe, às 5 horas da manhã, para tomar leite cru no curral de Seu Leó. Depois, passamos para o curral de Seu Manoel Silvestre, onde o ordenhador avisava:

 

– Leite com "dote" é mais caro, porque não faz espuma.

 

Ele queria dizer "Toddy", um dos achocolatados mais antigos do Brasil, e, na época, o mais usado. Meu copo de 500 ml era de alumínio e eu o tomava completamente cheio. E sem "dote". Gostava do leite com açúcar e muita espuma.

 

A Toddy foi fundada em 1916 pelo porto-riquenho Pedro Santiago.

 

Em 15 de março de 1933, Pedro Santiago obteve licença do governo provisório de Getúlio Vargas, para comercializar o produto no Brasil.

 

Vim para Natal, aos 15 anos, para estudar na Escola Normal. Trouxe comigo, entre as minhas saudades, a saudade do leite cru da minha infância, tomado na companhia da minha mãe e irmãs. Perdi, para sempre, o convívio com aquela folia gostosa do curral, quando tomava leite cru, tirado diretamente do "peito da vaca", em ordenha manual.

 

Esse afastamento faz parte das minhas lembranças e das minhas perdas. Parece infantilidade, mas não é. Com a minha vinda para Natal, distanciei-me de um dos melhores costumes da minha terra, que era essa ida ao curral todas as manhãs, quando o sol estava raiando.

 

Mesmo passando as férias escolares em Nova-Cruz, a vida foi mudando seu rumo, e o rumo foi mudando a minha vida. Nas férias escolares, cheguei a ir algumas vezes ao curral de Seu Miguel Silvestre, mas sem a mesma euforia do meu tempo de criança.

 

Meu plano era terminar o curso pedagógico e voltar para Nova-Cruz, para exercer o magistério. Mas a roda-viva do cotidiano mudou tudo. Casei-me aos 18 anos e continuei morando em Natal.

 

Meu marido tinha um irmão, que morava, e ainda mora, em São Paulo, e é proprietário de uma chácara no município de Pereiras, a duas horas da capital paulista. Logo que casamos, fomos a São Paulo, juntamente com a minha sogra, visitar esse seu irmão. No fim de semana, fomos a Pereiras, conhecer a chácara.

 

Minha surpresa foi grande, quando chegamos nesse local abençoado. Eu não sabia que na chácara do meu cunhado havia algumas cabeças de gado, incluindo uma vaca parida. À tardinha, ele nos convidou para tomar leite cru, e eu me esbaldei. Matei a saudade do leite cru de Nova-Cruz, do curral de Seu Leó e do curral de Seu Miguel Silvestre.  Lembrei-me do aviso do ordenhador, palavras que nunca esqueci:

 

– "LEITE COM "DOTE" É MAIS CARO"! Porque "Dote", não deixa o leite espumar! "

 

Em Pereiras, eu, meu marido, minha sogra, meu cunhado e sua namorada tomamos leite-cru até topar.

 

Foi gratificante o meu reencontro com o leite cru, tirado "do peito da vaca", na hora. Leite puro, sem ser "batizado" com água, e sem aditivos químicos para conservá-lo, como acontece com o leite atualmente. O leite " in natura" é inigualável. Por mais cara que seja a marca do leite pasteurizado e industrializado, nenhum tem o seu sabor.

 

O progresso modificou tudo, trazendo danos à saúde do consumidor e aumentando o lucro do produtor. Prejudicou o povo com os aditivos químicos e hormônios, que complementam a ração do gado, mas provocam doenças da moda, como "intolerância à lactose".

 

Para quebrar a harmonia do fim de semana em Pereiras, assustei-me com os gritos de pavor da namorada do meu cunhado, dono da chácara, que estava tomando banho e saiu do banheiro toda molhada e enrolada na toalha, chorando, como se tivesse visto uma assombração. A moça, criada na capital, aterrorizou-se com a presença de uma inofensiva rãzinha, agarrada à parede do banheiro. Não estava acostumada com sapos, rãs, grilos e outros bichinhos que vivem no mato.

 

Minha sogra, mais que depressa, preparou-lhe uma garapa, para que se acalmasse.

 

Eu, acostumada com os sapos e enormes Cururus de Nova-Cruz, quando entendi do que se tratava, tive uma crise de riso, no que fui acompanhada por meu marido. Saímos da sala e fomos rir bem distante da casa. Nunca tinha visto tanto "fricote" na minha vida, como diria minha mãe.

 

O tempo passou e hoje, quando ouço pessoas amigas, falando em comprar apartamentos novos, carros importados, IPHONE e IPAD, fico rindo e confesso que o meu sonho de consumo continua sendo uma vaca parida, para eu poder tomar leite cru à vontade.

 


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros