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Rafaela e Wesley acompanham o tratamento do filho Gabriel Nisiguchi no Hospital da Criança de Brasília (HCB)
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O dia a dia na escola com amigos da mesma idade dá lugar à convivência em um quarto, às vezes compartilhado por outras pessoas acamadas. Os inúmeros brinquedos são substituídos por parafernálias de última geração, usadas para monitoramento da saúde. A rotina de atividades ao ar livre se transforma em tardes dedicadas a consultas e exames invasivos. Desde muito cedo, muitas crianças e adolescentes lidam com a realidade de começar a vida em hospitais, internadas ou em tratamento, na expectativa de vencer uma doença grave.
Mas essa luta não é motivo para tirar dessas crianças a esperança por um futuro diferente, longe de um quarto de hospital, por mais que as instituições se esforcem para oferecer um ambiente acolhedor e agradável. Em comum, meninos e meninas conservam a capacidade de sonhar, até em momentos nos quais muita gente grande não conseguiria fazer o mesmo. Gabriel Nisiguchi, 4 anos, um desses protagonistas, passou mais de um mês internado no Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB).
Diagnosticado com um tipo raro de câncer — o linfoma de Burkitt, que ataca região próxima ao abdômen —, Gabriel perdeu o movimento das pernas e, agora, passa por tratamento quimioterápico. Apesar de ter recebido alta médica, as passagens pelo HCB continuam frequentes, tanto para receber medicação quanto para ser reavaliado. A notícia sobre o câncer pegou a família de surpresa, há cerca de dois meses.
Diagnóstico
Os sinais apareceram quando o menino apresentou dores na barriga. De início, médicos desconfiaram que se tratasse de uma apendicite. Depois, a suspeita mudou para adenite mesentérica — inflamação de nódulos linfáticos ligados ao intestino —, possibilidade descartada por uma tomografia. Após a alta e com a persistência dos sintomas, Gabriel acabou internado novamente. Um segundo exame de imagem mostrou que o quadro havia piorado.
Ele perdeu o movimento das pernas, o controle sobre a bexiga e não conseguiu mais se sentar por conta própria. Os pais receberam a notícia de que o quadro estaria associado a um câncer. Gabriel foi transferido para o HCB, onde uma ressonância magnética revelou a presença de um tumor na medula espinhal que alcançou sete vértebras. Ele passou por uma quimioterapia de emergência, por uma cirurgia para remover o edema e permaneceu internado por 40 dias. Uma semana depois da alta médica, o menino voltou para a unidade de saúde, onde permaneceu por mais quatro dias, e foi liberado novamente.
Desde que saiu, Gabriel está melhor, mas precisa continuar as sessões de quimioterapia. “Depois que acaba o ciclo, ele fica com a imunidade muito baixa. Tem de se recuperar, pois ela é bem agressiva, puxada. Tem gente que volta para casa no mesmo dia. Mas ele fica uns seis dias internado. Se houver algum tipo de intercorrência — febre, diarreia —, temos de voltar correndo para o hospital”, relata a advogada Rafaela Fumie, 35, mãe de Gabriel. “Falar que é fácil é hipocrisia. Receber diagnóstico de câncer é muito desesperador. Mas estamos vivendo uma experiência de fé”, desabafa.
Mesmo com toda a vivência hospitalar, Gabriel é uma criança tranquila, compreensiva e que, segundo a mãe, lida bem com a situação. Apesar da pouca idade, ele faz planos para a vida adulta. “Quero ser médico, para poder cuidar de quem está dodói”, conta. Apaixonado por futebol e flamenguista roxo, ele revela ser fã de Gerson, enquanto reproduz o gesto que o meio-campista faz depois do gol. Entre outros projetos de Gabriel para depois que terminar o tratamento está, obviamente, voltar a jogar bola: “Quero andar, brincar e jogar futebol. Gosto muito que a mamãe conte histórias; de brincar com robô, dinossauro, videogame; e de viajar. E quero ir para a praia, para brincar lá”, completa.
Artigo
Por Paula Madsen
Caminhos para o acompanhamento
O processo de hospitalização representa um momento delicado na vida de qualquer pessoa, independentemente de idade, escolaridade, classe social ou do gênero. Indicar a internação ocasiona uma série de alterações nas atividades diárias e, muitas vezes, são exigências, inclusive aos familiares. O ambiente hospitalar é bastante restritivo, requer mais controle para que sejam seguidos protocolos de saúde e alcançados os resultados e a eficácia estimada para o tratamento.
O adoecimento de uma criança sensibiliza as pessoas que a acompanham. A fragilidade do paciente, o risco de um óbito prematuro, o abandono de sonhos e projetos. O sentimento de medo — da doença, dos procedimentos, do agravamento do quadro, da morte — também é sempre presente. A criança hospitalizada conta com a presença de familiares para acompanhar diariamente todos os procedimentos e favorecer o conforto de referência em um ambiente tão inóspito.
No hospital, a criança está privada de muitos estímulos necessários. Medicações, restrição de movimentos e o afastamento de experiências externas podem ser negativos para alguns aspectos do desenvolvimento cognitivo, motor e social, porém, são fundamentais para as investidas de recuperação da saúde.
Observam-se, entre as crianças internadas — nas interações sociais com familiares, outras crianças ou pessoas da equipe de saúde — que o paciente expressa, de forma lúdica, a percepção sobre o que acontece, as lembranças e vontades relacionadas à vida fora do hospital, como o retorno para casa, bem como as negociações e projetos esperançosos, construídos em família, assim que receber alta médica. Essas construções são importantes por representarem, também, uma das etapas de enfrentamento da situação.
Já os adolescentes apresentam uma percepção mais similar à de um adulto. Compreendem melhor a situação, podem ser mais atuantes no tratamento, suavizando algumas exigências aos familiares. Essa compreensão mais elaborada pode impactar na formação de conceitos e na construção da identidade. No entanto, a percepção de sequelas ou complicações decorrentes da doença podem ser erroneamente compreendidas como condições determinantes ou até irreversíveis. Considerando-se o contexto mais imediatista característico da adolescência, isso pode levar ao isolamento social, à limitação de perspectivas futuras ou mesmo a pensamentos negativos.
Assim, acompanhar o processo de hospitalização, promover as estimulações necessárias para cada idade, desenvolver intervenções pautadas em psicoeducação para instruir e orientar pacientes e familiares tornam-se medidas psicológicas necessárias para diminuir o sofrimento, promover qualidade de vida, facilitar a adesão ao tratamento e prevenir comorbidades e riscos de recidivas que possam tornar o processo de internação ainda mais longo.
Paula Madsen é psicóloga, mestre em psicologia da saúde e professora do Centro Universitário Iesb