RIO - Frida Kahlo , Marie Curie ,Joana d'Arc ... São muitas as mulheres que mudaram o mundo e inspiram novas gerações. Mas, quase sempre que se pensa em algum ícone feminino, vem logo à cabeça um nome internacional. E no Brasil? Quem são as brasileiras que balançaram a sociedade e mudaram, em alguma medida, nossa forma de ver o mundo?
Foi essa pergunta que levou ao livro "Extraordinárias — Mulheres que revolucionaram o Brasil" (Editora Seguinte), das jornalistas Aryane Cararo e Duda Porto de Souza.
CELINA selecionou, entre as mulheres que têm a vida contada no livro, 13 nomes. Muitas delas, pouco conhecidas da população brasileira em geral. Confira abaixo:
1. Dandara
Dandara não era só mulher de Zumbi de Palmares. Ela era líder do quilombo. A guerreira, que tem data e local de nascimento desconhecidos,morreu em 6 de fevereiro de 1694, no estado de Alagoas. O fato de os registros oficiais sobre a vida dela serem tão escassos evidencia o o silêncio e o apagamento imposto às mulheres negras no Brasil.
O que se sabe sobre Dandara é que ela aprendeu a fabricar espadas e a lutar com esses objetos — ate então, algo absolutamente masculino. Ela também era capoeirista e traçava estratégias e ações de combate. O Quilombo dos Palmares foi fundado por volta do final do século XVI, em Alagoas — onde hoje é o município União dos Palmares —, por mulheres e homens escravizados que haviam fugido de engenhos de açúcar.
2. Nísia Floresta
A pioneira feminista brasileira Nísia Floresta nasceu em 1810 em um município que então se chamava Papari, no Rio Grande do Norte. Hoje, a cidade ganhou outro nome: Nísia Floresta, em homenagem à sua filha ilustre. Ela morreu em Rouen, na França, em 1885.
Entre as lutas de Nísia como intelectual, estão a educação das mulheres, a abolição da escravidão e a liberdade religiosa — aspectos tão caros à sociedade atual.
3. Anita Garibaldi
Anita faz juz ao título informal de "heroína de dois mundos". Nascida em Laguna, Santa Catarina, em 1821, ela foi personagem central da Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e lutou pela unificação italiana ao lado de seu companheiro, Giuseppe Garibaldi. Ela virou uma lenda no Brasil e na Itália.
Guerreira destemida, ela sabia cavalgar e manejar armas como poucos soldados. Anita morreu cedo, aos 27 anos de idade, em 1849, em solo italiano.
Ela ja foi retratada por diversas vezes na televisão e no cinema. Uma das aparições mais marcantes da personagem foi na minissérie da TV Globo "A casa das sete mulheres", em que a catarinense era interpretada pela atriz Giovanna Antonelli.
4. Chiquinha Gonzaga
Nascida no Rio de Janeiro de 1847, Chiquinha Gonzaga — ou Francisca Edwiges, como consta em sua certidão — teve uma vida escandalosa aos olhos da elite da época: separou-se de um marido que a impedia de tocar piano, escolheu ter uma vida boêmia num tempo em que mulheres precisavam de autorização até para sair de casa e foi a primeira maestrina e compositora de peças de teatro do Brasil — numa época em que a moda era tocar apenas ritmos estrangeiros.
Chiquinha é reconhecida ate hoje como grande intérprete da alma popular brasileira. Ela nasceu em berço aristocrático, mas por pouco não foi assim. A mãe de Chiquinha, Rosa Maria, era filha de escravos e solteira. Só depois de ter a menina, casou-se com o marechal José Basileu Neves Gonzaga, que reconheceu Chiquinha como sua filha. Ela foi então criada como as outras sinhazinhas: com aulas de piano, latim, ciências. Ela fez sua primeira composição ao piano aos 11 anos de idade. Algumas das mais conhecidas são "Ó abre alas", "Estrela d'alva" e "Lua branca".
A pianista morreu em 1935, na mesma cidade onde vio ao mundo e pela qual era apaixonada, o Rio.
