Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Maurício Melo Júnior - Canto do Arribado domingo, 19 de fevereiro de 2017

UM ANO BOM

O tempo passa, mas as histórias, parece, perderam a idade. Usando de um vocabulário mais comum, não acredito na condição de envelhecimento dos fatos, das histórias. Digo isso diante do inevitável: estamos em fevereiro, mas ainda me inquietam as acontecências do ano passado, de um 2016 não muito bem louvado. E já pisamos nos passos e compassos de fevereiro. Neste ritmo até pensei em cantar com Marcelo Montenegro, um infelizmente esquecido cantor e compositor catendense, autor de um precioso frevo: “Capiba, chegou fevereiro, o ano inteiro cansei de esperar…

Nada de melodias alegres, minha atenção continua voltada para as marcas do passado, um passado não tão distante, mas, mesmo assim, um tempo pretérito: 2016. Um ano, segundo a voz geral, de desgrças e maldições. E pos andar na contramão da gentes, conto histórias.

 

 

Éramos uma mesa de confraternização de final de ano, como outra qualquer. Nada de opulências nestes tempos de crise. Sequer podíamos cantar, como o poeta Carlos Pena Filho, “são trinta copos de chopp, são trinta homens sentados, trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustrados”. Ali éramos apenas cinco pessoas, cinco amigos diante de uma mesa com alguma cerveja, sucos de frutas e água mineral a se despedir de um ano complicado. Entre uma beliscada e outra no petisco que servia de entrada, as mágoas deixadas pelas águas há pouco passadas iam sendo debulhadas.

Um dos presentes perdera a esposa, depois de um casamento de quarenta anos. Foi uma perda difícil, dolorosa. Como os personagens bíblicos, por quarenta dias a mulher foi definhando com o câncer que lhe comia as energias vitais, desfazia sua vida, deitava silêncio sobre os dias de um futuro que não chegou a existir. Por quarenta dias, o marido chorou suas dores e a fatalidade irrevogável de seu destino de viúvo. E ali contava seus lamentos para finalizar com uma assertiva também fatal: “Agora é seguir a vida…”

Um outro, jornalista de longo curso, conhecedor de antigas redações, onde a máquina de datilografia, o cigarro e alguns goles de uma bebida qualquer – do café à cachaça – eram uma ordem inconteste e temperavam as longas conversas, também tinha um carnê de mágoas para quitar. Lastimava-se do infarto que sofrera, da obrigatoriedade médica de abandonar um velho companheiro, o cigarro, a quem ainda se mantêm teimosamente fiel. “Mas agora fumo bem menos”, garante, assegurando ainda que a dor do infarto é tão aguda quando a clássica dor do parto, segundo relatos incontáveis que ouviu em sua outrora passagem pelo jornalismo policial. “Mas ainda me sobrou vida para alguns tragos, de cerveja e cigarro, afinal, cavalo velho não aprende pisada nova…”

O mais novo da roda, também já sabia contar as contas de um rosário. Não vira mortes próximas nem sentira as agruras do coração, nem mesmo os amorosos. Seu casamento estava seguro e o emprego garantido. Mesmo assim perdera renda. Tinha umas aplicações que não renderam lá o montante sonhado fazendo adiantar para tempos mais prósperos uma longa viagem de férias. Também diluíra nas águas da Petrobrás umas poucas, mais outrora valiosas, ações. Precisava reconstruir o patrimônio pois a esposa estava cansada de morar de aluguel e já não tinha mais renda que permitisse se cadastrar no Minha Casa, Minha Vida. Mesmo assim queria celebrar a vida e distribuía vinho e chocolate aos presentes.

A única mulher da mesa lamentava o aperto que fez o pai de sua filha perder recursos e, consequentemente, diminuir a pensão alimentícia. Também, a filha andava com problemas na escola e a artrose da mãe, já bem idosa, se agravava e ela, a filha, sentia crescer as responsabilidades de suas costas nem lá tão largas. Além disso havia o problema financeiro. O salário já não acompanhava o padrão de vida de antes e algumas restrições já começavam a se apresentar em sua mesa e em seu guarda-roupas. “Ainda bem que, pelo menos hoje, temos uma mesa farta. Vamos celebrar.”

Diante daquela mesa, na medida do possível, farta, já nos últimos dias do ano, comecei a enxergar 2017 como um puxadinho de 2016. Nada no horizonte claro e aberto de Brasília anunciava bonança. Lá nos longes, as nuvens escuras, bonitas de chover, nuvens da invernada de janeiro caminhavam em nossa direção…

De repente despertei para o óbvio. Chegamos ali porque vivemos, diria o Conselheiro Acácio. E de minha parte o ano não foi tão trágico. Tive dores, mas nenhum infarto de próprio peito nem morte em família, também. E 2016 não foi de todo mau. Nas orlas da aposentadoria, vi crescer as perspectivas daquilo que sempre quis ser: um escritor full-time. Ganhei prêmios literários. Estreei como teatrólogo. Assinei contratos para novos livros. Retomei velhos amores, como a delícia de reler Hermilo Borba Filho, Osman Lins e Nikos Kazantzákis. Cultivei novas e velhas amizades. Tomei bons vinhos em boas companhias. Conheci novas terras e sabores. Vivi a vida com a intensidade que ela merece.

Um ano qualquer pode ser difícil ou mesmo bom, como todos os anos – outra inspiração do conselheiro. O normal, no entanto, é que ele tenha as duas faces, como Jano, o mito romano. Afinal em um espaço de 361 dias pode acontecer tudo, inclusive nada, como diria Acioli Neto. Há sempre os momentos tensos e outros nem tanto, afinal assim se faz a vida. E a vida é imponderável, imprevisível, quase sempre. Seus tijolos se fabricam em diferentes fôrmas, são modelados por oleiros vários, não se repetem, enfim. Daí seu fascínio.

O que importa é que o dólar caiu, o presidente dos Estados Unidos é maluco, nossa política se equilibra entra a tragédia e a comédia, esta crônica de Ano Novo está atrasada, semana que vem é carnaval e nós estamos vivos.

E viva a vida.

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