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Magistrados estão divididos sobre a questão. Decisão da Corte poderá afetar condenações feitas em decorrência das investigações da Operação Lava-Jato
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O Supremo Tribunal Federal retomará hoje à tarde o julgamento que avalia a constitucionalidade da prisão de réus em ações penais após a condenação em segunda instância. A sessão de ontem foi interrompida pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, quando quatro ministros já haviam se manifestado, com três votos a favor da prisão e um, contrário. Há grande expectativa em relação ao voto da ministra Rosa Weber, que abrirá a sessão de hoje. Apesar de ter votado a favor da prisão em segunda instância, meses atrás, no julgamento de um habeas corpus, a opinião dela sobre o tema é uma incógnita. À época, a ministra declarou que poderia ter uma visão diferente no plenário, cuja decisão valerá para todos os casos semelhantes que tramitam no país e pode afetar as condenações da Lava-Jato.
Para que o colegiado defina a questão, pelo menos seis dos 11 ministros da Corte têm que votar no mesmo sentido. É possível que o julgamento não seja encerrado na sessão de hoje. No entanto, com o voto de Rosa Weber será possível ter um panorama do resultado final. Se houver maioria votando no mesmo sentido, é provável que o resultado permaneça, mesmo que o encerramento do caso seja adiado.
Se a sessão desta quinta-feira não for suficiente para que todos os votos sejam apresentados, o assunto deve ser retomado apenas no começo de novembro, já que na próxima semana não haverá sessões na Corte. Para dar maior celeridade ao processo, Toffoli deve cancelar o intervalo que ocorre no meio da sessão.
O primeiro a votar, ontem, foi o ministro Marco Aurélio Mello, relator das ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que pedem a revogação da autorização para prisão em segunda instância. De acordo com ele, a Constituição prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
“A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior”, afirmou. “O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas”, completou Marco Aurélio.
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso divergiram do relator e se manifestaram a favor da prisão após a condenação em segunda instância. Alexandre de Moraes afirmou que proibir a prisão antes de análise dos tribunais superiores reduziria a relevância dos julgamentos nas demais instâncias. “Não se pode afastar a efetividade da tutela judicial dadas pelos juízos de 1ª e 2ª instância, que são os juízes naturais da causa, de cognição plena. Não se pode transformar esses tribunais em tribunais de mera passagem”, observou.
Beneficiários
Luís Roberto Barroso destacou que condenados por crimes de corrupção seriam diretamente beneficiados com a eventual revisão do entendimento do Supremo sobre o momento em que o encarceramento pode ser efetuado. “A imprensa divulgou alguns beneficiários notórios: condenados por corrupção, peculato e lavagem. Pobre não corrompe, não desvia dinheiro e não comete lavagem. Não foram os pobres que mobilizaram os mais brilhantes advogados criminais”, disse.
Além de Rosa Weber, faltam votar os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e, por último, o presidente Dias Toffoli. O voto de Rosa Weber costuma ser extremamente técnico. O entendimento dela sobre os casos que julga costuma ser conhecido apenas nos momentos finais da leitura do voto. Nos bastidores do Supremo, ela evita comentar os processos e os demais colegas de plenário não se atrevem a dar um palpite sobre como ela deve avaliar a prisão em segunda instância, um dos temas mais polêmicos entre os que já passaram pelo crivo da Corte.
O professor João Paulo Martinelli, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), entende que, para se aplicar a prisão antes do julgamento de todos os recursos, seria necessário que o Poder Legislativo mudasse o texto constitucional. “A Constituição Federal é muito clara: ninguém poderá ser considerado culpado antes de transitar em julgado a decisão. Se o problema é a lentidão do Poder Judiciário e do Ministério Público para o encerramento do processo, não é violando um princípio constitucional que o problema será resolvido. Tem que se pensar em soluções para que o processo tramite de forma mais ágil. O sistema recursal deve ser repensado e o modelo de gestão das instituições deve ser modificado”, disse.
O criminalista Max Kolbe faz uma avaliação diferente. Para ele, nos tribunais superiores não se discute mais a culpa do réu, mas sim o trâmite processual. Por conta disso, ele entende que a prisão deve ser aplicada após condenação em segunda instância. “Quando o caso vai para o STF ou para o STJ, não é mais avaliado o mérito, somente alguma afronta à Constituição ou à lei. Assim, não se discute se o réu é inocente ou culpado. Por esta razão, se está exaurida a instância, não há motivo para manter o réu em liberdade, ainda mais se considerarmos que o direito penal tem institutos, como prisão preventiva, prisão provisória e própria prisão em flagrante, que restringem a liberdade desse réu ou do acusado antes mesmo de se findar o processo penal”, afirmou.