“Reabrir um teatro é renascer um bairro, uma cidade e, sem exagero, um país”, frisa Fernanda Montenegro. Ela se emociona ao saber que o Teatro Copacabana Palace será reinaugurado em novembro, após quase três décadas fechado. Parte das memórias da atriz — e da história das artes cênicas no Brasil — ocupa os assentos da sala fundada em 9 de setembro de 1949, pioneira na Zona Sul carioca e mais conhecida pelo apelido de Teatro Copacabana.
Inativo desde 1994, o endereço com entrada e bilheteria voltadas para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, aos fundos do célebre hotel, foi palco para a estreia profissional de Fernanda nos tablados. Em 1950, a então jovem de 21 anos integrou o elenco da peça “Alegres canções na montanha”, ao lado de colegas como Nicette Bruno, Beatriz Segall e, veja só, Fernando Torres, com quem iniciou, nos ensaios, uma união longeva. Embora a montagem tenha sido um fracasso, o nome de Fernanda figurou como destaque positivo entre a crítica. Foi um nascimento artístico, ela relembra.
O Teatro Copacabana que dará as caras ao público é uma peça luxuosa totalmente repaginada. Do extenso foyer à sala revestida em madeira, com capacidade para 332 lugares, o que se vê é um espetáculo de altíssimo valor — a rede Belmond, responsável pela administração, não revela a quantia investida. A peça de estreia em novembro (em data ainda a ser definida) é um musical sobre o próprio hotel.
— O público vai querer assistir às peças e também ao próprio teatro — brinca o engenheiro Paulo Pozzobon, à frente das obras, que ganharam pontapé em 2018.
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A versão do teatro do século XXI é mais robusta. Há agora um café ao lado de um hall de entrada, por exemplo. E, por trás dos panos, escondem-se segredos condizentes com este período pandêmico, como o sistema de ar-condicionado importado dos EUA que, afirmam os responsáveis , expele uma substância eficaz para eliminar vírus dos recintos.
— Hoje, não basta criar teatro bonito. É preciso misturar o artesanal com a alta tecnologia — diz a gerente de projetos Taissa Thiry. — Parecia missão impossível, mas deu certo.
Teatro do 'entretenimento elegante'
Chamam a atenção os números por trás da reforma do novo Teatro Copacabana Palace, empreitada que envolveu mais de 600 profissionais e teve acompanhamento permanente de entidades como o Iphan. Entre elementos como oito lustres suntuosos — cinco deles restaurados —, 44 arandelas de cristal, escaiolas (pinturas à mão que imitam pedra), carpetes importados da Turquia e 1.945 metros de tecidos em cores exclusivas para estofados do local, há detalhes que levaram tempo para florescer.
Uma das poucas partes a resistir ao incêndio de 1953, a marquise frontal do teatro foi decapada por três especialistas até que fosse encontrada a cor original dos ornamentos na fachada do imóvel tombado. Nas paredes internas, em pedra ou madeira, profissionais entalharam à mão brasões, figuras geométricas e rosáceas que remetem a outros espaços do Copacabana Palace. Para manter a continuidade do desenho da madeira no revestimento da sala, foram utilizados cerca de 70 mil metros de folhas de pau-ferro.
O protagonismo dado à beleza do teatro, com balcão e camarotes glamourosos, resgata o requinte associado a determinada época, avalia Isabelle Cury, arquiteta vinculada ao Iphan, que acompanhou as obras. No fim da década de 1940, tão logo foi inaugurado (no lugar de uma sala de shows no extinto cassino do hotel), o Teatro Copacabana passou a levar à cena certo “entretenimento elegante”. E assim a sala se notabilizou na então capital federal.
Paulo Autran, Tônia Carrero, Eva Wilma, Jorge Dória, além de Henriette Morineau e sua trupe Os Atores Unidos, foram nomes frequentes no palco nos anos 1950 e 1960. Até que fechasse devido a questões administrativas, o endereço acolheu outros artistas como Renata Sorrah, Marieta Severo, Bibi Ferreira e Nathalia Timberg em espetáculos quase sempre bem-sucedidos comercialmente. Vera Fischer e o elenco da peça “Desejo” foram os últimos a pisar ali.
— O Teatro Copacabana consolidou um tipo de teatro de mercado com alto padrão de produção: eram espetáculos refinados, pensados para uma faixa abrangente do público, e que não faziam nivelamento por baixo — comenta o jornalista e crítico do GLOBO Daniel Schenker, que atualmente realiza uma pesquisa de pós-doutorado sobre o Teatro Copacabana, na UniRio.
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Meu teatro é uma peça
A depender da moderna estrutura acústica da sala — e do urdimento de 20 metros, que permite trocas ágeis de cenário, algo raro no Rio —, a programação do teatro continuará a privilegiar montagens arrojadas visual e sonoramente.
A inauguração será marcada pela estreia do inédito “Copacabana Palace — O musical”, com texto de Ana Velloso, Vera Novello e Luis Erlanger, sob direção de Gustavo Wabner e Sergio Módena. Com elenco de 15 atores capitaneado por Suely Franco, Vanessa Gerbelli e Claudio Lins, a produção repassa a história do hotel, da abertura em 1923 aos dias de hoje, com referências a medalhões que estiveram lá, como Carmen Miranda, Frank Sinatra e Louis Armstrong.
— O Copa foi irradiador da nossa cultura, e é isso o que nos interessa na peça — conta Wabner, que idealiza o projeto desde 2016. — Estrearíamos entre 2019 e 2020 em outro local, mas fomos atropelados pela pandemia. Nesse ínterim, aconteceu a feliz coincidência da reabertura do teatro.