5. Nair de Teffé
Nair de Teffé é simplesmente a primeira mulher caricaturista do mundo. Ela nasceu no Rio de Janeiro, em 1886, e começou a desenhar caricaturas aos 9 anos, quando era estudante de um convento na França. Nair contava que, por achar o nariz de uma das freiras muito grande, desenhou o rosto da religiosa num papel e provocou uma gargalhada generalizada entre as meninas do internato.
A jovem passou a divulgar suas caricaturas sob o pesudônimo Rian (seu nome ao contrário), um nome masculino que a ajudou a ganhar notoriedade — haja visto o machismo.
Nair morreu em 1981, aos 95 anos de vida — exatamente! Ela nasceu e morreu no mesmo dia: 10 de junho.
6. Carolina Maria de Jesus
Catadora de papel e mãe solteira de três filhos, a mineira de Sacramento é nome fundamental para se entender a literatura marginal e periférica no Brasil.Seus diários foram transformados no livro "Quarto de despejo: diário de uma favelada", publicado em 1960 e traduzido para mais de dez idiomas. A obra é um relato pessoal importante e raro na literatura brasileiras sobre as condições de vida das trabalhadoras negras.
Carolina nasceu em 1914 e morreu em 1977, no sítio que comprou com as vendas de seu livro. Escreveu poemas, cartas e gravou discos. Após sua morte, foi publicado o "Diário de Bitita", em que conta sua infância e história de luta contra o preconceito social. Sobre a escrita, ela disse: "Catei papel, revirei lixo. Do papel também tirei meu alimento: a escrita".
7. Nise da Silveira
Todo mundo só pensava em lobotomia e eletrochoque para tratar pacientes psiquiátricos. Mas Nise da Silveira via essas técnicas com absoluto horror : ela defendia um sensível trabalho com o inconsciente, com terapia baseada em ateliês de costura, marcenaria e pintura. Por muito tempo, foi ridicularizada, desmoralizada e sabotada por seus pares. Até que o mundo se rendeu aos seus ensinamentos, que se mostraram muito mais eficazes no tratamento psiquiátrico.
"Antes eu era louca, agora estou na moda", disse Nise em entrevista ao "Jornal do Brasil" publicada em 30 de agosto de 1990.
Alagoana, ela nasceu em Maceió em 1905. E morreu no Rio de Janeiro em 1999. A mãe queria que Nise fosse pianista, mas ela decidiu ser médica. Na turma da Faculdade de Medicina da Bahia (1921-1926), era a única mulher entre 157 alunos. Já naquela época, Nise tinha preocupação especial com quem estava à margem da sociedade: sua monografia de conclusão de curso foi sobre a criminalidade feminina no Brasil. A psiquiatra ficou conhecida em todo o planeta e inspirou a criação de museus e centros de saúde que trabalham com cultura.
8. Cacilda Becker
Conhecida como "a atriz de mil vidas" e "primeira-dama do teatro brasileiro", Cacilda Becker tem sua história de vida confundida com a do próprio teatro moderno brasileiro. Ela nasceu em 1921, em Pirassununga, interior de São Paulo, e estreou no palco aos 19 anos no teatro do estudante do Brasil, no Rio de Janeiro. Nos anos 1940 e 50, foi protagonista de quase 50 peças, chegando a trabalhar até 18 horas por dia.
Cacilda ficou conhecida pela diversidade de seus personagens. Era camaleônica, interpretava jovem, velho, homem, mulher. Com a chegada da ditadura militar, em 1964, a atriz assumiu um papel maior do que a de porta-voz da classe artística: Cacilda Becker passou a ser uma voz ativa na demanda por liberdade de expressão e a volta da democracia.
A atriz morreu durante o intervalo de uma das peças em que trabalhou, a famosa "Esperando Godot", em 1969. Após sentir uma forte pressão na cabeça, Cacilda sofreu um derrame e morreu pouco mais de um mês depois, causando comoção nacional.
9. Dona Ivone Lara
A alcunha de "majestade do samba" cai bem à Dona Ivone Lara. Negra, mãe e trabalhadora, ela abriu passagem para que outras mulheres também participassem do mundo do samba.
