TESTOSTERONA
A. C. Dib
A tarde corria monótona, lenta e modorrenta.
O estudo de física − com suas fórmulas, leis e equações − se fazia vital à sobrevivência escolar, eis que a prova final se aproximava, e a média presente rastejava, muito aquém do exigido para a aprovação na matéria. Ocorre que, para Caíque, uma dose de física equivalia a um frasco de purgante de jalapa.
Mirou o relógio, ansioso. Não, ainda não era a tão esperada hora do lanche da tarde. Costumava interromper o estudo para lanchar, pontualmente, às dezesseis horas. Aí, então, como ninguém é de ferro, já que tinha mesmo que comer, refestelava-se na poltroninha favorita, com os pés ‒ ou com o prato de comida ‒ apoiados no pufe fronteiriço, e, na TV, assistia ao imperdível Festival Hanna Barbera. Não se dava conta, mas, mesmo comendo um boi inteiro, não acrescia uma grama sequer à esquálida magreza, que o caracterizava. Findo o Festival, já era hora do banho. Lamentavelmente, então, via-se obrigado a protelar, uma vez mais, o estudo da física, cabalmente adiado para o dia seguinte.
Ideia de gênio: já que não era, ainda, a hora do lanche, comeria uma tigela daquela deliciosa saladinha de frutas ‒ feita pela fiel Alzinélia ‒, não como lanche da tarde, mas como segunda sobremesa do almoço.
Resolvido o dilema, marchou para a cozinha, postando-se diante da geladeira. Da salada de frutas, instantaneamente, lembrou-se dos generosos peitões de Alzinélia, a quem foi, certa feita, apresentado pelo buraco da fechadura do quartinho de empregados. Tal lembrança, forçosamente, estendia em mais cinco ou dez minutos os banhos diários.
Lançando-se à poltrona, com a salada de frutas quase a derramar da tigela, constatou, indignado, que a Sessão da Tarde passava intragável dramalhão romântico, dos anos cinquenta, com o ator Tyrone Power.
Aborrecido, com os frutos da salada a estufarem as bochechas, pegou o jornal, esparramado sobre o pufe, e passou a lê-lo, superficial e distraidamente. Quem garante não teria a sorte de encontrar, ali, matéria jornalística de conteúdo picante, acompanhada da competente foto de uma dona pelada?
Correndo os olhos, deparou-se com destacado anúncio, em letras garrafais, que assim dizia:
Maria Joana Knijnick, solteira, procura pessoa do sexo oposto, para fim de casamento. O interessado deverá ser pessoa sensível e que tenha o hábito de oferecer flores.
End. Rua da Esperança, 43.
Leu com interesse. Teria se equivocado? Era aquilo mesmo? A dona procurava um marido, por anúncio de jornal? Achou por bem conferir, lendo novamente o anúncio. Enquanto lia, sem que planejasse, sentiu erguer-se, no interior das calças de moletom, avantajado volume. Temeu, então, receber, ali, a súbita companhia de uma das irmãs. Cuidou, rapidamente, de encobrir o desajeitado volume com uma almofada, e nesta apoiou o jornal aberto.
“Maria Joana Knijnick (...)”. Seria ela um bagulho encalhado? Para procurar marido no jornal, ou era uma piadista, ou estava desesperada.
Pensou em visitar a dama do anúncio, mas, atentando para a ideia do casamento, desanimou. Casamento não era para ele. Não naquele momento. Dezessete anos não era idade para homem se casar. Sua avó, sim, celebrou bodas aos catorze, mas os tempos eram outros. Desejava, em verdade, algum dia, encontrar o grande e verdadeiro amor, mas, ao mesmo tempo, antes desse definitivo passo, tencionava aproveitar plenamente a vida, saciando-se às escâncaras. Só depois, então, já enjoado de sexo e de mulheres, mergulharia de cabeça na vida monogâmica do matrimônio.
Mas e se, porventura, com sua presença envolvente, e sua boa lábia, terminasse por virar a cabeça da senhorita Maria Joana, fazendo com que ela se desse conta das delícias e vantagens do sexo sem compromisso? Para impressioná-la, levaria consigo um caprichado buquê de perfumadas rosas vermelhas. Nesse caso, então, mataria, triunfante, dois coelhos com uma só cajadada: descartaria, em definitivo, a constrangedora virgindade, e materializaria o sonho, há muito sonhado, de se envolver com uma balzaquiana.
Viajava nesses projetos, quando lhe ocorreu que não contava com uma boa lábia. Longe disso. Frente a uma bela mulher, desgraçadamente, afinava, titubeava, amarelava e enrubescia. Também não tinha assunto com elas, já que política ‒ sua predileção ‒ era temática que costumava aborrecer as pessoas do sexo oposto.
Ponderou, então, que, de igual forma, os dotes físicos não lhe favoreciam. De fato, não era feio, mas os traços finos restavam encobertos, pelos dois lados da face, por compactas placas de purulentas espinhas, que desciam das costeletas até o queixo. Também o físico esquelético e branquelo, de varapau, não lhe conferia arrimo.
Seria, portanto, mais seguro, telefonar, sondar o terreno, antes de se aventurar na porta da anunciante. Pelo telefone, ganhava mais confiança, sentia-se mais inspirado e encorajado. Mas a sacana da senhorita Knijnick não informou o número telefônico. E se tudo não passasse de um bem armado trote?
Queimava, assim, os miolos, encharcados de testosterona, quando se lembrou da puída revistinha, que guardava no fundo da gaveta do armário, abaixo da pilha de camisas. Ocorre que já tinha ‒ não fazia meia-hora ‒ acabado de apelar para a velha revista. Não seria exagerada semelhante fixação?
Mas que diabos! Era homem, e saudável ‒ saúde transbordante ‒, e a tal revista era a Playboy, com a Zaira Zambelli nas páginas centrais.
Matou, com voracidade, a salada de frutas e correu para o quarto.
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