Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo terça, 19 de abril de 2022

UMA CARGA DE SONO (CONTO DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

UMA CARGA DE SONO

Arthur Azevedo

 

Como o Alfredo tinha que partir para Minas às 5 horas da manhã, entendeu que o meio mais seguro de não perder o trem, o que mais de uma vez lhe sucedera, era passar a noite em claro.
Assim foi. Esteve no teatro até meia-noite, foi cear com alguns amigos, demorou-se no restaurante até as 2 horas, deu um passeio de carro pela Avenida Beira-Mar e, às 5 horas, estava comodamente sentado no trem, de guarda-pó e boné de viagem.
Partiu o carro ainda ao lusco-fusco, só ali pelas alturas do Encantado o sol resolveu entrar lentamente pelas portinholas.
O Alfredo começou então a examinar um casal que estava sentado diante dele. Começou pelo marido: era um sujeito vulgaríssimo, que se parecia com todo o mundo, e tanto poderia ser negociante como empregado público, industrial, etc. Tinha uma dessas caras inexpressivas, que se adaptam a todas as profissões.
Passou o Alfredo a examinar a senhora e não pôde conter um gesto de surpresa reconhecendo nela uma bonita mulher que um dia encontrara num bonde das Laranjeiras, e o namorara escandalosamente.
Havia oito meses que o Alfredo a procurava por toda a parte, passando em vão repetidas vezes pela casa daquele bairro onde ela entrara quando saiu do bonde.
O não tê-la encontrado nunca mais lhe exacerbara a impressão amorosa deixada no seu espírito, mais que no seu coração, por aquela formosa mulher, e não se pode exprimir a alegria que lhe produziu a presença dela naquele trem, embora acompanhada por um indivíduo que, pelos modos, tinha direitos adquiridos sobre ela.
A desconhecida animou o rapaz com um desses sorrisos com que as mulheres, num segundo, se entregam de corpo e alma a um homem, e como os dois namorados não podiam apertar a mão um do outro, serviram-se dos pés como intérpretes dos seus sentimentos. Felizmente o Alfredo não tinha calos, que, se os tivesse, ficariam em petição de miséria.
Era impossível qualquer outra correspondência que não fosse aquela, porque o marido não arredava pé dali. O Alfredo alimentava uma vaga esperança de que ele descesse na estação de Belém para tomar café, mas qual, o homenzinho era inamovível.
Na Barra do Pirai o casal subiu ao restaurante para almoçar, e o Alfredo subiu também, mas não lhe foi possível chegar à fala.
Depois do almoço, o pobre namorado começou a sentir os efeitos da noite passada em claro: as pálpebras pesavam-lhe como se fossem de chumbo, e ele fazia esforços heróicos para não dormir; mas o sono foi implacável, e, quando o trem passou por Juiz de Fora, já ele dormia a sono solto, esquecido dos olhos e do pé da sua bela companheira de viagem.
Foi perto de Palmira que o desgraçado acordou, e - oh, desgraça! - estavam vazios os dois lugares defronte dele. A moça desaparecera... quando?... onde?... em que estação?... Era impossível sabê-lo!
O Alfredo passou os olhos estremunhados por todo o vagão, na esperança de que ela e o marido houvessem simplesmente mudado de lugar. Nada!.
Só então reparou que tinha na mão um anúncio de hotel, desses que em cada estação atiram aos passageiros.
Ele dispunha-se a deitar fora esse pedaço de papel inútil, quando reparou que nas costas danuncio havia qualquer coisa escrita a lápis, com letra de mulher.
E o Alfredo leu: "Quem ama não dorme."
Nunca mais a viu.

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