O susto foi tão grande que ninguém reparou na trombada linguística de Roberto Alvim. O então secretário da Cultura, na quase cópia da frase do nazista Joseph Goebbels, disse: “A arte será igualmente imperativa posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo. Ou então não será nada”.
As gramáticas classificam o posto que como locução conjuntiva concessiva. A duplinha joga no time de embora, mesmo que, apesar de. Mas a ideia da frase é causal: “A arte será igualmente imperativa porque profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo. Ou então não será nada”.
Vinicius
Alvim deve ter-se lembrado do verso de Vinicius de Moraes que aparece no “Soneto da fidelidade”:
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius quis dizer “que não seja imortal porque é chama”, mas usou uma conjunção concessiva (posto que = embora, mesmo que). O poetinha errou? Não. Artista tem licença poética. Pode pisar a língua sem susto. Ele empregou o posto que como popularmente se emprega, mas não como manda a norma culta.
O secretário da Cultura tem licença poética? Não. Roberto Alvim pisou a língua. Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!