Desde que começou a pandemia, Susana Vieira só levanta da cama lá pelas 13h, quase sempre de mau humor, ainda sob a identidade de Sônia, nome que consta em sua certidão de nascimento — “Soninha, que fica de pijama o tempo inteiro, está muito mais presente agora”, ela diz, sobre si mesma. Depois que dá atenção aos quatro cachorros da raça Yorkshire, a atriz de 78 anos começa a soltar piadas e tiradas para quem está por perto, e segue assim durante todo o dia, como faz questão de frisar. O comportamento reflete um “instinto de sobrevivência”, ela constata.
— Meu Deus, deixa eu ver como é um homem. Tem muito tempo que não vejo como é essa coisa maravilhosa — Susana berra, ao receber o GLOBO em sua casa, no Rio de Janeiro.
A brincadeira poderia ser feita por Nelita, mulher que ela interpreta — e que adora discorrer sobre sexo, homens, pênis e otras cositas más — no filme “Amigas de sorte”, que estreou na última segunda-feira (17/5) nas plataformas Now, Sky, Vivo, Oi, Looke, iTunes e Google Play.
A produção põe em primeiro plano as vivências de mulheres maduras, algo raro de ver no Brasil, lamenta Susana, cansada de encarnar mães e avós de protagonistas na TV. Na entrevista a seguir, ela, que já tomou as duas doses da vacina contra a Covid-19, fala abertamente sobre uma miríade de assuntos — da sensação de não se enxergar com a idade que possui ao desejo de jamais passar despercebida.
— Tenho 78 anos, e estou no auge para fazer a mulher gostosa, bonita e beijoqueira — afirma, orgulhosa.
Não é a primeira vez que você participa de uma obra que dá protagonismo a personagens acima dos 70 anos. Isso é importante?
Uma produção em que eu não sou a mãe ou a avó da protagonista é uma vitória. Mostra que não dá para fazer apenas filmes com três mulheres jovens à procura de um amor. Atrizes americanas, como Meryl Streep e Jane Fonda, já reclamaram que o cinema só oferece papéis bons para mulheres até uma certa idade. No Brasil, isso é muito pior.
Existe uma exaltação à juventude?
Se você me perguntar como cheguei aqui hoje, tenho muito mais história do que uma garota que também já ganhou dinheiro suficiente para comprar uma casa como a minha. Mas ela contará o quê? Ela vai preencher só meia página de jornal.
Você sempre trabalhou muito. Como está a rotina agora?
Quando comecei a ficar mais sozinha, na pandemia, comecei a olhar a casa que arrumei, as plantinhas que escolhi. Antes, fazia tudo isso entre um avião e outro, uma novela e outra. Não tomava conta de nada. Só assinava cheque! De repente, passei a ser uma dona de casa chata, reparando em tudo. Nos primeiros dias, foi uma alegria. Depois, já me cansei.
“'Não sei como uma velha de 70 anos se veste. Me visto como Susana Vieira'”
Não se sente com a idade que tem?
Essa é a coisa mais esquisita na minha vida. Não sei como uma velha de 70 anos se veste. Me visto como Susana Vieira. Meu lema é esse: falo o que eu quiser com 70 ou 20 ou 30 anos. Não mudei meu linguajar, nem minha forma de pensar. Faço academia, musculação, alongamento na aula de balé, tenho uma esteira em casa, subo e desço escada... Me mantive muito ativa e muito jovem, sempre com disposição. E, sinceramente, não tenho raiva de nada.
Incomoda-se de encarnar apenas avós na ficção?
Não me interesso por esse negócio de terceira idade, porque eu não sei quando isso começa. Para mim, a terceira idade começaria com 80 anos. Não pode começar com 60. Tenho 78 anos, e estou no auge para fazer a mulher gostosa, bonita e beijoqueira. No cinema, por exemplo, um bandido pode ser mais velho... (Arnold) Schwarzenegger ontem estava caquético num filme nos EUA. Os homens vão até o bagaço da laranja por lá. Tem que colocar essas pessoas para trabalhar mesmo.
Mas existe a vaidade, certo?
Acho que esteticamente preciso me conservar. Tenho que fazer um pouco de dieta, ficar com a cara boa, mas sem fazer exagero nas plásticas, para não ter aquelas bocas botocadas... Preciso ficar arrumada e bonitinha para fazer uma velha bonita e protagonista.
“'Hoje em dia, colocam muita gente numa novela para competir. Não me queixo, não. Sabe por quê? Porque eu arrebento'”
Para artistas que trabalham na TV, o envelhecimento é acompanhado pelo público...
Exatamente. Mas os telespectadores não deixaram de gostar de mim porque eu fiquei velha. Quando você vê a novela “A vida da gente”, de dez anos atrás (e agora em reprise), a Nicette Bruno está um sonho. A voz dela é a mais forte de todas, as frases que ela fala tem um som melhor, a generosidade em cena é outra. É diferente. Nós, atores, éramos uma turma antigamente.
Hoje em dia, colocam muita gente numa novela para competir, e aí acontece que um autor gosta muito de uma menina ou de um garoto, aumentando os papéis deles. Mas olha, vou te dizer: não me queixo, não. Sabe por quê? Porque eu arrebento. Se é para falar “aqui está o seu café, madame”, eu vou lá e faço. Mas vou falar, dar o café e talvez eu derrame a bebida no colo da mulher, para chamar atenção (ela gargalha). Não passo despercebida, de jeito nenhum.
Você passa para o público a imagem de uma mulher com autoestima elevada. É sempre assim?
Sou autêntica. Tenho alegria de viver. Estou aqui e estou feliz. Gosto de tudo o que é besteirinha, como essas flores vagabundas. E acho que o público vê isso. Por isso sou uma atriz popular. Tenho um selo de garantia perante o público. Minha maior vitória não é ser simpática. Ser ótima atriz é meu grande trunfo.
Você fala abertamente sobre vários assuntos. Preocupa-se com "cancelamento"?
Falo abertamente sobre tudo porque sou ser humano e foi me dado o direito de falar. Poderia responder só “sim” e “não” para você, mas esse não é meu estilo. Sou uma pessoa importante neste país. Fiz muita gente feliz. É isso o que penso de mim, o que me dá orgulho. Vivi para trabalhar. Casei várias vezes, mas a minha vida emocional nunca foi o primeiro plano. E não fiquei rica. Não posso parar de trabalhar, pois ninguém guarda dinheiro neste país, a não ser os ladrões da política.