Soninha e este colunista em charge feita por W. Santos em 2006
Por sugestão do eminente jurista, José Paulo Cavalcanti Filho, advogado no Recife, ”exemplo do pensamento cartesiano, do profundo conhecedor do Direito, do texto ao mesmo tempo de clareza e de profundidade, que brinca com as palavras na mesma intensidade com que cita um artigo da Constituição”, colunista do Jornal da Besta Fubana (JBF), do Diário de Pernambuco e de O Globo, e autor de vários livros, entre eles: Aos Amigos Tudo (poesia), Informação e Poder; O Mel e o Fel; Somente a Verdade e a obra-prima: FERNANDO PESSOA – UMA QUASE AUTOBIOGRAFIA, criei coragem para contar uma história real e dolorosa que, passados mais de dois anos da realidade fatídica, até hoje me angústia, deixa atônito, deprime, provando que o melhor da vida é vivê-la intensamente, conforme sábias palavras do poeta Fernando Pessoa, que Soninha repetia sempre com otimismo quando viva, por isso mesmo encantou-se feliz, em paz consigo mesma e com as suas convicções de que só o trabalho, a determinação e a honestidade dignificam o ser, apesar da dor e do sofrimento sem fim.
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
Em 2007, Soninha foi até a clínica de sua ginecologista particular fazer um check-up, principalmente na parte atinente ao câncer de mama. Depois que a médica a analisou, suspeitou de alguns nódulos pequenos nos seus mamilos, imediatamente a encaminhou para uma oncologista.
Chegando à oncologista indicada, Soninha foi submetida a uma ressonância, tendo a médica mastologista realizado uma biópsia com agulhas em um dos seios dela, mas nada de grave naquele momento fora detectado nos nódulos, segundo resultado da biopsia.
De posse do resultado da mamografia e da biopsia, Soninha retorna à sua ginecologista e esta, analisando o resultado do exame de mama e outros solicitados, como: ultrassom pélvico, papanicolau, rastreamento infeccioso, colposcopia, citologia e microflora vaginais e não vislumbrando nada grave nos exames, pediu que Soninha retornasse para casa e a intimou a voltar ao consultório médico no máximo em seis meses, impreterivelmente já que havia histórico de câncer mamário na família materna.
Trabalhadora compulsiva, workaholic, Soninha linda, inteligente, corpo escultural e duma beleza interna e externa ímpares, tendo de trabalhar mais de quinze horas por dia, de domingo a domingo e feriado, para sobreviver, pagar impostos ao governo e viver com dignidade com o que sobrava, deixou passar in albis o retornou à clínica ginecológica de sua médica e, dois anos depois voltou lá devido a uns incômodos sentidos nos seios.
Chegando à clínica de sua ginecologista com hiato de mais de dois anos, a médica espantou-se com o descaso de Soninha com a sua saúde. E passou a examiná-la e, para seu espanto, os tumores malignos haviam crescidos, multiplicados e, conforme o resultado da mamografia realizado naquele momento, o câncer já havia se enraizado, chegado à metástase! Daí começou o drama impiedoso, devastador, cruel, sofrimento sem fim para ela.
Depois do resultado do exame letal, iniciou-se o tratamento: quimioterapia, radioterapia, com seus resultados quimioterápicos devastadores que foram deixando Soninha frágil, magra, pálida, vulnerável a qualquer vírus e bactérias, e totalmente careca. Qualquer pessoa que a conhecesse antes e a visse depois do início da quimioterapia entrava em depressão com tamanho sofrimento sem fim e desfiguração total! Não há fingimento na dor!
Depois de um ano de agruras, dores e sofrimentos com idas e vindas ao Hospital do Câncer de Pernambuco, o quadro clínico de Soninha se agravou e ela teve de ser internada por ordem médica.
Com dois meses de internamento a metástase tornou-se irreversível e os médicos do hospital que cuidavam dela, percebendo que não havia mais chance para vencer o maldito, mandou chamar a família e anunciou o que ninguém gostaria de ouvir: ela só tem um mês de vida! Aproveitem o máximo para externar o amor que sentem por ela. E tudo foi feito na santa paz do afeto. “A indesejada das gentes a qualquer momento pode chegar para levá-la!” – sentenciou o médico!
Antes de deixar esse mundo material e ir-se para o outro lado do desconhecido, Soninha chamou-me a mim, à família e às enfermeiras do hospital para externar uma preocupação: que todos ali se comprometessem a cuidar bem de sua filhinha de quatro anos, que não deixassem lhe faltar nada, que lhe fosse dado carinho, afeto, educação, formação, e bons modos de vida: honradez, respeito, trabalho e honestidade. Foi quando a freira e enfermeira-chefe do hospital, no gesto da mais pura grandeza, de amor, de afeto e do valor social à família, encostou-se ao ouvido dela, e num geste do mais puro amor profissional, lhe falou:
– Fique tranquila, minha filha! Descanse em paz! Sua filhinha terá o mesmo amor que você dispensava a ela, por todos que a amam!
Bastou a freira dizer isso, com a assistência de todos que estavam presentes, para ela se virar de lado com o semblante lindo, e a certeza de que sua filhinha ia ser tão bem cuidada como Anamaria, filha de Olívia com Eugênio Pontes, do antológico romance Olhai os Lírios do Campo, do romancista genial cruz-altense, Érico Veríssimo, o qual Soninha já havia lido umas trinta vezes, e partiu desta sorrindo para o outro lado do universo desconhecido. Parou de sofrer!
Quando da retirada do corpo da cama e a preparação para pô-lo no paletó de madeira, dentro da simplicidade suplicada por ela dizendo em vida não querer ostentação à sua última viagem ao além, os profissionais encontraram por baixo do seu travesseiro o referido romance que ela tanto admirava, com a página aberta na carta de Olívia a Eugênio Pontes, com essa passagem grifada à caneta azul marca texto:…
“Quero que abra os olhos, Eugênio, que acorde enquanto é tempo. Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio. Leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo que não trabalham nem fiam e, no entanto, nem Salomão em toda sua glória jamais se vestiu como um deles.”
“Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.”
“Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache que o povo devia viver narcotizado pela esperança da felicidade na “outra vida”? Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo…”