Dona Ivone nasceu em 13 de abril de 1922 e morreu em 16 de abril de 2018, há bem pouco tempo. Dona de uma voz inconfundível, Ivone Lara virou a primeira mulher na história do samba a se consagrar como cantora e compositora. Foi a primeira a assinar um samba-enredo, o clássico "Cinco bailes da história do Rio", que fez ao lado de Silas de Oliveira e Bacalhau para o Império Serrano. Lançou mais de dez discos. Um de seus maiores sucessos é "Sonho meu".
10. Zuzu Angel
Em uma época em que as passarelas nacionais eram tomadas por peças de estilistas estrangeiros — e homens — e roupas nada libertadoras para o corpo feminino, a estilista Zuzu Angel ganhou notoriedade por apresentar roupas que valorizavam materiais brasileiros, como a chita, e que se adaptavam de forma criativa a diferentes corpos.
A história dessa brasileira foi contada nas telonas no filme "Zuzu Angel", no qual ela é interpretada pela atriz Patrícia Pillar. O estilista mineiro Ronaldo Fraga apresentou uma coleção em homenagem à Zuzu na temporada de primavera/verão 2002 na São Paulo Fashion Week. O desfile tinha o título "Quem matou Zuzu Angel?"
11. Niède Guidon
A arqueóloga Niède Guidon é defensora ferrenha da Serra da Capivara, no Piauí. Foi ela que descobriu, lá, na década de 1970, as pinturas rupestres mais importantes dos primeiros seres humanos a habitarem o Brasil e uma das maiores coleções desse tipo de arte no mundo.
Após a descoberta de Niède, a compreensão sobre a presença dos Homo sapiens na América do Sul mudou para sempre. Ela lutou para criar o Parque Nacional da Serra da Capivara, hoje considerado patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Nascida em Jaú, São Paulo, em 1933, Niède nunca mais deixou o Piauí — tamanha a consciência que ela tem sobre a importância histórica do local. E o medo que ele seja destruído.
O parque vem enfrentando grandes problemas de orçamento ao longo dos anos, com nenhum apoio governamental. Além disso, Niède já sofreu inúmeras ameaças de empresários do Agreste, que insistem em intimidá-la. Mas ela continua lá, aos 86 anos de idade, sendo a alma e a guardiã do parque.
12. Leila Diniz
Garota de classe média, nascida em Niterói em 1945 e criada no Rio, Leila Diniz chocou a sociedade brasileira dos anos 60 com seu jeito despachado e livre. Em uma entrevista icônica ao jornal "O Pasquim", em fins de 1969, a atriz, de toalha branca na cabeça, falou tudo e mais um pouco — inclusive vários palavrões, que foram substituídos na publicação por asteriscos.
Ela virou símbolo da liberdade feminina e de um novo comportamento sexual. A já citada entrevista para "O Pasquim" causou tanto rebuliço que o nome da atriz foi usado para batizar o "Decreto Leila Diniz", de 1970. Nele, era instaurada a censura prévia na imprensa, em filmes, peças de teatro, livros, etc.
Leila morreu em um acidente de avião a caminho de Nova Délhi, na Índia, em 1972.
13. Marta
No país do futebol, terra de Pelé, Zico e Romário, não é um homem o mais premiado. A alagoana Marta é considerada a melhor jogadora da História do futebol feminino e já ganhou o prêmio de Melhor do Mundo da Fifa seis vezes, de 2006 a 2011. Foi indicada 12 vezes em 13 anos. É também a maior artilheira da Seleção brasileira - tem mais gols com a amarelinha que Pelé.
Nascida em Dois Riachos (AL), em 1986, é caçula de seis filhos criados pela mãe, depois que o pai abandonou a família. Marta só passou a frequentar a escola aos 9 anos de idade, mas aos 6 já jogava futebol em um campo improvisado debaixo da ponte. Em meio ao conservadorismo do Sertão alagoano, era chamada de "mulher-macho" pelas ruas de sua cidade por conta do amor pelo futebol.
Hoje, tem inúmeras medalhas (incluindo ouro nos jogos Pan-americanos de 2003 e 2007, prata nas Olimpíadas de 2004 e 2008 e o segundo lugar no Mundial de 2007) e é Embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas (ONU), em que atua no combate à pobreza e pela emancipação feminina.