|
|
Para Thaís Muniz, o uso de turbantes é um movimento mundial de reconexão de pessoas pretas com estéticas ancestrais
|
O turbante é mais do que um acessório inserido no mundo da moda. Para muitas culturas, grupos sociais ou étnicos, o torso — como também é conhecida a peça —, com suas diversas amarrações, estampas e cores, carrega funcionalidade, identidade e marcas históricas.
Para a pesquisadora e designer Thaís Muniz, o turbante tem uma função social de comunicação não verbal. Um exemplo disso é uma antiga tradição entre mulheres da Martinica, região do Caribe. De acordo com as formas de amarrar a peça na cabeça, elas expunham o estado civil. “Se deixava apenas uma ponta para fora, era solteira; se deixava duas, tinha namorado; três, era casada; e quatro, viúva ou separada e pronta para outro relacionamento”, detalha.
Na história, um dos registros mais antigos vem de Kemet (Egito Antigo). A peça era um elemento fundamental do vestuário faraônica, denominada nemés, e tornou-se bastante conhecida por ser usado pela esfinge de Gizé e também por aparecer na famosa máscara de Tutankhamon.
Diferentes religiões no mundo cobrem a cabeça por entender que essa é uma área de troca energética. Os seguidores do candomblé, do islam e os sikhs, na Índia, são exemplos de grupos sociais que têm esse ponto em comum, divergindo em suas práticas. Há indícios de que, no Oriente Médio, o turbante era usado antes mesmo do surgimento do islamismo.
No candomblé, os ojás — como são chamados —, além de mostrarem que a pessoa que o usa “é do axé”, revelam o gênero do orixá de cabeça pela amarração — que não deve ter nós — e expressam hierarquia dentro do terreiro.
Em países africanos, o adereço é usado com finalidades funcionais, como proteger a cabeça ao carregar bacias, madeira e outros utensílios. No Brasil, quando pensamos em turbantes, logo vem à mente a imagem das baianas de acarajé. Thaís, que nasceu na Bahia, conta que crescer e conviver diariamente com essa referência foi importante para a sua trajetória pessoal e profissional.
Peça de raízes
Com a popularização da moda no streetwear, jovens têm ganhado referências mais próximas e contemporâneas sobre o uso de peças tradicionais, como o turbante. Ela está a serviço dos movimentos de afirmação e reapropriação que tem ocorrido nos últimos anos.
“É um movimento mundial de reconexão de pessoas pretas com estéticas ancestrais, que foram rejeitadas por séculos, por causa da opressão que o racismo traz para o nosso povo”, expõe Thaís. Para ela, os turbantes tornaram-se a porta de entrada para que inúmeras mulheres negras se conectem com sua ancestralidade e grandes aliados para as quem passa pela transição capilar. Além disso, a confecção da peça tornou-se fonte de renda para inúmeras empreendedoras.
Para Nina Fonseca, o turbante é símbolo de importância máxima na cultura afro. “O uso dessa peça traz consigo muito poder. A gente sabe quais são as forças que estamos acessando dentro da nossa ancestralidade quando amarramos um torso na cabeça. E sabemos, também, ao colocar o pé na rua, os riscos que teremos de enfrentar. Essa afirmação de identidade, traduzida em uma única peça, é de uma beleza e força sem tamanho.”
A publicitária Lara Melo, 25 anos, relembra que começou a usar turbante em 2013, após assistir a um tutorial na plataforma YouTube. Ela, que sempre admirou as fotografias de mulheres negras com a peça, resolveu comprar um tecido e reproduzir a amarração e passou a vesti-lo.
Lara conta que entendeu, ainda criança, a importância da sua estética. “Entre meus amigos negros, é comum a narrativa das nossas mães sempre nos falando que não poderíamos sair na rua de qualquer jeito, que precisávamos sempre estar com a melhor roupa. Foi aí que começamos a entender que a nossa estética no Brasil nos limitava e contava sobre nós antes mesmo de abrirmos a boca. Isso é um entendimento de que nossos corpos são rodeados por política”, completa.
Para ela, vestir-se com elementos da cultura negra tem a ver com um retorno às origens. “Eu não tenho dinheiro para buscar minhas raízes na África. Estou tentando ser enxergada como cidadã brasileira, e parte dessa tentativa é o fortalecimento da minha identidade. E a melhor forma de fazer isso é expressando ela.”
A publicitária acredita que o uso do turbante ativa uma força interna, tornando os olhares de julgamento, que ela percebe, irrelevantes. “Eu sempre usei turbante nos dias em que me achava mais pra baixo ou cansada. Normalmente, usava sempre na sexta. Sentia que ele me dava um ânimo a mais e, de certa forma, até um poder simbólico”, completa.
|
|
Alguns modelos da marca Turbante-se
|
Inspiração
Murilo Trindade, 26 anos, advogado, usava turbante no contexto religioso, mas tinha receio de adotá-lo no dia a dia. Achava que a concepção de a peça estar relacionada às mulheres ainda era muito forte no Brasil. No entanto, o impulso dado pelo empreendedorismo de sua mãe, dona do Atelier Carla Trindade (@ateliercarlatrindade), incentivou o jovem a deixar as inseguranças de lado e a usar o turbante como um elemento estético há três anos.
O rapper Johnny Venus, do grupo Earth Gang, que usa turbante frequentemente, e o jornalista Manoel Soares serviram como inspirações para Murilo, que acha importante entender a ancestralidade que a peça carrega antes de usá-la. “Tem um porquê, e se a pessoa entender minimamente por que usar esse adereço estético trará benefícios, ela estará energeticamente mais harmônica. Isso vai influenciar em outras questões na vida dela”, explica.
Além das inspirações atuais, Murilo resgata os tuaregues, povo que vive no deserto e usa turbante de várias cores e tamanhos. “Eu me sinto muito bonito de turbante, acho que remete a uma ligação africana e tem um pertencimento.” Ele ressalta a questão de que, para os povos negros, a estética não é puramente estética, mas tem uma função. Assim como determinadas culturas pintam o rosto por algum motivo, outras protegem a cabeça por alguma razão.