Na Austrália, por exemplo, as gravações de uma novela chamada “Neighbours” (“Vizinhos”, em português) foram retomadas mês passado com distanciamento social entre os atores e jogo de câmeras criando ilusão de maior proximidade. Mas será que a teledramaturgia do Brasil vai conseguir se adequar à aparente frieza que os novos tempos pedem?
Para o colunista Artur Xexéo, não há novela sem romance, beijo ou abraço. Mas, ao mesmo tempo, ele acredita que haverá um descompasso entre ficção e realidade, caso cenas de afeto sejam exibidas e o distanciamento permaneça como regra.
— Acho até que seja possível criar um ambiente tão seguro no estúdio que permita o abraço e o beijo. Mas de quem os autores estarão falando? — indaga o jornalista e roteirista. — Para manter credibilidade, os personagens teriam que respeitar esse distanciamento também. Novelas teriam que ter um assunto único: a pandemia. Ou a televisão vai produzir exclusivamente tramas de época, passadas num tempo em que o mundo vivia o “velho normal”. É difícil resolver esta equação.
Uma matemática criativa que cruza o caminho dos sets de gravação. Emissoras estão elaborando protocolos de segurança que incluem prerrogativas básicas, como menos profissionais dividindo estúdio de gravação e testes diários de detecção do novo coronavírus em membros das equipes. Uma profilaxia necessária, mas que pode afetar o ritmo da indústria televisiva.
Produtora de programas como o “220 volts”, do Multishow, e da série “Matches”, do Warner Channel, Iafa Britz acredita que a consolidação dessa nova política de convivência nos sets é a chave para a retomada de novos projetos.
— Vai haver um impacto no orçamento e na produtividade, com equipes mais enxutas e ritmo mais lento. Ainda é difícil prever se tais condições serão capazes de atender as demandas, ou se haverá uma queda inevitável no número de lançamentos — diz Iafa.
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A colunista de TV Patrícia Kogut atenta para um aspecto que passa ao largo de qualquer determinação protocolar sobre distanciamento em sets:
— Se não houver vacina, todos terão de se curvar aos fatos. A ficção vai ter que achar meios de driblar a impossibilidade dos beijos e abraços. Vão ter que achar recursos para adaptar tudo. Em 1918, os estúdios de cinema de Hollywood pararam por um ano depois da gripe espanhola. Depois, a vida voltou ao normal.
Para além da teledramaturgia, há outro nicho televisivo que está deitado num divã de incertezas: o dos programas de auditório, que dependem de plateia, portanto, de aglomeração. Aplicativos de videochamada vêm sendo tábua de salvação para entrevistadores, mas ainda não parece ser a solução definitiva.
Se o futuro é incerto, o presente traz mais força à TV. Segundo a Kantar IBOPE Media, em abril, houve aumento de 1h18m no tempo médio de consumo individual diário, em comparação com o mesmo mês de 2019. Para se ter uma ideia, entre os 50 dias de maior audiência de TV no Brasil dos últimos cinco anos, 38 deles foram na quarentena.
Para valorizar este momento de alto consumo, os canais vêm buscando alternativas. Em abril, a Globo retornou com o matinal “Encontro com Fátima Bernardes”, depois de um mês fora do ar. Mas sem plateia, com equipe reduzida e participação de Ana Maria Braga, em inserções gravadas diretamente de casa. Segunda-feira passada, começou uma nova temporada do “Conversa com Bial”, com entrevistas realizadas por videoconferência e convidados como Glória Maria e Anitta.
Na TV a cabo também houve um movimento de reformatação. Mês passado, o Multishow apostou na estreia do “Vai passar!”, que reúne humoristas como Rodrigo Sant’Anna e Leandro Hassum em esquetes gravados remotamente. Em junho, o canal lança duas novas temporadas de atrações que já estavam prontas antes da quarentena, “Os Roni” e “Xilindró”.
No GNT, algumas das principais atrações vêm sendo exibidas remotamente, como o “Que quarentena é essa, Porchat?” e o “Além da conta #Confinados”, apresentados respectivamente por Fábio Porchat e Ingrid Guimarães, de suas casas. Já o Studio Universal exibe, em junho, a segunda temporada de “Unidade básica”, série com Caco Ciocler e Ana Petta, que aborda os dramas do sistema público de saúde no Brasil e foi gravada antes da pandemia.