Médico inglês Edward Jenner, realizando a inoculação de suas descobertas
Existem registros com cerca de mil anos a.C. de inoculações usando um método ancestral praticado no Oriente, que consistia em furar a pele de uma pessoa saudável com uma agulha contaminada por secreções oriundas das feridas de um paciente com varíola. Este procedimento era utilizado pelos indianos nas cerimônias de adoração a Shitala Mata, divindade hindu associada com a cura da varíola e de outras doenças contagiosas. Foi descrito em detalhes pelo médico inglês Robert Coult em 1731, que ficou intrigado pela cerimônia.
J.Z. Hollwell, cirurgião irlandês estudioso dos costumes indianos, escreveu em 1767 ao Colégio Médico de Londres um “Relato sobre inoculação da varíola nas Índias Orientais”. No relato, descreveu um método de inoculação refinado em relação ao procedimento descrito anteriormente. As roupas contaminadas pelos pacientes com varíola eram guardadas e depois pequenos pedaços destes tecidos eram aplicados sobre feridas feitas propositalmente na pele de pessoas saudáveis. Procedimento este que demonstrou de forma empírica a atenuação da virulência do agente etiológico (causador) da doença devido ao uso tardio dos fragmentos daqueles tecidos, embora este método apresentava o risco de transmitir a doença para o paciente saudável.
Foi apenas em 1789 que Edward Jenner, médico britânico, deu o primeiro grande passo para a criação da vacina como a conhecemos hoje. Ele observou que algumas vacas possuíam feridas em suas tetas semelhantes às provocadas pela varíola no corpo humano. Acontece que os animais tinham uma versão mais leve da doença, conhecida como varíola bovina (cowpox). Em maio de 1796, Jenner decidiu testar a sabedoria popular que dizia que as pessoas que lidavam com gado não contraíam a varíola humana.
Observou que as mulheres responsáveis pela ordenha eram expostas ao vírus bovino e, portanto, tinham uma versão mais suave da doença. Com base nisso, ele conduziu sua primeira experiência com James Phipps, um garoto de oito anos: o inoculou com pus extraído das bolhas das mãos de Sarah Nelmes, uma leiteira que havia adquirido a varíola bovina através do contato com as vacas. O menino teve um pouco de febre e algumas lesões, mas não desenvolveu a forma grave da infeção completa, tendo uma recuperação mais rápida. A partir disto, Jenner pegou o líquido da ferida de outro paciente com varíola humana e novamente expôs o garoto ao material. Algumas semanas depois, James Phipps não havia desenvolvido a doença. Estava descoberto assim o fenômeno da imunização, que recebeu o nome de vacina (do latim vacca).
Em 1797, Edward Jenner publicou os seus resultados da experiência no tratado médico “Investigação sobre a causa e os efeitos da Varíola Vacum” que foi apresentado à Academia de Ciências do Reino Unido, a Royal Society de Londres.
Uma garota indiana de três anos, Rahima Banu, foi a última pessoa a se contaminar de forma natural pela varíola, adoecendo em 16 de outubro de 1975, posteriormente tendo sobrevivido à doença. A doença foi considerada erradicada no mundo pela OMS em dezembro de 1979, depois de ter matado mais de 300 milhões de pessoas só no século 20.
Algumas amostras ainda são mantidas em laboratórios, como no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em Atlanta, Estados Unidos e no Centro Estadual de Pesquisa em Virologia e Biotecnologia VECTOR, em Koltsovo, na Rússia.
Foi o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) que imortalizou a descoberta de Edward Jenner, ao generalizar o termo vacinação, denominando assim todo tipo de injeção imunizadora para prevenir doenças.
Ao pesquisar a cólera das aves, descobriu que ao se administrar a forma debilitada ou atenuada do organismo que produz a infecção, era possível desenvolver nas aves defesas poderosas contra este mesmo organismo. Também afirmou que quando um bovino já adquiriu um carbúnculo na vida e se recuperou, não há micróbio no mundo capaz de atacá-lo novamente, está imunizado. Concluiu que demonstrou algo que Jenner nunca pôde fazer com a varíola de forma definitiva, provar que o micróbio que mata, é o mesmo que cura.
Para que não houvesse dúvidas sobre sua descoberta, vacinou com amostras atenuadas de carbúnculo algumas ovelhas, cabras e bovinos. Em seguida, após um intervalo de tempo, tornou a injetar nos animais as mais mortíferas cepas de carbúnculo, sem que nenhum desenvolvesse formas graves da doença. Com esta demonstração pública de sua teoria, convenceu os mais céticos e transformou seu pequeno laboratório em uma fábrica de vacinas.
Pasteur também pesquisou sobre uma vacina contra a raiva. Sabendo que existe um tempo entre a mordida do cachorro e a chegada do vírus ao cérebro humano, ele teorizou que se um medicamento fosse injetado precocemente numa pessoa mordida por um cão raivoso, ela poderia ser salva. Em 06 de julho de 1885, uma mulher procurou Pasteur, suplicando que salvasse seu filho de nove anos, Joseph Meister, mordido há dois dias por um cão raivoso. O procedimento foi realizado na criança, que recebeu uma série de inoculações da suspensão da medula de coelhos com vírus atenuados. O garoto foi o primeiro ser humano da história a ser vacinado e salvo da raiva, que até então era mortal em 100% dos casos.
Durante o século XX, surgiram várias vacinas com vírus atenuados ou inativados, como a Influenza (1940); Poliomielite (1955); Sarampo (1963); Caxumba (1967); Rubéola (1969) e Rotavírus (2008). Em meados de 1980, novos avanços foram alcançados na tecnologia das vacinas. Os bioquímicos americanos Richard Mulligan e Paul Berg, da Universidade de Stanford, EUA, desenvolveram a técnica do DNA recombinante, que proporcionou o surgimento de vacinas para Hepatite B (1986), Papilovírus humano (2006) e algumas cepas de Influenza (2013).
As mais recentes tecnologias de vacina não contêm mais proteínas virais, usam o próprio mRNA (RNA mensageiro), DNA e vetores de vírus que transmitem diretamente instruções às células para que produzam e saibam reconhecer as proteínas virais. Algumas vacinas da COVID-19 utilizam esta tecnologia.
E é assim, através do tempo e das adversidades, que o homem busca cada vez mais adquirir conhecimento e desenvolver novas tecnoUM logias para combater os males que assolam a humanidade. Poucas intervenções médicas do último século podem igualar o efeito que a imunização exerceu sobre a longevidade, redução de custos e qualidade de vida da humanidade.
Baseado no texto original de Lauro Arruda Câmara Filho, médico cardiologista.