RIO - Depois de levar um vampiro com faixa presidencial para a Sapucaí no ano passado, a Paraíso do Tuiuti mantém a linha de enredos com alta voltagem política. É o segundo desde 2017, quando uma pessoa morreu num acidente com um carro alegórico. Carnavalesco da escola, Jack Vasconcelos adianta detalhes do desfile deste ano, sobre o bode Ioiô, eleito vereador em Fortaleza, em 1922. E, ao analisar a temática, comenta a relação que parte do público faz do personagem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Qual será o tom do desfile?
Será um carnaval irônico, de piada e zoação, com espírito moleque. Precisamos ficar mais leves. Atualmente, todos têm verdades muito absolutas. A coisa começa a feder, por exemplo, quando chargistas são perseguidos. A própria escola, ano passado, foi muito atacada. Eu também fui, pelas redes sociais. Se você fala em coletividade, já te chamam de comunista. Calma, gente. Onde se perdeu esse trilho?
No barracão, percebe-se que a escola não recuou. Os currais de duas alegorias, por exemplo, referem-se apenas ao bode?
Representam também currais eleitorais. Um setor aborda a relação dos poderosos com o povo. Num dos carros, há esculturas de políticos com cabeça de animais. A minha favorita é a mosca. É puro Centrão (como é conhecido o bloco formado por alguns partidos no Congresso): fica ali rondando o poder.
Esse teor brincalhão e, ao mesmo tempo, crítico é mantido em todo o desfile?
O enredo,em si, é um prato cheio para o humor. O bode Ioiô chegou a Fortaleza com retirantes da seca, o que será representado no abre-alas. Antes de entrarem na cidade, essas pessoas ficavam em campos de concentração, como vou mostrar numa das alas. Mesmo nesse começo, optei por não fazer um retrato triste da seca. É algo mais sensorial, de sensação de calor, que se consegue por meio de cores e formas. Uma das inspirações é a obra do artista cearense Chico da Silva, em que os fundos dos quadros parecem um fogaréu.
Parte do público associa o bode ao presidente Lula. Há alguma relação com ele?
Pode ter. Pode não ter. O personagem é tão maravilhoso que cada pessoa faz uma leitura dele a partir de sua vivência.
Há quem veja, inclusive, um Che Guevara no logotipo do enredo...
Ioiô era um revolucionário. Na época, Fortaleza vivia um processo similar ao do bota-abaixo do Rio. Os animais tinham que ser retirados da rua. Ioiô era o único que ninguém mexia, de tão popular. Era um petulante que irritava a elite, porque lembrava a ela que não adiantava negar suas origens.
E como você conheceu essa história?
Por meio do jornalista João Gustavo Melo. Quando a presidência da Tuiuti me pediu um enredo sobre o Nordeste, achei que era o momento perfeito. Na época, ainda não havia as candidaturas das últimas eleições. Mas todo mundo já se descabelava por causa do assunto. Esse período pré-eleitoral estimulou muito. Todo aquele processo ajudou a construir detalhes do desfile.
Qual você acha que será a reação do público?
Não sei se quem aplaudiu a gente ano passado vai aplaudir em 2019 de novo. Não tem como prever.
Qual sua opinião sobre esses enredos políticos?
Falam muito em enredo político. Mas a escola ir para a rua já é um ato político. A diferença é que, ultimamente, um número maior tem falado mais claramente. Tenho mais espaço de desenvolver isso aqui na Tuiuti. É muito legal quando se percebe que as pessoas ouviram o que você quis dizer, mesmo os que te xingaram. Voltou-se a se discutir escola de samba fora de nossa bolha, o que há muito tempo não acontecia.