Renato Souza
Jorge Vasconcellos
Publicação: 08/11/2019 04:00
"Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal – Dias Toffoli, presidente do STF
|
Depois de cinco sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu, por seis votos a cinco, a execução da prisão após condenação em segunda instância. Com isso, a Corte retrocedeu ao entendimento que vigorou entre 2009 e 2016, impondo um retrocesso no combate à corrupção e um duro revés à Operação Lava-Jato. Pelo menos 38 réus investigados pela força-tarefa devem ser liberados, de acordo com levantamento do Ministério Público Federal do Paraná. O efeito da decisão é imediato, e assim que a ata do julgamento for publicada, advogados poderão solicitar a liberação de condenados que estão presos em decorrência de sentença tomada em segundo grau. Entre os beneficiados, está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (leia reportagem na página ao lado).
Além do petista, milhares de presos devem ser soltos para aguardar recursos ao STJ e ao STF. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão atinge 4.895 detentos em todos os estados. Entre os condenados na Lava-Jato que podem ser liberados em razão do entendimento do Supremo estão o ex-ministro José Dirceu, condenado a oito anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos da Petrobras; o ex-gerente da Petrobras Pedro Augusto Cortes Xavier; o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, além do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e do pecuarista José Carlos Bumlai.
Em nota publicada logo após o julgamento, a força-tarefa da Lava-Jato declarou que o entendimento do STF prejudica o combate à corrupção e favorece a impunidade. “A decisão do Supremo deve ser respeitada, mas, como todo ato judicial, pode ser objeto de debate e discussão. Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país”, destacou um trecho do texto.
Procuradores da Lava-Jato lembraram que a grande quantidade de recursos possíveis no sistema jurídico brasileiro resulta, inclusive, na prescrição de crimes. “A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade. Reconhecendo que a decisão impactará os resultados de seu trabalho, a força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua”, emendou a nota.
O presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo, lamentou o desfecho do julgamento. “Reafirmo a preocupação do Ministério Público brasileiro com o provável retrocesso jurídico, que dificulta a repressão a crimes, favorecendo a prescrição de delitos graves, gerando impunidade e instabilidade jurídica”, ressaltou.
O ministro Edson Fachin, relator dos casos da Lava-Jato no Supremo, afirmou que os trabalhos relacionados à operação vão continuar normalmente na Corte. “Não creio que seja suficiente apenas culpar o sistema de processo penal pelas circunstâncias suscitadas neste julgamento. A relatoria dessa operação vai continuar a fazer o que tem de fazer, que é promover a responsabilização, quando for o caso, e a absolvição, quando for o caso.”
Toffoli
O ministro Dias Toffoli, que desempatou o placar, rebateu críticas de que a medida vai gerar impunidade e destacou que cada magistrado deve avaliar a situação do preso quando receber o pedido de liberdade. “No Brasil, mais de 300 mil pessoas estão presas por condenação em primeira instância. E continuarão presas, pois são pessoas perigosas”, disse o presidente da Corte, defendendo que condenados sejam presos logo após julgamento no Tribunal do Júri, que atua em casos de crimes hediondos, ou seja, dolosos contra a vida. Esse assunto ainda será analisado pelo plenário do Supremo.
Votaram a favor da prisão após condenação em segunda instância os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Os contrários à detenção antes de apresentar todos os recursos possíveis foram Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello, além de Toffoli.
Após o resultado, apoiadores do ex-presidente Lula que estavam na Praça dos Três Poderes soltaram fogos de artifício, e o barulho pôde ser ouvido dentro do tribunal. A Polícia Militar reforçou a segurança.
Respeito
No julgamento, a ministra Cármen Lúcia pediu que visões contrárias sejam respeitadas. “Quem gosta de unanimidade é ditadura. Democracia é plural, sempre. Diferente não é errado apenas por não ser mero reflexo”, frisou. Ela declarou que conhece os problemas do sistema penal do país, mas que a precariedade não pode servir como fundamento para não aplicar a lei. De acordo com a magistrada, derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância aumenta a impunidade. “Se não se tem a certeza de que a pena será imposta, de que será cumprida, o que impera não é a incerteza da pena, mas a certeza ou pelo menos a crença na impunidade.”
O ministro Gilmar Mendes destacou que mesmo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerado a terceira instância, é possível anular a pena de uma pessoa condenada nas instâncias inferiores. “O STJ pode corrigir fatos sobre a culpabilidade do agente, alcançando, inclusive, a dosimetria da pena”, disse.
Saiba mais
Três ações
O julgamento encerrado ontem foi sobre o mérito de três ações, movidas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), PCdoB e Patriota, que tratam sobre a execução antecipada de pena. As ações pediam que fosse confirmada a validade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê o trânsito em julgado — quando todos os recursos jurídicos são esgotados — como necessário para estabelecer as condições da prisão. Esse dispositivo foi incluído pelo Congresso Nacional em 2011.
Mudança de posição
O julgamento de ontem marcou a segunda vez que Toffoli mudou de posição sobre o tema. Em fevereiro de 2016, ele admitiu a prisão após condenação em segunda instância. Depois, passou a defender uma solução intermediária — de se aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agora, o presidente do Supremo votou pelo trânsito em julgado.
4.895
Número de presos que podem ser beneficiados pela decisão, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Contra a prisão
Ricardo Lewandowski
Rosa Weber
Marco Aurélio Mello
Celso de Mello
Gilmar Mendes
Dias Toffoli
A favor da prisão
Edson Fachin
Alexandre de Moraes
Luís Roberto Barroso
Luiz Fux
Cármen Lúcia